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Atahualpa e o jogo de xadrez

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No livro “História universal da Infâmia” o escritor argentino Jorge Luis Borges refere-se a Atahualpa, décimo terceiro e último imperador inca. Atahualpa era filho do imperador Huayna e tinha um meio-irmão, Huascar. Ao morrer Huayna deixou testamento, dividindo o império entre os dois filhos. Entretanto, Huascar queria todo o governo, estabelecendo-se a guerra entre os dois irmãos. A vitória final pertenceu a Atahualpa que, em seu retorno à capital, junto de um exército de 30 mil homens, recebeu convite do explorador espanhol, Francisco Pizarro, para um encontro numa pequena cidade.

Poderoso e proprietário de grandes tesouros Atahualpa compareceu ao encontro carregado em um trono de ouro, acompanhado por soldados desarmados. Ao chegar, um frade apresentou a ele uma bíblia exigindo o juramento de submissão ao rei Carlos V. Irritado, Atahualpa atirou a bíblia no chão. Nesse momento Pizarro mandou seus homens atirarem, tendo sobrevivido apenas Atahualpa que foi preso. A emboscada surtira efeito.

Durante o período de prisão de Atahualpa os espanhóis jogavam xadrez. Borges nos diz que Hernando Soto, um dos conquistadores do Peru, distraiu os meses de prisão do Inca Atahualpa, ensinando-lhe o jogo de xadrez.

Consta que durante uma partida entre os capitães Soto e Riquelme houve interferência de Atahualpa. Soto preparava-se para jogar quando Atahualpa tocou em seu braço, indicando-lhe escolher o movimento da torre. Alertado, Soto movimentou a torre e conseguiu o xeque-mate.

Tempos depois Pizarro reuniu seu conselho de 24 juízes para definir o futuro de Atahualpa que foi condenado à morte por 13 votos a favor e 11 contra. Entre os votos favoráveis estava o Riquelme, sendo impossível saber se fora por vingança à derrota no xadrez. A crença popular é a de que Atahualpa não teria sido condenado se não houvesse aprendido a jogar xadrez.

Atahualpa foi enforcado embora seus súditos tenham pago um resgate fabuloso em ouro.

O dólar

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Nos anos 70 e 80 o assunto era a dívida externa. O país devia bilhões de dólares e não tinha como pagar. Terminado o governo militar, já no governo FHC, as reservas brasileiras passaram a se equilibrar até superaram a dívida nos anos seguintes. A dívida ainda existe, mas quase não se fala sobre ela. O tema do dia é o PIB baixo e a desvalorização do real frente ao dólar.

Crises mundiais, queda nas bolsas de valores, ameaças de epidemias, tudo influi na variação do câmbio. E o dólar atinge patamares exorbitantes. Está-se na margem do cinco para um.

Além das enormes consequências no meio dos negócios fala-se bastante sobre dificuldades enfrentadas por brasileiros no exterior. De repente lá fora ficou tudo muito caro. Um comediante relata que pagaram, ele e a mulher, oitenta dólares por uma refeição trivial. O troco a que tinha direito seriam vinte dólares, mas havia a taxa de serviços. Na piada ele conta sobre a garçonete que perguntou a ele se queria o troco. Mas, se o troco, vinte dólares, seriam cem reais…

Houve tempo, depois do fim do fim do governo militar, em que o dólar foi pareado a um para um com nossa moeda. Ir ao exterior, EUA por exemplo, era uma delícia. Então tudo parecia muito barato aos brasileiros. Hoje tudo é muito diferente. Uma migo acaba de voltar de Nova York e me relatou que lá se sentiu pobre. Olhe que ele está bem de vida. Disse a ele que parasse de chorar sem motivo. Mas, o que ele estava mesmo era indignado com a desvalorização do real. Contou-me que saiu com amigos americanos para um jantar em restaurante de nível médio, nada chique etc. Eram seis pessoas. Pratos individuais. De bebidas foram duas garrafas de vinho e duas doses de uísque. A conta veio salgada: 650 dólares. Isso vezes 4,5 chega a quase três mil reais. Entretanto, para os americanos, o custo foi de cem dólares por pessoa. Aqui seriam perto de quinhentos reais por cabeça, um absurdo…

De nada valeu usar com o meu amigo a conhecida máxima: quem converte não se diverte. A disparidade pesa e suas consequências sociais em nosso país vão muito além do relatado sofrimento de turistas ocasionais.

Falo sobre o assunto após ter lido artigo de jornalista no qual relata suas experiências ao tempo de sua juventude. Fala ele sobre viagens ao exterior, pouco dinheiro no bolso, hospedando-se em hotéis muito baratos, fazendo uso de transporte público e fazendo refeições triviais. Conheceu a Europa assim e diz que hoje em dia isso se tornou impossível aos jovens, fato que lamenta.

Inflação e custo nas empresas são efeitos da alta do dólar, afetando o dia-a-dia da população. Segundo consta não existe no horizonte perspectiva de que essa situação regrida, pelo menos em pouco tempo.

Praias

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Nunca fui adepto de praias. Nascido e criado nos altos da Mantiqueira só conheci o mar no início da puberdade. Além do que desde cedo fui desestimulado aos chamados esportes náuticos. Nadar, nem pensar. O fato de ter perdido dois irmãos por afogamento estabeleceu-se como barreira em relação a aventuras em rios e mares. Nem mesmo a pesca me atraiu. Havia sempre uma sombra de receio em relação aos perigos iminentes de vir a ser afogado. Talvez por isso mesmo as viagens em barcos ou navios de cruzeiros sempre me dessem nós na garganta. Em Salvador participei de passeio de barco às ilhas próximas. Retornávamos de Itaparica quando fomos colhidos por uma tempestade. Mar revolto, os turistas presentes na pequena embarcação puseram-se a rezar. Ondas altas levantavam-se, por vezes cobrindo o barco. Na ocasião não cheguei a temer pela vida. Assenhorado por confuso sentimento de eternidade decidi que não seria ali o meu fim. Não foi. Retornamos a Salvador sãos e salvos.

Noutra ocasião, a bordo de um navio de cruzeiro, fui surpreendido por grande tempestade no litoral de Santa Catarina. Tão grandes vagalhões levavam o navio a balançar muito. Assim o jantar não pode ser servido e ondas gigantescas atingiam mesmo as partes altas do navio. Pessoas passando mal, desespero de alguns, aquilo foi terrível. Na manhã seguinte, durante uma escala, grupos de passageiros decidiram desembarcar. Voltariam às suas casas por outros meios de locomoção, não seguindo adiante na viagem cujo destino era Buenos Aires.

Mas, às praias. A minha familiaridade com o mar aconteceu pelo fato de morar, justamente, em cidade do litoral. Ocorre que a par das belíssimas manhãs e entardeceres, proporcionados pela presença do mar, também se convive com momentos em que as águas invadem a areia. Perdas consideráveis acontecem quando as águas chegam aos prédios, invadindo garagens e danificando veículos.

No momento a Baixada Santista ressente-se do efeito de grandes tempestades que assolaram a região. Antes delas o mar bastante revolto cobriu a areia, chegando até mesmo à avenida em alguns pontos. As imagens da violência do mar impressionam. Como são impressionantes as imagens dos deslizamentos de morros que vieram abaixo, soterrando casas e roubando vidas.

Notícia de hoje, divulgada pela revista Nature Climate Change, informa que metade das praias de areia do mundo poderão desparecer até o ano de 2100. Isso devido ao aumento do nível dos oceanos em função das mudanças climáticas. Mesmo que se consigam significativas reduções de gases de efeito estufa, ainda assim mais de um terço da costa está ameaçado. Importante lembrar que as praias de areia se constituem num freio contra tempestades e inundações. Sem elas os impactos de fenômenos climáticos extremos seriam mais fortes.

O alerta publicado pela Nature Climate Change chega num momento em que políticas adotadas por governos de alguns países têm mostrado grande desprezo em relação a acordos climáticos. Esse fato, infelizmente, contribuirá para que tal previsão possa se concretizar.

Chuva

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Estrada interditada. Informa-se sobre a queda de barreira. Não há previsão para liberação do trânsito. Dentro do carro, em meio a gigantesco congestionamento, o rádio surge como único companheiro. Com ele o motorista dialoga, ouvindo informações e, talvez, um pouco de música. A chuva não dá tréguas. O ruído das gotas, martelando na lataria do carro, incomoda. Pelo para-brisas vê-se um pedaço do céu, escurecido pelas nuvens carregadas. No rádio uma repórter avisa sobre alagamentos. Casas com água na meia altura da parede, famílias que perderam tudo. A tempestade realça a miséria. Autoridades atribuem a desgraça ao volume excessivo de água caindo do céu em período curto. Explica, mas não justifica. Um político de oposição berra que, entretanto, em períodos mais secos nada se faz para, pelo menos, minimizar os efeitos das chuvas. Deslizamentos de morros, casas vêm abaixo. Pessoas soterradas. A cada hora anuncia-se a descoberta de mais uma vítima fatal. Um morador conta sobre o momento em que o chão do lugar onde mora tremeu. As árvores tremeram. Um casal de idosos, pressentindo a catástrofe iminente, decidiu sair de casa. Os dois estavam na escadaria quando a terra cedeu e veio abaixo. Foram colhidos pela avalanche. Até agora, diz o homem, os corpos não foram encontrados. O prefeito da cidade atingida vem a público para esclarecer sobre medidas de socorro aos que tiveram que sair de suas casas. Locais preparados para receber pessoas, igrejas… Muita gente, em desespero, agradece por pelo menos terem se salvado. A repórter volta para noticiar a morte de dois bombeiros. Tentavam salvar uma criança quando soterrados por um deslizamento. São heróis - repete o radialista de plantão no estúdio da rádio.

O trânsito segue parado e não há perspectiva de que venha a ser liberado. É quando a memória traz de volta um conto de Julio Cortázar cujo título é “A autoestrada do Sul”. No retorno a Paris, após o feriado, um grande congestionamento. Horas parados no mesmo lugar os viajantes descem dos carros e travam conversas. Um deles trava contato com a motorista do carro ao lado do seu. Nas horas que passam entre os dois se estabelece uma promessa de futuro relacionamento. É quando o trânsito reabre. As pessoas correm para seus carros e inicia-se o retorno a Paris. Em vão o homem tenta seguir o carro da mulher com quem se encontraria depois. Ele a perde, não pegou se endereço, tudo acabado.

Aqui, entre tantos carros, me pergunto se num deles não estará alguém como eu, alguém em busca de alguém. Tento ver pelo vidro molhado se nalgum carro próximo não estará uma mulher sozinha, alguém com quem eu pudesse entabular conversa que resultaria num encontro futuro, quem sabe ainda nesta noite. Mas, nada. Nada acontece exceto a chuva que não para. Não retorno de um feriado prolongado, não estou na autoestrada que conduz a Paris, nem há uma mulher com quem conversei e poderemos nos encontrar mais tarde. Só há esse enorme silêncio, cortado pelas gotas de chuva.

Vida eterna

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Não se trata daquela prometida após a morte. Segundo cientistas a imortalidade será possível aqui na Terra mesmo. Chamam a isso de “a morte da morte”. E não tardará a acontecer. Até 2045 os homens poderão decidir se querem continuar vivos ou não.

Mas, como isso será possível? Tudo depende dos avanços da nanotecnologia. Através de reprogramação genética conseguiremos o rejuvenescimento. Com isso menos exposição a doenças, etc. A vida poderá, sim, ser interrompida por razões alheias à vontade do indivíduo como no caso de assassinatos. Ou por opção do rejuvenescido que opte por se suicidar.

Entretanto, seria de se fazer pesquisa sobre a vontade de seguir adiante após décadas de estadia forçada aqui no planeta. A vida não é e nunca foi simples por mais prazerosa que ela se apresente. Seguir adiante? E quanto à rotina diária, problemas, dificuldades, convívios, negócios etc? Dirão que, em contrapoisição, existe muita coisa boa o amor por exemplo. Pois é. O jeito será colocar prós e contrés numa balança e observar o resultado. Mas, sinceramente, espero morrer bem antes do dia em que uma escolha desse tipo se torne possível. Afinal, nunca sonhei em ser um homem do futuro.

Depois do carnaval

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Os penúltimos foliões estão a caminho de casa. Não serão os últimos porque restam, país afora, blocos e desfiles de escolas vencedoras nos desfiles de rua. A folia invade a Quaresma, Mas, é por pouco. Findo o carnaval, o ano começa por aqui. A realidade se impõe, simples assim.

Que realidade? Ora, a de um mundo que há tempo perdeu o controle sobre si próprio. Mundo sob o comando da paranoia coletiva em relação ao que quer que seja. No qual ninguém se entende. Polarizações, extremismos, homofobia, miséria, racismo etc. Sem falar na ameaça de epidemias. A prometida no momento é a causada pelo coronavírus.

Mas, ela ainda não aconteceu. Cercada por atitudes histéricas o projeto de nova epidemia alimenta temores que, por enquanto, se revelam exagerados. Há, sim, que se ter cuidado, muito cuidado. A higiene das mãos está entre as prioridades. A busca da vacina a ser produzida em prazo recorde avança nos laboratórios do mundo. De fato, não é impossível que a epidemia se alastre. Mas, mais que nunca, o bom senso é necessário

A ameaça de epidemia que pode se tornar uma pandemia leva-nos a 100 anos atrás quando a gripe espanhola se instalou em várias partes do mundo, provocando a morte de milhares de pessoas. No Brasil faleceram 35 mil pessoas em decorrência da gripe que não respeitou pessoas importantes e fortunas. Vítima célebre o presidente eleito, Rodrigues Alves, que assumiria o governo em fins de 1918. Alves já fora presidente entre 1902 e 1906, período no qual realizara a reurbanização do Rio de Janeiro. Eleito para o segundo mandato o presidente não chegou a tomar posse, vitimado que foi pelo vírus da gripe espanhola.

Meu pai e tios eram jovens em 18, mas guardavam lembranças da epidemia. É preciso recordar que, naquela época, não existiam no país condições mínimas na área de saúde para enfrentar tamanha epidemia. Consta, por exemplo, que foi a epidemia o fator decisivo para que, a partir daí, começassem a existir hospitais públicos. Tanto que pessoas doentes, sem lugar para onde pudessem se dirigir em busca de socorro, seguiam para delegacias de polícia. Acrescente-se a então incipiente produção de medicamentos que só anos mais tarde passariam a ser produzidos em larga escala pela indústria farmacêutica.

Atualmente o mundo se apresenta mais bem preparado para o combate a pandemias globais. Evidentemente, persistem regiões nas quais a miséria é a condição predominante, regiões essas mais sensíveis à rápida disseminação de doenças. Mais bem preparado não quer dizer que o coronavírus não venha ser ameaça preocupante. Mas, bom senso, cuidados pessoais e vacinas serão o caminho para vencer mais essa etapa de nossa história.

Carnaval

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Estamos nas beiradas do carnaval. A grande festa empolgou gerações passadas e se mantém firme na preferência popular. Blocos saem às ruas em todo o país, alguns deles contando com milhares de participantes. Desfiles das grandes escolas, no Rio e São Paulo, empolgam aqueles que amam a folia. No Recife o “Galo da Madrugada” faz a alegria de multidões que desfilam às margens dos rios que cortam a cidade. Uma beleza. Em Salvador os carros de som trazem multidões de foliões atrás de si, ouvindo celebridades que se revezam no axé e outros gêneros musicais. O Brasil pára durante o carnaval. A regra é deixar para lá a tristeza e os problemas do dia-a-dia. Como no samba de Ari Barroso o folião de raça volta para casa só na quarta-feira, mal-humorado, mas feliz.

Se você nunca foi ao Sambódromo do Rio para assistir ao desfile das escolas do primeiro grupo, faça isso antes de morrer. Não saia desse mundo tendo poupado seus olhos da beleza orgástica que encanta gente procedente de todo o mundo. Vá lá. Deixe-se levar por aquela loucura, infelizmente passageira. Por uma noite você se esquecerá de tudo e fará parte de uma multidão momentaneamente encantada. Monumentais carros alegóricos, abre-alas, passistas, as fantásticas baterias conduzidas pelos mestres e mulheres. Trata-se da exposição do físico, sempre em busca da perfeição de formas.

Pois não há momento em que as mulheres mais se exponham fisicamente que no vale-tudo do carnaval. Celebridades desfilarão como porta-bandeiras, rainhas de baterias etc. Sempre com muita pouca roupa sobre seus corpos esculturais. E já se deixam fotografar assim agora, chamando muita atenção. Em tempos do Me-Too não se sabe como enquadrar fatos dessa natureza. Mas, obviamente, nenhum folião é contra.

No Rio também existem os grandes bailes em clubes famosos, frequentados por celebridades e toda gente disposta a pagar as entradas um tanto salgadas. Ali pode-se ver de tudo. A sensualidade predomina nesses espaços onde em geral turistas se deliciam. Festas que se alongam até o alvorecer com consumo de enormidades de drinks e cervejas.

No grande carnaval a exposição do corpo surge como um dos protagonistas da festa. Mais poucos dias e você poderá assistir aos desfiles das escolas que atordoa multidões. Mas, que fazer se nascemos sob o signo de Momo e adoramos o carnaval?

Latinos

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Mario Vargas Lhosa escreve sobre George Steiner cuja morte lamenta. A certa altura comenta sobre suas conversas com Steiner. Elogia a paciência de Steiner em ouvi-lo embora sempre tivesse a sensação de que o inglês o encarava como um latino-americano. Mas, Lhosa recebeu o prêmio Nobel de Literatura. Aliás, prêmio mais que merecido. Impossível ignorar seus livros. “Tia Julia e o Escrevinhador”, por exemplo, é daqueles que não sai de nossas memórias.

Quem vai ao exterior pode experimentar o ranço de superioridade em algumas pessoas com quem cruzamos. Semana passada conversei com uma senhora sobre o assunto. Ela reclamou dos franceses. Embora fale francês contou ser ignorada quando se dirigia a franceses de Paris. Se pedia informação a resposta, se muito, era a de um dedo apontado na direção que deveria seguir. Explicações nunca.

Anos atrás, em Paris, entrei numa grande loja. Imediatamente pôs-se em meu encalço um funcionário com a missão de impedir que eu surrupiasse alguma coisa. No começo achei que seria impressão minha achar que alguém me seguia. Mas, como o segurança não me deixava em paz experimentei na própria pele a condição de pertencer ao terceiro-mundo.

Hoje em dia muita gente opta por viver no exterior. Saem do país por conta da violência ou razões de natureza econômica. Destino de preferência dos brasileiros é Portugal. Mas, são tantos imigrantes que os portugueses estão dando um basta na imigração. Há, também, casos de imigrantes que não conseguem se estabelecer e voltam para o Brasil. Ressaltem-se casos de pessoas que não conseguem retornar por não terem dinheiro para passagem aérea.

Seguem as tentativas de imigração ilegal aos Estados Unidos. Casais com filhos tentam atravessar a fronteira com o México. Muitos são capturados e presos. Nestes dias um avião americano trouxe de volta pessoas que tentaram atravessar a fronteira. Chegaram relatando humilhações e sofrimento. Marido, mulher e filho separados sem receber notícias uns dos outros. Uma mulher contou ter ficado quinze dias recolhida a uma cela pequena, sem contato com ninguém. Aqui o presidente da República disse que não solicitaria clemência aos EUA e recomendou que as pessoas entrassem legalmente naquele país.

Noticia-se que declarações intempestivas de governantes e desacertos na política externa têm contribuído para piorar a imagem do país no exterior. Para isso tem também contribuído a mudança na política governamental em relação a questões ambientais.

Enfim, não é nada fácil ser latino. Daí o comentário de um conhecido: “tenho pensado em romper o contrato de ser brasileiro”. Disse como piada. Mas, na roda de amigos ninguém riu.

A chuva

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Daqueles tempos ficaram as imagens do encarregado da Companhia Sul Mineira de Eletricidade, encostando a escada no poste em cuja parte superior ficava o transformador. As descargas elétricas dos raios atingiam o transformador, gerando faíscas que nos aterravam. Mas, o encarregado não tinha medo daquela festa de cores tão perigosas. Assim, ele conseguia desligar a chave do transformador, deixando o lugarejo às escuras. Só mais tarde, após o fim da tempestade, ele voltaria para religar a energia local.

Eram temporais violentos. O riozinho que ficava nos fundos de nossa casa transbordava e a água chegava à nossa porta. Certa madrugada fomos despertados por trovões e relâmpagos que se repetiam ininterruptamente. Tantos eram que a noite se encheu de claridade. Era de costume cobrirem-se espelhos e queimar ramos de plantas que tinham sido abençoados, na igreja, na missa do Domingo de Ramos. Minha mãe e minha tia corriam nesses fazeres que funcionavam como pedido de clemencia aos céus. Por sim, ou por não, algum tempo depois a tempestade amainava. Seguia, na madrugada, a chuva fina, batendo contra o telhado.

Na manhã seguinte as pessoas falavam sobre a chuva da noite anterior. Vez ou outra chegavam notícias de cidade próxima na qual aconteciam trombas d´água com alguma frequência. Nuvens tocavam o cume dos morros e descarregavam muita água que descia, ribanceira abaixo, levando tudo o que estivesse em seu caminho. A força da água destruía casas e matava pessoas e animais.

Não sei dizer se as grandes chuvas de agora se equiparam àquelas dos meus tempos de menino. Talvez por eu ser pequeno as tempestades de então me pareciam tão colossais. Entretanto, o que acontece atualmente chega a ser desesperador. Chove num só dia o equivalente à mais que metade do total de milímetros esperados para o mês. Ruas alagadas, estradas interrompidas, desabamentos, perdas materiais e mortes formam o quadro que se repete nos noticiários que nos chegam diariamente.

Como acontece a cada ano as autoridades são criticadas por não prepararem as cidades para o impacto causado por tantas chuvas. Critica-se o fato de se lembrarem das chuvas apenas quando os desastres acontecem, sempre no início do verão. Mas, depois de março, quando o ciclo das chuvas se reduz, não se fala mais no assunto. Isso é verdade. Entretanto, não se pode ignorar o fato de que, ano após ano, as tempestades têm se tornado mais frequentes, demoradas e violentas.

Nesta madrugada fui acordado pelo ruído de trovões e raios. Chovia copiosamente. Ainda sonolento tive ímpetos de me levantar para cobrir os espelhos de casa e queimar os ramos abençoados na igreja. Mas, sentando-me na cama, percebi que meu corpo há muito deixara de ser pequeno como nos meus tempos de menino. Minha mãe e minha tia já não estavam neste mundo e eu não tinha ramos para queimar. Então, recostei a minha cabeça no travesseiro e me perdi ouvindo o rugido dos trovões que vinham de longe.

Muita coisa escrita

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Naqueles tempos em que a TV só engatinhava dependíamos do rádio para informações e lazer. O Rio, então capital da República, contava com rádios poderosas que espalhavam, em ondas médias, curtas e tropicais, suas programações para o país. Noticiários, shows de calouros, programas cômicos, narrações esportivas etc. eram consumidos, diariamente, pelos brasileiros.

Eram também tempos nos quais dava-se mais valor à leitura. Nas pequenas localidades, por exemplo, o tempo poderia ser preenchido pela leitura de contos, romances etc. Nesses lugares os cinemas eram precários. Sessões só aos sábados e domingos com rolos de filmes rodando nas velhas máquinas de projeção. Quando o cinema tinha só uma máquina de projeção havia um intervalo providencial para a troca do rolo de filme. Assistia-se à primeira e segunda partes. No final, mais um intervalo para a mudança do segundo rolo e a exibição do capítulo semanal do seriado.

Mas, lia-se. Os contos de Edgard Allan Poe traziam ao leitor o horror em estado puro, segundo a magia das letras do grande escritor. “Macunaíma”, de Mário de Andrade, introduzia o modernismo naquelas paragens. Nas “Memórias Póstumas de Brás Cubas” o jovem leitor inteirava-se não só sobre o enigma de Capitu como sobre a maravilhosa arte de Machado de Assis. Isso sem falar nos volumes da coleção “Mar de Histórias”, selecionados por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai. Nela entrava-se em contato com contos de grandes nomes da literatura mundial, entre outros Voltaire, Defoe, Hebel, Kosztolányi, Gógol, Flaubert, Conrad e Chesterton. E que dizer da obra de Kafka à qual voltamos sempre e tanto nos impressiona?

Pois, todos os livros citados acima - e mais alguns - foram condenados pela Secretaria de Educação de Cultura de Rondônia que determinou fossem eles retirados das escolas. A medida foi justificada por “conteúdo inadequado”. Mas, felizmente, voltaram atrás. Permanece a ameaça.

O fato nos faz recordar o filme “Farenheit 451”, de 1966, dirigido por François Truffault. O filme, baseado em obra homônima do escritor Ray Bradbury, tem como tema um futuro hipotético no qual um regime totalitário proíbe toda forma de escrita. Justifica-se a proibição pelo fato de que leitura e escrita tornariam as pessoas tristes e infelizes. Assim, ninguém pode ter livros em casa. Bombeiros são chamados para queimá-los caso sejam descobertos e o proprietário é preso e reeducado.

Há, de fato, muita coisa escrita circulando por aí. Mas, não se vive num regime totalitário que proíba a circulação de livros. Ainda não.