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Óvnis
Já ouvi de pessoa acima de qualquer suspeita ter presenciado um óvni sobre as águas marinhas no litoral norte de São Paulo. Quem me contou disse que, na ocasião, viajava de São Paulo à Praia da Baleia. Madrugada alta, após uma curva, deu com a nave espacial. Impossível negar a si próprio não a ter avistado, logo ele que jamais acreditou nessa história de extraterrestres visitarem o planeta. Na ocasião do relato o amigo tinha a seu lado a mulher que, como ele, jura ter presenciado a nave sobre as águas.
Tantos relatos e possíveis evidências sobre visitas de extraterrestres nos levam a cismar sobre a veracidade desses fatos. Por razões obviamente desconhecidas vez ou outra surgem sinais cuja ocorrência foge às explicações disponíveis sobre fenômenos que consideramos naturais.
Desta vez aconteceu em Peruíbe, cidade litorânea do Estado de São Paulo. No quintal de uma casa surgiu marca que moradores atribuem ao pouso de um óvni. Aconteceu no bairro Balneário de São João Batista, dias atrás. A vegetação de uma área de 130 m2 ficou amassada conforme comprovam fotos divulgadas na internet.
Fenômenos assim sempre intrigam. Destarte opiniões de renomados cientistas que têm alertado não só sobre a existência de vida fora da Terra, mas sobre a possibilidade de recebermos visitas de naves de outros lugares o fato é que, até hoje, nada tem-se de concreto sobre isso. Advertências sobre o risco de serem enviadas ao espaço informações sobre a vida na Terra têm sido constantemente renovadas. O perigo de tais informações virem a ser recebidas por civilizações mais evoluídas e talvez belicosas não deve ser descartado.
O que intriga é a ocorrência de fatos como o acontecido em Peruíbe cuja explicação foge à nossa compreensão. Mas, por que uma nave alienígena pousaria naquele lugar? Com que finalidade?
O mistério parece ser a norma do universo.
A debacle do São paulo
Em 1957 meu irmão me levou ao Pacaembu para assistir ao Choque-Rei. Jogavam o São Paulo e o Palmeiras numa tarde de muito sol. O Pacaembu tinha ainda a Concha Acústica que reverberava a barulheira das torcidas. Era uma cidade de São Paulo já agitada, mas nem de longe presa aos gargalos que hoje enfrenta.
Para mim, ainda menino, foi uma tarde maravilhosa. No Palmeiras destacava-se um jovem centroavante, o Mazzola que se tornaria campeão mundial pelo Brasil na Copa de 58. Do São Paulo me lembro do ponta direita Maurinho, do centroavante Gino e do inesquecível zagueiro Mauro. O empate sem gols não decepcionou num jogo vibrante.
O São Paulo foi campeão paulista em 57, vencendo o Corinthians na final. Torci pelo tricolor, ouvindo o jogo pelo rádio. Já era são-paulino fanático, acompanhando alguns dos mais velhos da família que torciam pelo “colosso”.
De 57 para cá vivemos, enquanto torcedores, grandes alegrias e nem tantas tristezas. O time nem sempre esteve à altura de seu nome e poderio, mas alcançou grandes conquistas, inclusive três títulos mundiais. De modo que para um são-paulino roxo o que se passa hoje nas hostes do “majestoso” soa inaceitável.
O tricolor de tantas glórias hoje não passa de time apequenado pela má administração, falta de entendimento entre os que o comandam, brigas de dirigentes, má gestão na parte esportiva e, pior, desinteresse dos atletas que o defendem. Não há ligação entre o glorioso time do passado, suas conquistas e história, com os craques que hoje formam a equipe do São Paulo. Veste-se a camisa tricolor como “mais uma”, outra qualquer. A confusa diretoria deixa passar aos atletas a confusão reinante. Em tal situação não existe a unidade da equipe em torno de um mesmo ideal. A impressão transmitida de dentro do campo é a de que se joga por jogar, para cumprir tabela. Tal a apatia mostrada em grande parte dos jogos que se torna lícito perguntar se, pelo menos, não poderia se fazer maior esforço para fazer jus aos altos salários pagos pelo clube.
Que não se diga que existe falta de apoio. A torcida tem demostrado de modo eloquente seu apoio ao time, comparecendo em massa a jogos, torcendo para que o São Paulo consiga livrar-se do descenso que o ameaça no momento.
A possibilidade de que o tricolor participe da segunda divisão no ano vindouro é grande. A equipe não reage. Ontem, no jogo contra o Fluminense, realizado no Maracanã o que se viu foi um time pequeno, aparentemente acovardado, apático, sem nenhuma criação, como que hipnotizado diante de um adversário que também não passa por um bom momento.
Há quem diga que o melhor seria o São Paulo cair de vez, fato que obrigaria a grandes mudanças em toda a estrutura do clube. Enquanto esperamos, resta-nos aguentar a gozação dos torcedores adversários, gozação aliás justa contra uma agremiação que um dia já foi grande.
Resultado esperado?
O Senador Aécio Neves descende de gente ilustre de Minas, entre eles seu avô Tancredo Neves. Foi candidato à presidência da República, sendo derrotado por Dilma Rousseff. Figura proeminente no cenário político nacional Aécio é desses homens acima de qualquer suspeita. Ou era.
De fato, o senador viu-se envolvido numa trama dos famosos irmãos Batista. A divulgação da conversa gravada por Wesley Batista na qual Aécio pede dinheiro a ele causou grande estardalhaço. Quando o rei fica nu em público torna-se muito difícil esconder seu corpo.
Há pouco o STF suspendeu Aécio de suas funções e o proibiu de sair de casa à noite. A ação do STF causou celeuma por envolver aquilo que juristas consideraram afronta à Constituição. Diz a letra da máxima carta do país que cabe ao Congresso legislar sobre o mandato de seus pares. A partir daí instalou-se o clima de disputa entre poderes com prejuízos para todos e espanto da população.
Entretanto, em nova seção o STF decidiu que, de fato, ao Congresso pertence a decisão sobre a cassação de mandato de seus pares. Mais uma vez a nova decisão não foi bem recebida de vez que fez pairar sobre a máxima corte do país algum tipo de dúvida.
Hoje o Senado Federal foi palco da votação que selaria o destino de Aécio Neves. Seria ou não mantida penalidade a ele aplicada pelo STF? Sobre isso existiam opiniões divergentes. Falava-se sobre o corporativismo dos senadores que poupariam Aécio para não abrir precedentes a futuras intervenções jurídicas sobre mandatos de parlamentares.
Venceu Aécio embora as acusações de corporativismo e impunidade: 44 senadores votaram pela manutenção do mandato e 26 foram contrários a ela.
Seja lá o que se pense sobre o assunto, o fato é que não há lições a se extrair dessa triste sequência de eventos. Vive-se num país no qual as regras do jogo a cada dia não parecem claras. Idas e vindas em decisões conferem aos cidadãos receios de estarem em mãos talvez não tão confiáveis.
A República se alicerça nos poderes constituídos. Embaraços nesses setores abrem caminho para toda sorte de interpretações e mesmo surgimento de perigosos radicalismos. Não por acaso hoje em dia despontam discursos nacionalistas e radicais que têm obtido expressivo apoio de boa parte da população que vê na instalação da mão de ferro a solução para tanta balburdia.
Resta-nos torcer pelo discernimento dos homens que decidem os destinos do país.
Mulheres em perigo
De tempos para cá a palavra feminicídio não sai da mídia. Assassinar mulheres é pratica corriqueira. Aliás, também estuprá-las. Fala-se sobre isso com tal frequência que até parece coisa realmente comum.
Também tem essa coisa de mulher não poder colocar fim a relacionamentos. O envolvido simplesmente decreta não aceitar o fim da relação e parte para a ignorância. Vai atrás da amada e a criva de balas. Em geral também mata quem por acaso esteja ao lado dela.
Ontem foi em Recife. O cara não aceitou a separação, foi atrás da mulher, matou-a e ao pai dela. Dois assassinatos. Simples assim. Outro caso, estarrecedor, o do cara que submeteu a namorada à prisão domiciliar. Começou raspando a cabeça, os cílios e a região pubiana dela. Os vizinhos ouviram os gritos, a polícia chegou a tempo de impedir o celerado de estupra-la.
Vai se tornando rotina homens ejacularem em mulheres dentro de ônibus circulares. Um caso depois de outro. Também no metrô. O sujeito abre a braguilha e ejacula nas costas ou nas pernas de mulheres tomadas pelo susto da inesperada agressão.
Acaba de ser preso um estuprador que se apresenta como policial federal ou como importante empresário dos meios de comunicação. Esse sujeito aborda senhoras de posse junto alugares frequentados por gente mais endinheirada. Uma das mulheres foi abordada no carro pelo falso policial. Percebendo as portas destravadas o malandro entrou no carro, fez a mulher tirar dinheiro no caixa eletrônico e obrigou-a fazer sexo oral nele. Agora preso é defendido por advogado que afirma seu cliente ter problemas de memória: o estuprador não se lembra de nenhum de seus malfeitos. Olhe que várias mulheres abusadas por ele já o reconheceram.
O mundo está de ponta cabeça, disso não restam dúvidas. Obviamente, crimes dessa natureza não são característica apenas do momento em que vivemos. Aconteceram no passado. Acontecerão no futuro. Hoje mesmo se divulga que, nos EUA, um alto empresário do ramo cinematográfico teria abusado de várias atrizes famosas quando em começo de carreira. Sem nenhum escrúpulo, ameaçando-as de prejudica-las. Atrizes muito conhecidas têm vindo a público para confirmar o caso.
Embora a natureza do crime o situe em todas as épocas, não deixa de ser estranha a atual incidência e recorrência observada. É como se fora declarado um direito de posse atribuído a certa parcela de homens que passam a tudo poder sobre mulheres.
Nunca me esqueci de conhecida atriz que, num domingo, fora convocada para gravação em TV. Ainda cedo, estacionara ela defronte ao prédio onde trabalharia. Ao sair do carro foi abordada por três homens que a conduziram a um terreno baldio onde a estupraram. Mulher lindíssima, forma invejável, padeceu ela nas mãos dos bandidos. Anos depois a atriz relatou que, depois do que a ela acontecera, nunca mais experimentara prazer em relações sexuais.
Há que se punir severamente os celerados que estupram e matam mulheres.
O motorista
Não demorou a soltar a língua. Percorria o trajeto entre o meu trabalho e minha casa, dirigindo devagar. Era desses motoristas cuidadosos que por vezes esmeram-se demais. Foi o caso da parada para esperar que um carro saísse da garagem e alcançasse o meio-fio. Pareceu-me que o motorista do tal carro não tinha a menor pressa. Atrás de nós uma fila de veículos, todos eles buzinando. Mas, o motorista do Uber não se abalou, nem praguejou. Seguimos adiante quando a pista ficou livre.
Contou-me que fazia o Uber nas horas vagas. Engenheiro de profissão trabalhava como calculista numa empresa pública. Aliás, ele e a mulher, também engenheira, também calculista. Conhecera-a no trabalho, enamorara-se dela e acabara se casando.
Perguntei se o que ganhava como engenheiro não seria o suficiente. Ele riu. Disse-me que ganhava bem. Entretanto, o Uber? Ora, era o jeito de ganhar algum por fora. De ter o seu dinheiro para a reunião semanal com amigos. Gostava de jogar futebol. Reuniam-se nas noites de quinta. Depois da pelada a cervejada no bar de costume. Precisava do dinheiro para não misturar com as despesas de casa. Do que é o “certo”, disse.
O problema era justamente a mulher. Ela pegava no pé dele. Não lhe dava folga. Ontem mesmo, chegara em casa depois do serviço e já ia para a rua com o carro para fazer o extra. A mulher o viu na porta e o fez retornar. De jeito nenhum permitia que ele saísse para trabalhar. Eram seis da tarde, hora da família, dos filhos. E do cachorro que esperava pela volta no quarteirão. Não teve jeito.
Confessou ser louco pela mulher. Emendou dizendo que para conviver tem que se fazer vista grossa. Casamento só vai adiante se você não discutir porque mulher é assim mesmo. Bem que o pai o avisara de que homem nunca deve deixar a mulher saber quanto ele ganha. Pois não aconteceu de a mulher ter encontrado a caixinha onde ele guarda a féria conseguida no Uber?
Pois ela ficou muito brava. Ele escondendo o dinheiro dela. Não é que ela se apropriou daquele dinheiro? Foram ao mercado fazer compras para a casa com o dinheiro que ela achou.
O casal tem três filhos, um deles já na faculdade. A filha se prepara para fazer medicina. Comentamos sobre o alto preço dos cursos particulares de medicina, em torno de R$ 6 mil mensais. O motorista diz que a filha tem que estudar muito para conseguir vaga em escola pública.
Enfim chegamos ao meu destino. Despedi-me do motorista, sujeito muito boa gente. Vai driblando as adversidades. A seu modo consegue ser feliz. É o que me diz quando nos despedimos: a gente tem que fazer força para ser feliz senão a vida não serve para nada.
Aparecida
Todos os caminhos conduzem a Aparecida. A fé move romarias que percorrem distâncias por vezes inimagináveis. A pé, em cavalos, nos ônibus e carros milhares de fiéis se aglomeram em torno da santa milagrosa. Aparecida resume a fé do povo brasileiro.
Comemoram-se os 300 anos desde que a imagem da Santa foi encontrada por pescadores nas águas do Paraíba. De lá para cá construiu-se uma longa história de acontecimentos, milagres e interesses que pegaram carona no entorno da fé.
Ainda menino estive com minha mãe na Basílica Velha, desde logo muito pequena para atender à demanda de fiéis que visitavam o Santuário. Não me sai da memória a multidão acotovelada que me cercava, a rarefação do ar que me levou a desmaiar. Tornei a mim já fora da igreja, minha mãe a meu lado, socorrendo-me. Não sei que idade tinha na ocasião.
Poucos anos depois morei em Aparecida e acompanhei de perto os acontecimentos relacionados à religiosidade local. Lembro-me de que o subsolo do prédio da escola onde estudava abrigava grande contingente de peças deixadas na cidade por gente que se curara de seus males. Muletas, cadeiras ortopédicas e outras peças compunham verdadeiro arsenal de comprovações de milagres atribuídos à Santa.
Ainda estudante estive presente no momento do lançamento da pedra fundamental de uma das partes da futura Basílica de Aparecida. Ali estavam autoridades e padres que se postavam diante de um sonho realmente grandioso. A maquete da Basílica que hoje existe, projeto idealizado pelo arquiteto Benedito Calixto Neto, dava-nos ideia da monumental construção que doravante envolveria recursos de fiéis e mesmo públicos.
Quem se aventura pela via Dutra hoje em dia depara-se com o a maior templo católico do país, menor apenas que a basílica de São Pedro, em Roma. A igreja de proporções gigantescas reúne espaço suficiente para abrigar os milhares de fiéis que a ela acorrem, vindos de todas as partes do país. A padroeira protegida por um forte cofre recebe multidões que passam por ela, fazendo pedidos e agradecendo por graças recebidas.
Espera-se para amanhã, dia 12 de outubro, a presença de cerca de 200 mil pessoas em Aparecida por ocasião dos 300 anos da padroeira. Difícil saber o que existe de realidade em tantos milagres relatados ao longo desse longo tempo. Mas, é de se ver a comoção que envolve os romeiros agradecidos pela oportunidade única de estarem próximos da padroeira.
Outras religiões simplesmente abominam o culto a imagens. Por sim ou por não vale lembrar de que, de todo modo, é espantosa a energia que se emana de um lugar como a Basílica de Aparecida. Estar junto a uma multidão que se reúne em torno da fé gera algo, energia forte, bastante perceptível. Não há como sair indiferente a uma visita à Basílica de Aparecida.
O pecado mora ao lado
Não se trata do grande filme de 1955, dirigido por Billy Wilder e estrelado por Marylin Monroe. Na trama um marido manda a mulher e o filho para o Maine, fugindo da onda de calor nova-iorquino. Sozinho enfrenta o problema de ter como vizinha, no apartamento de cima, a sedutora Marylin. Vale a pena rever.
Refiro-me às padarias, lugares cada vez mais atrativos para consumo de todas as delícias, a começar pelo delicioso pãozinho. Aliás, alguém poderia me informar em que país se pode conseguir pãezinhos como os que nos vendem aqui?
Muita gente já sucumbiu por conta de padarias. Basta lembrar dos balcões onde o incauto se acomoda e pede uma cervejinha, quando não uma boa pinga. Seguem-se salgados e guloseimas de toda ordem. Isso vez ou outra até que tudo bem. Mas todo dia…
Acabo de vir de um hospital onde fui visitar um amigo. Encontrei-o no leito, abatido, cansadão. Respirando com certa dificuldade começou a falar de sua doença, segundo os médicos ainda reversível se ele tomar cuidado, enfim parar de fumar, beber e comer o que não deve.
Esperava dele ouvir a lenga-lenga, sempre esquecida depois, de que desta vez, recuperando-se, as coisas seriam diferentes. Nada de excessos, cuidados com a saúde, cigarros nem pensar alimentação sadia e, principalmente, voltar aos exercícios físicos. Nessas horas pesa ao interessado não só a possibilidade da morte como os compromissos inadiáveis a saldar neste mundo de Deus.
Pois, não foi o que ouvi. Ao contrário. Confessou-me que seu maior problema era a existência de uma maravilhosa padaria bem na esquina da casa dele. Como a mulher guarda o carro na única vaga de que dispõem a ele no prédio, vê-se obrigado a alugar garagem na mesma rua. Acontece que entre a garagem e o prédio onde mora fica a tal padaria. E ele não consegue fingir que ela não existe. Entra com a desculpa de que vai comprar só uns pãezinhos, acaba sempre no balcão e aí tudo acontece, dia após dia. E deu no que deu.
Longe de mim falar mal de padarias. Amo padarias. Perto da minha casa tem uma muito boa. O pão deles é fantástico, uma delícia. A sessão de frios, meu Deus. No fim da tarde os fregueses habituais acotovelam-se nos balcões. Futebol e política são os temas de sempre, em meio a goles de boas cervejas e cachaças.
Quando me despedi de meu amigo perguntei como seriam as coisas depois que ele tivesse alta. Disse-me que se reunia, diariamente, no mesmo horário, com bons amigos na padaria e seria difícil separar-se deles. Aventou sobre a possibilidade de mudar-se para outra rua, sem padaria na esquina.
Como se vê o pecado pode mesmo morar ao lado.
Sem resposta
A pergunta é: o que leva um homem a atirar contra uma multidão, matando dezenas de pessoas e ferindo número ainda maior?
O caso do atirador de Las Vegas cerca-se de mistérios. O assassino levou grande quantidade de armamentos a um quarto de hotel de onde atirou, indiscriminadamente, contra o público que assistia a um show de música pop. Nos vídeos ouve-se o som dos tiros, repetitivos, mortais. Cada um deles roubando uma vida ou ferindo gravemente alguém.
A polícia sai atrás de informações sobre o assassino. Nada que o desabone em seu passado. O irmão do atirador se diz surpreso com o que ele fez dado sempre ter sido um sujeito de boa paz. Um aposentado de 64 anos que passara o dia apostando em cassinos da cidade. Um assassino.
A circunstância mental de um homem que vai matar muita gente e também vai morrer impressiona. Ele se preparou para o grande dia, armou-se, alugou um quarto de hotel para onde levou as armas. Desse lugar privilegiado teve acesso ao público do show sobre o qual desferia seus tiros. Tudo meticulosamente planejado, estudado. Mas, por que?
Descarta-se a possibilidade de ato terrorista. Ao que se saiba o atirador não estava ligado a nenhum grupo extremista e nem seria movido por algum ato de crença. Então?
Trata-se da história de um homem que se barbeou de manhã sabendo que seria este o dia em que iria morrer. Inexplicavelmente decidiu que não partiria sozinho. Deixaria sua passagem pelo mundo com a marca de um ato terrível, absurdo, odiento.
O atirador de Las Vegas suicidou-se antes que a polícia o pegasse. Encontraram-no já morto no quarto do hotel. Deixou-nos a cismar sobre seu ato. Situações como essa dialogam frontalmente com o amor que temos à vida e aos nossos semelhantes. Talvez por isso nos percamos em suposições tantas vezes simplistas. Move-nos o horror, o nojo diante do inusitado.
O capeta-chefe tá aqui
Traficantes evangélicos perseguem religiões afro-brasileiras. Aconteceu na Baixada Fluminense. O capeta-chefe avisou sobre sua chegada, mandando quebrar e botar fogo em tudo. O lugar do ataque? O terreiro de uma mãe de santo, uma ialorixá do candomblé, para os agressores uma bruxa, macumbeira e feiticeira que alimenta Satanás.
Não se trata de caso isolado. Há outros. O preconceito cresce. Para os agressores não há contradição entre ser evangélico e traficante. Pelo que evangélicos protestam: nada de crime junto com religião.
Redes sociais são úteis para espalhar boatos, fakes. Em maio de 2014 uma mulher foi barbaramente linchada porque alguém divulgou numa rede social que ela era bruxa. Ela sequestraria crianças para utilizá-las em rituais de magia negra. O caso se deu em Guarujá, São Paulo. Amarram a mulher acusando-a do sequestro de uma criança. Agredida, espancada, a mulher sofreu traumatismo craniano. Usaram pedaços de pau, caibros, cordas e a arrastaram. Depois de ser torturada pela multidão furiosa foi levada a um hospital. Não resistiu aos ferimentos e morreu. Casada e mãe de duas crianças a mulher foi confundida porque tinha alguma semelhança física com a foto divulgada na internet. Hoje o nome da mulher linchada é nome de rua: Rua Fabiane Maria de Jesus.
Como se não bastasse o descalabro da criminalidade crescente amplia-se o espectro dos crimes praticados. A besta realmente parece estar solta. O bandido que se faz anunciar como capeta-chefe talvez seja um sinal.
O Rei da Vela
José Celso Martinez e Renato Borghi preparam-se para encenar, em outubro, a peça “Rei da Vela”. Escrita pelo modernista Oswald de Andrade por volta de 1933 a peça só veio a ser encenada no Rio, em 1967. São passados, pois, cinquenta anos desde a primeira encenação.
Oswald escreveu seu texto sob a atmosfera convulsa dos domínios das economias norte-americana e inglesa sobre o mundo. A quebra da Bolsa de New York em 1929 tivera efeitos desastrosos sobre a economia cafeeira do Brasil. Em tal contexto o destaque fica por conta de três grupos de personagens: a burguesia capitalista, a aristocracia rural em crise e o capital estrangeiro.
O “Rei da Vela” é encarnado pelo personagem Abelardo I, burguês sem escrúpulo que faz fortuna através da privação alheia. Oportunista especula com o café, a indústria e outros setores. Além do que possui uma fábrica de velas, negócio lucrativo em momento de crise em que empresas de eletricidade quebraram. Abelardo I vangloria-se do fato de que ganha alguns centavos pela vela colocada na mão de cada morto nacional.
A mulher de Abelardo I, Heloisa de Lesbos, faz parte da aristocracia rural falida. Seu pai é um latifundiário que perdeu tudo e a família se desfaz com a dissolução de costumes. Por fim, existe Mr. Jones, o representante do capitalismo que corrompe as duas classes sociais representadas por Abelardo I e Heloisa.
A peça de Oswald não pode ser representada na época em que foi escrita. Falecido em 1954 o escritor não pode ver sua peça encenada. Estudante na década de 60 tomei conhecimento com a obra de Oswald nas aulas do colégio. Em 1964, nos dez anos da morte do escritor, jornais publicaram notícias sobre ele. Lembro-me de meu tio, na ocasião, comentando sobre Oswald: era um sujeito terrível.
A primeira encenação, de 1967, tinha Renato Borghi no papel de Abelardo I. Na ocasião eu estava no Rio, tratando de minha inscrição para os vestibulares daquele ano. Viera do interior de São Paulo no trem noturno da Central do Brasil. Era viagem longa para os passageiros de segunda classe. Em Lorena o trem parava por cerca de duas horas, aguardando a passagem do “trem de aço” que vinha do Rio. De manhã chegava-se à Estação de D. Pedro II, corpo doído pela longa noite no banco de madeira.
Estive presente na primeira encenação do “Rei da Vela”. O espírito de deboche e ao que então me pareceu certo exagero de pornografia causaram grande impacto no público. Mas saí do teatro incomodado: eu não entendera quase nada da peça.
Até hoje guardei algum ressentimento pela minha falta de cultura para entender uma peça sobre a qual já ouvira falar na época. Vá lá minha juventude, mas tinha já alguma leitura e conhecimento. Pois exatamente hoje, cinquenta anos depois, livrei-me do complexo de inferioridade intelectual provocado pelo “Rei da Vela”. José Celso, em entrevista, relata o caso de um encenador que também não entendeu nada. E não foi só ele.
Não se trata de solidariedade entre os que não entenderam. Mas que alivia saber sobre companheiros de infortúnio, isso não se nega.