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Grande erro judiciário
O ano era o de 1937 e vigorava o Estado Novo sob o comando de Getúlio Vargas. Com a ditadura vivia-se no país um estado caótico em relação a direitos humanos e aspectos econômicos.
Os irmãos Naves, Sebastião e Joaquim, viviam em Araguari, Minas Gerais. Eram sócios de um primo, Benedito, e comercializavam cereais. Certo dia Benedito despareceu e com ele 90 contos em dinheiro que ele adquirira com a venda de seus produtos. Desaparecido Benedito os Naves foram à polícia para dar parte do fato. Nessa ocasião exercia a função de delegado um tenente conhecido como Chico Vieira que iniciou as investigações. Dias depois Vieira mandou prender os dois irmãos acusando-os de terem matado Benedito e roubado o dinheiro.
A partir daí iniciou-se o suplício dos dois irmãos e de suas famílias. Chico Vieira esmerou-se em toda sorte de torturas tentando, a todo custo, obter a confissão dos irmãos. Além disso, não poupou as famílias, havendo até mesmo violências sexuais contra mulheres e testemunhas ameaçadas. Durante meses os irmãos Sebastião e Joaquim foram torturados até que, cansados de apanhar, acabaram confessando.
Em 1938 os irmãos foram a júri, sendo absolvidos, mas não por unanimidade. Não havendo unanimidade continuaram presos. Num segundo júri, realizado no mesmo ano, o resultado foi semelhante: absolvidos sem unanimidade. Por fim, o caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado e os Naves condenados a 25 anos e meio de prisão. Após pouco mais de 8 anos de prisão, dado o bom comportamento, os Naves foram libertados. Joaquim Naves veio a falecer em 1948 devido a doença adquirida ao tempo em que sofreu tortura.
Entretanto, em 1952, Benedito reapareceu na fazenda de seu pai. Avisado, Sebastião Naves foi ao seu encontro e pode provar sua inocência e a do falecido irmão. Benedito declarou que fora roubado e, por isso, fugira, pois não poderia pagar seus credores.
Em 1960 Sebastião Naves e o advogado João Alamy Filho, que os defendeu desde o início, conseguiram ser indenizados pelo Estado. Sebastião morreria em 1964.
A terrível injustiça cometida contra os irmãos Naves foi levada às telas de cinema sob a direção de Luís Sergio Person com o título “O caso dos irmãos Naves”. Person tem, entre outras obras, o filme “São Paulo S/A”, estrelado por Walmor Chagas. O filme sobre os irmãos Naves data de 1967 e tem a participação de grandes atores, na época ainda jovens. Anselmo Duarte é Chico Vieira; John Herbert o advogado Alamy; os irmãos Naves são vividos por Raul Cortez e Juca de Oliveira.
A obra de Person, filmada em preto e branco, não perdeu sua força com o passar do tempo. Importante lembrar de que foi produzida em plena época de ditadura militar instaurada a partir de 1964 no país, período no qual o assunto tortura de modo algum seria bem-vindo.
O filme sobre os irmãos Naves leva-nos a refletir sobre os meandros da Justiça, mormente num período em que se discutem no país direitos de condenados e a prisão em segunda instância.
Vazio
Nada de novo no front. A comédia humana prossegue inconsequentemente. Pouco importa se hoje, em Cuba, pela primeira vez é empossado um presidente que não tem o sobrenome Castro. Tudo passa. Fidel rendeu-se à morte e Raul sabe que ela o aguarda dado o avanço de sua idade. Também pouco importa a crise na Venezuela onde vigora o devastador governo de Maduro. Venezuelanos invadem o Brasil, venezuelanas se prostituem em troca de comida. Pouco interessa, também, a ação da equipe da ONU que está na Síria para confirmar o uso de armas químicas pelo governo de Assad. Nada disso interessa.
Não interessa? Mesmo? Ora, acontece que estamos cansados da arritmia do mundo. O coração do mundo adoeceu e os homens não entram em consenso para medicá-lo corretamente. Não há união. Não há paz. Daí esse vazio que nos atormenta. Vazio de desesperança. De fazer ouvidos moucos à desgraça alheia como se nada tivéssemos a ver com ela. A isso chama-se desumanização. O homem se desumaniza para sobreviver.
Entretanto, mais cedo ou mais tarde surgirá alguma luz. Não se trata de sonho: é a regra do mundo. Quem diria, no ápice da Segunda Guerra, que o mundo recuperaria pelo menos um pouco de sua normalidade? Que surgiria a ONU e as tratativas entre países para evitar novos confrontos? Dirão que as guerras nunca deixaram de existir e ainda nos apavoram. Verdade. Mas que fazer com os delírios de poder de ditadores, governantes embriagados pelo poder, extremistas de toda ordem, racistas, genocidas e tantos outros? Haverá no DNA humano um erro programado para a geração de tanta gente voltada à prática do mal?
É de Schopenhauer a frase: o destino baralha as cartas, e nós jogamos. Afinal, quando começaremos a jogar de modo correto?
O mal do tempo
O tempo passa, o tempo voa… Sites de internet adoram publicar fotos de pessoas conhecidas dentro do quadro “antes e depois”. Atriz famosa de tal filme era assim, clique aqui e veja como ela está agora. Seguem-se, para quem clica, várias fotos das personalidades, antes e depois. O problema é que passados os anos pessoas que ainda se apresentem bem não se compararam aos aspectos que tinham na mocidade. Daí que se trata de mau gosto a exposição do envelhecimento de gente cuja beleza na mocidade foi, inevitavelmente, afetada pelo tempo. Afinal por que comparar a magnífica Sofia Loren, hoje aos 83 anos de idade, com o que foi em sua juventude? Dela prefiro guardar suas inesquecíveis imagens nos vários filmes em que atuou. Sofia Loren sempre será aquela mulher lindíssima que vimos nas telas.
A história do sujeito que embarca num navio e recebe o telefonema de antigo affaire é emblemática. Mal entrado na cabine ouve, pelo telefone, a voz da bela com quem manteve caso no passado. Feliz pela coincidência de atravessarem o mar juntos ele marca encontro com ela no jantar. Entretanto, a mulher que comparece ao encontro já não é a mesma de outrora. Aliás nem ele que parece não se dar conta disso e conta o caso de modo desairoso em relação à mulher.
Esportistas enfrentam situações difíceis no encerramento de suas carreiras. Sites de internet, como sempre, não perdoam. Entre nós é comum que se vejam jogadores, na faixa dos 35 anos de idade, serem expostos por não encontrarem clubes que os contratem. Até mesmo atletas de renome, ídolos de torcidas, são submetidos à exposição pública por não encontrarem onde jogar. Destarte é mesmo difícil a decisão de quando parar. Não raramente acontece de grandes jogadores terem fim melancólico de carreira, atuando em agremiações que militam em divisões inferiores.
Certa ocasião fui assistir a um jogo de equipes da segunda divisão em cidade do interior. Era o final dos anos cinquenta do século passado. Na equipe visitante atuava um atacante, ninguém menos que o famoso Baltazar. Ora, o Baltazar cuja alcunha era “Cabecinha de Ouro”. Baltazar atuara no Corinthians ao tempo em que na extrema direita jogava Cláudio que lançava bolas na área adversária, na medida exata para que o “cabecinha” fizesse seus gols de cabeça. Mas, ali, naquele jogo a que assisti, Baltazar não passava de pálida imagem do que fora.
O envelhecimento é exposto na mídia como desvantagem. Que se deixe aos que envelhecem a análise de suas condições as quais, necessariamente, não precisam ser expostas.
Velhice
João Gilberto tem 86 anos e uma ordem judicial autoriza o arrombamento da porta do apartamento onde ele vive, no Rio. A filha de João quer ver como está o pai e provê-lo dos cuidados necessários.
João, que nos proporcionou momentos de êxtase vida afora, chega ao fim, melancolicamente. Personalidade complexa, virtuose, venerado por plateias em todo o mundo, eis que para João parece não mais haver nada mais que aguardar o momento da morte. De nada adianta a ele dizermos que continuará vivo para sempre, cantando em nossos aparelhos sonoros. O tempo não perdoa.
Uma senhora a quem conheci em plena força e beleza hoje se apresenta alheia a tudo e a todos. Resta a ele vigor físico, mas o Alzheimer apagou suas memórias. Mulher ativa, inteligente, perspicaz, ensinou literatura nas universidades. Quis a sorte que seus prodigiosos conhecimentos fossem sepultados no apagamento de seus circuitos neuronais.
Vejo, no jornal da manhã, a fotografia de um político a quem acompanhamos ao longo de sua carreira. Lembro-me de seu aspecto jovial. Era um sujeito galante, até bonito. Perto dos 70 anos quase não se o reconhece. O tempo cuidou de acentuar os traços de seu rosto, agora envelhecido. Já não tem o viço de antes, continua na ativa, mas não é o mesmo.
A velhice chega para todo mundo. Confesso ter imaginado que eu seria poupado desse constrangimento. Por que também eu? De todo modo aviso: não estou gostando.
Não sei se para todos, mas não é fácil aceitar a chegada da velhice. De repente o passado se torna mais longo que o tempo que se tem pela frente. O organismo começa a sucumbir à passagem do tempo. Dores, sintomas, visitas a médicos, medicamentos… O esforço por manter-se em forma, os dribles na imagem que vemos no espelho.
A vida, como tudo, tem um fim. Espero morrer com saúde.
No bunker de São Bernardo
Brasileiros, nunca se viu por aqui coisa igual. Dentro de um prédio de sindicato, cercado por militantes dispostos a tudo, um condenado pela justiça espera o momento de sua prisão. Esgotado o prazo concedido para que livremente se apresente permanece a incógnita sobre os passos a seguir. A imprensa ocupa-se de coberturas em tempo integral. Helicópteros sobrevoam o prédio para que o mundo tenha, ao vivo, imagens de uma situação que não muda. Toda sorte de críticos, comentaristas, juristas etc. aparecem a dar opiniões nem sempre concordantes. Um esquema impressionante preparado pela Polícia Federal para receber o ilustre condenado frustrou-se em Curitiba com o não comparecimento dele. Numa das varandas do prédio sucedem-se discursos de militantes que parecem dispostos a dar a própria vida pelo líder.
Mas, de longe, toda essa empolgação parece isolada. Não há como não ver no genuíno desespero da multidão certo desalento em relação a um ciclo que está para se encerrar. O grande líder, por duas vezes presidente da República, amado pelos seus seguidores, hoje é, infelizmente, pálida imagem do que foi. Recolhido a um mal preparado bunker, à mercê da lei, não mais dita as regras, já não comanda. Pálida imagem do que foi, repita-se, o homem Lula sucumbe diante da poderosa imagem que ele mesmo criou e na qual acredita integralmente.
Pois não será esse um dia de alegria para os brasileiros, sejam eles favoráveis ou contrários a Lula. As cenas a que assistimos representam o fim de um sonho no qual maiorias embarcaram e agora se negam a admitir seu fracasso. É sempre triste presenciar à capitulação de um comandante que se quer acima de tudo.
Dirão que aquele que tudo pode ressurgirá. Mas, nem mesmo os melhores futurólogos serão capazes de prever a trajetória de Lula daqui por diante.
O caminho do inferno
No momento da morte abrem-se três caminhos para a alma do desencarnado: purgatório, inferno e céu. A escolha do trajeto a seguir não depende da alma que adentra o novo e desconhecido espaço. Tudo depende de seu passado enquanto era vivo. Nesse terrível instante suas ações praticadas ao longo de sua laboriosa vida ganham peso, são julgadas. Numa balança desconhecida boas e más ações são criteriosamente colocadas nos braços da balança. Consta que boas atitudes são depositadas no lado direito enquanto as más merecem o lado esquerdo, mas isso talvez não passe de especulação. Quando o peso do mal revela-se muito superior ao do bem não existe acordo: a alma será encaminhada ao inferno. Se vence o bem o caminho será o céu. Equilíbrio entre os dois lados da balança resulta num estágio no purgatório.
Mas, a hipótese de exi.stência da balança é apenas uma entre tantas. Outra é a que atribui a São Pedro a função de porteiro do céu. As almas seriam conduzidas ao Santo que teria um livro no qual estariam gravados os malfeitos realizados em vida.. Pecadores contumazes seriam imediatamente conduzidos ao inferno. Boas almas teriam o privilégio de entrar no céu. Pecados considerados veniais dariam direito a uma temporada no pugatório antes de gozar as delícias do céu.
No mundo católico o inferno age como freio à prática do pecado. O medo de ser condenado a passar a eternidade no fogo infernal, sofrendo toda sorte de suplícios, funciona como barreira e convite a uma vida digna e isenta de pecados. Tem, portanto, o inferno lugar de destaque no imaginário humano. Evidentemente, não se sabe onde fica o inferno, nem mesmo se realmente existe. Mas, concorda-se que essa área de sofrimento está sob o comando de Lúcifer cuja tarefa é atormentar os vivos, tentando-os aospecados.
De repente um susto: o Papa Francisco afirma que o inferno não existe. Como ficaremos a partir de agora? Teríamos sido enganados pelos padres que, em tantas missas nos garantiram a condenação ao fogo eterno caso vivêssemos em pecado? E quanto às confissões nas quais buscávamos o perdão pelos nossos erros?
Eis que o Vaticano veio em socorro às nossas atribulações. Depressa o Vaticano desmentiu à falácia de que o santo padre teria negado o inferno. Fora nada mais que um desses “fake news” tão em moda. Assim, o nosso bom e velho mundo tornou à sua monótona rotina. Poderemos viver, cuidando para eliminarmos o erro e aguardar serenamente o momento da morte, quem sabe com a ida diretamente para o céu. Sem essa de purgatório e inferno nem pensar.
Na verdade pouco importa saber se o inferno existe ou não. Ele faz parte da nossa cultura, é um dos grandes ícones da civilização. Há que se reconhecer o gênio daquele que propôs a existência do sofrimento eterno. Dante que o diga.
Clichês
A cada ano centenas de novos filmes são produzidos em todo o mundo. Diretores criativos encenam tramas que atraem a atenção dos cinéfilos. Afinal, a arte é necessária. Não por acaso sentamo-nos nas poltronas de cinemas para deixar-nos levar por tramas ficcionais. O espectador sabe, de antemão, que o que vai assistir não passa de uma ficção. Mesmo quando o filme tem o cunho biográfico ou aborda acontecimentos anteriormente vividos, ainda assim não deixa de ser obra ficcional dada a inevitável presença da interpretação de quem o produziu. Enfim, precisamos da arte. Depois de um dia no qual enfrentamos situações diversas faz-se necessário conceder ao espírito momentos de imersão no terreno imaginário.
Entretanto, existem bons e maus filmes. Além dos altos custos da produção cinematográfica nem sempre a obra exibida conta com a assinatura de um bom diretor. Além do que a qualidade do enredo abordado influi no interesse do espectador pela obra em questão.
Num universo de tantas narrativas sempre existe a possibilidade de alguma repetição. Não se trata de plágio. Todo mundo que assiste a um faroeste sabe que, mais cedo ou mais tarde, surgirá na tela pelo menos um duelo, em geral vencido pelo representante do bem. Nem por isso os inúmeros duelos exibidos nas telas são iguais ou simples plágios. Os duelos nascem de situações diversas, são desempenhados por atores diferentes etc.
Mas, então, qual o problema? O que incomoda é o uso de clichês. Em certos filmes são tantos que chegam a nos fazer arrepender pela perda de tempo em assisti-los. É o caso de se perguntar sobre a razão de se produzir um filme cujo roteiro previsível já foi filmando muitas vezes antes.
Tempos atrás fui ao cinema para um filme no qual o protagonista principal tem uma bela mulher e uma filha que o ama muito. Nada ameaça a vida dessa família. Entretanto, circunstancialmente, bandidos decidem buscar numa cabana pertencente ao casal por algo que a eles pertence. Na ocasião o protagonista está na cabana, tendo deixado sua mulher à casa, na cidade. Certo de que será morto pelos bandidos eis que o protagonista descobre a presença da filha que viera escondida no porta-malas de seu carro. Tem ele agora dois problemas: livrar-se dos bandidos e proteger a filha. O resto é previsível. O protagonista- herói mata os bandidos, não se antes ter que lutar com o chefe deles que, por acaso, se apoderara da menina. A presença da filha, obviamente, foi inserida para conferir um pouco de dramaticidade à história. Como se vê trata-se de produção permeada por muitos clichês que sabotam o prazer do espectador.
Bons filmes são inesquecíveis e nos atraem mesmo se os vemos algumas vezes. Revi na TV o clássico “Shane” que entre nós recebeu o título de “Os brutos também amam”. Eu teria não mais que 12 anos de idade quando vi, pela primeira vez, “Shane” na tela do antigo cinema Art Palácio, em São Paulo. Creio já ter revisto o filme pelo menos umas cinco vezes. Pois a cada vez não me canso de rever o mesmo final no qual Shane - papel Alan Ladd - entra no “saloon” para o duelo com o pistoleiro Jack Wilson- vivido pelo excelente Jack Palance. O filme não abusa de clichês.
Seres imaginários
Em São José dos Pinhais – Paraná - animais apareceram mortos em chácaras. Numa delas foram encontradas mortas 17 galinhas, nove patos, seis ovelhas e um gato. Ao acordar de manhã o proprietário encontrou os animais mortos e relatou não ter ouvido nenhum ruído durante a noite.
Os animais foram dilacerados e a polícia ambiental investiga o caso. Noutra chácara da mesma rua foram encontradas mortas galinhas, gansos e um bode, todos com marcas de mutilação.
A matança de animais fez ressurgir a hipótese de ação do “chupa-cabra” que se acredita ser um extraterrestre com dentes de vampiro. Entretanto, para a polícia o mais provável é que os animais tenham sido vitimados por cachorros do mato.
A lenda do chupa-cabra teve origem em Porto Rico onde foi verificada a morte de cabras com dentadas no pescoço e sangue drenado. Ocorrências semelhantes foram encontras em outros países como a Argentina, o Brasil, México, Estados Unidos, etc.
O chupa-cabra pertence à categoria dos criptozoológicos, ou seja, animais lendários que se supõe serem vistos por poucas pessoas. Entre eles destacam-se o Abominável Homem das Neves, o Monstro do Lago Ness, o Boitatá e outros. Mas, também são considerados criptozoológicos animais reais como o celacanto e a lula-gigante.
O professor e romancista brasileiro Affonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958) tem entre outras obras, o livro “Zoologia Fantástica do Brasil (séculos XVI e XVII)”. Taunay nos conta que os viajantes europeus, em seus relatos de viagens ao Brasil, falavam sobre a existência de animais fantásticos nas terras recém descobertas. A partir daí revela-se uma vasta “zoologia fantástica” brasileira oriunda dos relatos das pessoas que percorreram o Brasil nos séculos XVI e XVII. É muito interessante a leitura do trabalho de Taunay editado pela Melhoramentos.
De seres imaginários também se ocupou o grande escritor argentino Jorge Luís Borges em “O Livro dos Seres Imaginários”. Trata-se de um bestiário fantástico que aborda 116 monstros encontrados nas mitologias e religiões de todo o mundo. Esses seres, gerados pela imaginação humana, aparecem nas obras de grandes autores de cujos escritos são resgatados. Elfos, centauros, cérberos e outros seres imaginários são extraídos por Borges de fontes como a Bíblia, as Mil e Uma Noites, Frazer, Robert Burton, C. S. Lewis, Kafka, Poe e muitos outros.
Na infância somos assustados por monstros e figuras retiradas do folclore popular, todos eles imaginários. O medo das crianças liga-se a esse universo paralelo de seres que não existem, mas povoam o mundo infantil. O saci-pererê, lobisomens, mulas sem cabeça e tantos outros fizeram parte da minha infância e muito me impressionaram. Livrei-me deles só mais tarde ao entender a condição de seres imaginários.
O povo no labirinto
Num conto de Borges um rei recebe a visita de outro e o leva para conhecer seu labirinto. Deixado no interior do labirinto o rei visitante demora horas para encontrar a saída. Humilhado pelo monarca a quem visita, o rei, entretanto, nada diz.
Tempos depois é o rei antes humilhado quem recebe aquele que o humilhou. Então o rei leva o seu agora hóspede para conhecer seu labirinto. Ao chegar a seu destino o rei explica que seu labirinto não tem paredes e é infinito. Em seguida abandona o visitante, que antes o humilhara, no deserto.
No mitológico labirinto de Creta vivia o Minotauro, monstro metade homem, metade touro, a quem eram oferecidos, regularmente, jovens aos quais devorava. Na vez em que Teseu foi introduzido no labirinto de Creta conseguiu derrotar o Minotauro, encontrando a saída graças a um novelo de linhas que a ele foi dado por Ariadne.
Os labirintos têm entradas incertas e são compostos por caminhos que confundem a orientação espacial, dificultando encontrar-se a saída. O termo labirinto também se aplica a situações vividas e não compreendidas que resultam no desnorteamento dos seres humanos.
O Brasil de hoje figura-se como um grande labirinto no qual seus cidadãos, desnorteados, percorrem caminhos aparentemente sem saída. A escalada da violência no país desafia as autoridades que mais parecem perdidas quanto aos modos de combatê-la. O assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, provocou manifestações de milhares de pessoas que saíram às ruas para protestar. Exigem-se medidas urgentes e eficazes para por fim à crescente violência no país.
Mas, infelizmente, trata-se de um labirinto. Resta-nos torcer pelo milagre de uma nova Ariadne que indique o caminho para escaparmos do monstro que tanto nos assusta.
Cuba
Nunca tive vontade de conhecer Cuba. Após o Bloqueio Continental imposto pelos EUA a ilha passou por maus pedaços. Sem para onde recorrer passou a depender dos russos. Em plena Guerra Fria Cuba sempre foi uma pedra nos sapatos dos americanos.
Nos anos sessenta um grupo de teatro amador do interior paulista encenou peça sobre a revolução cubana. O dramaturgo era um frei que não só escreveu o texto como escolheu e conduziu atores amadores no palco. A peça louvava Fidel, Che e outros dos valentes de Sierra Maestra. Fulgêncio Batista, ditador e lacaio dos americanos, fora derrubado por jovens entusiastas e corajosos que arriscaram suas vidas pelo povo cubano.
O frei atuava num mosteiro no qual, por coincidência, eu conseguira licença para passar as tardes, estudando. Na época preparava-me para o vestibular. Vez ou outra o frei dramaturgo vinha ter à minha sala e conversava comigo. Incomodavam-no momentâneas faltas de inspiração para prosseguir com seu texto. Nessas ocasiões o frei costumava propor-me situações, pedindo sugestões sobre o encaminhamento da trama. Mas eu, rapazote, jamais consegui ajudá-lo. Faltava-me, na época, a compreensão de que, na verdade, o dramaturgo jamais esperou que eu lhe dissesse qualquer coisa. Meu papel era o de um ouvinte com quem ele podia raciocinar em voz alta.
A peça sobre os cubanos fez sucesso e foi apresentada em várias cidades do interior. Numa delas estava presente o dramaturgo e teatrólogo Joracy Camargo que muito elogiou o trabalho de toda a equipe. Mas, com a Revolução de 64 o tema da peça se tornou inadequado e as encenações foram encerradas.
Semana passada sentou-se à minha frente um amigo que acabara de visitar Cuba. Na estadia em Havana fez questão de ir à Sierra Maestra. Falou-me de sua admiração por Guevara e disse não se importar com Fidel. Trouxe, pendurada num fio ao pescoço, uma moeda cubana com a imagem de Guevara.
Insistiu o amigo sobre a minha necessidade de conhecer Cuba. Falou-me sobre a propaganda negativa dos americanófilos em relação a ilha. Contou-me sobre a música, a comida e a gentileza do povo cubano.
Não sei. A conversa aguço-me a curiosidade. Quem sabe.