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Roy Hargrove
Então. A minha última visita a New York aconteceu em 2001, uma semana antes do ataque ao World Trade Center. Aliás, depois disso, não mais retornei aos EUA. Às vezes chego a sentir uma coceirinha de viajar para lá. Que tal uma ida a New Orleans para uma sapateada naquelas ruas onde o jazz corre solto?
Muita gente vai aos EUA e por motivos diferentes. Há quem viaje exclusivamente para fazer compras. Nesse sentido, o mercado norte-americano é sempre invejável. Quanto a mim a razão principal de visitar o grande país do norte sempre foi prioritária: o jazz.
Os clubes de jazz de New York são mesmo os melhores do mundo. Para mim o Village Vanguard e o Birdland são fantásticos. Aliás, tive o privilégio de ainda ver em ação grandes nomes do jazz, a maioria deles hoje desaparecidos, infelizmente. E não foi só em New York e outras cidades americanas. No primeiro festival de jazz realizado em São Paulo, em 1978, recebemos a visita e participação da nata do jazz naquela época. O festival aconteceu no Anhembi, em São Paulo.
Pudemos ouvir, ao vivo, Dizzy Gillespie, Zoot Simms, Benny Carter, Ray Brown, Chick Corea, Ahmad Jamal, Jimmy Rowles, Milt Jackson, Roy Eldridge e tantos outros. A nata do jazz viera a São Paulo e estava ao nosso alcance. Grandes nomes da música norte-americana circulavam pelo Anhembi naquela grande festa do jazz realizada no Brasil.
Mas, ao Roy Hargrove. Creio ter sido em 2001 que o vi, liderando um quarteto, no palco do Village Vanguard. Naquela noite o acaso nos proporcionou inesperado encontro. Estávamos, eu e minha mulher, posicionados para assistir Hargrove quando, ao nosso lado, acomodou-se justamente Barry White. O famoso cantor e músico, extremante gentil, de imediato mandou servir-nos uma dose de whisky. Inesquecível o tratamento carinhoso de Barry à mocinha que nos serviu na ocasião. Extasiada diante da presença do ídolo, ele a recebeu com levas toques de seus dedos nas pontas dos seios dela…
Daquela noite guardo o som puro do trompete de Hargrove. Descoberto por Winston Marsalis, Hargrove destacou-se no mundo do jazz, tendo tocado com grandes nomes desse gênero musical tais como Herbie Hancock e Joshua Redman.
Hargrove faleceu aos 49 anos de idade, vitimado por parada cardíaca após complicações de uma doença renal. Deixa-nos gravações nas quais se mantém vivo o seu talento.
O chá da meia-noite
Não sei se ainda se fala sobre o famoso chá. Corria que em hospitais a vida de alguns doentes, principalmente os idosos, seria abreviada pela enfermagem. Gente internada a muito tempo e sem perspectivas de melhora receberia o chá e passaria desta para a melhor.
Não imagino como seria o preparo do chá. Talvez a ele fosse acrescentado algum veneno que não deixaria vestígios caso alguma autópsia fosse realizada. É fato que muita gente tinha a existência do chá e sua utilização como certa e rotineira. Daí que se temia a internação. Conheci pessoas que preferiam tratar-se e até vir a morrer em casa do que aceitar internação para receber cuidados médicos.
Agora noticia-se que um enfermeiro alemão confessou ter matado 100 pessoas. Pacientes internados no setor de terapia intensiva eram vítimas do assassino em série. Consta que ele injetava drogas, provocando parada cardíaca. Depois aplicava-se na reanimação do paciente quase nunca bem-sucedida. Fazia isso para impressionar seus colegas de trabalho, destacando-se por salvar vidas. Autoridades desconfiam que o número de pessoas assassinadas na verdade chegue a duzentas.
Conheci uma senhora que de modo algum concordaria em ser internada pelo receio de receber o chá da meia-noite. Vez ou outra tornava ao assunto, recordando a seus parentes a importância de seu pedido. Entretanto, quando ela ficou gravemente doente não houve outro meio senão o de interná-la. A filha a acompanhava junto ao leito durante ao dia, mas a deixava aos cuidados da enfermagem no período da noite. Aconteceu que, certa manhã, ao retornar ao hospital, a filha não encontrou a mãe no quarto. Ela falecera durante a madrugada.
Não sei dizer se a família daquela senhora atribui o falecimento dela a outros fatores que não a doença. Pesa sobre a opinião a garantia da filha de que sua mãe havia melhorado e, de repente, veio a falecer.
A mulher temia vir a ser assassinada no leito hospitalar. Internada contra a sua vontade veio a falecer numa madrugada, conforme temia.
Picada de cobra
Cleópatra, rainha do Egito, derrotada pelos romanos, deixou-se picar por uma naja, morrendo em consequência de seu ato. Inesquecível a cena de Liz Taylor, no papel de Cleópatra, enfiando a mão num vaso em cujo interior encontrava-se a cobra. O filme é “Cleópatra”, lançado em 1963 e dirigido por Joseph Leo Mankiewicz.
No primeiro mundo os acidentes com ofídios são menos frequentes. Entretanto, na Ásia, América Latina e África muita gente morre por acidentes envolvendo esses animais. Mais de 2 milhões de pessoas são picadas anualmente, 100 mil morrem e 400 mil ficam com graves sequelas.
Como se sabe o remédio contra picadas de ofídios é o soro antiofídico. Deve ser aplicado o mais depressa para impedir a ação do veneno. Entretanto, é preciso que a vítima encontre onde recebê-lo, sendo necessária a identificação da cobra e aplicação do soro específico contra seu veneno.
Surge agora pesquisa importante para combater o veneno de cobras. Trata-se da criação nanopartículas de hidrogel revestidas de polímeros que são pequenos o bastante para se ligar a proteínas. Há nanopartículas que se ligam às moléculas de veneno produzidas por najas, corais e mambas. Em testes com camundongos as nanopartículas se revelaram eficientes para combater os venenos. Além do que não exigem a especificidade necessária no caso de soros. De fato, as nanopartículas neutralizam quaisquer desses venenos. Trata-se, portanto, de importante avanço no combate a acidentes provocados por ofídios.
Quem vive no interior e próximo a matas corre o risco de contato com cobras. Nas casas do interior não é incomum que exista um vão entre as portas e o chão. Pois uma senhora que se sentara ao vaso para fazer suas necessidades foi surpreendida pela chegada de um urutu que, justamente, entrou pelo vão da porta. Ficando entre a cobra e a porta a mulher desesperou-se. Os familiares atenderam aos gritos arrombado a porta e matando o urutu a pauladas. Sã e salva senhora demorou a recompor-se de tamanho susto.
Esporte radical
O Brasil possui coisas maravilhosas que nem todos conhecem. Uma delas fica no Maranhão. São os Lençóis Maranhenses cuja beleza atrai turistas de todo o mundo. Não é muito fácil chegar aos Lençóis. Parte-se de São Luís e, depois de cinco horas, chega-se a Barreirinhas, pequena cidade do interior, ponto de partida para a expedição aos Lençóis.
A viagem até os Lençóis é feita em veículos que, após a travessia do rio Preguiça, metem-se num caminho de difícil circulação. Solavancos de toda ordem aguardam os incautos expedicionários. Mas, ao chegar ao topo, a viagem compensa, e muito. Do momento em que se desembarca até a hora do retorno vive-se experiência maravilhosa. A incrível beleza do imenso areal, no qual se destacam as lagoas Azul, Bonita e do Peixa, constituem-se em paisagens inesquecíveis. Trata-se de um contato com a natureza no qual ela nos reserva o estranho e o belo, algo diferente do que estamos habituados. E quem vai lá fica para ver o entardecer. É emocionante assistir ao por do sol que derrama luzes sobre o vasto areal. Cenas belíssimas.
Outra grande beleza do país são as Cataratas do Iguaçu. As cataratas são fenomenais. Indizíveis. Tanta magnitude e beleza concentra-se na vastidão de quedas d´água que enchem os olhos dos visitantes. A cada momento tem-se ao alcance dos olhos novas e novas combinações de imensas cachoeiras cujas águas brilham, refletindo o Sol, entrecortadas por arco-íris que a todo instante surgem dentro de toda aquela magnitude.
Quem conhece as Cataratas do Niagara há de compará-las com as do Iguaçu. Lá o volume de água é maior. Entretanto aqui a amplitude das quedas de água é superior ao Niagara. Mas, esse texto tem por título “esporte radical”. Bem, o que você diria de alguém que se enfiasse dentro de um tambor e se jogasse do alto das cataratas do Niagara? Louco não? Pois a primeira pessoa a tentar a façanha foi uma senhora de 65 anos, isso em 1901. Antes ela colocou entro do tambor vedado um gato que, aliás sobreviveu. Depois, foi a vez dela que, incrivelmente, saiu viva da experiência.
De lá para cá alguns casos de tentativas de saltos do Niagara têm ocorrido. De um deles só se encontrou um braço do homem que saltou. De outro o cadáver inteiro. Um cidadão que tentou algumas vezes, sendo impedido, conseguiu saltar e sobreviveu. Aliás, existe multa de 10 mil dólares para quem saltar de lá.
Há quem goste de esportes radicais. Essas pessoas que se praticam bungee jumping arriscam-se por alguns instantes de adrenalina em nível máximo. Dá nervoso vê-las saltando de alturas de mais de 40m. Agora, saltar do Niagara, pelo amor de Deus.
Comida estranha
Numa escola dos EUA uma aluna do Ensino Médio presenteia seus colegas com biscoitos que ela mesma preparou em casa. O detalhe é que ao fazer os biscoitos ela a eles adicionou as cinzas de seu avô. De modo que os colegas ingeriram o pó do avô misturado à massa dos biscoitos. Caso confirmado, pergunta-se se existe crime no ato da aluna que deu fim aos restos carbonizados de seu avô. Como parece não existir jurisprudência sobre o assunto a punição fica por conta da escola.
Em Addis Abeba, Etiópia, cirurgiões retiram do estômago de um homem 122 pregos… Além deles pedaços de vidro, duas agulhas… Impressiona o fato de o estômago do dito cujo não ter sido perfurado por esses objetos pontiagudos. Supõe-se que o devorador de pregos os ingeriu com auxílio de goles de água. No mais…
Num hospital de São Paulo certa ocasião esteve internada uma mulher que gostava de engolir garfos. Quando foi levada ao hospital uma radiografia revelou a existência de duas peças no estômago. Submetida a cirurgia os garfos foram retirados. Entretanto, no período de convalescença, ainda no leito hospitalar, eis que refeições foram servidas à mulher, naturalmente acompanhadas de talheres. Pois aconteceu de a paciente ingerir um garfo, fato que motivou sua transferência ao centro cirúrgico para nova operação.
O caso da mulher que engolia garfos chamou a atenção pelo fato de ser ela pessoa absolutamente normal no convívio, educada e boa prosa. Por alguma razão, entranhada nas profundezas do cérebro dela, vivia com a compulsão em ingerir garfos. Caso para psiquiatras e outra sorte de especialistas.
É fato que as pessoas têm manias, a maioria delas consistindo em práticas sem maiores consequências. Não se taxa como louco alguém que tem lá suas esquesitices quando consideradas passáveis. Entretanto, há extremos. O italiano Hilário, a quem conheci na infância, folgava-se alimentando-se de gatos. O italiano tinha na carne dos bichanos a máxima iguaria possível. Daí que vivia a perseguir os pobres gatos os quais enforcava, quebrando-lhes o pescoço ao comprimi-lo no vão da porta de sua cozinha.
Do Hilário sabia-se que viera para o Brasil ao fim da segunda grande guerra. Saíra da Itália devastada após a derrota de Hitler e a morte de Mussolini. Nunca falava sobre o passado, mas era certo que lutara na guerra conforme demonstravam cicatrizes aparentes em seu corpo. Terá, talvez, sido o fato de participar dos horrores da guerra e ter-se alimentado daquilo que fosse possível a razão de sua vocação para comer a carne de gatos.
Lua artificial
A boa e velha Lua é nossa companheira de todas as noites. Vez ou outra se esconde detrás de nuvens, talvez por recato na realização de suas coisas mais íntimas. Mas, na maior parte do tempo, brinda-nos com sua presença, no crescente, no minguante, nas deliciosas madrugadas de cheias.
Ah, a Lua. Ela é dos namorados, garantem os eternos apaixonados. E o luar brilhando sobre os mares serenos, encantando viajantes, despertando saudades das terras distantes, revivendo paixões? Pois que os incautos se lembrem de que a Lua é muito, muito mais mesmo, que um simples astro a orbitar em torno de nosso planeta. Ela não é só mais uma peça do cotidiano, é parte integrante de nossos sonhos, da nossa vida.
Entretanto, eis que a Lua está a ser atraiçoada. Não é que os mentores da tecnologia desenfreada estão à beira de criar novas luas, invadindo o espaço que de direito pertence ao satélite que desde que o mundo é mundo nos acompanha?
Pois na China estão a criar luas artificiais. Serão corpos introduzidos na atmosfera, capazes de refletir a luz do Sol. Uma lua dessas terá capacidade para iluminar áreas de até 50 km de diâmetro!
Olhe que os chineses estão exultantes. E não é para menos porque a luz refletida substituirá a iluminação dos postes com imensa economia de energia.
A tecnologia avança e torna possível a realização de coisas até hoje impensáveis. Os chineses estão para colocar em ação a primeira dessas luas e avisam que a ela outras seguirão.
Tudo bem. Afinal esse mundo anda mesmo de ponta cabeça. Mas, pessoal, e quanto à poesia? Mais de uma Lua? Noites claras sem a suavidade do luar original? Não seria o caso de se repensar essa história de lua artificial pelo bem da beleza que hoje em dia tanto nos faz falta?
A ver no que vai dar.
Na Crimeia
Mundo, mundo, vasto mundo - alertava o poeta. Tão vasto que as notícias dos longes demoravam a chegar. Mas, a tecnologia roubou ao homem o encanto das surpresas dada a possibilidade de acessar informações de modo instantâneo.
Da Criméia sabíamos ser uma península situada no Mar Negro. De tempos para cá a nossa atenção foi atraída pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Os ucranianos consideram a Criméia parte de seu território, mas, no momento, os russos estão governando a península.
De todo modo a Crimeia continua tão longe de nós quanto sempre esteve. Não sabemos dizer ao certo como vivem nossos irmãos ucranianos. De viajantes ouvimos que há satisfeitos e insatisfeitos com o governo dos russos. Alguns citam melhoras nas cidades, construção de escolas etc.
Mas, hoje a Crimeia nos chega com noticiário infausto. Do tipo que nos faz interromper o café da manhã, atraídos pelas imagens exibidas na TV. Noticia-se que um rapaz invadiu a escola técnica onde estudava. Portava, na ocasião, um rifle. Pois o celerado matou 18 estudantes e feriu 53. Até que foi morto.
O primeiro-ministro russo descarta terrorismo. Ato isolado. Putin que está na região para receber um presidente, manifesta-se. Os feridos são transportados até em carros particulares. A Crimeia treme.
Tudo isso lá, bem longe de nós, afinal em que nos afeta? Ora, nos derruba enquanto seres humanos. Incompreensível a revolta desse sujeito que se vinga do mundo, eliminando seus semelhantes. Nenhuma razão será suficiente para justificar ato tão hediondo.
Mas, o assassino está morto e levou consigo o mistério do horror que causou.
O acidente de Orly
Leio entrevista de Ricardo Trajano, único sobrevivente do acidente de um avião da Varig em Orly, França. O acidente ocorreu em 1973. Trajano relata ter-se sentado bem atrás, no avião. Era seu primeiro vôo e tinha lido que, em acidentes aéreos, a maior sobrevida era dos passageiros que se sentavam atrás.
A sobrevivência de Trajano foi possível por desobedecer às instruções de ficar em seu lugar e esperar. Ao ver a fumaça que vinha de tráz ele levantou-se e foi para a frente. Em pouco o avião foi ocupado pela fumaça negra. Os passageiros morreram sentados, presos aos cintos de segurança. Trajano aspirou a fumaça tóxica e desmaiou. Sobre as costas dele caíram placas quentes, provocando queimaduras. Levado ao hospital, milagrosamente sobreviveu. Hoje faz palestras sobre o acontecido.
No avião que chegava a Orly viajava Filinto Muller, chefe de polícia política durante o governo Vargas, acusado de promover prisões arbitrárias e torturas de prisioneiros. De repercussão internacional a prisão de Olga Benário, militante comunista e mulher de Luís Carlos Prestes. Presa enquanto grávida foi deportada para a Alemanha onde seria executada.
Trajano relata que, no banco à sua frente, sentava-se Agostinho dos Santos, grande e conhecido cantor brasileiro. Proprietário de formidável voz Agostinho era reconhecido como das máximas expressões musicais do país. Quando rapazote eu vi Agostinho em São Paulo. Levado por um irmão a um restaurante eis que ali estava o cantor. Lembro-me de meu irmão, recomendando que eu não olhasse diretamente, avisando-me sob a ilustre presença do notável cantor. De Agostinho existe, entre outros, um vídeo gravado durante a visita do cantor norte-americano Johnny Mathis. Apresentava-se o americano em São Paulo quando interrompeu seu show para chamar Agostinho, que estava na plateia, para vir ao palco cantar com ele.
Ainda hoje me recordo do noticiário do acidente de Orly que comoveu a opinião do país. Revelações de Trajano, único sobrevivente, reavivam memórias sobre perdas de vidas como a de Agostinho dos Santos que muito ainda tinha por fazer no ambiente da música nacional.
Pernilongos
Na madrugada fui atacado por pernilongos. Bichos terríveis. Kamikases. Sobrevoam o pobre que só quer paz para dormir. Infernizam. Não desistem nunca. Desaparecem quando se acende a luz com a ilusão de exterminá-los. Então metem-se atrás dos móveis, quietos , safados. Quando o pobre retorna ao leito e apaga a luz eles reaparecem. Seriam mais perfeitos se não emitissem nenhum som. Mas, como nada é perfeito, atacam do jeito que podem. Escandalosos. Malditos. Um inferno.
Certa ocasião Chico Anysio concedeu entrevista ao Jô Soares. Na entrevista Chico desancou a língua contra a existência de certos bichos. Se bem me lembro meteu a boca nos jacarés e crocodilos, animais que, para ele, não teriam nenhum préstimo. Logicamente embalava-se ao ritmo de piadas. Mas, de verdade, pra que precisamos da companhia de pernilongos nesse mundo?
Todos os bichos são filhos de Deus - sentenciava Dona Pituta, senhora em cujo pomar eu me deliciava ao tempo de minha infância. Se Deus criara um bicho fora porque, em sua imensa sabedoria, julgara a existência do tal necessária. Ainda que fosse apenas para perturbar o sono dos homens, transmitir doenças, etecetera e tal. Pois é.
Desde que me entendo por gente me considero prato predileto de pernilongos. Esses pequenos vampiros adoram o meu sangue. O tal que consegui esmagar na parede, nesta madrugada, espatifou-se numa mancha de sangue. Era o meu sangue que o vadio havia furtado com sua tromba sugadora.
Destaco que nem todos pernilongos são iguais. Esses daqui das montanhas da Mantiqueira são ferozes, mas lentos. Não é tarefa difícil pegá-los. Ao contrário, os do litoral são uns azougues. Rápidos e determinados, atacam, sugam e desaparecem. Se os localizamos será preciso ligeireza para matá-los.
Há muitos anos não vou a Pindamonhangaba. Minha avó morava lá e, nos meus tempos de menino, vez ou outra eu dormia na casa dela. Acontece que Pinda conta com a presença das águas do Paraíba que correm mansas por aquelas terras. Com a presença do rio eram muito comuns pernilongos na cidade.
Lembro-me de certa madrugada em que fui acordado por meu irmão mais velho. Assustara -se ele ao me encontrar, sendo devorado por enorme pernilongo. Parece que no meu rosto havia um inchaço devido à ação do maldito kamikaze. Ato contínuo apareceu minha tia com um tubo de pomada com a qual cobriu a área da lesão.
Muitos anos e madrugadas sob o ataque de pernilongos sucederam quela noite em casa de minha avó. O homem é o senhor do planeta, mas um dia a humanidade deixará de existir. É de um biólogo a imagem de que, extinta a espécie humana, num campo desértico do futuro poderá ser visto um inseto sobre um braço de uma planta ressequida.
Em quem votar?
Correm céleres as opiniões sobre a escolha do novo presidente. O assunto empolga. Os dois candidatos contam com taxas de rejeição altíssimas. Em torno de ambos se cerra um clima de desconfiança. Quanto mais se discute mais as cosias ficam confusas. De um lado a herança do maior caso de corrupção já registrado na história do país. O receio de que continuemos a ser roubados empalha a candidatura do candidato do PT. De outro o receio do autoritarismo, do fascismo e nova ditadura. Generais que possivelmente ocuparão ministérios no futuro governo não escondem suas intenções quanto à “normalização” da vida pública no país.
Entre dois fogos, a pergunta: em quem votar? Confesso meu receio em relação ao autoritarismo. Em 1964 eu era um estudante do curso colegial, atualmente Ensino Médio. Estava na primeira série do colegial quando o golpe de 64 aconteceu. Naquela ocasião morava em Itu e, vez ou outra, frequentava o clube da cidade, sempre levado por um amigo. Entretanto, não era sócio. Na verdade, a minha entrada ficava na dependência de uma cortesia do clube a meu tio que ocupava cargo importante na magistratura da cidade.
Ocorre que dois dias depois do golpe fui ao clube com o meu amigo. Barrado na entrada, fui conduzido à sala do presidente do clube, um coronel. Durante bom tempo ficamos, eu e o amigo, em pé no canto da sala, esperando que o presidente se dignasse a atender-nos. Até que, em certo momento, ousei dirigir-me ao homem. Fui recebido com uma saraivada de palavras duríssimas. Ouvi um discurso sobre a necessidade de acabar com privilégios. Ao que praticamente me vi expulso do lugar. Iniciava-se uma nova era.
O problema maior do autoritarismo é o fato de despertar, mesmo em membros da mais baixa hierarquia, a sensação de que não só possuem muito poder como estão imbuídos da missão de reprimir e consertar tudo. Isso eu não entendia na época, mas tive muitas oportunidades de presenciar com o passar dos anos.
Inimaginável o retorno ao governo daqueles que traíram a confiança que neles depositamos, locupletando-se em negociatas que envolveram somas absurdas de dinheiro. Também inimaginável a entrega do governo a um grupo cujo discurso a cada momento dá mostra de suas intenções nem sempre democráticas.
Então, em quem votar?