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Filmes
Um amigo me fala sobre filmes. Disse que não posso deixar de assistir ao filme “A Criada”, produção sul-coreana. Trata-se de um longa de mais de duas horas cuja trama é surpreendente. Isso além da qualidade da fotografia, justeza do roteiro, ótima direção, bons atores e assim por diante. É o que o amigo me diz.
Confesso que adoro cinema. Assisto a filmes com grande frequência. Mas, longe de mim qualquer incursão crítica sobre as obras que frequento. Análise da história, roteiro, figurinos, música, fotografia, atuações etc., melhor deixar para quem é do ramo. O que não significa que não possa ter opinião sobre as películas que assisto. De tanto ver, observar detalhes, alguma coisa sempre fica.
Tudo isso para chegar ao ponto de dizer que não reúno estrutura para contestar alguém que realmente entende de cinema. O amigo de quem falo já participou de filmagens em sets de cinema e conhece de perto gente ligada à produção de filmes. Pois ele me diz que não entende como o Brasil, país do tamanho que é e com tanta gente inteligente, não consegue produzir filmes que alcancem grande projeção no cenário internacional. Fica-se, aqui, no terreno das boas comédias e raros filmes que nos façam pensar.
Não sei dizer se ele está certo ou errado. Falta-me o acompanhamento de tudo o que vem sendo lançado pelo cinema nacional. Digo a ele que, em todo caso, há que se valorizar as dificuldades financeiras ligadas à produção. Com dinheiro a rodo, como acontece nos EUA, a coisa seria bem outra. Aliás, de que somos capazes de fazer bom cinema não restam dúvidas. Ao longo de nossa história aqui se produziram filmes de grande relevo. “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, recebeu a Palma de Ouro em Cannes. Em passado recente a atriz Fernando Montenegro foi indicada ao Oscar de melhor atriz. Isso para ficar em apenas alguns destaques.
O falecido Paulo Francis dizia que se Paulo Autran representasse em inglês teria sido um dos grandes do teatro e cinema norte-americanos. Aliás, a arte dramática brasileira tem contado com notável plêiade de grandes atores.
Um alto membro da comissão do Oscar criticou, recentemente, as produções cinematográficas brasileiras. Acusou-as de serem cópias de filmes americanos. Referia-se à temática dos filmes. Disse que gostaria de ser surpreendido por produções originais, de temática própria do país.
Insisto em dizer que me faltam elementos para sustentar discussão sobre esse assunto. Entretanto, não é possível negar-se que algumas das produções nacionais ficam a dever em qualidade em relação às de outros países.
No ano passado o cineasta Caca Diegues, a quem devemos filmes como “Joana Francesa” e Bye Bye Brasil, entre outros, disse que “estamos vivendo a época de ouro do cinema brasileiro”. Em 2017 foram produzidos mais de 150 filmes o que caracteriza crescimento na indústria do cinema nacional.
Entretanto, nem todos os filmes produzidos no país contam com a presença de grande público nas salas de exibição. Esse fato, aliado às dificuldades de financiamento para a produção, constitui-se no gargalo a ser transposto pela gente ligada ao cinema.
A rotina do céu
Gilles Lapouge escreve em “ O Estado” sobre o racismo que ameaça a Suécia. País onde há respeito à democracia e os direitos humanos são preservados, na Suécia vive um povo sério, tranquilo e imune ao ódio e xenofobia que predomina em toda a Europa. Mas, de repente, essa ordem é abalada. Nas eleições de amanhã o partido dos Democratas Suecos, radical e xenófobo, ganha projeção. Como se explica isso num país de economia próspera, taxa de desemprego baixa e nível de vida bastante elevado? Lapouge responde:
“A monotonia acaba cansando e nada é mais fatigante que a virtude perpétua. O tédio com os longos invernos e essa beleza infinita da natureza - as pessoas estão fartas disso -, sonham com sangue, disputas, infelicidade, felicidade insana. Querem um pouco de ruído, tempestades.”
Fui criado dentro da crença católica. Acompanhava minha mãe à igreja, nas missas de domingo, e ouvia, nos sermões, as promessas sobre o céu. A ele chegariam as almas dos fiéis que, durante a vida nesse mundo convulso, se caracterizam pela boa conduta, ausência de pecados e assim por diante. O sacrifício aqui na Terra seria recompensado pelas delícias do céu. Aos maus, os pecadores, o inferno. Aos bons a glória no reino de Deus.
Não se sabe se as almas desencarnadas se despregariam das personalidades dos homens a quem pertenceram. Seguindo o raciocínio de Lapouge, cãs o mantenham alguma identidade é de se esperar que não se adaptem muito bem à monotonia do cotidiano celeste. O tédio e a beleza infinita de um céu onde nada de ruim acontece talvez as desesperariam. O homem é como é, criatura forjada com prós e contras, erros e acertos, naturalmente competitiva. A placides de um mundo no mundões fosse prodigalizado com a felicidade eterna talvez o fartaria.
Talvez por isso o céu das religiões não seja para todos. A não ser que a alma, caso realmente exista, ao se despregar do corpo apague seu passado terreno e se integre à rotina de outra dimensão.
Bobagem? Quem sabe…
Depois das chamas
O apresentador fala sobre o minuto a minuto na TV. Trata-se de pesquisa de audiência realizada a cada minuto. Ele relata que quando se apresentam notícias sobre o incêndio do Museu Nacional a audiência cai repentinamente. Quando se passa a outro assunto a audiência se recupera.
A conclusão é a de que as pessoas não querem ouvir falar sobre o incêndio. Será? Talvez os brasileiros acossados por tantas desgraças não queiram saber sobre mais uma, cuja grandiosidade incomoda. O problema do incêndio do Museu Nacional é que ele é visível. Não há como fugir às imagens do fogo avançando e devorando tudo o que existia dentro do prédio. Não há como se fingir de que aquilo não importa muito. Mesmo para pessoas menos interessadas é muito claro que o fogo está a consumir não só o passado e o presente, mas parte da alma de um povo. Queimar alma é coisa muita séria. Incomoda. Talvez não queiramos assistir a tão triste espetáculo.
O incêndio repercute no mundo. O descaso das autoridades com o patrimônio cultural do país escancara-se, manchando a imagem de todo um povo. O incêndio enche-nos de vergonha. Publica-se que os custos da reforma do Maracanã teriam sido suficientes para manter o museu por mais de 2000 anos.
Na TV jornalistas falam sobre a lamentável situação dos museus nacionais. Ficamos sabendo que no Museu da República, no Rio, o quarto onde Getúlio se suicidou está fechado por conta de goteiras… E o governo parece acordar, prometendo verbas para recuperação e manutenção de nosso patrimônio cultural.
No Rio uma grande passeata de estudantes, realizada na Cinelândia, serviu como protesto em relação à tragédia do Museu Nacional. Na Quina da Boa Vista pessoas fizeram um cordão para abraçar o antigo prédio do qual restam apenas as paredes, ainda que muitas delas ameaçadas de ruir.
Agora o prédio está sendo periciado. Buscam-se culpados. Longa discurseira de autoridades tenta explicar o inexplicável. Técnicos aventam hipóteses sobre o início do incêndio. Pesquisadores, estudantes e toda gente que trabalhava no Museu Nacional não escondem sua tristeza pelas perdas irreversíveis ali verificadas.
Em entrevista uma senhora diz que o incêndio parece a ela um sonho. Diz ter esperança de que, na próxima manhã, quando acordar, o velho museu estará lá, onde sempre esteve, com todo o seu conteúdo e pessoas que diariamente o frequentam.
Pena que a ilusão não nos devolva o passado e faça retornar o que perdemos. Daqui a algum tempo o incêndio do Museu Nacional será assunto do passado e seremos devorados por novas notícias, boas e más. Até lá é bem possível que nossas almas de brasileiros, arranhadas por tanta coisa, tenham se recuperado. Mas, não nos livraremos dessa cicatriz imensa que foi a perda do Museu Nacional.
Falar em público
Tempo de campanha política, ocasião em que o besteirol se agiganta. Ao candidato cabe impressionar seus eleitores, quaisquer que sejam eles. Como o Brasil é grande e os problemas regionais nem sempre estão na ponta da língua de quem fala, a possibilidade de sair alguma asneira é grande. Além do que, espera-se do candidato que trafegue com desenvoltura - e conhecimento - em todas as áreas. O que é impossível por mais preparado que o candidato seja.
Candidatos são sabatinados o tempo todo. Entrevistas não raro se transformam em verdadeiros interrogatórios. Cobram-se posições, definições, detalhamentos. E o candidato tantas vezes acaba se saindo pela tangente, dizendo um pouco de nada ao que acrescenta outro nada e assim segue em frente.
Pode ser apenas impressão, mas para as próximas eleições os candidatos têm-se mostrado muito aquém daquilo que o país necessita. Ao opinarem sobre o que desconhecem e proporem soluções impossíveis misturam tudo, confundido o eleitor.
Acontece, infelizmente, que existem eleitores para todos, inclusive para os candidatos que não dizem coisa com coisa. De modo que o Brasil segue na corda bamba, esperando, talvez, alguma revelação ou mesmo um milagre. Entretanto, o vazio dos discursos, os erros evidentes em muitas propostas e respostas, são desanimadores.
Falar em público é arte para poucos. Incorrer em erros é o grande perigo que ronda aos que ousam dizer alguma coisa em público. Enganos em geral colocam aqueles que os cometem em situação desagradável. Hoje mesmo se noticia que a cantora Britney Spears, em turnê pelos EUA, dirigiu-se ao público que a assistia, dizendo: “como estão se sentindo Birminghan?’. Pois é. O problema é que o show estava sendo realizado na cidade de Blackpool, localizada a mais de 150 km de Birmingham. Ela não sabia onde estava…
Entre nós a ex-presidente Dilma Roussef tem-se notabilizado por afirmações controversas. Num discurso ela fez um cumprimento especial à Mandioca, ao Milho, e disse que a confecção de uma bola nos torna homo sapiens e Mulheres Sapiens.
O momento é pródigo para que se acompanhem verdades e inverdades ditas por candidatos. Diariamente, os meios de comunicação trazem colunas nas quais se analisam falas, apontando o que é correto e o que é incorreto. Sempre bom lembrar-se de que vivemos em plena fase do fake news, notícias falsas fabricadas para confundir e prejudicar pessoas. A internet é terreno virgem para a publicação de toda sorte de informações, verdadeiras ou não.
Portanto, cuidado.
O meteorito de Bedengó
O incêndio do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista é noticiado em todo o mundo. Perdem-se para as chamas cerca de 20 milhões de itens cujo calor histórico e científico é não só inestimável, mas irrecuperável. Tragédia acontecida, levantam-se vozes em busca de culapados. O descaso com bens públicos, o corte de verbas e outras acusações vêm à tona. Não há como aceitar tamanha perda que certamente tem responsáveis por ela.
Na primeira vez que visitei o Museu Nacional tinha 19 anos. Fui em companhia de um amigo que conhecera no Curso Colegial, hoje Ensino Médio. O meu amigo, hoje médico, era empalhador de animais. Foi recebido pelo pessoal do setor de empalhamento como “um dos nossos”. Naquela ocasião estendi a minha visita a todo o museu, deparando-me, pela primeira vez, como o meteorito de Bedengó.
Fora o meteorito encontrado no sertão da Bahia por um menino. Corria ao não de 1784. De lá para cá uma longa história de transportes e pesquisas envolvem o famoso meteorito. Constituído por ferro e pesando mais de 5 toneladas não foi fácil o transporte para o Rio de Janeiro. Na primeira tentativa, levado por um carro puxado por muitos bois, terminou no leito do rio Bedengó. Só 100 anos mais tarde o imperador Pedro II providenciaria a remoção do meteorito até Salvador, de onde foi levado ao Rio por via pluvial.
Hoje publicam-se fotos do famoso meteorito que resistiu ao fogo que destruiu o museu. Informa-se que, capaz de resistir a temperaturas de até 10.000º C o meteorito permaneceu intacto em meio às chamas.
Na época de sua descoberta o meteorito de Bedengó era o segundo do mundo em tamanho. Hoje ocupa o décimo-sexto lugar.
Em minhas incursões pelo sertão da Bahia, região de Canudos, muito ouvi falar sobre o meteorito. Naquelas paragens, distantes do mundo em que vivemos, fatos ali acontecidos ganham muita projeção e perduram nas memórias das gerações. A Guerra de Canudos, por exemplo, é contada em prosa e verso pelas gentes do sertão, conforme ouvida das gerações que as precederam. Mas, bem me lembro de como se falava com orgulho daquele meteorito encontrado, justamente, ali no sertão. O sertão que produzira a guerra também passara à civilização o famoso meteorito.
Sobrevivente ao incêndio o meteorito de Bedengó renasce em meio aos restos daquele que foi importante repositário de nossa história. Ao vê-lo nas fotografias tem-se a impressão de que ali está para gritar que somos um povo forte, maior que a incompetência e desmandos daqueles que nos dirigem.
A beleza das mulheres
Certa ocasião ouvi depoimento impressionante. Uma atriz de novelas, mulher lindíssima, contava sobre a manhã de sábado em que fora trabalhar. Ao estacionar seu carro na rua defronte à emissora, fora abordada por dois homens que a sequestraram. Eles a conduziram a um terreno baldio e fizeram o diabo com ela. Estuprada, a atriz foi abandonada no lugar. Os criminosos nunca foram encontrados. A atriz experimentou longo período de tratamentos para, na medida do possível, recuperar-se do abuso de que fora vítima.
Não conheço as estatísticas sobre estupros, mas esse tipo de crime parece aumentar a cada dia. O alegado empoderamento das mulheres pouco tem contribuído para a redução dos casos de estupro. O uso do corpo feminino como matéria de simples consumo parece ser normal para a horda de tarados que circula por aí. Semana passada, por exemplo, um homem de 70 anos foi preso ao desembarcar de um avião. O que ele fez? Ora, sentado ao lado de uma mulher, decidiu masturbar-se…
Cada povo tem seus costumes. Criminosos agem em todos os grupos populacionais do mundo. A Índia tem se notabilizado por casos medonhos de estupros coletivos. No Brasil volta e meia acontecem situações esdrúxulas como assédios e masturbações em veículos de transporte coletivo. O lado animalesco da espécie, infelizmente, tem-se pronunciado com força e violência.
Entretanto, em meio a tudo isso encontram-se pessoas que atribuem a culpa pelos crimes sexuais justamente às mulheres. As roupas que usam seriam provocativas demais e justificariam ataques. A beleza e o corpo bem torneado funcionariam como estímulo para reações incontroláveis por parte dos homens.
Espera-se que o que está dito no parágrafo anterior seja parte do ideário de pessoas cujo cérebro esteja mais alojado no baixo ventre. Mas, que dizer quando quem fala é alguém de grande projeção, o governante de um país, por exemplo?
Pois, Rodrigo Duterte, presidente das Filipinas, acaba de afirmar que “se houver mulheres bonitas, haverá muitas violações”. Ou seja: a culpa é delas. Quem manda ser bonita e gostosa?
Eis aí a visão sexista, misógina, que permeia os nossos dias. Inaceitável, mas professada por muita gente. Desgraça em grandes proporções.
Funerais
Aretha Franklin, diva da música cuja voz encantou gerações, faleceu dias atrás. O corpo da grande intérprete foi velado dentro de um caixão de ouro. O enterro será nesta sexta com a presença de personalidades como o ex-presidente Bill Clinton e o cantor Stevie Wonder. O funeral de Aretha aconteceu em Detroit. Por dois dias o corpo da cantora esteve exposto, em seu caixão, para homenagens de seus fãs.
Também faleceu nos EUA o senador John McCain, republicano que concorreu à presidência com Barack Obama, sendo derrotado. De sua grande participação na vida norte-americana destaca-se o fato de ter sido prisioneiro de guerra durante cinco anos no Vietnam, tendo sido torturado. Consta que McCain preparou com assessores o seu funeral. O político deixou uma carta de despedida a seus compatriotas. Eram crescentes as divergências de John McCain em relação ao presidente Donald Trump.
Vida afora compareci a muitos funerais e enterros. Acompanhei pessoas queridas das quais me despedi com muita dor. Não existe, talvez, momento mais cruel que o da constatação da finitude da vida. À beira do jazido fecha-se um ciclo e não só para o morto. Aos que ficam e com ele conviviam abre-se a grande falha da ausência definitiva. Eis um espaço que não mais poderá ser preenchido, exceto pela memória de momentos vividos e passados.
Há muitos e muitos anos faleceu um tio, irmão de minha mãe. Em verdade eu mal o conhecia, dado que não privei de seu convívio. Na ocasião acompanhei minha mãe ao enterro do irmão que morrera. Confesso que poucas vezes a trama da morte terá me impressionado tanto como naquele dia. O que nós desconhecíamos era que o tio professava crença evangélica, de modo que verdadeira multidão de fiéis compareça para acompanha-lo em seu momento final. Estávamos num bairro periférico e pobre. Os fiéis cantavam sem parar, louvando a Deus. Atravessar a multidão e entrar na pequena sala da casa onde se velava o corpo foi verdadeiro suplício. Mas, enfim, eis que estávamos ao lado do caixão no qual jazia o falecido.
Não me recordo de quanto tempo estivemos ali, naquele ambiente apertado no qual se verificava incessante movimento de pessoas que, em fila, despediam-se do falecido. Mas, eis que foi chegada a hora de se fechar o caixão e seguir para o cemitério.
Pois terá sido esse um dos momentos mais emocionantes que presenciei em minha vida. O tio falecido tinha um único filho. Na hora de se fechar o caixão, o filho aproximou-se, envolveu o corpo do pai com os braços e levantou-o do caixão. Despediu-se do pai com emoção que nos contagiou a todos. Nenhum cineasta com os melhores atores lograria reproduzir aquela cena, triste e, entretanto, magnífica, expressão máxima da humanidade de que podem ser capazes os seres humanos.
Há um tempo na vida em que passamos a conviver mais demoradamente com a memória dos mortos. Eles nos visitam. Recordamos de como eram, de situações vividas, de palavras que nos disseram. Tantas saudades.
Folclore
Meu sobrinho chega da escola pilhado. Na semana do folclore foi a ele apresentado o Saci. Quando as crianças voltaram do recreio encontraram tudo mexido na sala-de-aula. O Saci estivera lá. O danado bulira em tudo como, aliás, de seu costume.
Mas, as coisas não pararam por aí. Sendo semana do folclore o Saci continua em ação. De modo que, mesmo em casa, cuidados devem ser tomados. E muita vigilância. Naturalmente, demos alguma ajuda às desordens praticadas pelo Saci. Sem que o menino percebesse, fizemos algumas desordens. Pronto, o Saci realmente estava em ação. E o menino foi dormir de olhos bem abertos por conta do Pererê.
A lembrança do Saci levou-me a um retorno à infância. Revi o menino de cor negra, gorro vermelho, uma só perna, fumando cachimbo e pulando muito. Aprontando sempre traquinices de toda sorte. Com o Saci também retornaram as histórias da minha infância que hoje, infelizmente, nãos e contam mais. Morávamos num lugarejo de menos de 500 habitantes, todos conhecidos um dos outros. Naquela época a energia luminosa faltava com enorme frequência. Era comum a queda de uma das fases de modo que a luz bem fraca perdurava por muito tempo. Eis aí um mundo povoado por fantasmas, sacis, lobisomens, mulas-sem-cabeça e outros tantos seres fantásticos. Coabitávamos com almas do outro mundo que, aliás, jamais víramos. Mas, elas estavam presentes, disso tínhamos certeza. O pai de um colega de escola morrera ao cair do cavalo, assustado que fora pelo surgimento inesperado de um Curupira. Nas madrugadas frias da montanha era comum ouvir-se o ruído do galope de um cavalo que seguia sem seu cavaleiro. A coisa acontecia em certo dia do mês na qual, supunha-se, o cavaleiro fora assassinado e o cavalo voltara à casa sem seu dono. Assim, ficara condenado, pela eternidade, ao triste trajeto.
A narrativa oral há de persistir nesses interiores do Brasil, embora traída pelas novelas. Muitas das histórias que ouvíamos dos mais velhos, naquelas noites, mantinham ligações com tradições folclóricas de origem europeia, trazidas ao novo mundo pelos imigrantes. Nesse sentido nunca será demais recordar-se do grande mestre Luís da Câmara Cascudo, autor de vasta obra relacionada ao folclore. Em seu livro “Contos Tradicionais do Brasil” o mestre nos ensina que as características do conto popular são: antiguidade, anonimato, divulgação e persistência. Ele explica:
“É preciso que o conto seja velho na memória do povo, anônimo em sua autoria, divulgado em seu conhecimento, e persistente nos repertórios orais. Que seja omisso nos nomes próprios, localizações geográficas e datas fixadoras do caso no tempo.”
22 de agosto é o “Dia do Folclore”. Importante recordar a importância do folclore na educação infantil.
Período eleitoral
Não há como passar impunemente pelo período que se agiganta. A tortura de vozes que perseguem eleitores escancara-se. Não há como escapar a elas, exceto isolando-se, trancando-se, desligando tvs, rádios, celulares e toda sorte de equipamentos de comunicação. O que, aliás, tornou-se impossível dada a dependência que temos dessas geringonças.
Mas, o que mais incomoda é a generalidade dos discursos. A Babel de promessas, quase todas não executáveis. O discurso falho. Até os animais invertebrados são capazes de saber que o país precisa de segurança, saúde, educação etc. De modo que de nada adianta dizer-se que “no meu governo essas áreas…”. Bem, de onde virão os fundos para tais melhorias? Aliás, mais profundamente, quais mesmo serão elas? Você vai criar milhões de empregos, ótimo, mas como? E por aí vai.
Por toda parte o que mais ouço é: o Brasil acabou. Senão o seguinte: se fulano de tal for eleito, caso possa vou sair do país. Ou ainda: que esperar de um país que conta com um Supremo da categoria do atual? É o que se diz nas ruas.
Perdeu-se a confiança em todos os poderes. Entramos na fase do salve-se quem puder. Exagero? Ora, como gostaríamos que fosse. Que nos esfregassem na cara as bobagens que, supostamente, seguimos dizendo.
Mas, o Brasil é o Brasil. Do Oiapoque ao Chuí. Dos nossos amores. Da nossa paixão. Terra cantada em prosa e verso pelos nossos mais inspirados poetas. Terra do hino que sempre cantamos com emoção. País de dimensões continentais habitado pela maior diversidade racial planetária. Terra dos grandes rios, das águas infinitas que correm, céleres, para alimentarem os oceanos. País das grandes matas, da Amazônia tão acossada, da desigualdade que parece nunca se iguala. A nossa terra.
É pelo Brasil que torcemos e sofremos. Em nome dele suportamos tantas declarações e decisões quase sempre inaceitáveis.
Videntes
Há quem não dispense a opinião de videntes para os próximos passos a tomar. Dias atrás conhecida vidente compareceu a um programa de televisão para garantir que Jair Bolsonaro será o próximo presidente. Perguntada sobre o porquê ela respondeu: é a vez dele, existe consonância astrológica. Segundo o entrevistador a vidente possui currículo de respeito, sendo conhecida por vários acertos em suas previsões.
A vida oferece seus altos e baixos e passamos por eles, muitas vezes com muita indignação. Numa das minhas baixas fui levado por um amigo a uma vidente que, segundo ele dizia, era fenomenal. Atuava ela em São Paulo e seus clientes eram, em maioria, políticos e agentes do sistema financeiro. Na ocasião fiquei sabendo que políticos e agentes financeiros consultam regularmente videntes famosos para orientar-se quanto a atitudes a serem tomadas.
Por sim, ou por não, compareci a uma sessão da vidente, ainda que totalmente incrédulo quanto à capacidade de alguém ser capaz de prever o futuro. Pois, confesso ter-me surpreendido. Primeiro por certas afirmações dela em relação a fatos passados de minha vida sobre os quais de modo algum ela poderia ter conhecimento. Segundo pelo acerto de algumas coisas que me disse em relação ao futuro e que vieram a se confirmar.
Ainda hoje me pergunto sobre o tipo de sensibilidade que algumas pessoas teriam para fazer previsões. Um conhecido, mais inteirado que eu nesses assuntos, aventa a possibilidade dessas pessoas terem sensibilidades desenvolvidas, tanto que conseguem captar informações da mente do cliente durante os encontros. Será?
Na ocasião em que estive com a vidente, surpreso com o que me dizia, perguntei a ela sobre o seu estranho ofício. Revelou-me ela ter-se dedicado a realizar consultas com clientes após abandonar seu trabalho junto à polícia para esclarecer crimes. Contou-me que, no passado, era chamada, com frequência, a lugares onde crimes haviam acontecido para ajudar a esclarecê-los. Acontece que isso pesava demais a ela. As situações que sensorialmente presenciava, quase sempre horríveis, desgastavam-na. Esse relato me fez lembrar de obras ficcionais nas quais a polícia recorre a pessoas ditas sensitivas para ajudá-la na elucidação de crimes.
Hoje publica-se noticia sobre uma grande vidente dos Balcãs, já falecida. Chamava-se Baba Vanga e teria previsto a Segunda Guerra e o 11 de setembro. Famosa em seu país, Baba enfrentou grandes problema durante a invasão dos comunistas para quem não tinham sentido visões abstratas, mormente as de inspiração cristã. Por isso a vidente passou a ser vigiada e visitas a ela proibidas. Entretanto, consta que segundo 80% das pessoas que visitaram Baba as previsões dela se concretizaram.
Nesse assunto prefiro ficar com a visão de Machado de Assis em seu conto “A cartomante”. Trata-se do caso de um sujeito que tem caso com uma mulher casada. Desesperado ele consulta uma cartomante que prevê o seu futuro. Mas, não farei aqui spoilers para tirar o prazer de quem ainda não leu o conto. Aliás, se você ainda não leu corra a ler. Vale muito a pena.