Arquivo para ‘Cotidiano’ Category
Suicídio de presidentes
Não é fácil ser presidente. Que o digam os eleitos que, ao assumir o cargo, parecem não saber o que os espera. Conflitos de interesses envolvendo somas milionárias atazanam a vida de primeiros mandatários cuja responsabilidade é trabalhar - e administrar - o bem comum.
Obviamente, ao ocupar um cargo dessas o eleito fica sujeito a toda sorte de pressões. Acordos políticos, nomeações, aprovação de projetos, destinações de verbas etc. Há sempre que se esperar que alguém seja favorável à aprovação de um projeto, mas, isso quase nunca se dá sem troca de alguns favores. É o mundo da política.
Há casos em que figuras proeminentes e de até então boa reputação veem-se envolvidas em situações nas quais são acusadas de corrupção. Há verdadeiros corruptos que negam até a morte a prática de ilegalidades. Outros são surpreendidos pela ação da Justiça, condenados e presos. Ditadores de muitas nações em geral escapam ilesos após anos e anos de governar mais em prol de si e de seu grupo que em relação a seus governados.
Existem, ainda, os que se matam. Entre nós o suicídio de Getúlio Vargas ainda hoje comove a opinião. Cercado por auxiliares que cometeram crimes em seu nome o então presidente pôs fim a sua vida em agosto de 1954. Dele exigia-se a renúncia. Trancado em seu quarto no Palácio do Catete o presidente atirou contra o próprio coração. Sua morte levou às ruas milhares de simpatizantes, inconformados. A partir daí o país viveria período de incertezas que culminaria no Golpe de 64.
Os tempos da Operação Lava Jato têm trazido à tona casos de desvios milionários dos cofres públicos e empresas. A toda hora revelam-se nomes de pessoas envolvidas nesse que é o maior escândalo de corrupção de nossa história. Por detrás de subornos e toda sorte de corrupção grandes construtoras do país. Mas, o interessante é que esses casos de corrupção não aconteceram só no Brasil. Governos de outros países também foram envolvidos.
Em pauta, no momento, a corrupção no Peru. Ex-presidentes têm sido acusados de receber propina para facilitar a realização de grandes negócios. Um deles esteve preso há pouco tempo. Outro, Alan Garcia, recebeu ontem, pela manhã, em sua casa, ordem de prisão.
Garcia seria preso ontem. Não foi, entretanto. Pedindo aos policiais tempo para ligar a seu advogado, recolheu-se a seus aposentos e suicidou-se.
Consta que não existiam provas contra Alan Garcia. Fala-se em suicídio em nome da honra. Como no caso de Getúlio. É possível que isso nunca venha a ser esclarecido.
Dores que não passam
Há, infelizmente, dores que não passam. Muitas delas relacionam-se com o futebol. Até hoje a derrota do Brasil, em 1950, na final contra o Uruguai, é chorada. Em pleno Maracanã e diante de mais de 200 mil pessoas o fabuloso escrete nacional foi derrotado por 2×1. O segundo gol do Uruguai, anotado por Ghiggia, faz parte da mais sofrida memória dos brasileiros. Para quem assistiu ao jogo, impossível esquecer-se da tragédia que entristeceu milhões de brasileiros. Para que se tenha ideia, nas vésperas do jogo do Brasil contra o Uruguai, na Copa de 70, o meu entusiasmo com a seleção nacional foi contido por um senhor de mais idade:
- Mas, olhe, é o Uruguai…
Ele vira o jogo de 50.
Para mim, sempre inesquecível - e dolorosa – aquela que ficou conhecida como a “tragédia de Sarriá”. O grande selecionado brasileiro, comandado por Telê, em 1982, caia frente a Itália num inesperado placar de 3X2 a favor dos italianos. Paolo Rossi, atacante italiano, entrava para a história ao anotar os três tentos italianos.
Hoje em dia o interesse pela seleção anda em baixa. Já não se liga o espírito nacional aos resultados da seleção, talvez pelas mudanças de valores que aconteceram ao longo do tempo. Mas, se voltarmos àquele 5 de julho de 1982, quanta tristeza. O silêncio após o fim da partida contra a Itália era maior que a de um féretro no momento da descida do caixão à cova. Abatera-se sobre nós hecatombe irreparável.
Na ocasião eu estava em São Paulo. Na manhã seguinte ao jogo fui, bem cedo, ao centro da cidade. Saía do viaduto do Chá quando me deparei com a página de capa da edição do dia do “Jornal da Tarde”. Estampada nela, página inteira, a foto de um menino, surpreendido pelo fotógrafo, chorando na arquibancada do estádio de Sarriá, após a derrota brasileira. A foto não era acompanhada por nenhum texto. Só o menino, chorando. Sofrendo. Impactante demais. Ao vê-la fui tomado por enorme tristeza e não pude conter as lágrimas.
Decorridos 37 anos daquela tragédia eis que hoje, ao acaso, me deparei com a velha foto ilustrativa de nossa derrota. Eis que, quando percebi, uma lágrima descia pela minha face. Pois é, há dores que não passam.
Buraco negro
Eis que enfim hoje foi-nos apresentado, oficialmente, um buraco negro. A primeira foto do colossal e devorador buraco foi obtida após uma década de esforços de um grupo de cientistas. Telescópios situados em várias regiões do planeta geraram imagens que, plasmadas, forneceram o retrato real do buraco negro de uma galáxia situada a 55 milhões de anos luz da Terra. Um dos cientistas comparou o alcance da imagem obtida à visão de uma moeda de 25 centavos, situada em Los Angeles, mas observada da cidade de Washington.
O buraco negro é uma espécie de poço sem fundo no qual predomina enorme força gravitacional capaz de sugar tudo o que está em sua volta, inclusive a luz. Estrelas que morrem perdem sua energia e suas massas entram no buraco negro. Segundo os cientistas o estudo agora realizado trata-se de uma comprovação da Teoria de Einstein.
O buraco negro fotografado encontra-se na galáxia batizada como Messier 87, ou M-87. A massa do buraco é de 6,5 bilhões de vezes a do nosso Sol. Mede 40 bilhões de quilômetros de diâmetro o que representa 3 milhões de vezes o tamanho da Terra.
Na cerimônia de apresentação da foto do buraco negro os cientistas se mostraram bastante eufóricos e com razão. A comprovação de teorias e as perspectivas de novas descobertas é de fato estimulante.
No filme “Interestelar” o espectador tem a oportunidade de entrar em contato com algumas características atribuídas a dobras espaciais, buracos negros etc. A viagem de astronautas em busca de um novo lar para os seres humanos é instigante. A proximidade de uma nave com a grande força gravitacional de um buraco negro torna a ficção bastante elucidativa.
A foto do buraco negro ora divulgada, como no filme, leva-nos a pensar sobre a pequena magnitude do planeta em que vivemos. Fato que nos leva a ponderar sobre os conflitos e misérias que perduram na sociedade mundial, alheia à pequenez do que somos diante da vastidão do universo.
De volta ao mundo
Tudo pode acontecer quando se trata de ficção, mormente a científica. Filmes sobre os mais variados temas de ficção científica atraem multidões aos cinemas. A reconstrução cinematográfica do jurássico, quando os grandes répteis dominaram a Terra, devolveu aos espectadores imagens de uma época na qual animais gigantescos disputavam a supremacia no planeta. Os filmes sobre dinossauros e outros répteis continuam a ser produzidos. Neles o homem aparece como um intruso que, fazendo reviver grandes monstros, desafia a lógica da criação. Finais nos quais o homem a duras penas consegue se safar deixam-nos atônitos diante do que poderia ser tudo aquilo caso viesse a se tornar realidade.
Mas, a ciência não para. Não para, não. Eis que numa cratera siberiana, conhecida como Boca do Inferno, foi encontrado um potro congelado de 42 mil anos. O potro de dois meses encontra-se em ótimas condições daí cientistas russos e sul-coreanos pretenderem cloná-lo. Isso mesmo: devolverão ao mundo uma espécie extinta, tentando, assim, restaurar a raça de cavalos Lenskaya, desaparecida a 4 mil anos. Trata-se de um caminho para trazer de volta à vida o gigante Mamute-lanoso. No momento a equipe empenha-se em escolher uma mãe na qual será hospedado o embrião a ser clonado.
Eis aí mais um passo da ciência que, como se disse, nunca para. Convenha-se que o retorno de espécies extintas não deixa de ser interessante. Aliás, desafio a ser superado. Entretanto, cabe-nos ponderar acerca da interferência na ordem natural das coisas. Como ficaria esse vasto mundo caso a clonagem de seres extintos viesse a se tornar um tanto mais rotineira? Que tipo de vantagens espera-se obter com a interferência no caminho evolutivo trilhado pelas espécies no planeta cujo resultado atual é o que hoje se presencia?
A notícia da clonagem do potro siberiano não deixa de ser interessante. Mas, acompanha-se de dúvidas cujas respostas pertencem ao futuro.
Padre Donizetti
O Papa Francisco acaba de beatificar o Padre Donizetti, pároco cujas atividades - e milagres a ele atribuídos - aconteceram na cidade paulista de Tambaú.
Na década de 50 do século passado o Padre Donizetti tornou-se conhecido em todo o país e até no exterior. À pequena cidade de Tambaú passaram a vir, de todas as partes, romeiros em busca de bênçãos. O número de romeiros chegou a extrapolar a capacidade de recepção da cidade. Cerca de 50 mil pessoas visitavam Tambaú diariamente, havendo notícia de que, em certa ocasião, esse número atingiu a casa dos 200 mil.
O padre Donizetti era devoto de Nossa Senhora Aparecida. Tinha ele uma imagem da santa que recebera de sua mãe. Salvara-a de um incêndio na qual a igreja onde estava foi consumida pelo fogo, nada sobrando além dela. Ao que o povo da cidade atribuiu a condição de milagre a recuperação da imagem.
O Padre Donizetti mantinha seus horários para abençoar aqueles que o procuravam. Tambaú tornara-se referência e esperança para milhares de pessoas que buscavam solução para seus problemas os quais tantas vezes incluíam doenças.
A beatificação que ora acontece se dá em função da comprovação, pela igreja, de um milagre envolvendo a cura de um menino portador de ambos os pés tortos congenitamente. Relatam os pais que o menino não andava e foram avisados pelos médicos sobre a necessidade de cirurgia para que ele não tivesse problemas ainda maiores ao crescer. Na ocasião, marcaca a cirurgia, a mãe rezou, pedindo ao Padre Donizetti pela saúde do filho. Na manhã seguinte eis que o menino se apresentou com os pés normais, sem a deformidade anterior.
Muitos milagres são atribuídos ao Padre Donizetti sobre quem fiéis afirmam tê-lo visto, em certa ocasião, levitar.
Escrevo sobre isso porque conheci o Padre Donizetti. Aliás, dizer que o “conheci” é certamente exagero. Eu o vi, tive a oportunidade de vê-lo. Não sei precisar o ano da década de 50, mas participei de viagem com meus tios, partindo de Serra Negra em direção a Tambaú. Falha-me a memória sobre o motivo da viagem, enfim que graça esperavam obter em relação a que tipo de problema.
Era então eu um meninote. De Tambaú me lembro de um lugarejo no qual uma multidão circulava sobre o chão de terra, dada a então ausência de calçamento. A certa altura do dia as pessoas se acotovelaram diante de uma espécie de palco - seria isso? - no qual surgiu o padre Donizetti. Foi quando eu o vi e ouvi. O Padre rezou, acompanhado fervorosamente pela multidão. Depois benzeu as pessoas e desapareceu.
Da imagem do padre guardo a aparência difusa de um homem mais velho e de poucos cabelos. Isso foi tudo. De resto lembro-me da difícil viagem de carro durante a madrugada. Ficaram-me as reclamações de meu tio que, acomodado no banco da frente, não se conformava com o brilho dos faróis de veículos que trafegavam em sentido contrário.
O tempo não para
As pessoas morrem, simplesmente. De repente, desaparecem. Tudo aquilo pelo que lutavam, suas crenças, ideologias, posicionamentos, tudo para o vácuo do deixar de existir. Para aquele que viaja no barco de Caronte nenhuma salvação é possível. O barqueiro do Hades navega pelas águas do Aqueronte numa viagem sem volta para seus passageiros.
Foi Dante quem nos revelou o inferno. Sem ele não saberíamos o que esperar após uma longa vida de pecados. Virgílio nos apresenta aos nove círculos do inferno, os últimos reservados aos piores pecadores. Um rapaz a quem conheci apaixonou-se pela Comedia de Dante. Tanto que passou a temer o segundo Ciclo, o dos ventos, reservado aos que na vida se perderam pela luxúria. Temia ele, pelas suas paixões, terminar no lugar onde as os pecadores são arrastados por ventos tremendos que os jogam e os ferem. E assim por diante.
Mas, nada se sabe sobre o lado de lá. Dante deu forma ao espetáculo que nos aguardaria após a morte. Muitas vezes reli o conteúdo dos círculos, tentando me enquadrar em algum deles caso exagerasse em meus pecados ao longo da vida. Aliás, por falar em pecados, penso que a entrada no céu seja quase que uma utopia. É preciso coragem, força e uma vida de conduta ilibada para atender aos pré-requisitos exigidos para a felicidade eterna.
Mas, aos que se foram, estejam onde estiveram. Na medida em que envelhecemos avolumam-se as deserções. Pessoas que conhecemos desaparecem como que por mágica. Não é raro que sejamos avisados da ocorrência de algum velório. Quase sempre um espanto diante da notícia. Mas ele? Ela? Se não estava doente… Logo nessa época em que as pessoas vivem mais e melhor…
O assustador nos desaparecimentos é o brusco cessar do pensamento. Pessoas que estão envolvidas nas suas contingências são bruscamente apartadas de seus planos, preocupações. Há pouco faleceu um amigo, proprietário de terras. Vivia em função de seus negócios, preocupado com o desenrolar de decisões, muitas delas na esfera jurídica. Perto dos 80 anos mantinha-se atividade. Reclamava de tanto trabalho e responsabilidades. Falava constantemente com advogados, viajava a suas propriedades.
Aconteceu a ele numa dessas manhãs. Ao sair do elevador tropeço e bateu a cabeça. Levado ao hospital, sucumbiu em consequência da hemorragia cerebral. A morte apartou-o de tudo. O homem que precisava sempre de mais um dia para resolver suas coisas desapareceu, simplesmente. Sem aviso prévio.
A vida é assim. A morte também.
Na Câmara
Sinceramente, não tenho forças - ou paciência - para ficar horas diante da TV, assistindo a uma longa sessão da Câmara Federal. Ontem o ministro Paulo Guedes apareceu lá para defender a reforma da previdência.
Como seria de se esperar a reunião terminou em balbúrdia. Gente demais, cada um com perguntas diferentes, alguns extremamente agressivos. O ministro viu-se acuado por parlamentares da oposição e acabou perdendo a paciência, respondendo agressivamente à agressão recebida por parte de um deputado.
Assim, o país trafega aos solavancos. Somos avisados de que a economia - e o próprio país - estão por um fio. Ou se reforma a previdência ou nada teremos a legar às gerações futuras.
A ser isso verdade absoluta seria de se esperar pelo menos algum movimento em torno de um consenso. Se estamos todos no mesmo barco e há um rombo no casco o jeito seria unir forças para impedir o naufrágio. Seria. Entretanto, o que se vê são pessoas sob os grilhões de suas ideologias, mais preocupadas em manter posições às quais parecem obrigadas pelas suas bandeiras partidárias.
Perde o país. Perdemos nós. Com um governo que se inicia e ainda não disse a que veio não há porque, pelo menos nesse momento, supor que exista algum tipo de solução à vista. A cada desencontro o dólar sobe, a Bolsa cai e o capital estrangeiro migra para outras regiões. O desemprego cresce, a pobreza aumenta. O restante todo mundo sabe: violência, crises na saúde e na educação, etc.
Membros de governo põe-se a discutir posturas ideológicas, radicalismos etc. Volta à baila o nazismo que passa a ser interpretado como ligado ao esquerdismo. E assim seguem os dias nos quais milhares de pessoas lutam contra a fome e miséria.
Felicidade e calma
Pesquisa recentemente realizada coloca o Brasil em 32º lugar entre as nações quanto ao item felicidade. O país que abriga o povo mais feliz do mundo é a Finlândia.
Felicidade não se compra, segundo o ditado. Um conhecido punha reparos na conhecida afirmação “dinheiro não traz felicidade”. Ela completava o texto dizendo: “então eu não quero ser feliz”.
Não se pode afirmar com certeza, mas todos os seres humanos devem almejar viver em felicidade. O problema é que, ano após ano, torna-se mais difícil ser feliz no mundo em que vivemos. Além do que a felicidade plena depende de tanta coisa que fica difícil administrar o tão vasto leque de variáveis.
A medicina tem evoluído muito. A engenharia genética permite análises do DNA, detectando-se genes responsáveis por uma infinidade de feitos. Esse controle e possibilidade de até mesmo modificar o genoma há muito deixou o campo da ficção científica: é realidade.
Li que uma senhora foi submetida a delicada cirurgia ortopédica na qual tudo deu certo. Logicamente, sempre há a preocupação com o pós-operatório por conta da dor. Entretanto, os médicos surpreenderam-se com esse caso pois a paciente relatou não sentir nenhuma dor no dia imediato após a cirurgia. Aliás, disse ela que não sentia mesmo dores. Mais: estava sempre feliz.
Em busca de explicação para o estranho fato, os médicos analisaram a família da senhora que haviam operado e descobriram que um dos filhos dela também não era costumeiramente acossado por dores. O caso foi remetido aos geneticistas que acabaram por encontrar no DNA da mulher e do filho falta de genes responsáveis pela produção de um inibidor de uma substância, daí ela se acumular no sangue. O curioso é que essa substância é justamente a mesma que se apresenta em maior quantidade no sangue quando fumamos maconha. Assim, a paciente operada leva a vida no mesmo pique que teria se fumasse maconha continuamente. Eis aí a causa de não sentir dores e de sua felicidade.
Existem pessoas muito calmas que podem nos surpreender por ações que jamais esperaríamos delas. Lembro-me de um colega de trabalho, muito educado, cortês, daqueles que fariam de tudo até para salvar uma formiga. Certa ocasião, na década de 70, registrou-se falta de leite no mercado. As famílias preocuparam-se, mormente aquelas nas quais as crianças dependem do leite.
O meu colega de trabalho era pai de duas crianças pequenas. Pois surpreendeu-me ouvir daquele homem tão ponderado e calmo que, naquele dia, trouxera de sua casa um revólver. Disse-me, ainda, que ao fim do expediente iria a um mercado de onde, de forma alguma, sairia sem o leite para seus filhos. Tinha ele certeza de que os comerciantes se aproveitavam da situação para armazenar estoques cuja venda mais lhes renderia com o inevitável aumento de preço decorrente da falta do produto. Estaria armado e até mataria se preciso fosse, afinal, cabia a ele a manutenção das crianças.
As coisas devem ter corrido bem para o meu tão calmo amigo de vez que, no dia seguinte, lá estava ele, feliz e cortês como sempre. Encontra o leite sem precisar matar ninguém.
Fatalidade
A palavra fatalidade nos remete a uma circunstância infeliz, ligada ao destino. Nunca me esqueci do homem que chegou ao sítio onde morava, apeou-se do cavalo e foi abrir a porteira. Ao colocar a mão no arame da tranca foi surpreendido pela descarga elétrica de um raio. O raio caíra a certa distância e a energia percorrera o arame da cerca até chegar àquele que se tornaria a vítima fatal. Dirão que foi acaso, nada de fatalidade. Entretanto, o homem em questão perdera, no passado, um irmão. Causa? Bem o rapaz fora atingido por um raio. Seria, talvez o destino do irmão, eis aí o fato que gerou comentários sobre a fatalidade. Dois irmãos ligados pela mesma fatalidade.
Por falar em raios há pouco aconteceu algo incomum. Uma mulher e sua filha foram atingidas por um raio. Morreram as duas. Mas, era justamente um dia de muito sol, nenhuma nuvem no céu. Especialistas explicaram que raios podem correr paralelamente do local onde foram gerados e cair a longa distância.
Morreu Rafael Hansen. Quem? Ora, o Rafael Hansen. O homem tornou-se famoso por se um dos poucos sobreviventes no terrível acidente aéreo no qual pereceram os jogadores da Chapecoense. A morte de jogadores e outras pessoas que estavam no avião comoveu o país e teve grande repercussão no exterior. Faleceram 71 pessoas, havendo sete sobreviventes, um deles, o jornalista Hansen, que acompanhava o time de Chapecó.
Mas, Hansen escapou. O acidente ocorreu em 2016. Estamos em 2019, decorrem-se três anos. Eis que Hansen, 45 anos de idade, jogava futebol quando sofreu infarto. De nada adiantaram tentativas para salvá-lo. O coração parou de vez.
Estava na sala de espera de um consultório médico quando ouvimos a notícia pela TV. Então uma senhora disse: da morte não se escapa, ela vem buscar. O Hansen fugiu da morte no acidente, mas estava marcado. Marcado pela morte.
As pessoas que aguardavam consulta menearam a cabeça em aprovação ao comentário da senhora. Um senhor falou em fatalidade. Um rapaz disse que, na verdade, Hansen morrera mesmo por ocasião do acidente aéreo.
Eu ia dizer que uma coisa nada tem a ver com a outra. Fatalidades acontecem e é só. Mas, me calei. Afinal, quem sabe o que se passa na outra dimensão, caso ela exista?
Turbulências
Você já esteve num avião em momento de fortes turbulências?
Sempre tive medo de turbulências até que me garantiram que elas não derrubam aeronaves. Mas, que elas são apavorantes, isso não se discute. Certa vez, num voo à Buenos Aires, quase dei por perdida a esperança de prosseguir no mundo dos vivos. Tamanha a turbulência que verdadeiro pavor se apoderou de algumas pessoas. Uma senhora, sentada a meu lado, agarrou-me pelo braço a chorar copiosamente. Para ela era o fim e temia o momento seguinte, a chegada da morte.
Não sei dizer quantas vezes estive diante da possibilidade de vir a morrer. Numa delas dirigia na via Anhanguera e, de repente, eis que meu carro rodopiou na pista. Bem, não rodopiou simplesmente. Chovia e a máquina girou mais que três vezes até parar, milagrosamente, no acostamento. Para sorte naquele momento nenhum carro estava próximo, daí ter realizado sozinho a minha façanha. Tamanho o susto que, em seguida, ao seguir viagem, agora muito devagar, veio-me à cabeça a possibilidade de ter morrido naquela ocasião. E se eu não tivesse consciência de que houvera um grave acidente no qual perdera a vida? Não existem essas teorias nas quais o falecido, colhido inesperadamente pela morte, não se dá conta do acontecido e prossegue como se tudo continuasse na mesma? Pois só sosseguei quando cheguei ao meu destino e me encontrei com pessoas conhecidas. Se eles eram de carne e osso e estavam me reconhecendo, eu continuava bem vivo.
Mas, às turbulências. Bom saber que elas não derrubam aeronaves. Isso porque hoje em dia, vivendo no Brasil, eu me sinto como um viajante sendo sacudido por fortes e intermináveis turbulências. A paz anda difícil de ser encontrada por aqui. Quando tudo parece se encaminhar para entrar nos eixos, nova bomba explode e eis-nos em meio aos solavancos.
Ontem o ex-presidente Temer foi preso, acusado de corrupção. Não me cabe fazer juízo sobre o acerto da ordem de prisão, muito menos se Temer é o não culpado dos crimes de que é acusado. A mídia explora à exaustão a prisão do ex-presidente. O homem acaba de deixar o governo e já vai para a cadeia. O fato repercute no mundo inteiro. Investidores preocupam-se com um país no qual dois ex-presidentes estão presos. A Bolsa de Valores cai, o dólar sobe. Tudo isso em poucas horas.
Repito: turbulências não causam desastres aéreos. Mas a nave na qual estamos embarcados, esse Brasil, está abusando do direito de sacolejar.