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Lee Morgan

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Para quem é fã do jazz é imperdível a oportunidade de assistir ao documentário “I called Lee Morgan”, disponível aos assinantes do Netflix. Nele o espectador pode acompanhar a trajetória desse grande expoente do trompete cuja vida foi tragicamente abreviada aos 33 anos de idade, em fevereiro de 1972.

Morgan foi descoberto pelo jazz ainda muito cedo. Surgiu no cenário musical norte-americano na banda de Dizzy Gillespie. Mais tarde se notabilizou na banda de Art Blakkey, fazendo parte do Jazz Messengers do conhecido baterista. São antológicas as gravações do grupo nas quais o jovem Lee Morgan tocava ao lado de outro jovem, o notável saxofonista Wayne Shorter.

Morgan pertencia à elite dos grandes músicos da era do hard bop. Sua carreira esteve interrompida durante algum tempo dado ter-se viciado em heroína. Relatos da época atestam que durante esse período o trompetista vivia nas ruas como mendigo.

Morgan foi resgatado por Helen Moore com quem passou a viver junto. Helen era figura conhecida em New York, frequentando o ambiente jazzístico da cidade. Foi ela quem trouxe Lee Morgan de volta ao jazz. Entretanto, com o passar do tempo Morgan começou a sair com outra mulher, mais moça que a companheira, fato que despertou o ciúme em Helen. Numa noite em que tocava num dos bares de jazz da cidade, o Slug Sallon, Morgan recebeu Helen que pediu a ele para mandar para casa a moça, também presente, com quem estava saindo. O desfecho da conversa foi um tiro de revólver desferido por Helen que feriu mortalmente o trompetista. Havia grande nevasca em New York, a ambulância demorou a chegar e Lee Morgan chegou morto ao hospital.

O documentário serve-se de uma entrevista cedida por Helen Moore pouco antes de sua morte. Músicos que tocaram juntamente com Lee Morgan falam sobre ele, inclusive um produtor musical que estava presente no Slug Sallon na noite em que o trompetista foi assassinado. Depoimento muito interessante é o de Wayne Shorter que fala sobre a grandeza de Lee Morgan, referindo-se ao período em que tocaram juntos no Jazz Messensgers.

A voz de Helen Moore que narra sua relação com Lee Morgan, inclusive o assassinato de que se arrepende, devolve-nos a atmosfera daqueles anos em que nos bares de New York atuavam memoráveis expoentes do cenário jazzístico. Vale a imersão do espectador nesse mundo reconstituído através da arte cinematográfica.Para quem é fã do jazz é imperdível a oportunidade de assistir ao documentário “I called Lee Morgan”, disponível aos assinantes do Netflix. Nele o espectador pode acompanhar a trajetória desse grande expoente do trompete cuja vida foi tragicamente abreviada aos 33 anos de idade, em fevereiro de 1972.

Morgan foi descoberto pelo jazz ainda muito cedo. Surgiu no cenário musical norte-americano na banda de Dizzy Gillespie. Mais tarde se notabilizou na banda de Art Blakkey, fazendo parte do Jazz Messengers do conhecido baterista. São antológicas as gravações do grupo nas quais o jovem Lee Morgan tocava ao lado de outro jovem, o notável saxofonista Wayne Shorter.

Morgan pertencia à elite dos grandes músicos da era do hard bop. Sua carreira esteve interrompida durante algum tempo dado ter-se viciado em heroína. Relatos da época atestam que durante esse período o trompetista vivia nas ruas como mendigo.

Morgan foi resgatado por Helen Moore com quem passou a viver junto. Helen era figura conhecida em New York, frequentando o ambiente jazzístico da cidade. Foi ela quem trouxe Lee Morgan de volta ao jazz. Entretanto, com o passar do tempo Morgan começou a sair com outra mulher, mais moça que a companheira, fato que despertou o ciúme em Helen. Numa noite em que tocava num dos bares de jazz da cidade, o Slug Sallon, Morgan recebeu Helen que pediu a ele para mandar para casa a moça, também presente, com quem estava saindo. O desfecho da conversa foi um tiro de revólver desferido por Helen que feriu mortalmente o trompetista. Havia grande nevasca em New York, a ambulância demorou a chegar e Lee Morgan chegou morto ao hospital.

O documentário serve-se de uma entrevista cedida por Helen Moore pouco antes de sua morte. Músicos que tocaram juntamente com Lee Morgan falam sobre ele, inclusive um produtor musical que estava presente no Slug Sallon na noite em que o trompetista foi assassinado. Depoimento muito interessante é o de Wayne Shorter que fala sobre a grandeza de Lee Morgan, referindo-se ao período em que tocaram juntos no Jazz Messensgers.

A voz de Helen Moore que narra sua relação com Lee Morgan, inclusive o assassinato de que se arrepende, devolve-nos a atmosfera daqueles anos em que nos bares de New York atuavam memoráveis expoentes do cenário jazzístico. Vale a imersão do espectador nesse mundo reconstituído através da arte cinematográfica.

Medos

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De que você tem medo? Conheço pessoas que afirmam desconhecer o medo. Medo seria coisa de gente fraca, refletindo algum tipo de desequilíbrio emocional. Sorte dessa turma que não tem medo, não?

Não dá para imaginar o que se passa na cabeça de um sujeito como Stephen King. O escritor já escreveu tantos livros de terror - muitos adaptados no cinema como “O Iluminado”, “Carie a Estranha” - que se torna justo supor que a mente dele tenha alguma ligação com o mundo de sombras. King escreve tanto sobre o mesmo assunto que não seria demais afirmar que ele habita algum subterrâneo do qual extrai as situações totalmente inusitadas que nos assustam enquanto seus leitores.

Mas, de um homem assim espera-se que ele tenha medo? Em entrevista Stephen King relaciona as coisas que a ele infundem terror. Ele tem medo, por exemplo, de seres rastejantes. Também o assustam os insetos e morcegos. Mas, o pior são os psicopatas que andam por aí. De um minuto para outro um deles pode aparecer na sua frente com uma faca ou revólver. Veja-se o caso de Marc Chapman que assassinou John Lennon, em 1980.

Cada pessoa tem sua reserva de medos, de coisas que as assustam. Menos comum hoje em dia, o medo de almas do outro mundo já ocupou lugar de destaque na hierarquia de medos. Hoje em dia o sobrenatural tem cedido lugar ao receio quanto à violência. Tal o crescimento da criminalidade que já não se pode andar tranquilamente pelas ruas. Num ambiente no qual impera o desrespeito pela vida humana o medo de ser vítima de algum tipo de violência é regra geral.

Sempre gostei da literatura fantástica e filmes de terror. Nos últimos tempos deixei de frequentá-los. Recentemente, li o conto “A loteria”, de Shirley Jackson, considerado um clássico, pela primeira vez publicado em junho de 1948 na revista The New Yorker. A reação negativa dos leitores surpreendeu os editores da revista. Muitos cancelaram as assinaturas e, na África do Sul, o conto foi banido. Ainda hoje se lê “A Loteria” com algum espanto.

É de se imaginar a revolta dos leitores a um conto no qual a violência é extrema. Vivia-se o período otimista do pós-Guerra e o conto abria a possibilidade de violência em pacatas comunidades do interior do país.

Pródromos da guerra

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Perigosamente avançam os desentendimentos entre a Coréia do Norte e os países do mundo ocidental. O presidente Trump avisa aos coreanos sobre “fogo como o mudo nunca viu”.

Mas, a Coreia do Norte não parece intimidada. Informa dispor de mísseis de longo alcance portadores de ogivas nucleares. O país se diz pronto para responder às provocações do ocidente. Tudo depende do líder Kim Jong-un tomar a decisão. O primeiro ataque seria a bases norte-americanas de Guam, no oeste do Pacífico.

Notícias alarmantes surgem diariamente. A impressão é a de que não são levadas a sério as intenções do líder norte-coreano. Talvez ele esteja até mesmo blefando. Pela cabeça dos povos do mundo a última coisa que passa é a deflagração de uma guerra nuclear. Fala-se sobre essa possibilidade apenas em hipótese. Trump terá o bom senso de não atacar a Coreia. Kim Jon-um nada mais é que um jogador blefando à mesa de pôquer.

Não custa recordar que a Primeira Guerra Mundial teve início após o assassinato d um príncipe em Sarajevo. Há um texto de Stephan Zweig relatando a surpresa dos vienenses ante a notícia de que a guerra estaria começando. Os soldados partiram felizes para combates que, assim acreditava-se, teriam curta duração. Seguiram-se quatro longos anos de lutas ao custo de muita destruição e milhares de mortos.

A História de nada parece servir para que os homens reflitam sobre erros do passado e perigos do presente. Mais dia, menos dia, o ditador coreano acaba apertando um botão. O que será do mundo daí por diante nem mesmo o mais iluminado vidente será capaz de prever.

Nervos em fúria

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No trânsito. Manhã de sol, temperatura agradável, na janela do apartamento um canário engaiolado canta. Sinal fechado. De repente a porta do carro da frente se abre e aparece o motorista que, dedo em riste, aponta para frente.  Num segundo surge o motorista do outro carro, muito bravo. Os dois homens discutem. Dá para ouvir um deles dizendo que, afinal, tratava-se apenas de um esbarrão, nenhum amassado. Mas, a essa altura o tempo já está quente. De um dos carros desce um homem, do outro dois. Pronto: são cinco pessoas discutindo acaloradamente. Um deles, um baixinho, é mais aguerrido. Ele perde o controle e é preciso segurá-lo para que não agrida o motorista do outro carro.

O sinal abre, mas ninguém se aventura nem mesmo a buzinar. Os que discutem parecem pessoas preparadas para o que der e vier. Receia-se que um deles saque de uma arma e sabe-se lá o que poderá acontecer em seguida.

O confronto não se resolve bem. O baixinho é forçado por um de seus companheiros a entrar no carro. De repente, todos estão em seus carros, esperando pela abertura do sinal. Inexplicavelmente o primeiro motorista, aquele que desceu com com o dedo em riste e começou a confusão, sai novamente do carro e começa a gritar. Mas, o sinal abre, o carro da frente acelera, distanciando-se. A impressão é a de que o sujeito que ainda grita o siga para continuar a discussão.

Respiramos aliviados. Enorme confusão gerada por quase nada. Mas, felizmente, não foi dessa vez. Saímos ilesos, nenhum tiro, nenhuma morte. Pode-se considerar que tivemos sorte. Hoje em dia quase tudo termina em assassinatos. Estar por perto de uma discussão dessas oferece o risco de ser atingido por uma bala perdida. Acontece toda hora

Já no trabalho me sinto feliz. Ganhei o meu dia, a minha sobrevivência.

Tem muita gente boa

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Aconteceu no Jornal Nacional. Reportagem sobre fatos ocorridos em cidade interiorana mostrou pessoas agindo com honestidade. Um homem que encontrou dinheiro perdido por alguém ao sair de uma lotérica, devolveu o dinheiro; uma mulher, muito simples, recebeu de volta cerca de 5 mil reais que acumulara durante muito tempo e perdera dentro de uma meia de criança; o proprietário de uma barraca de beira de estrada deixa produtos de sua plantação para que as pessoas comprem e depositem o dinheiro numa caixa sem a presença de nenhum vendedor.

No fim da reportagem a apresentadora do Jornal não se contém. Olha para a câmera e diz, com emoção: tem muita gente boa por aí.

Pois é. Muita gente boa. A frase soa estranha num veículo que se ocupa, dia e noite, em divulgar safadezas, desvios milionários, propinas, roubos ao erário público, enfim toda sorte de corrupção. É quando fatos corriqueiros praticados por gente desconhecida surgem como semente fértil para lembrar-nos de que, afinal, não somos um povo de safados como somos induzidos a acreditar através de tanto falatório sobre falcatruas.

Fala-se por aí que ao brasileiro falta recuperar a esperança. Mais que isso talvez nos falte recordar de que somos um povo bem diferente da corja que se ocupa das atividades políticas no país. Será retomando a crença no ser humano que começaremos a sair do terrível imbróglio que se instalou no país.

Ventania

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As noites de ventania são dolorosas. O vento cortante passa pelas casas e reúne a dor dos homens. É a dor que uiva nas janelas quando o vento passa. A dor sem remédio dos homens. O vento que faz bater as persianas lembra-nos de que somos perecíveis. O vento é um aviso.

Ventou na madrugada. Não pudemos dormir porque sobre nós abateu-se o horror das forças incontroláveis. Temíamos que nossa casa fosse levada. No escuro as crianças choravam. Que Deus é este que nos manda a revolta da natureza a assustar-nos? Que Deus mostra sua força assim tão impunemente?

O velho da casa defronte gritou. A voz estridente do medo foi engolida pelo vento. Maria seguiu no rosário as ave-marias, pedindo clemência ao Senhor dos ventos. Ouviu-se o ruído de telhas arrancadas, estraçalhando-se no chão.

Até o súbito silêncio. Só então pudemos ouvir as ondas do mar arrebentando-se na grande ressaca. Fim do mundo?

A manhã surgiu calada. O dia nasceu nublado e saímos de casa. Por toda parte sinais de destruição. Milagrosamente nossa casa sobreviveu incólume à tormenta da noite.

Reunimo-nos à mesa para o café. Éramos fortes, de algum modo resistíramos.

Maria, ajoelhada a um canto, ainda rezava. Foi a menina quem disse que o Senhor ouvira as preces de Maria.

Escrito por Ayrton Marcondes

2 agosto, 2017 às 12:45 pm

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Missas

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Fui coroinha, participando de missas celebradas em latim. Ainda menino decorei o “confiteor” e outras falas da língua mãe, dando continuidade às palavras dos padres que celebravam missas.

Já não era coroinha quando as missas passaram a ser rezadas em português. Não me habituei a ofertório, consagração, comunhão e outras partes da missa ditas em português. As vozes dos velhos padres, repetindo à exaustão o fraseado latino ainda ecoam na minha cabeça.

Hoje as missas são diferentes, havendo maior participação dos fiéis que compreendem em sua língua nativa o que se passa nos altares. Telões mostram letras das preces cantadas, estimulando os presentes a entoá-las.  A missa tornou-se mais comunitária.

Semana passada assisti a uma missa numa grande igreja em São Paulo. Mais uma vez me defrontei com o desestímulo de seguir adiante, justamente por conta do sermão. Desde já aviso que não se espera a presença no púlpito de um padre do quilate de Antônio Vieira. Entretanto, muitas vezes somos postos a ouvir o sermão através de clérigo sem o menor pendor para falar em público. E como se alongam nas palavras mal colhidas, tantas vezes desnecessárias. A sacralidade do momento é abalada. O enlevo da entrega do espírito à proximidade com Deus é interrompido.

Não sei se nos seminários preparatórios para o sacerdócio existe empenho quanto à oratória. Deve existir. De resto, nem todo mundo é dotado de propensão para falar em público. De modo que seria de bom alvitre aos menos dotados abreviarem seus sermões.

Falar em público é complicado. Lembro-me de um colega de classe sorteado pelo professor para apresentar um trabalho de grupo. O rapaz era gago. Em vão tentou-se junto ao professor que o dispensasse do encargo. No dia sofremos algumas horas com a dificuldade do apresentador em expressar-se.

Nos meus tempos de coroinha conheci um padre que não era dado a fazer sermões. Nas missas que celebrava as coisas se passavam de modo sucinto. Após a leitura do evangelho o padre restringia-se a breves comentários, aliás quase sempre os mesmos. Ele substituía a dificuldade de expressão pelo encanto de belas celebrações. Os fiéis o adoravam.

Automóveis

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Parece que falamos sobre coisas da Idade Média, mas o fato é que, não faz muito tempo, circulávamos por aí com carros muitas vezes mais simples que os atuais. O Volks 1300 era o campeão de nossas ruas. Mas eram comuns o Fiat 147, o DKV e outros. Obviamente, existiam os mais caros e confortáveis como o Opala e o Maverick. Mas não dispunham dos recursos presentes nos modelos atuais desenvolvidos com o progresso da tecnologia.

Para que se tenha ideia o Volks não tinha o espelho retrovisor no lado oposto ao do motorista. Quanto aos cintos de segurança nem pensar.

Confesso que não sou um aficionado em carros. Conheço muita gente para quem os automóveis são muito mais que apenas um veículo para locomoção. A indústria automobilística produz automóveis para todos os gostos e bolsos. Modeles caríssimos como a Ferrari e o Lamborghini constituem-se em sonho inacessível para apaixonados.

A citação de Lamborghini e Ferrari não se faz por acaso. Ambos são notícia nesta semana. Renomado empresário brasileiro, em prisão domiciliar determinada pela Lava Jato, acaba de colocar à venda seu Lamborghini cujo valor estimado é de R$ 2 mi.

Entretanto, a notícia mais acachapante é a de um inglês que acabara de comprar uma Ferrari, pagando por ela o equivalente a R4 1,6 mi. Uma hora depois circulava em uma estrada quando perdeu o controle do carro. A Ferrari saiu da estrada e pegou fogo, sendo completamente destruída. Milagrosamente o motorista saiu ileso. Quando a polícia chegou ao local do acidente perguntou-se ao motorista sobre a marca do carro. Segundo um policial o proprietário mostrou certo orgulho ao responder tratar-se de uma Ferrari.

Consta que a Ferrari não trafegava em excesso de velocidade. Teria sido a pista molhada a razão da perda de controle do carro.

Coisas desse tipo nos fazem pensar em sorte e azar. Acaso? Perder um automóvel de tão alto valor apenas uma hora depois de sair com ele da revendedora? E quanto à sorte de sair ileso do acidente?

O jeito é deixar as coisas do jeito em que acontecem e estão. Mas, que é estranho, lá isso é.

A língua geral

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Então eu pedi um “galfo”.

Isso mesmo: um “galfo”. Pedido feito tive que suportar o olhar surpreso das pessoas à mesa. Então a dona da casa levantou-se e colocou ao lado do meu prato o “galfo”.

Mas, por que “galfo”? Acontece que almoçávamos na casa de um médico conhecido. Para mim aquele era um ambiente muito chique. Antes de chegar meu pai tinha me advertido sobre os cuidados com o jeito de falar. Principalmente com os meus “Rs”. Ora, eu não entendia o que havia com o meu “R”. De fato, carregava muito na pronúncia, consequência do dialeto que falávamos no lugarejo em que morávamos. Era a nossa “língua geral” que ainda hoje é falada pelo povo da roça. Língua truncada na qual subtraíam-se consoantes e vogais de palavras, daí o sotaque estranho e quase incompreensível. O Onofre era o “Norfo”, forçando-se no “R”, por exemplo. Afora dizeres como “pinchar fora” muito usado no cotidiano. E muitos outros.

No dia do tal almoço eu tinha pouco mais de 10 anos de idade. Era um pequeno caipira desambientado no “chique” da cidade. Acostumara-me a ver pessoas simples, dividindo a comida de uma panela, passada de um a outro num círculo com uma única colher de uso coletivo. Vivíamos num delicioso ambiente simples.

Vida afora tive que lutar para reduzir a potência do meu “R”. Quando comecei a falar em público os ouvintes riam da minha pronúncia, aliás aprimorada nos dois anos em que vivi em Itu-SP. Mas, com o tempo fui me envernizando.

Vez ou outra falo em casa como nos velhos tempos. As pessoas me olham curiosas, às vezes me perguntando sobre o significado do dialeto caipira. Mas, o que eu queria mesmo dizer é que tenho saudades daqueles tempos e de nossa língua geral. Hoje tenho que me esforçar - aliás, sem conseguir - para reproduzir aqueles deliciosos “Rs”, coisa de gente forte que dá belas bananas para o mundo. Entretanto, no dia-a-dia continuo dentro desse verniz que se colou à minha pele. Infelizmente.

Tempo ocioso

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Ouço de velhos reclamações sobre a lentidão na passagem do tempo. Os dias são enormes, as noites muito longas. Existe uma vastidão de momentos ociosos, difíceis de preencher com as pouquíssimas coisas a fazer.

Vive-se hoje em dia sob o império da velocidade. O dia-a-dia é mais que nunca exaustivo. O cidadão chega à casa, no fim do dia, estafado. Leva consigo pelo menos parte dos problemas do dia ainda por resolver. Tarefas para amanhã fazem parte do descanso obrigatório diante da TV. A família? Bem, resolveremos os problemas das crianças até o fim da semana. Exceto as urgências urgentíssimas como as ligadas à saúde.

Vive-se nesse embalo. De repente a pausa: uma semana de folga passada em cidade pequena do interior. O choque é inevitável. Entra-se no ritmo do lugar onde nada acontece e tudo segue morosamente. O organismo habituado ao estresse diário demora a se adaptar. O cérebro recusa-se a descansar. Como desligar uma máquina habituada ao “tudo para ontem”?

Então surge a inevitável pergunta: você voltaria a viver num lugar desses, logo você habituado e treinado na competição diária dos grandes centros? Logo você? Resposta imediata: nem pensar.

A velhice é como essa cidade onde as cosias se passam devagar. Chega a aposentadoria, enfim a hora de parar. Perde-se massa muscular, o coração já não trabalha tão bem, um ou outo exame pedido pelo médico tem resultado fora do padrão de normalidade. Aproximam-se os dias enormes e as noites muito longas. De repente surgem do nada crianças chamando você de avô.

É inevitável. A face que você vê no espelho já nem parece ser sua. O tempo vai cravando rugas aqui e ali, sua disposição é ótima, mas não é a mesma de outros tempos. Não demora para você descobrir que a tal “melhor idade” não passa de uma grande farsa.

……

No consultório do cardiologista reclamo de minhas tonturas periódicas. Ele me diz que a minha pressão arterial oscila muito. Comento que não é fácil tornar-se septuagenário. O médico sorri. Ele tem 73 anos e reclama da perda de massa e força muscular. Faz pilates três vezes por semana, mas os resultados são inexpressivos. Por fim diz que está pensando em reduzir os horários de atendimento em seu consultório. Será uma fase intermediária até para por completo.

O cardiologista é médico competente. Mais hora, menos hora abandonará o trabalho e ficará em casa. É inevitável que eu acabe parando - comenta. Olho para esse senhor e penso em como será sua vida no mundo do tempo ocioso. Tenho vontade de alertá-lo sobre os dias enormes e a noites muito longas. Mas, me calo. Ele bem sabe.

Escrito por Ayrton Marcondes

26 julho, 2017 às 2:51 pm

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