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No Turcomenistão
Confesso não ter notícias desse país até ler, nesta manhã, que lá os carros de cor preta foram proibidos. É a nova lei. Quem tem carros pretos não poderá circular com eles a partir de agora. O jeito é pintá-los de branco ao preço entre U$500 e US1000.
Mais: no Turcomenistão as mulheres são proibidas de dirigir. Quem visitou o país avisa tratar-se de uma das ditaduras mais repressivas do mundo. Não é mole viver por aquelas plagas.
Se você se interessar pelo país vai ler que se trata de uma das antigas 15 repúblicas da então União Soviética. A independência aconteceu em 1991. O país fica perto do Irã, do Cazaquistão etc. A população é de turcomenos embora existam russos, uzbeques, etc. São pouco mais de 5 milhões de pessoas que vivem na região metropolitana próxima da capital, à beira do mar Cáspio.
O Turcomenistão tem proeminência graças as suas estupendas reservas de gás e petróleo. A exploração de petróleo nos últimos anos propiciou crescimento de cerca de 10% ao ano.
Cerca de 80% da área do país consiste de desertos. A grande atração turística chama-se “Porta do Inferno”. Trata-se de uma enorme cratera sempre em chamas depois que os russos atearam fogo a ela, esperando eliminar o gás metano.
“Mundo, mundo, vasto mundo” canta o poeta. Inimagináveis as condições de vida num país distante e gerido por mãos de ferro. Professando religião islâmica do ramo Sunita o povo do país tem, certamente, vida e hábitos diferentes dos que conhecemos. Os sunitas, ao contrário dos xiitas do Irã, comprometem-se com as práticas de Maomé e desejam manter a comunidade unida través de governo formado pela lei e a persuasão. Seguem o Alcorão e a Sharia, além de se basearem sua crença na Suna, livro que relata os feitos de Maomé.
Para ocidentais proibições como a de usar carros de cor preta surgem como estapafúrdias. Impedir mulheres de dirigir é inaceitável. Entretanto, há que se considerar a existência de culturas e religiosidades que nos escapam, embora difíceis de engolir. De todo modo não faz parte do ser humano ser submetido a restrições quaisquer que sejam elas. Daí poder inferir-se que a vida no Turcomenistão não seja agradável para a população, embora desde pequenos os habitantes do país estejam sujeitos a normas que se tornam cotidianas. Em suma: é como se passam as coisas lá.
O inferno é aqui mesmo
O medo do inferno fazia parte dos meus horrores ao tempo de menino. Na igreja o padre alertava-nos sobre os perigos do pecado. Morrer em pecado significava a condenação para arder nas chamas do inferno por toda a eternidade. Devassidão, bebida e a prática do mal estavam entre os grandes pecados que poderíamos cometer. Para evitá-los muita fé, oração e determinação.
Por detrás disso tudo a enigmática figura do diabo. O decaído que se revoltara contra o Criador e fora desterrado para o inferno nada mais fazia que maquinar toda sorte de tentações contra as quais os pobres mortais pouco podiam fazer. Como resistir às tentações da carne durante a explosão hormonal imposta pela adolescência? Como tornar-se infenso às tentações do mundo?
Escapar a tudo isso figurava-se tarefa impossível. Nesse estranho jogo as melhores cartas estariam mesmo nas mãos do Capeta. Mas, havia uma curiosa solução. Muitas vezes ouvi que o problema maior seria morrer em pecado. Arrependimentos sinceros pouco antes da morte significariam a possibilidade de perdão e abririam o caminho para o céu. Essa hipótese, simplista é verdade, servia-nos como socorro, última chance antes de ser fuzilado no paredão. Era assim.
Não sei dizer como andam hoje em dia as recomendações religiosas em relação ao pecado. Entretanto, é crescente o número de adeptos a outras crenças que não a católica romana. Além do que muita gente tem vindo a público para dizer-se ateu.
Não é o caso de aqui se discutir a eterna questão da existência de vida após a morte. Exista ou não, há quem afirme que “o inferno é aqui mesmo”. Ou seja: “aqui se faz, aqui se paga”. Será?
Se observarmos o mundo atual fica difícil acreditar nisso. Não há como não reconhecer a maldade intrínseca ao ser humano. Diariamente recebemos notícias de ações ultrajantes com profundo desrespeito à vida. Um bando que invade uma casa e barbariza a família que nela reside, tantas vezes foge impune. Pagarão? Às vezes alguns com a própria vida durante a prática de outros crimes, alvejados pela polícia.
Mas, há o caso de gente que, vida afora, serve-se da arrogância, da perseguição, do embuste, enfim de maldades que afetam duramente a vida daqueles que com eles convivem. Superiores que tornam um inferno a vida de seus comandados. Então pergunta-se: para esses existe algum tipo de pagamento aqui mesmo, antes da morte?
Ficaríamos nisso durante muito tempo sem obter consenso ou definição. Mas, não deixa de ser estranho quando conhecemos alguém que não se esmerou em ser razoável, sociável e bom sujeito ao longo de sua vida. De repente, tudo vira, inexplicavelmente, para esse tipo de pessoa. Saúde abalada, sofrimento, problema familiares e por aí vai. Será que, pelo menos para esses, o inferno é aqui mesmo?
Minha tia sentenciava: “o inferno é aqui mesmo”. Pelas dificuldades por que passou deve ter morrido convencida disso.
O caso Waack
Tempos trás dei carona para um rapaz. Seguíamos por uma avenida e, ao realizar a conversão para a direita, fomos fechados por uma motociclista. Por pouco não o atropelamos. No momento da quase colisão o rapaz que me acompanhava disse: “coisa de preto”.
Acontece que o meu caronista era um negro. Obviamente, não foi movido por nenhum racismo ao dizer o que disse. Apenas apelou para o manancial de dizeres comuns - e ofensivos - que fazem parte do vocabulário a que se está habituado. Negros, judeus e tantas outras etnias não escapam ao olhar deletério de uma população acostumada a ofender por simplesmente ofender. Mas, no fundo do poço, isso será sempre racismo?
Waack afirma que não. Disse o que disse, mas alega ter sido uma piada. Invoca sua longa e brilhante carreira jornalística para gritar alto que não é racista. Acusa as grandes corporações de covardia diante das redes sociais contra as quais não se propõem a pelo menos dialogar. Termina dizendo que sua obra é testemunho de que não é racista.
Não restam dúvidas de que Waack pagou alto tributo devido a posição que ocupa. Não fora ele jornalista de alto gabarito - sua ausência no Painel da Globo News é terrível - não teria o seu caso a repercussão que alcançou. Mas, era bem ele, vidraça das grandes e deu no que deu.
Não nos cabe afirmar com certeza sobre o foro íntimo do jornalista sobre racismo. Entretanto, não se desconhece que nos tempos atuais vicejam o conservadorismo e o politicamente correto. Tudo bem, mas insuportáveis os novos arautos da verdade que se levantam a todo instante em nome do politicamente correto. Que se veja celeuma estabelecida em torno do problema do assédio sexual. Sem jamais negar o grande drama vivido pelas mulheres constantemente assediadas – e estupradas – é preciso lembrar de que nem tudo é estupro.
Recentemente li que as redes sociais não nada criam, apenas servem para destruir. As “fake news” tornaram-se rotina e a manipulação da informação na internet coloca-nos em dúvida sobre a veracidade do que se divulga. Reina grande preocupação com o que está por vir no período que antecede as próximas e decisivas eleições. Uma delegacia para acompanhar a divulgação de notícias pela internet está em andamento.
Lastimo o acontecido a William Waack. Perde-se com a ausência de sua figura alguém em quem se pode confiar. Criterioso, perspicaz e informado, emprestava-nos alguma serenidade no julgamento dos fatos alarmantes que constituem o cotidiano desse enlouquecido Brasil.
Mas, que fazer?
Nuances do discurso
Nem sempre nos damos conta, mas vivemos num mundo de falas repetitivas. É incomum que ouçamos algo fora dos padrões, algo que nos surpreenda de fato. Observe-se, por exemplo, o discurso político. Terá alguém do ramo nos surpreendido com algo em que não pensáramos?
Tem-se falado muito sobre religião e ateísmo. Ateus de carteirinha reclamam que, em situações agudas, mesmo eles imploram a Deus. Mas, com a ressalva: pronunciam o nome do Senhor, nada esperando. Questão cultural, de hábito.
Um conhecido comentarista de televisão, ateu, falou sobre o chamamento de Deus em momentos difíceis. Relatou que dias atrás perdeu um membro muito querido da família. Na vigília do hospital os parentes oravam, pediam a clemência de Deus. Ele, ateu, também, mas com a ressalva de não acreditar, absolutamente, na eficácia de seu pedido.
No mesmo programa de televisão um padre foi questionado sobre críticas à religião. Sua resposta foi muito interessante. A certa altura disse que os que atacam a religião, entre outras críticas, falam sobre o absurdo de ser vedado o casamento aos padres. Em relação a isso ponderou não entender o sentido dessa crítica. Segundo o padre o problema de não poder se casar pertence a só ele (o padre). Ele fez a escolha e nunca se sentiu cerceado em sua liberdade por isso. Quisesse se casar não teria sido padre. Daí não entender porque os críticos avançam sobre questão que a eles não pertence.
Eis no raciocínio do padre algo incomum, diferente das falas cotidianas. Trata-se de arrazoado no qual, pelo menos eu, não havia pensado.
O filósofo e escritor romeno Emil Cioran discorre sobre o fato de que é a necessidade de se acreditar em algo que nos faz apelar para a religião. Diz Cioran:
“Mesmo quando se afasta da religião, o homem permanece submetido a ela; esgotando-se em forjar simulacros de deuses, adota-os depois febrilmente: sua necessidade de ficção, de mitologia, triunfa sobre a evidência do ridículo.”
O discurso do padre a quem ouvi pela televisão impressiona porque foge ao padrão repetitivo das coisas que diariamente ouvimos. Seria estimulante se pudéssemos ser acossados por modos de expressar que nos colocassem a pensar. O continente de ideias é infinito, mas a mesmice da repetição muito cansativa.
Frio de rachar
A grande onda de frio nos EUA está de amargar. Hoje, quinta-feira, esperam-se temperaturas negativas recordes na costa leste daquele país. Para que se tenha ideia, no Canadá, as Cataratas do Niágara estão congeladas. Frio de rachar. Em algumas cidades os governantes encarecem que as pessoas nãos saiam às ruas. Nas ruas e em torno das casas muita neve. Mortes, aulas suspensas, vento forte, mais nevascas. A situação é alarmante.
Com a onda de frio voos estão cancelados. O transtorno é grande. As companhias aéreas apressam-se em flexibilizar a remarcação de passagens para facilitar a vida dos passageiros.
Anos atrás passei horas no Aeroporto de Guarulhos, esperando voo para New York. Muito tumulto, gente reclamando, até que fomos avisados da suspensão do voo. A tempestade de neve fechara o John Kennedy.
Diante da notícia o jeito foi passar a noite num hotel e esperar o dia seguinte. Enfim embarcamos, mas paramos em Miami. Mais uma vez New York estava fechado.
Depois de uma noite em Miami, marchas e contramarchas para a relocação de passageiros, seguimos ao nosso destino. Confesso que temi a aterrisagem na pista coberta por neve e gelo.
Mas, por que me refiro a esse episódio? Acontece que brasileiro, nato em país tropical, não está habituado a sensações térmicas abaixo de menos 20º C. Nunca me esquecerei da inadequação de minhas roupas àquele frio desumano, tanto que me vi obrigado a substituí-las depressa. Como andar nas calçadas cheias de lama e cercadas por altos blocos de neve com os meus sapatos muito úteis em São Paulo?
Ouvi que ontem, nos EUA, um homem foi encontrado morto do lado de fora de uma casa. Morreu congelado. Fez-me lembrar de gente dentro de carros em estradas interrompidas, lutando conta o frio, morrendo de frio.
Por tudo isso devo dizer que talvez nós, brasileiros, muitas vezes reclamemos demais do calor reinante em nossa terra nessa época do ano. Rapaz, muito frio é bem pior que calor exagerado. Claro, há quem discorde. De resto não existe mesmo unanimidade em nada.
Recomeço
As pessoas seguem lentamente. Fazem tudo como se estivessem a aquecer os motores pessoais. Veículos testando o poder de arranque.
No café da manhã um olhar ao mundo lá fora. A quietude incomoda. Muita gente ainda nas estradas, nada do trânsito caótico na cidade. Um amigo me liga e relata que passou mais de 7 horas na estrada para o retorno a São Paulo. Todo ano é assim. Multidões seguem em direção ao litoral. Muita cerveja, salgados, doces, comemorações. A vida é bela.
Existe o noticiário que não nos abandona. A crueza da realidade entra cortante na pasmaceia do ano que recomeça tão devagar. Um homem comemora a passagem de ano dando um tiro para o alto. Irresponsavelmente. O projétil alcança a cabeça de um menino de 5 anos que, atingido, falece. A notícia nos incomoda. Não se tira a vida de alguém assim. A mídia passa a ter assunto. O delegado é entrevistado. Um rapaz de 20 anos é preso, mas libertado em seguida porque ainda não se confirma ter sido o autor do crime. Ele comprou um revólver na Feira da Madrugada por mil reais. Estreou a arma na passagem de ano. Agora a perícia da polícia compara o projétil com a arma. A ver no que isso vai dar.
Nas estradas acidentes e mortes. Do Peru a notícia de um ônibus que caiu numa ribanceira. A bordo 55 pessoas com 30 mortos. O novo ano não os quis, rejeitou-os.
Há que se agradecer ao ano que começa por ter-nos aceitado. O ceifador poderia ter nos levado minutos antes da passagem. Por que não? Humanos somos cheios de vida, mas carentes de perspectivas. Não comandamos nem ao menos nosso tempo de vida. Talvez por isso os anos do calendário vez ou outra se tornem ferozes. Trata-se de uma vingança. Acontece porque os anos do calendário são os únicos seres que tem hora de nascimento e morte datada. A alegria da passagem dura exatamente o tempo decorrido para o início de outra passagem.
Vi na TV que no ano de 1988 os relógios atômicos do mundo foram atrasados por um segundo. Na época descobrira-se que a Terra vinha girando mais devagar. Foi preciso acertar as horas do mundo com o movimento da Terra. Estava vivo nesse dia e nem me dei conta da mudança.
Habituados ao movimento frenético do dia-a-dia estranhamos a lentidão dos homens nas primeiras horas do ano que começa. Mas, que não se enganem. Daqui a pouco os leões tornarão a rugir e as multidões se perderão em meio a esbarros inesperados, cada um cuidando de sua própria permanência no mundo. A partir daí só nos resta esperar que este 2018 seja melhor, mais pacífico e que os homens se entendam.
Ano novo
Lá se foi 2017. Não deixa saudades. Mas, há que se considerar que, no fim das contas, saímos no lucro. Quem não se lembra das previsões realizadas no fim de 2016? Os economistas sambaram na tenda dos desastres. A recessão continuaria, o PIB encolheria, a taxa de juros aumentaria, a inflação encostaria nos 10%. Nem o maior otimista esperaria os resultados apresentados ao final do ano. Uma das menores inflações da história, queda da taxa de juros, PIB positivo, embora só de 1%. Mas positivo, positivo. Setor automobilístico alavancando, redução do desemprego etc.
Está melhor? Melhorando. Doente, mas saiu da UTI. E o povo aventurou-se nas compras de fim de ano. Natal melhor que o de 16 no comércio. Nada gigantesco, mas melhor.
De muito ruim só mesmo a política. O Brasil parece ter se especializado na produção de gente desalmada. Desalmada? Sim, porque quem entre pelos canos com a roubalheira é a população. Serviços estatais péssimos na área de saúde, educação e tudo o mais que se conhece. O Brasil, diz a música, não conhece o Brasil.
Do que se fala? Da reforma da Previdência e das eleições para presidente. A reforma explica-se ser necessária, mas a turma de interesses garantidos não quer largar as gordas aposentadorias. As redes sociais fazem o trabalho de incutir desconfiança no povo. Mente-se, descaradamente, sobre tudo. A tal ponto que, vez ou outra, a gente se confunde. Afinal, qual será mesmo a verdade?
Sobre a presidência da República a boataria é crescente. Enquanto nada se define na maluqueira dos partidos que não se entendem, o Temer vai-se aguentando. É o cara errado, no lugar certo, fazendo a coisa certa. E o país melhora devagar.
Não se enganem. Este vai ser um ano do diabo. Vamos aturar o embate de interesses na questão da Previdência, as falácias dos políticos desesperados pelo poder, o noticiário sobre a corrupção e a violência que só faz crescer etc. Assistir aos noticiários pela TV virou exercício custoso. Deviam gravar um só para valer pelo mês. É só prestar atenção: mudam os atoresque geram notícias, mas o que fazem é sempre o mesmo.
No país do carnaval a alegria está suspensa. Quem saiu por aí no fim do ano que terminou em vão procurou sinais de festa. Onde as luzes do natal? Onde o foguetório? O brasileiro, tipo expansivo, está se tornando um ressentido. Ressente-se do que fazem com ele. Das dificuldades que a ele são impostas pelos titulares dos desmandos que pululam por aí.
Sempre admirei o voto livre praticado em alguns países. Incomodava-me a obrigação de votar. De modo que recebi com satisfação a notícia de que, de agora em diante, não terei mais que comparecer às urnas. Pois é. Como não votar nas próximas eleições se tenho o dever e a necessidade de contribuir para colocar na presidência um bom governante para o país?
Se viver, estarei lá.
Natal
Cuidado: na programação das tevês serão incluídos filmes sobre o natal. Infelizmente a quase totalidade desses filmes deixa a desejar. Alguns deles são mesmo terríveis. Nem mesmo a presença de grandes atores chega para salvar tramas muitas vezes absurdas. Nunca me esqueci de um antigo filme sobre o natal no qual é confiada ao Papai Noel a dura tarefa de combater Satanás. O problema é que Satanás estimulava crianças a fazer traquinagens para estragar o natal.
Crianças pequenas acreditam no Papai Noel. Nos shoppings o bom velhinho espera pelas crianças para o abraço e a foto que mães se apressam a tirar. A fila é longa. Quando pequenos meus filhos esperavam pela chegada dos presentes trazidos pelo bom velhinho. Era mais fácil quando dormiam antes da meia-noite. Nesse caso restava-nos acordá-los para receber os presentes ou deixá-los para a manhã seguinte. Se não dormiam fazia-se toda a encenação que começava pelos presentes escondidos e até a produção de algum ruído que seria o da passagem do papai Noel pela nossa casa. Então as crianças saiam em disparada, encontravam os presentes e verificavam se seus pedidos, enviados por uma cartinha, teriam sido atendidos.
O tempo passa. As crianças cresceram, tornaram-se adultos, hoje repetem o rtual que envolve o natal com os filhos deles, meus netos. Não existe como, nessa época, não se emocionar. O passado é revivido. Noites de natal com tanta gente que já deixou esse mundo retornam com cenas de alegria que deixaram de existir.
O homem é um ser estranho. Capaz de tantas coisas, algumas delas infelizmente terríveis, o ser humano devota carinho e afeto aos semelhantes em datas que unem a humanidade. Não há como ser indiferente à noite de natal e à passagem de ano. Mesmo os solitários, os que garantem não se incomodar, mesmo esses não estão infensos a esses dias em que o relógio do mundo parece parar por alguns instantes.
Que venham o natal e o ano novo. Que sejam melhores que os anteriores.
Nada na memória
Num filme um casal de jovens, casados há pouco, amam-se loucamente. Até que o destino interfere na relação entre os dois. A bonita moça sofre um acidente e, ao se recuperar, não se lembra de nada. Não reconhece o marido. Ele apaixonado. Ela indiferente. Com amar a alguém que não se conhece? A trama do filme segue ao ritmo dessa insólita situação. A única chance do rapaz é a de que ela se apaixone novamente por ele. Note-se bem: não recuperar o amor de que ela se esqueceu; apaixonar-se pelo homem que acaba de conhecer.
Deslizes de memória tornam-se frequentes com a idade. Se acontecem com muita frequência pensa-se no mal de Alzheimer. Para os idosos a possibilidade de vir a ter Alzheimer é um tormento. Um amigo me liga vez ou outra para falar sobre o assunto. Está assustado com seus esquecimentos. Aos sessenta anos dirige uma empresa e receia que sua memória esteja apagando. Meses atrás estive com ele e encarei seu semblante tenso. Disse-me que apagar-se a memória é o próprio horror. Atormenta-o a perda progressiva das lembranças. A consciência de que o cérebro está se apagando é terrível. Como sobreviverá ele quando se tornar um vegetal destituído de memória? É o que me perguntou.
Entretanto, talvez o amigo esteja exagerando. Ao ouvir o papo sobre Alzheimer a mulher dele o repreende. Diz que o marido está com mania em relação ao mal. De tanto falar sobre o assunto enfiou na cabeça que tem a doença. Demais, na família dele não há nenhum caso.
O mal de Alzheimer não leva em conta riqueza, condição social etc. Ronald Reagan, ex-presidente norte-americano, teve Alzheimer. O mesmo aconteceu com os grandes atores Charlton Heston e Rita Hayworth. Mundo afora hoje em dia muita gente sofre com a demência da doença, apresentando alterações de comportamento e humor até a fase final de esquecimento total.
De tempos para cá ingressei, definitivamente, na turba dos idosos. você percebe que é realmente velho quando a dor aparece. Você vai ao médico, ele analisa os exames, as radiografias, e diz: é, a máquina desgasta.
Pois é, a tal máquina humana. A minha máquina dentro da qual vivo com minhas memórias, realizações, experiências, acertos, grandes erros etc. A máquina que foi gerada, cresceu, desenvolveu-se, amadureceu e, agora, envelheceu. A máquina que começa a dar sinais de cansaço, excesso de uso. A máquina que começou a reclamar pela dor. A máquina que se mostra no espelho com ares até então desconhecidos, a ponto de levar-me a perguntar: mas. este sou mesmo eu? Onde aquele rapaz ágil de tantas façanhas, aparentemente indestrutível? Em que espelho, no dizer da poeta, perdi a minha face?
Mas, a vida segue. Trafegando no território dos idosos a esperança é que o Alzheimer não nos alcance. A mente sadia deverá estar viva até o último momento, aquele em que o corpo capitular. Saber-se dono de si ainda quando se perdeu o comando sobre o corpo é o mínimo que a dignidade exige adiante da morte.
Festas
Aproximam-se o natal e a passagem do ano. Poucas luzes nos prédios. A Av. Paulista tão tradicional em suas decorações natalinas está praticamente nua. Uma ou outra luz num banco e sem aquela festa de luzes no parque Trianon.
O país se ressente da crise. O povo tradicionalmente festivo não tem grandes coisas a comemorar. Papai Noel deverá passar por aqui num trenó menor e puxado por poucas renas. Sairá das regiões polares, talvez com atraso, e não muito animado.
Mas, as famílias mais uma vez se reunirão. A ceia de natal não será tão exuberante na maioria das casas: os preços estão uma loucura. As bebidas então… Os importados quase inacessíveis mesmo para a gente de classe média. Há que se olhar as caixas sob as árvores de natal e verificar os conteúdos, talvez não tão expressivos como em anos anteriores.
Nessas horas o cidadão se ressente ainda mais dos desmandos na condução do país. Depois de um ano duríssimo nem mesmo nas festas de fim de ano há lastro para grandes alegrias. Bolso furado é problema que traz tristeza. No Braz uma senhora diz ao repórter que compra, sim, brinquedos importados e não aprovados. De nada adiantam advertências sobre a qualidade e perigos desses brinquedos. Existe uma justificativa e a senhora não a esconde: esses brinquedos custam mais barato.
Pois é. Confesso não ter lá muitas afinidades com o natal. Na casa de meus pais a festa em geral não acontecia. Meu pai era avesso a fins de ano. Minha mãe preparava o frango assado que iria para a mesa à meia-noite. Naquela época os presentes eram raros, inexistiam.
Entretanto, tenho grandes afinidades com a noite da passagem de ano. Sei lá. A virada sempre me parece momento de assinar termo de acordo com o ano que termina e esperança no ano que começa. Não se vive sem estímulos, ainda que nem sempre verdadeiros. Mas, não se paga nada para sonhar.
Não sei o que se passará na minha cabeça na noite de 31. A virada pura e simplesmente recolocará as coisas nos eixos? Haverá melhora na economia? Resolverão o imbróglio da previdência? O brasileiro eleitor acordará na manhã seguinte mais consciente para votar nas eleições que virão mais à frente? A bandidagem será reprimida e poderemos andar por aí sem medo de assaltos, balas perdidas, sequestros, etc? O dólar ficará num patamar pelo menos aceitável? Os preços estarão ao alcance da população? A saúde pública será renovada e mesmo os mais simples terão acesso ao bom atendimento? A inflação permanecerá sob controle? Os corruptos serão afastados definitivamente da vida pública? E quanto á desigualdade social?
Ora, será um bom novo ano. Como se disse anteriormente, não custa sonhar.ano novo será bom?