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Maratona de denúncias
Qual será a próxima? Não há manhã em que não sejamos acossados pela notícia de nova denúncia. Alguém até ontem imaculado revela-se propenso a contra sobre o que sabe com o propósito de livrar-se de sansões.
Nas altas cúpulas do país marcha um exército silencioso cujos soldados escodem suas faces pelo medo de serem expostos. Parece que todos carregam pelo menos uma culpa. Daí o receio de uma inesperada evidencia, expondo-se ao pais algum tipo de falcatrua em que venha a ser arrolado.
No Brasil a deleção premiada virou moda. Converteu-se num tipo de negócio onde se trocam vantagens por informações sobre corrupção e propinas.
Mas, isso cansa.
Saudades do tempo em que líamos nos jornais notícias mais interessantes. Saudades de não conviver com nojeira tão insuportável.
Mas - pergunta-se - terá a crise um fim? Ou estaremos condenados a viver a confusão de hoje eternamente?
O Brasil pede socorro.
Para onde foram?
A todo transe realizam-se prisões de figuras notórias da política nacional. Advogados de renome empregam-se em intensa atividade. Acusações, denúncias, defesas, liminares, julgamentos, condenações, prisões e outras são palavras incorporadas ao dia-a-dia. Já não causa estranheza ouvi-las. Nada mais natural que alguém ser surpreendido em sua casa nas primeiras horas da manhã, sendo conduzido a interrogatórios ou prisão preventiva.
Diante de situação tão alarmante pergunta-se sobre a natureza dos homens que cuidam dos destinos do país. Uma cambada de safados? Salva-se alguém? Existirá na classe política alguém que não possa ser acusado de receber propinas e obter favorecimentos? O ilícito virou regra?
Desconfiança geral. Não há mais surpresa quando alguém de reputação ilibada até ontem de repente seja denunciado como envolvido e alguma falcatrua. Por outro lado, prospera a indústria da denúncia. Vale a pena contar tudo em troca de benefícios, entre eles livrar-se da prisão, redução de penas etc. Em curso no país um novo “game” do qual resultam prejuízos incomensuráveis à população.
Mas, terá o Brasil sido sempre assim? Não é de se duvidar que a corrupção tenha existido em todos os escalões ao longo de nossa história. Entretanto, convenhamos: vivia-se num mundo mais interessante. Personagens públicas de destaque: quantas delas encantavam os brasileiros. Gente do porte de Getúlio Vargas, Juscelino, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e tantos outros. Obviamente, cada um deles tinha lá os seus senões. Mas tinham porte, não lhes faltava a categoria hoje tão rara. De quebra nos anos 50 e 60 do século passado estavam vivos Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Manuel Bandeira….. Liam-se seus textos no calor da hora de suas publicações. E Ari Barroso, Tom Jobim…
Para onde foram todos? Infelizmente pessoas brilhantes não funcionam como peças que possam ser facilmente substituídas. Daí que deu no que deu.
No caminho da onça
Uma onça parda invadiu um galinheiro e matou 41 galinhas. Aconteceu em Duartina, interior de São Paulo. De manhã o proprietário do sítio dirigiu-se ao galinheiro para alimentar as galinhas. Deu com a onça e os animais mortos. Assustado, chamou a polícia ambiental que, usando tranquilizantes, capturou a onça. Agora o animal será devolvido ao ambiente selvagem.
Nos anos 50 do século passado a rede viária do país era ainda mais precária. Cidadezinhas do interior não possuíam estradas transitáveis. Asfalto nem pensar. Na Serrada Mantiqueira caminhões usavam correntes nos pneus para avançar em trajetos de puro barro. A forte lavoura da região enfrentava problemas para o escoamento de seus produtos. Não era incomum que caminhões carregados com hortaliças permanecessem dias parados sem poder descer pela serra, a ponto de se perderem totalmente as cargas. Sabemos que ainda hoje o problema persiste em várias regiões do país. Mas, naqueles tempos era regra geral a tremenda dificuldade de transportes.
Cabia-me, quando ginasiano, percorrer alguns quilômetros com a finalidade de embarcar no bonde da Estada de Ferro Campos do Jordão. O trajeto era cumprido a pé, na ida e na volta. Certa ocasião, chegando no bonde noite, segui pela estrada de terra, utilizando a luz de uma lanterna. Cumpre lembrar de que a estrada era circundada por densa mata na qual pontificavam árvores e muitos pinheiros. A certa altura o facho de luz da lanterna encontrou-se com dois olhos que brilhavam no escuro. Era uma jaguatirica. Essa onça, de porte médio, tem hábitos solitários e alimenta-se de outros animais que obtém através da caça. Em geral mantém relação de distância com o homem, a quem não tem por hábito atacar. Entretanto, dar com uma jaguatirica no meio da estrada, estranhamente parada e sem dar sinais de que sairia do lugar onde estava, era assustador. Na ocasião pareceu-me que o melhor seria manter-me firme, sem demonstrar medo. De modo que quedei paralisado, sem saber o que fazer, esperando.
Não sei dizer quanto tempo durou a inesperada situação. Talvez não mais que um minuto que a mim simulou a eternidade. Enfim, a jaguatirica se moveu, tornou ao mato. Respirei aliviado. Ainda fiquei por alguns instantes no mesmo lugar, indeciso sobre seguir adiante. E se a jaguatirica estivesse emboscada, esperando-me passar para dar o bote. Ora jaguatiricas não costumam atacar o homem. Fazendo muita força para tomar isso como verdade, enfim segui adiante.
Ficou-me a imagem do animal selvagem em meu caminho. Como acontece a toda gente vida afora enfrentei situações complexas, simulando onças às vezes bem maiores que aquela jaguatirica. Daí que sinto que foi importante não ter-me acovardado naquela noite, na estrada. A jaguatirica terá me ajudado a forjar pelo menos parte da resistência de que precisei em muitas situações ao longo desses anos.
Terror em Londres
Aconteceu em Londres. Mais uma vez. Pessoas morreram, há feridos graves. Vidas ceifadas em nome do terror. Incompreensível? Para nós sim. Para os que praticaram o ato criminoso não. Diferenças de crença, fé e ideologia separam dois mundos.
Mas, se a vida é a mesma para todos…. Se o significado de existir…. Bem, esse certamente não é o mesmo. Quando um homem-bomba explode o próprio corpo, acreditando em compensação futura seja lá qual ela for, isso nos divide em categorias e subcategorias de seres humanos. Há diferenças essenciais entre os homens a ponto de existirem aqueles que entregam a própria vida, levando consigo o máximo número de vítimas inocentes.
Dias atrás revi o filme sobre o voo 93 no qual terroristas do 11 de setembro sequestraram um avião com intenção de jogá-lo na Casa Branca. O filme busca retratar a tensão dos passageiros e a determinação dos terroristas cuja missão era a de sacrificar a própria vida e a dos passageiros no acidente aéreo. Como se sabe, os passageiros se insurgiram contra os sequestradores, o avião caiu e todos morreram. Mas, as imagens são fortes. As torres gêmeas já tinham vindo abaixo pelo choque de aviões sequestrados. Outro avião chocara-se com o Pentágono. A última aeronave não chegou ao seu destino final que era a Casa Branca.
Não há como não se pensar na lógica que conduz a ação terrorista. Quando alguém se coloca sobre a calçada de uma ponte de Londres e passa a atropelar os desconhecidos que encontra pela frente esse ato contradiz tudo o que acreditamos. A barbárie nunca terá sentido para seres civilizados. Entretanto, o ódio ao Ocidente consumado em nome de crença não só justifica como é motivo de regozijo para organizações terroristas que se apressam a responsabilizar-se pelo ato.
Ficam a insegurança e o medo. Divulga-se que, de modo algum, os países envolvidos se renderão a atos que colocam em risco a sociedade. Entretanto, valem-se os terroristas de ataques inesperados como o recente no qual vitimaram-se crianças que assistiam a um show musical na Inglaterra.
A agonia no mundo parece não ter fim.
Garrincha
Vi Garrincha jogar o que não é pouco. Melhor dizendo: tive o privilégio de ver Garrincha jogar.
As gerações mais recentes não tiveram a oportunidade de ver o Mané em ação. Dispõem de vídeos sobre o jogador atuando, mostrando seus dribles desconcertantes. As pernas tortas faziam a loucura dos defensores. Os jogadores da seleção russa, derrotada pelo Brasil em 58, diziam que não só nunca tinham visto como não entendiam o que fora a atuação de Garrincha naquele jogo. Um dos laterais russos confessou ter pensado em não jogar mais futebol: jogar não era o que ele fazia em campo, mas sim o que Garrincha era capaz de fazer.
Irreverente, genial. Destruidor de defesas contrárias. Imprevisível. Proprietário de familiaridades com a bola não acessíveis aos seres mortais. Por isso foi único. Nenhuma genética, nenhuma máquina, será capaz de gerar outro Garrincha. O molde que o fez quebrou-se após gerá-lo. As incríveis pernas tortas não foram e jamais serão novamente produzidas. Garrincha terá sido um capricho dos deuses. Não era desse mundo. Viveu e jogou para trazer alegria a milhões de brasileiros que o idolatravam. Esquecido de si mesmo, fez o que sabia fazer e desencontrou-se com o mundo quando as pernas não o deixavam mais exibir sua arte. Já não podia mais jogar, nem ouvir o carinho das torcidas. Então entregou-se a um caminho espinhoso que o levou à morte precoce. Garrincha nasceu para viver dentro das quatro linhas. Fora delas inexistia, daí seu infortúnio.
Fora dos gramados o herói deixou herança confusa. Folclórico até depois de sua morte, vez ou outra Garrincha reaparece nos noticiários envolto em brumas de informações contraditórias. Agora surge uma de suas filhas a declarar que os restos mortais do pai haviam desaparecido do Cemitério Municipal de Raiz da Serra, distrito de Pau Grande, em Magé, onde o ex-jogador foi enterrado, em 1983.
A notícia nos comove. Impossível aceitar tal descaso em relação a um ídolo nacional. Entretanto, dois dias depois, aparece um neto de Garrincha para garantir que o avô se encontra na cova de sempre, um pequeno túmulo de onde seus restos mortais nunca foram removidos. Mané está seguro, portanto.
Passados mais de trinta anos do desparecimento de Garrincha seu nome ainda causa comoção. Se você nunca o viu em ação dentro dos gramados, assista a algum vídeo que o mostra destruindo defesas de seleções e times de futebol. Ficará com algumas imagens, pálidas é verdade, mas as que restam sobre a carreira do gênio. Para nós, mais velhos, o Garrincha sempre será aquele monstro que nos levava à loucura ao ouvir, pelo rádio, suas impressionantes jogadas nas Copas de 58 e 62. Ou o mágico da bola que vimos em ação nos estádios.
Na verdade Garrincha nunca morreu. Foi tirado do mundo para encantar com suas jogadas os deuses que sempre reclamaram da permanência dele entre nós.
Livros
Então me rendi ao Kindle. Olhe que não foi sem resistência. Amo os livros, o contato com o papel e até a poeira que se junta nas velhas páginas. Existe sensação melhor que rever anotações feitas há anos nas páginas de livros? Não há jeito melhor de nos reencontrarmos com a pessoa que um dia fomos. Aquele parágrafo destacado que causou tanto interesse ao leitor que fomos ontem talvez seja muito revelador sobre a personalidade que assumimos na época da leitura. Livros anotados são confissões não só sobre nossos interesses, mas documentos sobre nossas almas. Por que destaquei essa página que hoje parece nada me dizer? Eu era outro, alguém que desapareceu de mim, alguém que já não sou, mas ainda vive nas páginas de livros que li no passado.
Livros são companheiros inseparáveis. Guardam ideias que nos interessaram e comoveram, conceitos que moldaram nosso modo de pensar e ser. Que prazer circular entre as estantes, vez ou outra destacando delas um livro de que nos havíamos separado a muito. Ou redescobrir um escritor cuja obra nos atraiu. Cada página uma revelação, labirinto de significantes que moldam a atenção do leitor.
Ao longo da vida corre-se sempre o risco de perder-se livros. Isso sem falar no destino a eles reservado após a morte de seus proprietários. Nunca me sai da cabeça a biblioteca de um professor, meu vizinho. Quando morreu a mulher dele apressou-se em colocar os livros na caçada para quem quisesse os levar. Soubesse que a velha na verdade odiava aqueles livros contra os quais competia na atenção do marido. Daí livrar-se dos inimigos que enfrentara vida afora.
Também perdi muitos dos meus. A vida é longa. Muitas mudanças. Numa delas perderam-se os livros. A transportadora bem que se ofereceu para indenizar-me. Mas, como fazê-los entender que o dano era irreparável? Como entender que parte da minha alma se fora com os livros perdidos?
Agora o Kindle. Você faz o download e abarrota o leitor com vários títulos. Leva consigo uma biblioteca que pode acessar a qualquer momento. Pode fazer anotações, marcar parágrafos, enfim…. Muito prático. Mas, não há folhas, poeira, cheiro. O Kindle é insensível, não participa: ele serve. Nele todas as páginas são iguais, mesmo as de livros diferentes, exceto pelo conteúdo. As publicações estão descaracterizadas. Não há capas grossas, sem orelhas. Mundo plano, gráfico, com os livros escondidos atrás da telinha.
Estou me habituando à modernidade, embora ainda resista.
Pena de morte
Desde a execução de Caryl Chessman, em 1960, sempre me senti atraído pelas notícias sobre execução de criminosos. O caso Chessman atraiu a atenção mundial. Ele era um ladrão e violador condenado por uma série de crimes praticados em Los Angeles. Preso, estudou direito e fez a própria defesa, dispensando a ajuda de advogados. Além disso, publicou alguns livros, inclusive um romance. Esses livros percorreram o mundo daí a atenção especial dada ao caso. Muita gente via Chessman com carinho e pena. Outros o odiavam, destacando nele a figura de bandido.
Naquele ano eu cursava a primeira série do ginásio. No dia previsto para a execução de Chessman pairava grande curiosidade sobre o desfecho do caso. Sempre existem pedidos de adiamento de execuções, em algumas situações concedidos já com o condenado na sala de execução. Entretanto, naquele dia o adiamento não foi concedido a Chessman.
Estávamos em sala de aula quando o diretor da escola assumiu à porta com ar de gravidade. Inesquecível a imagem daquele homem, ainda moço, e de sua voz potente, comunicando-nos que minutos antes Chessman fora executado. Éramos crianças de 12 anos de idade e o sentido geral daquilo certamente nos escapava. Mas, ficaram as impressões sobre o caso que tanta comoção provocou mundo afora.
Nos casos de condenações à pena de morte sempre nos intrigam aqueles nos quais o condenado nega até o último instante sua culpa no crime que lhe é imputado. Existem casos nos quais mais tarde se descobriu que um inocente fora executado. Ontem, nos EUA, um homem foi executado, embora negasse até o fim ter cometido crime pelo qual fora acusado. Teria ele matado o marido de sua amante para dividir com ela o prêmio do seguro que ela receberia. Acontece que o caso se prolongou demais, ficando o condenado muito tempo no corredor da morte. Esse fato despertou reações por se entender que houvera tortura mental do preso. De fato, numa das vezes estava ele já na sala de execução quando houve mais um adiamento. Mas, ontem, finalmente, realizou-se a execução através de uma injeção letal.
Hoje em dia vigora em nosso país situação caótica na qual a bandidagem está fora de controle, embora esforços do corpo policial. Assassinatos, assaltos, revoltas em presídios e toda sorte de crimes e acidentes ocupam a maior parte do noticiário. Publica-se que no Brasil o número de mortes violentas iguala-se ao de algumas guerras que acontecem ao redor do mundo.
Diante de quadro tão desolador com alguma frequência o assunto pena de morte é lembrado como possível solução para a redução da criminalidade. Como não poderia deixar de ser o assunto empolga, havendo pessoas favoráveis e contrárias à adoção da pena. Especialistas indicam que nos EUA a pena de morte de modo algum influi na redução da criminalidade. Os favoráveis à adoção da pena dizem o contrário. De modo que ficamos mais ou menos na base de palpites que a nada levam. Entretanto, dá para se dizer que antes da adoção da pena de morte no país existem muitas medidas a serem tomadas, medias essas que trariam bons resultados no setor de segurança pública.
O nó górdio
Relata-se que após a morte do Rei da Frígia o trono ficou vago por não existirem herdeiros. Consultado o Oráculo declarou que o próximo rei seria um homem que chegaria numa carroça. Foi assim que um camponês, de nome Górdio, veio a assumir o trono. Para não esquecer sua origem humilde Górdio amarrou a carroça numa coluna do templo de Zeus, dando um nó impossível de ser desfeito. Ao morrer o filho de Górdio, Midas, tornou-se rei e expandiu o reino, embora também não deixasse herdeiro. Mais uma vez consultado o Oráculo disse que o próximo rei seria quem desatasse o nó de Górdio. Passaram-se 500 anos até que Alexandre, o Grande, observasse o nó e o cortasse com sua espada.
Ao que parece o Brasil passa por momento no qual o próximo presidente só será empossado caso se conseguir desfazer o nó górdio que cerca sua escolha. Temer, o atual presidente, proclama que de modo algum renunciará. A opinião dos que se ocupam dos fatos políticos é a de que Temer não conseguirá governar após a delação que o expôs aos olhos da nação. Entretanto, caso a presidência fique vaga, não há consenso sobre a escolha de seu sucessor. Nem mesmo existe consenso sobre a forma a ser adotada para a eleição do novo presidente que governará até o fim de 2018.
Nesses dias tenebrosos teme-se não só pelo desgoverno como o agravamento da recessão. O desânimo é geral. Talvez como nunca antes precisássemos da existência de um oráculo. Seria ele quem talvez nos indicaria a natureza da pessoa capaz de desfazer o nó górdio que tanto nos assusta.
Mas, infelizmente, os tempos são outros. Já não existem oráculos daí dependermos de algum milagre que reconduza o país aos trilhos. Milhões de desempregados talvez orem todo dia pelo aparecimento de um santo milagroso que desfaça o nó que nos constrange.
A natureza humana
Hobbes dizia que o homem é mau. Já nasce mau, não sabe viver em sociedade e precisa ser conduzido por um estado autoritário que dite regras de convivência. Isso é o que está no livro “Leviatã” escrito pelo filósofo no século 16.
A visão de Hobbes é combatida. Difícil aceitar que a criança já nasce má e que a natureza ruim do homem justificaria estados totalitários. Entretanto, num momento como o atual, no qual a cada momento se exibem o que há de pior na natureza humana, não há como não se pensar no filósofo, ainda que só para citá-lo.
A balbúrdia que no momento sacode o país leva-nos a pensar que, afinal, ninguém presta. Não há dia em que não se aprofunde a visão da corrupção sem limites e envolvimento de personagens que, até a última hora, tínhamos como guardiões do bem comum. Trata-se de um jogo no qual peça sobre peça cai e o perigo é o de que não reste ninguém. Diante disso instala-se o desânimo: afinal existiria alguém em quem poderíamos confiar?
Um magnata do setor de carnes, acusado de envolvimento com a corrupção, é estranhamente atendido pelo presidente da República. Na conversa fala sobre seus delitos e, pior, grava a conversa. Tempos depois divulga a gravação com a única intenção de desestabilizar ainda mais a já combalida República. O desastre é inevitável. Pede-se a renúncia do presidente. O dólar dispara, a Bolsa de Valores fecha em grande baixa. O magnata da carne a tudo assiste bem instalado em Nova York. Que se se dane o país. Que se danem os brasileiros.
O Brasil de hoje é como aquela nau que avança no mar bravio ao sabor da tempestade. O capitão a custo tenta manter a rota, mas a marujada não confia nas ordens dele. Os passageiros, desesperados, lutam para salvar-se, embora presos aos destinos da nau em que viajam.
Hobbes estava errado. Ou será que sua teoria não seria válida para todo mundo, mas apenas para certa parcela de gente ligada ao poder?
Sugismundos
A Mariazinha era bonitinha, mas não gostava de banho. A mãe a colocava no banheiro. A menina fechava a porta, abria o chuveiro, molhava um pouco o cabelo para disfarçar e saia do mesmo jeito que havia entrado. Cresceu assim. Sem asseio.
Nos meus tempos de faculdade morei numa república onde também residia um certo Valter, ótimo sujeito, exceto pelo fato de não ser afeito à limpeza. Em pleno verão, suores abundantes, o gajo não mudava a camisa preta. Rescendia suor. Ótimo papo, inteligente, leitor voraz, para conversar com ele o jeito era observar certa distância. Depois da faculdade nunca mais o vi. Conhecido comum me disse que o Valter mora em outro estado e enriqueceu. Bom pra ele. Agora quanto à higiene não sei dizer se melhorou.
No início dos anos 70 surgiu na televisão um boneco alcunhado Sugismundo. Esse tal era um porcalhão. Por onde passava aprontava, deixando lixo para todo lado. A intenção de quem produzia os vídeos com o Sugismundo era de, justamente, advertir as pessoas sobre a importância da higiene. Deu tudo errado. O terrível Sugismundo era muito simpático e caiu no gosto popular. A turma simplesmente adorava o Sugismundo razão pela qual foi tirado de circulação. Entretanto, reapareceu uns dois anos depois, na ocasião acompanhado de um filho que fazia tudo certinho. Mas, o erro estava consolidado.
Nem todas as pessoas são afeitas a cuidados higiênicos. Fui apresentado a um cara que é o Sugismundo em carne e osso. O tipo é realmente um desastre. Qualquer coisa que esteja nas mãos dele está fadada a terminar no chão. No sofá, vendo televisão, não se levanta para levar ao lixo a lata de refrigerante e o saquinho de batatas que acabou de consumir: atira-os ao chão. Sem falar no reboliço da cama onde dorme, no papel higiênico fora do recipiente etc. O cara é demais. Escandaliza o pessoal da limpeza.
Num país com escassez de redes de água e esgoto, no qual proliferam favelas e a desigualdade social é chocante, talvez seja demais exigir-se mais asseio das pessoas. Crianças crescem em lugares de esgoto a céu aberto, morando em casebres. Entretanto, campanhas de conscientização sobre o perigo de doenças e a possibilidade de epidemias são sempre benvindas. Agora mesmo a febre amarela, a dengue, a zika e a chikungunya estão em pauta em várias regiões do país, fazendo vítimas e exigindo cada vez mais empenho das autoridades sanitárias.