Arquivo para ‘Cotidiano’ Category
Deserções
Meu pai referia-se a deserções quando recebia a notícia de morte de alguém conhecido. A paisagem perdia componentes, tornava-se vazia porque estranhos não contam.
O problema é que o tempo passa. A paisagem humana muda. A certa altura as deserções dentro da geração à qual pertencemos crescem desesperadoramente. A tal ponto que é impossível não nos perguntarmos sobre quando será a nossa vez.
Nesta semana a deserção relevante foi a do Valdir Peres. Grande goleiro, Valdir deixou-nos momentos inesquecíveis com suas brilhantes atuações sob as traves do gol do São Paulo. Com a morte de Valdir algumas cenas de suas atuações foram mostradas nos noticiários televisivos. E pode-se rever Valdir a comemorar a conquista do título brasileiro pelo São Paulo em 1978.
Março de 1978. No avião em voo a Belo Horizonte ouvi de um jornalista carioca que ia assistir ao jogo apenas pelo compromisso profissional. Nenhuma surpresa ocorreria no jogo entre o São Paulo e o Atlético. Mesmo porque o Atlético tinha, na ocasião, um formidável time do qual faziam parte Toninho Cerezo e Reinaldo, entre outros.
Na véspera do jogo jantei com amigos atleticanos num restaurante onde imperava o clima de vitória. Na manhã seguinte a cidade amanheceu atleticana. Bandeiras do Atlético eram vistas por toda parte e milhares de torcedores preparavam-se para a grande festa que viria.
Fui levado ao Mineirão pelos amigos, torcedores do Atlético. Entrei num estádio em que só se viam as corres preto e branco da equipe que logo mais ganharia o título. Festejava-se por antecipação.
O resto todo mundo sabe. Jogo equilibrado para desespero da torcida local. Empate nos 90 minutos, prorrogação e novo zero a zero. Então a cobrança de pênaltis e o grande papel de Valdir Peres. Valdir não defendeu nenhum dos pênaltis cobrados pelos jogadores mineiros. Mas, de tal modo infernizou os jogadores do time adversário que deu no que deu. O último jogador do Atlético a cobrar foi justamente Toninho Cerezo. Ainda vejo Valdir, ao lado dele, infernizando-o. E Cerezo chutou por cima. São Paulo campeão brasileiro de 1977, título conquistado no jogo final em 1978.
Com o coração aos pulos mantive-me quieto. Seria loucura comemorar naquele ambiente agora hostil. Na volta com meus amigos não emiti palavra sobre o jogo.
Daquele 5 de março restaram-me a alegria do título, a performance de Valdir Peres e o absurdo silêncio que se instalou numa cidade calada.
Valdir Peres deixa grande saudade.
Leilões
Há exatamente 48 anos Neil Armstrong pisava na Lua naquele que foi um pequeno passo para um homem, um gigantesco passo para a humanidade. Por várias vezes me referi ao dia 20 de julho de 1969 como marco de conquista humana. Vi as cenas do homem na Lua na tela de uma TV preto-e-branco. Na sala poucas pessoas que simplesmente não acreditaram no que viam. Coisa de americano - diziam. Como nos filmes, afinal americano é bom nisso.
Na ocasião Neil Armstrong portava uma sacola na qual armazenou objetos retirados do solo da Lua. Essa sacola foi comprada por uma senhora que empregou 1000 dólares na compra. Hoje a sacola vai a leilão esperando-se atingir 6 milhões no arremate por algum interessado.
Caso você tivesse muito dinheiro gostaria de adquirir algum objeto nesses leilões nos quais se arrematam peças ligadas a pessoas famosas e fatos relevantes?
Confesso não entender a estranha atração por peças que passam a fazer parte de importantes coleções. Que tal ter a posse de uma carta escrita por Abraham Lincoln? Pois essa carta foi leiloada em Nova York e atingiu, em 2008, o valor recorde de 3,4 milhões de dólares. O penico de Napoleão foi leiloado em Londres por 1000 dólares. Os proprietários de uma loja arremataram por 1.267 milhão de dólares o vestido usado por Marylin Monroe na noite em que cantou “Parabéns a você” ao presidente John Kennedy. Por 135 mil euros foi arrematado, em 2015, um selo lançado na Alemanha com a foto da atriz Audrey Hepburn.
Obviamente, trata-se de um mercado ao qual tem acesso apenas os endinheirados. Quadros de pintores famosos, por exemplo, são leiloados e arrematados por valores altíssimos. O quadro “Les femmes d’Alger”, de Pablo Picasso, foi leiloado por 179 milhões de dólares em Nova Iorque; “O grito”, de Edvard Munch, recebeu 119,92 milhões de dólares em maio de 2012.
Conheço pessoas que frequentam brechós em busca de peças antigas para ornarem suas casas. Móveis antigos, cada vez mais raros, compõem ambientes com mobiliários recentes. Peças que pertenceram a nossos avós figuram entre adornos em nossas casas.
O homem não rompe sua ligação com o passado. Os tatos e meu avó e meu pai permanecem no jacaré de ferro que foi usado para amassar rolhas, adaptando-as para fechar vidros e garrafas. O jacaré permanece comigo, dando continuidade a existências desaparecidas.
Se eu compraria o jacaré que foi de meu pai caso o encontrasse num leilão? Ora, certamente o arremataria.
Medos
Quando menino tinha medo do escuro. Temia que de repente, das sombras, emergissem figuras fantasmagóricas. Mais especificamente receava ser visitado por pessoas já mortas. Seria possível ao apagar a luz e dar de cara com algum falecido?
Bem, o mundo era bem diferente naqueles tempos. A iluminação das casas muitas vezes precária. E corriam histórias e mais histórias sobre assombramentos. Na casa de minha avó, por exemplo, existiriam algumas almas penadas que, vez ou outra, davam as caras. A menina que assombrava o cômodo de passagem para os quartos fora vista por mais de uma pessoa. Minha tia acordara de madrugada e dera com um homem estranho em pé, ao lado da cama. Meu tio socorreu-a. Acendeu a luz e nada, ninguém no quarto onde a porta se mantinha trancada.
Casos como esses infundiam terror em crianças. Os antigos pareciam tratar sobre a morte com mais naturalidade. Uma tênue membrana separaria os mundos dos vivos e dos mortos. Outra tia seria vidente. Não era incomum estarmos à mesa para o jantar e ele nos comunicar que “alguém” estaria ali conosco. Esse alguém seria um espírito. Jantávamos com fantasmas.
Na casa de meu pai existiam muitos livros. Cresci ao lado deles e devagar fui me inteirando de seus conteúdos. Criança é criança. Tinha medo, mas, estranhamente, atraiam-me contos de terror. Durante muito tempo tive medo do Horla de Maupassant. Se bem me lembro o Horla era uma força maligna que isolava um cômodo e chegava a atar fogo às cortinas.
Li todos os contos de Edgard Allan Poe. Aos 14 anos já tinha devorado toda a obra do grande escritor norte-americano. Mas, tinha medo das personagens. A leitura de “Enterrado Vivo” despertou-me ao medo de vir a ser enclausurado debaixo da terra ainda vivo.
Das histórias de vampiros nasceu o receio de que viessem me atacar nas madrugadas. Os filmes em preto-e-branco sobre vampiros eram uma delícia no cinema. A face enigmática de Christopher Lee no papel de Drácula terá embalado situações nas quais a possibilidade de ser visitado por um vampiro parecia-me muito real. Daí que colocar alho junto a janela do quarto e crucifixo na guarda da cama passaram a ser rotina. Afinal, nos filmes esses recursos se mostravam úteis para afugentar vampiros.
Passadas décadas dos tempos de menino ainda olho para as sombras com algum receio. Não tenho medo, mas não acho de todo improvável que do escuro possa brotar algum ser vindo de outra dimensão. Dizem que isso acontece porque guardamos em nosso ser a criança que um dia fomos. Entretanto, não passam de impulsos que logo sucumbem à lógica de homem adulto.
Presidentes
O avião levantando voo de Congonhas e levando o cadáver de Tancredo Neves é das cenas mais emblemáticas na história do país. Desaparecia Tancredo, esmaecia o sonho. A transição do regime ditatorial com o poder transferido a um governante civil recolocaria o país em ordem. Tancredo era experiente, seguro, preparado, político capaz de comandar seus pares e determinar os rumos do país. Mas, morrera. Simplesmente.
E vieram o Sarney com seus fiscais, o Collor com seus congelamentos e bloqueio de contas. Depois, a renúncia de Collor. Itamar Franco assumiu e o Plano Real vingou, espantando a correria inflacionária.
Collor caiu por conta de acusações de corrupção. Seu chefe de campanha política era PC Farias que, Collor no governo, foi acusado de ser testa-de-ferro de vasto esquema de corrupção. PC Farias foi encontrado morto, tempos depois, com sua namorada numa praia do Nordeste. Até hoje persistem dúvidas em relação ao seu desparecimento.
Todo mundo sabe disso. E do que veio depois, dos governos de FHC e dos dois petistas. Até sermos trazidos ao inferno de hoje cujas labaredas chamuscam nossas consciências. Afinal, em quem temos votado?
O Brasil sofre com seus presidentes. Getúlio Vargas suicidou-se em 1954 deixando órfão milhares de seguidores. Dizia-se que “Getúlio deixara o café no fogo” - Café Filho era o vice que substituiu Getúlio na presidência. Seguiu-se período de incertezas passando pelo governo Carlos Luz e Nereu Ramos. Até o Marechal Lott garantir a posse de Juscelino, eleito em 1955. Juscelino que, entre outros feitos, construiu Brasília. E veio o Jânio que simplesmente renunciou ao cargo sem que até hoje se entenda bem o porquê. Até que, em 1964, os militares deram um basta nos governos civis e iniciaram o longo período ditatorial.
Hoje, 13 de julho de 2017, Temer está no governo e deputados discutem se aceitarão a denúncia de corrupção feita pela Procuradoria Geral da República contra o presidente. Ontem o ex-presidente Lula, acusado de corrupção, foi condenado em primeira instância a mais de 9 anos de prisão.
O Brasil sofre com seus presidentes.
Práticos
Arranquei um dente. Molar. Não queria se separar de mim. Resistiu muito, lutou contra a força do boticão. Residiu na minha boca tempo demais para não ter amor à casa. Veio à luz trazendo aa raízes desfeitas, carcomidas por bactérias que não o pouparam.
Extraído o molar o dentista exibiu-o para que o visse. Vi nele um tipo forte, corajoso, mas abatido. Perdera a função, a força. Separava-se mim para sempre fato que me fez pensar no destino final das partes do meu corpo. Quando morrer serei enterrado ou cremado? O fogo da cremação assusta. Enquanto vivos é difícil engolir a versão de que o corpo que será atirado ás chamas já não nos pertence. Se existir vida após a morte com que horror presenciaremos a queima daquilo que fomos? Por outro lado, ser progressivamente decomposto dentro de uma cova não se figura estimulante. Certa vez assisti à exumação do cadáver de uma mulher. Teria falecido a menos de um mês. Aberto o caixão estava o cadáver coberto por uma nuvem de insetos, baratas, muitas baratas…
O molar me trouxe imagens do passado no qual militavam no país os práticos. Não sei se ainda é assim hoje. Consta que os sindicatos das categorias hoje em dia controlam a atuação de profissionais em suas áreas, exigindo formação para que possam exercer. No passado, mormente em pequenas localidades, os práticos supriam as deficiências de profissionais licenciados. Práticos de dentista existiam e muitos. Na infância tive problemas dentários resolvidos por práticos. Atendiam em consultórios com instrumental bastante precário. Inesquecíveis os motores acionados com pedais. Afora o material cirúrgico e os meios de esterilização.
Na área do Direito existiam os rábulas. Autodidatas entendiam de leis. Muitos deles eram bastante respeitados. Conheci um senhor que granjeou fama não só e sua cidade como nas vizinhanças. Estudioso, dedicado, faltava a ele o talho universitário. Meu pai tinha esse homem em elevada conta.
Confesso não ter me entristecido com a perda do meu molar. O danado a custo exercia suas funções mastigatórias. De uns dias para cá pusera-se a causar dor. De modo que o ver, depois de extraído, serviu-me como alívio. Impressionante como nos destacarmos facilmente de coisas que nos incomoda.
Adeus molar
TOC
Ela me cumprimenta sorridente a cada manhã. Entra na minha sala com ares de quem dormiu bem e teve bons sonhos. Pela casa dos 30 não se pode dizer que seja exatamente mulher bonita. Minha mãe costumava dizer que para certas pessoas falta um pequeno detalhe para que sejam lindas. A beleza é sempre discutível. Há quem a veja mesmo em faces que fogem ao comum dos gostos. Quanto a mim tenho a impressão de que não falta nada num rosto quase bonito. A meu ver o problema reside na busca da sempre inexistente perfeição. Certas pessoas não chegam a ser belas, mas, sim, são quase bonitas. Ao olhar para elas sentimos que a natureza poderia ter sido só mais um pouquinho generosa. Faltou a elas algo indefinido, como se ao artista que moldou suas faces tivesse falhado a inspiração, justamente no fechamento da obra.
O que está escrito acima pode ser bobagem, mas é o que me parece a cada manhã quando a mulher de quem falo entra na minha sala. Tratamos de assuntos comuns ao dia-a-dia do serviço. Pessoa agradável e inteligente ela discorre sobre coisas mais prementes e logo se despede. Mas, por que falo dela? Bem, o problema é o TOC. A mulher não consegue se manter parada sem ajeitar a minha mesa. Não diz anda, mas não suporta a desordem. Enquanto está comigo, junta papéis, devolve canetas ao cubinho onde são guardadas, levanta-se e recoloca as cadeiras, observando diferenças milimétricas no posicionamento delas, acerta as folhas da impressora, enfim…
Dias atrás perguntei a ela sobre como se comporta em sua casa. Disse que a faxineira já sabe: cada coisa tem seu lugar que de modo algum pode ser mudado. Quando entra em casa seus olhos escrutinam a organização. Briga com o marido a quem classifica como desordeiro. Confessa que nos primeiros tempos juntos as brigas eram constantes. Agora o marido está mais adestrado. Adestrado? Sim, como animais a quem se ensina certas rotinas diárias.
Ela tem consciência de seu problema e é feliz com ele. Confessa ter TOC. Diz que é melhor ser assim que sair por aí, matando gente. Perguntada se já pensou em tratar-se para resolver o problema apenas sorriu. Gosta de si mesma do jeitinho que ela é.
Assim segue a mulher com seu distúrbio obsessivo-compulsivo. O distúrbio psiquiátrico de ansiedade parece ter sido incorporado por ela na categoria “sob controle”. Atravessa os dias cumprindo a rotina de seu ritual pré-estabelecido. Diz-se portadora de uma mania, nada mais que isso. Sabe-se lá como funciona a cabeça dela, se os pensamentos que não consegue controlar estão restritos apenas à mania de ordem. E parece não se preocupar como crescimento de sua obsessão fato que provavelmente acabará afetando as pessoas de seu convívio.
Falar diariamente com alguém que tem TOC nos leva a perguntar se também não temos lá uns toquezinhos por pequenos que sejam. Desde que o meu dentista me submeteu a uma lavagem cerebral sob cuidados com os dentes passei a escová-los muitas vezes por dia. Não será um começo?
Temperamento
Vai-se conhecendo gente. Muita gente. ”Cada um com o seu peru” - dizia o seu Braz, desaparecido a mais de 50 anos. O que é o “peru”? Seu Braz explicava: é a contingencia de cada um. Cada pessoa vive consoante sua circunstância. Há quem se acomode a ela. Outros passam a vida em guerra. Não aceitam a situação que os cerca.
Mas, quanto ao temperamento? Seu Brás dizia que cada um tem sua herança e educação. O ser humano nasce com sua carga hereditária, mas importa a circunstância em que se desenvolve. Isso explica a natureza de gente muito boa e dos tais humanos animalizados. Humanos animalizados? O sujeito que mata por matar - seu Braz exemplificava. Esses não têm amor à vida, daí não importar a eles tirar a vida de outrem - concluía.
Tem gente boa. Tem gente ruim. Tem gente meio a meio. Cada um com o seu peru. Mas, a maldade que tanto nos indigna não é só questão de temperamento. Esse sujeito que semana passada matou a ex-namorada grávida e arrancou os dentes dela antes de queimar o cadáver, esse cara em que categoria de seres humanos deve ser enquadrado? O moleque que se aproxima de um carro e atira no motorista à queima-roupa, esse que mata irresponsavelmente em que categoria o enquadrar? Adiantará lembrar de sua origem, da miséria que o cercou na infância, das influências negativas que recebeu e que, em conjunto, moldaram seu caráter?
Temperamento participa, mas não define. Vi uma moça contrariada gritar absurdos contra a pessoa a quem atribuía falha grave. A moça perdeu-se em considerações violentas. Pergunta-se: tivesse ela uma arma na mão e estivesse diante da pessoa a quem xingava, atiraria? Certamente não. O temperamento explosivo não a levaria a tanto. Descarregada a ira através de palavreado chulo, diminuiria o tom.
Vai-se conhecendo muita gente, vida afora. Gente boa. Gente ruim. Impressiona o atual crescimento da violência. Pelas ruas circulam pessoas para quem a prática do crime é natural. Mata-se sem culpa. Temperamento? Na verdade, qualquer explicação, ainda que baseada em temperamento, miséria, hereditariedade, aspectos sócio econômicos e educacionais, resulta simplista. Daí as dificuldades em sanar o problema.
São Pedro
De festas juninas guardo minha mãe comemorando o aniversário dela. Dia 29, São Pedro. Minha mãe passava o dia preparando a festa. Tínhamos um quintal grande. Armava-se a fogueira com troncos de lenha dispostos numa pilha que se afinava em direção ao alto. Na cozinha as mulheres trabalhavam. Preparava-se o quentão e coziam-se os doces em tachos no fogão de lenha. O de abóbora era o meu favorito.
No início da noite as pessoas chegavam. Vinham agasalhadas porque o frio era intenso. Passavam pelo portão com faces felizes, prontas para o divertimento que viria. Ateava-se fogo à lenha e logo a pira incandescente iluminava a noite.
Os convidados se reuniam em torno da fogueira. Rolava o quentão. Fazia sucesso a batata-doce, assada em meio às brasas da fogueira. Minha mãe circulava, agitando a festa. Estava feliz.
Pelas tantas surgia o bolo. Os amigos se reuniam no coro para os parabéns. Tinha-se a impressão de que, do céu, São Pedro abençoava aquela gente. Era o dia dele. Era o dia de minha mãe.
São passados seis décadas desde aquelas noites de São Pedro. Dos convivas em torno das fogueiras quase ninguém sobreviveu. São Pedro deve tê-los recebido com um sorriso na entrada do céu. Dizem que o santo não se nega aos seus que sempre o festejaram.
Liberdade de expressão
Em seu programa pela BANDFM o jornalista José Luis Datena reclama ter passado mal na noite anterior. Atribui o fato ao problema de não dispor de liberdade de dizer tudo aquilo que pensa. Avança, dizendo que a liberdade de expressão de fato não existe nos meios de comunicação. Há um limite imposto pelos mesmos veículos, quaisquer que sejam eles.
Ouvir isso do jornalista causa alguma estranheza dado ser conhecido por não ter papas na língua. Mas, sua declaração nos remete ao que nos é dado saber e, principalmente, à informação que nos é sonegada.
De que, enquanto público, não passamos de pessoas cujas opiniões são mediadas - de segunda mão - pela natureza das informações a que temos acesso, disso não restam dúvidas. De que tais informações são divulgadas sob o filtro de interesses daqueles que as recebem e passam adiante também não restam dúvidas. De modo que, enquanto público, estamos à mercê de toda sorte de manipulações. Pior: a formação das consciências pessoal e coletiva é afetada pelas verdades ou pretensas verdades a toda hora divulgadas.
Num momento em que o país atravessa talvez o mais tenebroso período de sua história não dispor de fontes de informação totalmente confiáveis nos coloca em situação complicada. Destarte as já conhecidas dificuldades relacionadas às fontes de notícias que nem sempre se caracterizam pelo compromisso com a verdade, estabelece-se um jogo no qual a opinião pública torna-se desvalorizada. As consequências desse fato são perigosas. Por exemplo: diante da maratona de acusações e desmentidos que pululam hoje em dia nos meios de comunicação, em quem deveríamos apostar para conduzir o país nas eleições do ano vindouro?
Não se descarte do dito acima o fato de que a unanimidade não só e burra com impossível. Nem nos enganemos na busca de verdades absolutas sobre as quais ninguém ousaria levantar as menores dúvidas. Entretanto, eis aí um momento no qual a velha boa-fé seria sempre bem-vinda.
Tem razão o Datena em perder o sono.
Quando parar
É difícil, muito difícil, dizer chega. Parar, simplesmente parar, deixar para trás algo que em que se empenhou vida afora. Nas idades mais que maduras o trabalho pode se tornar um fardo do qual se deseja escapar. Afinal, o que há pela frente quando na verdade a noção da proximidade da morte insinua-se de modo irreversível? Se você já chegou aos 70 quantas décadas o separam do desenlace final? Uma? Duas?
Ainda assim é difícil parar. Deixar de refazer, diariamente, o caminho que, durante anos, percorreu em direção ao local de trabalho. Desencanar-se das lembranças do trânsito ruim nos horários de pico. Deixar de ser aquele cara de antes para gozar o tempo livre, acostumar-se ao não fazer, a procurar soluções para preencher o tempo vago. O sempre imenso tempo vago.
Tempo é tudo o que tenho diz um amigo com quem me sento para uns goles. Já não trabalha, goza de situação mais que estável, teoricamente tudo está mais que bem. Mas, há o vazio. Há o imponderável amanhecer de um novo dia no qual nada há a se fazer. Ele reclama.
Acontece também a gente mais ovem. O esporte abre um abismo à frente do atleta que alcança o momento de aposentar-se. Quantas histórias. O ídolo venerado pelas fanáticas torcidas de repente sai de cena. Onde os aplausos? Onde a perseguição dos repórteres que não davam a ele sossego? De repente a vida frugal, o esquecimento, talvez a busca de outra ocupação para a qual nem sempre se está preparado.
Ontem um assessor do ator inglês Daniel Day- Lewis anunciou que ele não mais atuará. Trata-se de decisão particular e o ator agradece a operadores e plateias que o prestigiaram ao longo de sua carreira.
Day-Lewis despede-se deixando atrás de si uma gloriosa carreira no cinema. Inesquecíveis suas atuações em filmes como “Sangue Negro” e “Lincoln”. Único ator a conquistar três prêmios Oscar, despede-se aos 60 anos de idade. Deixa saudades. Sucumbirá a futuros convites? Voltará ás telas? Impossível saber.
Greta Garbo, considerada pela Academia de História do Cinema como “a quinta maior lenda da sétima arte” abandonou sua carreira de atriz aos 36 anos. Nunca mais tornou ás telas. Certas magias e caprichos dos deuses não são mesmo feitas para durar.