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O caso “João Brandão”
O João Brandão era um moleque gordinho e um pouco devagar. Nada quanto à inteligência, talvez um desacordo entre a esperteza esperada e a idade. Aliás, na época a que o fato se refere, o João tinha lá seus treze anos.
Bonachão, os meninos do ginásio - naquele tempo era o ginásio - o chamavam de Jão. O Jão se dava por muito esquecido das coisas. Atribuía suas deslembranças ao fato de comer muito queijo - queijo não seria bom para a memória.
Mas, o Jão era um ótimo sujeito. Gente muito boa. Os colegas - amigos? - tiravam algum sarro dele pelo jeitão desengonçado. O Jão era só um sujeito gordinho, não muito rápido, daqueles que não se convida para entrar no time.
O Jão tinha no Luís seu melhor amigo e companheiro. O Luís, na verdade, meio que protegia o Jão. Trazia-o sempre a tiracolo, inteirava-o das coisas, incluía-o no círculo. Esse Luís era filho do dono da farmácia e tinha lá um parente deputado. Baixinho, ligeiro, ideias claras, excelente companheiro.
O terceiro figurante dessa história era um tal Rafael, menino vindo do interior, tipo mais para simplorião. O Rafael tinha suas idiossincrasias mais calcadas na vida em pés descalços, ruas de terra e conterrâneos de muita simplicidade.
Pois aconteceu de certo dia, encontrarem-se os três na casa do Jão. Era primeira vez que o Rafael ia lá. Aconteceu, também, da mãe do Jão servir bolo para a molecada. Sentados à mesa da copa eis que, talvez pela falta de assunto, a mãe do Jão perguntou ao Rafael sobre como era o filho no ginásio.
Bem, o Rafael não se fez de rogado, foi logo entregando o Jão. Descreveu minuciosamente como o Jão era fora de casa, a dificuldade dele em fazer parte da turma, caracterizou o amigo como um tipo mais para bobão.
A cada palavra sua o Rafael recebia olhares de reprovação do Luís para quem aquela “entrega” nada tinha a ver. Quanto ao Jão, manteve-se de cabeça baixa, cara ingurgitada e um sorriso bobo perdido nos lábios.
Mais tarde, ao saírem, o Luís disse ao Rafael: você nunca poderia ter feito o que fez.
——
Entretanto, esse era, de fato, o Rafael. Cresceu, deu-se bem na vida, mas manteve sob a pele esse lado incontrolável, quase desconhecido. Bom homem, cumpridor, bom chefe de família, bom pai, etc. Mas, em raras oportunidades, sob algum tipo de pressão, libertou-se esse outro Rafael que vivia dentro dele. Em duas ou três ocasiões, nas quais poderia muito bem ter mantido a boca fechada, o Rafael não se conteve, entregando alguém conhecido de quem sabia algo que o prejudicaria.
Estranha a contradição dessa que talvez não possa ser caracterizada como dupla personalidade. Submerso nos confins da alma de um homem um fantasma de mediocridade que, vindo à tona, torna-se perigoso.
Dizem que em cada um de nós existem alguns outros, os quais sufocamos na medida do possível.
Gibis
De repente entra na minha casa um amigo que não vejo desde a minha infância. Não o vejo pessoalmente, melhor dizendo. Ele é repórter/apresentador de TV de modo que, vez ou outra, topo com ele no vídeo da televisão.
Brincávamos juntos na infância. Amigos inseparáveis quando o pai dele trazia a família para passar férias em nossa cidadezinha. Paulistano, o amigo vivia na capital, de onde me contava novidades. Eram os anos cinquenta.
Rever alguém a quem se esteve muito ligado há muito tempo tem lá suas complexidades. Não se atualizam décadas em poucos minutos. Do onde você mora, ao que você faz, quantas vezes se casou, se tem filhos, que foi feito de fulano e sicrano, seus pais morreram há muito, e outras coisas, passa-se ao presente no qual nos encaramos envelhecidos e olhando para trás.
Mas, o que mais me impressionou nesse reencontro foi a lembrança dele sobre a minha coleção de gibis. Ele se lembrava muito bem dela, mais que eu que, de a muito, a havia sepultado na memória.
Relatei ao meu amigo a tragédia a que foi submetida aquela linda coleção. Em casa tínhamos um baú enorme onde eu abrigava os gibis, em sequência numérica de suas publicações. Ali estavam o “Pato Donald”, o “Fantasma”, o “Mandrake”, o “Brucutu”…
Acontece que meu irmão, mais velho que eu, gostava de gibis, mas não tinha o menor cuidado com eles. Para começar dobrava não só as capas como cada página que acabara de ler. Devolvia-me as revistinhas totalmente irreconhecíveis. Desesperado, achei a solução: levar o baú para a casa de um primo que se casara e morava perto. Pelo menos uma vez por semana eu aparecia na casa do primo, abria o baú, dava uma olhada nos gibis e ficava muito feliz por tê-los sem segurança.
Mas, o tempo passa. Eis que nasceu o filho do primo que logo-logo ultrapassou os dois anos de idade. Eis que certo dia chego à casa do primo e encontro pedaços de gibis para todo lado. O pequeno se apoderara das revistinhas e as destruíra. Era o fim da coleção.
Anos mais tarde, já morando em São Paulo, costumava tomar ônibus no parque D. Pedro. Eis que havia ali uma banca de revistas usadas na qual encontrei verdadeiro tesouro: eram republicações de gibis. O “Fantasma”, o “Tarzan” e o “Mandrake”, por exemplo, estavam à venda e desde o número 1. Não foram necessários mais que poucos segundos para renascer em mim o amor por aquelas joias. Assim, refiz pelo menos parte da minha antiga coleção.
Mas, a vida dá voltas. Houve o momento da minha separação conjugal e a mudança dos gibis para minha nova morada. Pois, certo dia, fui visitado por um primo que, até hoje, se orgulha de sua enorme coleção de gibis. Ao ver o que eu tinha propôs-se a comprá-los. Sei lá o que me deu na hora. Ele era - e ainda é – tão louco por gibis que decidi dar a ele tudo, sem nenhum custo.
Ainda hoje me lembro de meu primo, colocando os gibis no carro e me perguntando se eu pensara bem no que estava fazendo. Na verdade, eu não pensara. Andava meio desanimado e fui tomado por um desprendimento imbecil.
Foi esse o fim da minha ligação com os gibis. Contei isso ao amigo que me visitava e percebi nele certa reprovação. Guardava ele, na memória, as imagens daqueles gibis tão bem guardados, tesouro da minha infância.
O meu amigo se despediu e, sozinho na sala, pus-me a refletir sobre o amor que temos às histórias de nossos heróis dos quadrinhos. Há pouco faleceu Stan Lee, grande criador de heróis dos quadrinhos. Mas, agora, as crianças talvez já não experimentem a gostosa sensação e ter em mãos os gibis que nos davam certa sensação de posse sobre os heróis das historinhas. O espaço dos gibis foi alongado por produções cinematográficas que também acabam sendo vistas na televisão. Pode ser algo meio retrógrado, mas creio que toda essa tecnologia talvez tenha roubado um pouco do frisson que experimentávamos com os gibis.
Novos heróis apareceram, outros foram esquecidos. Houve um momento em que a DC Comics publicou, nos gibis, uma grande guerra na qual muitos heróis morreram. Era o descarte de alguns e a renovação do mundo ficcional envolvendo a presença de heróis.
Filmes sobre o Batman e o Superman têm sido realizados com bons resultados. Eu gostava mais deles nas tiras de papel, mas que fazer? Agora estão para trazer às telas um grande herói: o Capitão Marvel. A ver no que vai dar.
De todo modo as histórias dos gibis são inesquecíveis. Quando o Fantasma circulava pela região portuária, travestido de Sr. Walker - O Fantasma que anda, aquilo era demais. Ele se sentava junto a um balcão, cercado por marujos mal-encarados e bebendo, e pedia um copo de leite. Era o início de uma confusão na qual o Fantasma esmurrava muita gente, deixando neles a marca impressa pelo “anel da caveira”.
Ficção e realidade
O escritor chinês Liu Yongbiao foi condenado, no ano passado, por espancar quatro pessoas até a morte em uma pousada. Anteriormente, no prefácio de seu último livro, o escritor avisara que pretendia escrever sobre uma autora que comete vários assassinatos e consegue escapar.
Mas, a trajetória de Liu Yongbiao não para aí. Depois de preso confessou a uma emissora de TV que alguns de seus livros foram baseados em assassinatos cometidos por ele mesmo no passado. Num desses crimes teria matado um jovem de 13 anos, neto dos donos de uma pousada.
Ainda ontem o novo Ministro da Justiça, respondia a repórteres sobre o crescimento do número de casos de feminicídio. Tornou-se rotineira a informação sobre mulheres assassinadas por ex-maridos que não aceitam a separação. Tantos e tão diversos são os crimes que serviriam à produção de narrativas ficcionais baseadas em fatos. Veja-se o caso de um jogador de futebol assassinado por um grupo, depois de que teria assediado a esposa do dono da casa onde uma festa se realizava. O jogador foi levado pelos membros do grupo a local ermo onde seu pênis foi decepado antes de ter sido cruelmente assassinado.
Em matéria de ficção o cinema é de longe o maior propagador de tramas macabras, dessas que nos fazem afundar nas cadeiras ao serem exibidas nos telões. Muitos anos depois o filme “Psicose”, baseado no livro do escritor Robert Block, continua assustador. Mas trata-se de obra puramente ficcional. Entretanto, existem livros e filmes baseados em fatos. A não-ficção de Truman Capote - A sangue frio - baseada em acontecimentos reais foi levada à tela dos cinemas. Trata-se do brutal assassinato de uma família, acontecido numa cidade do Kansas, nos EUA. Os dois executores desse hediondo crime foram presos e, mais tarde, enforcados.
O casamento entre ficção e realidade se faz em torno de temas variados. No filme “O Pianista”, de 2003, por exemplo, assiste-se à trajetória de virtuoso pianista judeu-alemão que vê as transformações ocorridas em sua Varsóvia durante a Segunda Guerra. Sobrevivendo milagrosamente, após passar por toda sorte de vicissitude, o pianista retorna ao piano após o fim da guerra.
E que dizer sobre o fantástico “Titanic” dirigido por James Cameron? O filme reconstrói a tragédia do grande navio que, ao ser lançado ao mar, pretendia-se ser ”inafundável”. Entretanto, em sua primeira viagem, realizada em 1912, o luxuoso navio veio a colidir com um iceberg sendo essa a causa de seu naufrágio.
A realidade tem servido criadores de várias áreas como motivo de inspiração para a realização de suas obras, muitas delas geniais. Atraídos por narrativas impressionantes leitores e espectadores fruem dessas criações, submetendo-se ao encanto e magia propostos por seus realizadores.
Visões de um caso
Battisti foi preso na Bolívia. Surpreendido pela polícia o italiano, condenado por quatro assassinatos, foi levado à Itália onde o espera a prisão perpétua.
O caso é rumoroso. Inegável o exagerado destaque relacionado a um foragido da polícia italiana que, desde 2007, circulava livremente no território brasileiro.
Por muitos tido como simples assassino e, por outros, como perseguido político, Battisti locupletou-se da liberdade concedida pelo governo brasileiro. Recorde-se que, em 2010, no último dia de seu governo, o então presidente Lula negou a extradição de Battisti para a Itália. O ato presidencial gerou, como não poderia deixar de ser, muita discussão. Juristas renomados condenaram a atitude do então presidente por, na opinião deles, proteger um criminoso julgado em tribunais europeus nos quais gozou de amplos direitos de defesa. Mas, para a esquerda brasileira o ato presidencial revestiu-se de acerto.
Quando na Itália Battisti fez parte de um grupo militante terrorista de esquerda, responsabilizado por atos ilegais. Embora Battisti negue os quatro homicídios pelos quais foi acusado, relataram-se provas consideradas suficientes para a condenação.
Mas, a nós brasileiros a que interessa essa história de um caso isolado ao qual se deu excessiva atenção e repercussão?
Em primeiro lugar não existem dúvidas quanto ao estranhamento em relação à proteção garantida pelo governo a uma pessoa condenada não só na Itália, mas referendada por tribunal superior europeu. Em segundo o também estranhamento em relação ao “modus operandi” da prisão e condução de Battisti à Itália. O fato é que o italiano parece não ter tido dificuldades em fugir do país, abrigando-se na Bolívia. Acrescente-se que, depois de ser preso, o esperado seria que fosse remetido ao Brasil de onde, extraditado, fosse enviado à Itália. Mas, o governo italiano houve por suprimir essa fase do processo ao enviar à Bolívia o avião que conduziria o condenado ao seu país.
No rescaldo, elogios ao presidente do Brasil por parte dos italianos. Na mídia brasileira comentários sobre o que se classificou como desrespeito dos italianos ao governo brasileiro. Na Itália críticas ao fato de Battisti ser apresentado como troféu pelo encarregado da segurança.
De tudo isso fica a entrevista do irmão de um dos quatro assassinados. Segundo ele, finalmente a justiça está sendo feita.
De olho em você
A Globo suspende um repórter que festejou junto com a torcida do Ceará e afirmou: o Ceará tem dono, o Fortaleza é pequenininho.
O ministro Ricardo Lewandowski ouve de um advogado que “tem vergonha do Supremo”. Estavam em um avião. O ministro convoca a Polícia Federal para prender o advogado. Depois, explica que era de sua obrigação defender a honra do Supremo.
Participantes de redes sociais volta e meia acabam agredindo alguém ou ofendendo instituições. Por isso são chamados às falas, por vezes judicialmente. Há pouco uma apresentadora de TV foi muito ofendida por um cantor, fato que gerou grande celeuma.
As redes sociais dão voz a quem queira dizer, de público, suas verdades. Nem sempre quem se expõe está atento a possíveis consequências. Há quem diga que as redes sociais não constroem: elas destroem.
O presidente Trump publica tuites com os quais se comunica como o povo americano. No Brasil o presidente recém-eleito usa o mesmo sistema para falar o que pensa. Marchas e contramarchas nas declarações do presidente causam algum espanto. Mas, ao que parece as coisas tentem a se normalizar.
Atravessa-se período que, pouco tempo atrás, seria inimaginável. De repente, as pessoas passaram a ter à disposição canais nos quais podem expressar suas opiniões. Isso nem sempre se faz de modo construtivo. Basta dar uma olhada nos comentários a textos publicados na internet para constatar que, muitas vezes, há predomínio da agressividade. Não por acaso algumas celebridades têm abandonado a rede de comunicações. Há quem seja explícito sobre as razões de sua desistência. No geral as justificativas circulam em torno de não aceitação a agressões sofridas, a maioria delas gratuitamente.
Nunca existiu tanta exposição de seres humanos. Informações sobre cada pessoa circulam, muitas vezes proporcionadas pelas ações de hackers que invadem bancos de dados de grandes instituições. No fim das contas, sabe-se quase tudo sobre você. A internet converteu-se num espelho de cada um. Basta, por exemplo, procurar por um produto para que, logo em seguida, a tela dos seu computador seja povoada de sugestões de produtos iguais ou similares.
Não se trata do 1984, de George Orwell, mas, acredite, eles estão de olho em você. Isso dá o que pensar. Estamos em 2019, início de ano, e as coisas estão nesse pé. A individualidade vai sendo comprometida. Esse estado de coisas seria inimaginável tempos atrás. Então, considerando-se que os avanços tecnológicos não param, torna-se justo perguntar: como será o mundo nas próximas décadas?
Quem viver verá.
O muro
Jean Paul Sartre publicou “O Muro” em 1939. A trama se passa durante a guerra civil espanhola. Pablo Ibbieta, o narrador, é um dos voluntários progressistas que foi para a Espanha para ajudar na luta contra o fascismo de Franco. Capturado junto com outros dois é preso, interrogado, e passa a noite numa cela. No alvorecer será fuzilado.
O confronto com a morte próxima mostra a Pablo como a morte altera de modo radical como tudo se figura a ele. Memórias, amigos, familiares, objetos se mostram de outro modo diante da certeza da morte. Pesa a Pablo a indignação pela falsidade da vida que à força se interrompe.
Pela manhã os dois companheiros de Pablo são levados e fuzilados. Ele é submetido a novo interrogatório. Garantem a ele que se indicar onde se esconde Ramon Gris, será poupado. Dão-lhe tempo para pensar. Na volta Pablo responde que Gris está num cemitério.
Mais tarde Pablo é devolvido ao pátio e ouve de outros presos que Gris foi encontrado e fuzilado. Para Pablo Gris já não se escondia no cemitério, por isso dera essa indicação. Entretanto, Gris voltara ao antigo esconderijo e lá fora encontrado e fuzilado.
“O muro” tem vários significados. Além de representar o lugar onde se dão os fuzilamentos e a separação entre a vida e a morte o muro também representa a separação entre indivíduos.
Nesses dias o governo da maior potência mundial está paralisado. Milhares de funcionários públicos não recebem seus salários. O presidente Trump nega-se ao fim da paralização, exigindo que o Congresso libere verba para a construção de um muro na fronteira com o México. Trump alega ser questão de segurança do país.
A questão é controversa. Diariamente muita gente atravessa a fronteira para viver e trabalhar nos EUA. Entretanto, a construção do muro figura-se como disparate para os adversários de Trump e a própria opinião mundial.
O muro, como nos chama a atenção Sartre, é matéria bruta que divide e separa os homens daí a dificuldade em aceitar a proposta de Trump.
Keith Richards
O alarme fora dado algumas horas antes: não deveríamos beber água pelo risco de contaminação por radioatividade. Não dava para entender. E a água dos filtros, a engarrafada? Estavam todas proibidas até que recebêssemos nova orientação.
Nesse ínterim eu me encontrei com o japonês. Não o via há décadas. Bom papo, o japonês ensinava história numa universidade. No passado me ajudara durante trabalho de escritura de um livro. Inteirara-me de alguns preceitos do marxismo os quais, na opinião dele, faltavam no meu texto.
O encontro com o japonês foi ótimo. Falávamos sobre a notícia da contaminação radioativa quando, ao avistar um ônibus que se aproximava, ele me disse: vem aí o Keith Richards.
Ora, estávamos numa praça onde o ônibus estacionou e algumas pessoas rapidamente o cercaram. Queriam ver o Richards. Não me recordo de quantos segundos precisei para vencer a minha resistência e postar-me defronte a porta do ônibus que se abrira. Afinal, que me interessava ver o Keith Richards em carne e osso?Aliás, por que estaria ele na minha cidade, justamente ali?
Do ônibus começaram a descer seguranças, uns caras fortes, vestidos de preto, todos com vastos bigodes. Mais pareciam clones um do outro. Entre nós um estremecimento: em pouco o grande ídolo surgiria.
Mas, em vão esperamos. Keith Richards nunca saiu daquele ônibus. Quanto ao meu grande amigo, o japonês, desparecera misteriosamente. Foi quando acordei. Sentado na cama pensei sobre criações em sonho e o modo de como somos levados a mundos paralelos onde fatos estranhos acontecem.
Mas, no fundo, eu estava mesmo é com sede. Levantei-me, fui até a cozinha e enchi um copo com água. Ia bebê-lo quando me lembrei da ameaça radioativa. Estaria eu, ainda, dormindo, sonhando?
Despertei pela manhã inseguro. Afinal, por onde andara durante a madrugada?
Depois do natal
Depois do natal
Fim de ano. Entre o natal e o ano novo um intermezzo de nem sempre fácil travessia. É quando paramos para fazer as contas, erros e acertos, prós e contras etc. Esse balanço nem sempre resulta agradável.
Impossível, no natal, não refletir sobre tantos outros que já vivemos. As coisas podem se complicar justamente no momento da ceia. Quando nos sentamos à mesa e observamos as faces de nossos convivas eis que se assoma uma ponta de desengano. Onde os convivas do passado, aqueles com quem estivemos naquele ano, naquele natal? E o primo João de quem tanto gostávamos, ele que nos fazia rir com seu besteirol tão bem preparado, ele que foi levado por um câncer quando ainda tinha só 39 anos?
O natal consiste de reunião feliz da qual participamos com entes queridos. Mas, existe outro natal, o dos ausentes, das cadeiras vazias ao nosso lado, natal de memórias sobre tantos que pela nossa vida passaram e outros que da mesma vida já se foram. Basta-nos fechar os olhos para imergir em natais passados, outras mesas, outros comes bebes e, principalmente, outras pessoas, os tais ausentes cuja falta tanto nos pesa.
De repente, eis-me menino com minha irmã a correr pela casa onde morávamos, empunhando pincéis e tinta para dar um jeito nas paredes, tudo isso porque era natal e precisávamos da cor, da beleza que tanta falta nos fazia. E na rua defronte à nossa casa, deslizando sobre o chão de terra batida, aquele negro alto, o cabo Chico, homem sem nariz cuja voz parecia nascer espremida pelo ar que a ele faltava, bêbado e louco, quase dançando, pobre e, entretanto, feliz porque era natal.
Para onde foram todos? Onde as gentes de outros natais, onde as pessoas a quem amamos? Estará, ainda, passado já mais de sessenta nos, o cabo Chico deslizando, naquela rua, perdida no tempo, reprisando cena que só sobrevive na minha memória, neste natal?
Na madrugada sento-me à mesa e observo as cadeiras vazias. De repente, percebo que não estou só. Eles vão chegando devagar, silenciosamente ocupam seus lugares. Em pouco estamos juntos, novamente. Ali estão minha mãe, meus irmãos… Eles me olham sorridentes, felizes. É mesmo o natal.
O Brasil dos brasileiros
Refiro-me ao Brasil consoante nosso entendimento enquanto filhos dessa terra. A famosa frase atribuída a Tom Jobim está muito em alta: o Brasil não é para principiantes. Talvez seja melhor acrescentar: nem para os veteranos.
Não é o caso de gastar tempo, cintando as incongruências às quais estamos habituados. Tanta disparidade acontece que vão se tornando “normais”, peças do cotidiano. Quem acompanhou, no dia de ontem, a efervescência ocorrida entre membros do Poder Judiciário sabe, perfeitamente, ao que nos referimos. Este é um país que sobrevive, heroicamente, a toda sorte de desastres.
A quem vive por aqui existe a certeza de que tudo é possível. Tudo pode acontecer, inclusive após autoridades estarem no quase recesso. Como afirmou um jornalista, aos 45 do segundo tempo…
O problema é que estamos cansados. A mesmice do noticiário avisando-nos sobe atos destemperados, violência, corrupção, esgota-nos. O brasileiro de hoje é um sujeito que não tem em quem confiar. Está-se no território da suspeita. Sobre tudo paira pelo menos uma ponta de desconfiança. Que dizer de um país no qual o presidente em exercício, prestes a deixar o governo, é acusado pelo Ministério Público de favorecer empresa portuária da qual suspeita-se seja ele mesmo o proprietário? Que dizer de uma corte superior na qual há muito desapareceu o colegiado e as diferenças de posicionamentos de seus membros escancara-se à opinião?
Eis que se aproxima o natal. Em pouco adentraremos o novo ano. Nesse período em que as pessoas buscam se encontrar resta-nos torcer para que se inaugure uma nova época de entendimento e paz. Desnecessário dizer que não se tem muita esperança nisso dado o permanente conflito de interesses reinante entre os que nos dirigem. Mas, não custa ter um pouco de fé no bom-senso dos homens.
Paul McCartney
Foi num aniversário de criança que ouvi de um amigo sobre a presença de extraterrestres entre nós. Na época George W Bush era o presidente dos EUA e são de domínio público algumas medidas consideradas inadequadas tomadas por ele.
Pois, lá pelas tantas e com umas cervejas no bucho, o amigo me confidenciou que Bush era extraterreste. Tinha certeza disso o amigo, aliás ele não estava sozinho ao afirmar isso dado que muita gente acreditava nesse fato. Explicou-me que os extraterrestres haviam colocado Bush no governo do país mais poderoso do mundo com a única intenção de enfraquecer os humanos. A “Guerra ao Terror” empreendida por Bush após o 11 de setembro teria sido urdida por mentes avançadas de seres que não viviam na Terra. Que eu considerasse as invasões ao Afeganistão e ao Iraque cujos resultados foram tão duvidosos.
Confesso ter, na ocasião, achado que o meu amigo andava com os parafusos meio soltos. Para começar seria preciso admitir a existência de vida inteligente fora de nosso planeta o que, aliás, não é difícil. Mas, a partir daí supor que seres de outras paragens espaciais estivessem por traz de acontecimentos como o ataque às Torres Gêmeas e as consequentes invasões decretadas pelo governo Bush… Não seria mais fácil a esses tão evoluídos povos do espaço invadir de vez a Terra e colocar em prática seus planos de dominação ou mesmo extinção dos terráqueos?
Não me recordo se cheguei a contrapor argumentos à afirmação do meu amigo. Aliás, depois dessa ocasião, não mais o revi. Entretanto, a partir daí passei a considerar o fato de que entre nós, de fato, possam existir pessoas senão diferentes, talvez extraterrestres. Será?
De tempos em tempos surgem no mundo pessoas de tal modo diferenciadas que, não há como negar, aparentam não pertencer ao comum dos mortais. Exemplo? Hoje mesmo se anuncia que o ex-Beatle, Paul McCartney, virá novamente ao Brasil onde se apresentará a seus milhares de fãs. O fato é que não se pode considerar McCartney como um sujeito comum. Sua incrível trajetória no mundo da música, suas composições que até hoje cantamos, o fato de ter feito parte da maior banda de rock de todos os tempos, a parceria dele com John Lemon, enfim tudo… Em que categoria de seres humanos se enquadra o gênio de Paul McCartney?
Não ouso dizer que Paul McCartney seja um extraterrestre. Mas, na esteira do raciocínio do meu amigo, essa hipótese não pode ser descartada por mais improvável que venha a ser. Dirão que é pura loucura com o que não posso deixar de concordar. Mas…
Será que existem mesmo extraterrestres entre nós?