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Dia das mães
O bonde do meio-dia já tinha partido de modo que não havia mais como ver minha mãe no dia dela. Eu não fora. Simplesmente. Passara a manhã na dúvida. De um lado a namorada de quem não queria me separar. A namorada ali, perto de mim. Minha mãe distante. Teria sido pegar o bonde na estação de trens e seguir serra acima. Até desembarcar e pegar o ônibus que cumpria os últimos 4 km. Depois disso minha mãe estaria onde sempre esteve, no mesmo lugar onde ainda se encontra hoje, passados quase trinta anos de sua morte. Para mim mamãe nunca saiu daquela casa de esquina, do quarto ensolarado, da cozinha com fogão a lenha. Não importa que o tempo tenha passado. Nem importa que a casa de esquina já seja outra. Aquele lugar pertence a minha mãe, será dela enquanto o mundo for mundo. Ponto final.
Entretanto, havia um problema. Era dia das mães e eu tinha que ligar para a minha mãe. Desculpando-me. Mas, como telefonar se, àquela altura, ela já estaria esperando pelo ônibus do qual eu desceria e a abraçaria?
Pensei que o melhor seria ligar logo, evitar que ela esperasse em vão, evitar a decepção. Mas, e a coragem? Naquela época estávamos ainda distantes desse tempo de aparelhos celulares de cuja futura existência nem ao menos desconfiávamos. Restavam-me os orelhões da rua e as ligações a cobrar. Muitas vezes tirei o fone do gancho só para devolvê-lo ao seu lugar. Coragem. Até que me decidi, fiz a ligação. Meu irmão atendeu. Foi logo dizendo que a mãe estava esperando.
Na vez dela expliquei que não pudera ir. Ela ouviu em silêncio. Depois disse algumas coisas bem triviais. Despedimo-nos, afetuosamente. Ficou a voz dela. Não há dia das mães em que não a ouça de novo, perdoando-me pela ausência. Minha mãe fala comigo, ano após ano, pelo telefone. Já não tenho coragem de mentir. Tento dizer a ela que não fui porque estava com a namorada. Mas, é inútil. Minha mãe decerto me perdoa, mas mãe que é, conhece bem a verdade. E o filho.
O fim do mundo
A 13 de maio na Cova da Iria, no céu aparece a Virgem Maria…. A canção entoada por gerações de fiéis ao longo de décadas simboliza a fé no aparecimento de Nossa Senhora a três crianças portuguesas. No dia 13 de maio, na Cova da Iria, Nossa Senhora revelara-se aos três. Um mês depois confiaria a eles três segredos, os famosos Segredos de Fátima, interpretados por conceituados especialistas.
Na segunda metade do século passado o acirramento da bipolaridade política entre os EUA e a Rússia gerava a expectativa de iminente guerra nuclear. O homem conquistara o domínio do átomo e dispunha de armas suficientes para acabar com o mundo. Momentos delicados de confrontos entre as partes envolvidas causavam terror nas populações. Mas, como se sabe, o mundo não acabou.
Dos três segredos de Fátima, o terceiro estava por ser revelado antes do ano 2000. Sobre ele existiam muitas expectativas. Uma delas, muito corrente, era a de que o segredo seria de conhecimento apenas do Papa e relacionava-se à revelação sobre o fim do mundo. Esta hipótese contribuía para o reforço de teses milenaristas. Como ocorrera no ano 1000, a nova virada de milênio poderia coexistir com o fim da humanidade, castigada por Deus pelos seus erros e pecados.
Muitas vezes ouvi essa história de pessoas mais velhas que, assim me parecia, acreditavam nela. Falava-se sobre o terceiro segredo como sinal do fim dos tempos. O homem não estivera à altura da missão que lhe fora confiada pelo Criador. Chegaria o momento do apocalipse, do juízo final previsto nas escrituras.
Lucia escrevera o terceiro segredo, em 1944, por ordem do bispo de Leiria. A revelação pública deu-se em 2000. As crianças teriam visto um anjo, ao lado de Nossa Senhora, apontando uma espada de prata cujos raios, entretanto, eram bloqueados pela mão da Santa. O papa caminhava num mundo destruído em direção a algozes que o matariam. Entretanto, após a revelação, teóricos da Igreja esclareceram que de modo algum o contexto do segredo teria significado profético. Aliás, destacava-se a liberdade do homem sempre capaz de alterar o curso dos acontecimentos através de suas ações.
Amanhã, 13 de maio, comemora-se o centenário do grande acontecimento de Fátima. Estará no santuário o Papa Francisco e espera-se a presença de 500 mil fiéis. Quanto ao fim do mundo seguimos sem nada saber. Talvez esteja nas mãos de gente como Donald Trump ou daquele tal Kin Jong-um, o imperador da Coréia do Norte.
Ainda ela
Sim, a morte. Não ia falar sobre ela, mas…. Não é que se apresentou de novo? Sem avisar. Inesperadamente. Sorrateira como sempre. Como sempre não se fez anunciar. Sem pródromos. Assim, num piscar de olhos, certeira, roubou mais uma vida. Talvez ela tenha prazer nisso. Aprecia instalar a desordem, desconstruir. Deixar atônitos os que presenciam seu ato. Intimidá-los. Avisar a cada um que talvez seja ele o próximo. Rir a cambalhotas, olhando os que choram em torno do caixão. Futuros pendentes. Mais hora, menos hora, virá buscá-los. Um a um.
Desta vez foi uma velha conhecida a quem eu não via a algum tempo. Semana passada fez contato. Estava bem, apesar da idade. Uma dorzinha na perna esquerda, quem sabe a coluna, quem sabe a necessidade de trocar o colchão. Falamos sobre noites mal dormidas, travesseiros altos, preocupações disparatadas que nos agoniam justamente nas madrugadas. Ensaiamos iniciar conversa sobre os filhos, mas depressa desistimos. Por onde andarão esses que se alongaram de nós? Em que mundos estarão metidos? Eles que agora nos olham como pessoas de ontem. Ultrapassadas? Não é que de tempos para cá as crias têm-se revelado mais pacienciosas com a gente? Imagine que me pegam pelo braço toda vez que entro e saio do carro - disse a amiga.
Ninguém sabe. A amiga não sabia. Talvez enquanto falasse ao telefone comigo a morte a espreitasse. Talvez a morte tenha uma agenda com datas, horários. Para ela não contam os interesses daqueles que levará. Se a amiga precisasse de mais um dia, só mais um dia, para terminar algo essencial, então não se poderia conceder a ela o benefício de algumas simples horas?
Estive no velório. Observei a face emudecida da amiga. Recordei as últimas palavras que trocamos. Não derramei lágrimas. Abracei o viúvo inconsolável. Estava junto ao caixão quando pressenti que a morte estaria bem ali a observar-nos. Afinal, quem entre nós seria sua próxima vítima?
Chega o dia
Não adianta: todo mundo morre. Hoje mesmo noticia-se que o ator e diretor Nelson Xavier faleceu. Vitimou-o o câncer aos 75 anos. Ficam suas interpretações como Lampião, Chico Xavier e tantas outras. Mas, foi-se.
A morte sempre à espreita. Damos-lhe as costas. Não nos interessa. Nada a tratar com ela. Que circule por aí, levando gente, mas o mais longe possível de nós. Afinal, quem a quererá por perto?
Converso com uma senhora de 85 anos de idade. Reclama que as pernas não têm força e mesmo com o andador a locomoção está difícil. Já caiu algumas vezes e deu sorte por não ter quebrado nada. Além do que a memória já não é mais aquela. Os esquecimentos acontecem cada vez mais a ponto de não reconhecer certas pessoas. Mas, se eu a conhecia tão bem?
Outro dia a senhora me disse não conhecer pessoa com quem gostaria de se encontrar. Disse-lhe que na verdade a tal pessoa era sua conhecida e ela protestou: nunca pusera os olhos naquela mulher. Pois. Acabei mostrando foto da tal mulher abraçada com a senhora. Ela rendeu-se à evidência. Acreditava em mim, não seria fotomontagem. Ainda assim não se lembrava da mulher.
Na conversa citei o fato de que nos EUA estão testando um derivado da maconha com resultados benéficos para a reativação de memória em idosos. Mal ouviu a senhora protestou: maconha de jeito nenhum, é contra a minha formação. Em vão falei sobre a maconha medicinal. Ela resistiu. Além do que a droga ainda nem foi aprovada e não existe no comércio.
O que a senhora não admite é que, para ela, o cerco da morte pesa cada vez mais. Ela diz que pouco se importa com o momento em que deixará o mundo. Pede apenas para não sofrer. Acredita em Deus e a Ele pertence não só sua vida como o momento de deixá-la. Entretanto, embora negue, a senhora agarra-se à vida. Depois da morte, o insondável. Quem não se preocuparia?
Vejo a senhora em seu andador, distanciando-se. Morosa. Certa de que o relógio do tempo trabalha contra ela, cada vez mais agressivamente. Sua hora haverá de chegar. Não há como evitar a aproximação do fim do túnel, o escuro..
Tenho vontade de dizer a ela: todo mundo morre. Mas, me calo.
O depoimento
Amanhã será o grande dia. Finalmente, o ex-presidente estará frente a frente com o juiz da Lava Jato. Lula x Moro. O encontro a ser realizado em Curitiba é tratado como luta de boxe. O comparecimento do homem sobre quem pesam muitas acusações estimula a bipolaridade instalada no país. De um lado acusações contundentes feitas por alguns delatores. De outro o acusado que se coloca na condição de perseguido.
A muita gente parece pouco importar a verdade. Com custo a Justiça do Paraná tenta evitar aglomerações humanas que poderão descambar para batalha campal. Estão proibidas manifestações. Moro declara que o depoimento não é guerra. Gente grita dos dois lados.
Mas, no vai dar tudo isso? O país mergulhado na mais profunda recessão, com 14 milhões de desempregados, economia dando sinais ainda fracos de recuperação. Não seria hora de haver um pouquinho de bom-senso e união para sairmos da crise?
Dias atrás assisti, de novo, ao filme “São Paulo S/A” do cineasta Luís Sergio Person. A trama se passa na virada dos anos 50 para os 60 do século passado. No governo JK floresce a indústria automobilística. Retrato sensível da época o filme retrata a industrialização de São Paulo na qual Carlos, vivido por Walmor Chagas, veste a carapuça de homem perdido diante das transformações sociais. Ele é o homem que virou suco. Na cidade imersa na onda desenvolvimentista destaca-se a existência de uma classe média que enriquece, obtendo empréstimos públicos, sonegando impostos, enfim usando e abusando da corrupção. É o capitalismo que se impõe, fazendo das pessoas nada mais que mercadorias.
Exemplo de empresário é o italiano Arturo, vivido por Otelo Zeloni, com quem Carlos se associa. Estão no ramo de autopeças, indústria que cresce à margem da produção de automóveis. Arturo enriquece com a corrupção: sonega impostos, suborna fiscais, enfim faz uso de toda a maquinaria disponível para sair-se bem custe o que custar.
Passados 70 anos do filme de Person a corrupção acusada por ele agigantou-se. Faz-nos pensar numa falha de caráter de proporções endêmicas calcada numa danosa hierarquia de interesses: em primeiro plano os pessoais, abaixo deles os coletivos e de Estado.
Talvez por isso o depoimento de Lula amanhã desperte tanto interesse e apreensão. O país precisa lavar a roupa suja e, mais que nunca, conhecer a verdade. Mais cinquenta ou cem anos de inconsequências seriam inaceitáveis.
O tal espelhinho
As mulheres se entreolham indignadas: como cuidar dos pequenos nesse mundo perdido? Olhe que encontrei minha filha de 9 anos visitando um site erótico. Oh…. exclamam as amigas. Uma delas se levanta e, empertigada, avisa que já notificou o marido de que vai cortar a internet em casa. A amiga a contesta: não adianta porque podem usar a internet na rua, na escola, dos amigos e assim por diante. Não demora para que se instale o consenso sobre uma época sem educação e regras. O mundo não é mais o mesmo. Imagine nos meus tempos de menina meus pais tivessem me encontrado olhando cenas eróticas: eles me matariam.
A conversa se passa na sala da casa de uma das amigas. As mulheres junto ao sofá, os maridos à distância, em torno da mesa, bebericando. Ouvem em silêncio. Vez ou outra um deles torce a cara ao ouvir alguma opinião. Outro, mais velho, apenas sorri. Paira no ar um “não se pode beber em paz” que ninguém tem coragem de dizer.
Entretanto, a tantas, um deles se levanta e segue em direção às mulheres. Entre os que ficam á mesa surge o clima de “o que ele vai fazer?”. Mas, o que se levantou aproxima-se das mulheres e fica em pé, sem dizer nada. Elas o olham com curiosidade. Segue-se aquele minuto que parece durar uma eternidade. Depois, serenamente, o tal diz:
- Quando menino de 9 anos de idade eu jogava espelhinho no chão para ver o que tinha debaixo da saia das meninas.
- Oh….
No rosto das mulheres estampada a desolação. E ele continua:
- Senhoras, a curiosidade impera. Cortem a internet, tranque-os num quarto sem TV, rádio, computador, celular, revistas, jornais e continuarão a ser o que são: humanos. E curiosos.
Uma das mulheres ameaça protestar, mas desiste.
O homem que já se afasta para a meio caminho, volta-se e completa:
- Claro que temos que cuidar e velar por eles. Censurar a internet se possível. Mas, não se esqueçam de que são crianças. Repito: curiosos, muito curiosos. Humanos. O mundo os espera.
Cronistas esportivos
Está na internet uma relação de jornalistas cujos comentários despertaram a ira de seus ouvintes. Quase todos eles comentaristas de futebol. É preciso muito cuidado com o palavreado. Dizer o que se pensa pode acabar em embrulho. Mexer com a paixão de torcedores, técnicos, jogadores, dirigentes, enfim toda a gente ligada ao esporte das multidões, nem sempre dá certo.
Hoje em dia a televisão permite ao espectador tirar suas próprias conclusões a respeito dos lances em gramado. Câmeras muito bem localizadas permitem a visualização de detalhes antes inimagináveis aos espectores. Mas, nem sempre foi assim.
Futebol no Brasil tinha somente dois modos para ser acompanhado: assistir a jogos nos estádios ou ouvir a narração das partidas pelo rádio. Nesse último caso ficava-se à mercê de narradores e comentaristas de cujas interpretações dependiam as impressões e opiniões dos torcedores.
Exemplo disso é o caso da famosa partida da seleção brasileira contra a Hungria na Copa de 1954. Na época tinha a Hungria formidável seleção na qual brilhava o meia Puskas. No jogo o Brasil foi derrotado por 4 a 2. Entretanto, narradores brasileiros atribuíram a derrota a erros do árbitro da partida um tal Mr. Ellis. Daí por diante esse Mr. Ellis passou a ser sinônimo de ladrão no país. A expressão “dar uma de Mr. Ellis” significava agir como larápio. Vale dizer que mais tarde a atuação de Mr. Ellis passou a ser entendida com menos paixão. Perdêramos na bola, embora a excelente plêiade de jogadores que enfrentaram a Hungria.
Nos anos 50 do século passado reinavam no rádio paulista locutores como Pedro Luís e Edson Leite, além de excelentes comentaristas como o famoso Mário de Morais. Um comentarista bastante polêmico era Geraldo Bretas conhecido por não ter papas na língua. A Bretas aconteceu criticar duramente o escrete de 1958 que disputaria a Copa na Suécia. Bretas não acreditava no time e deixava isso muito claro. Entretanto, aconteceu de o Brasil sagrar-se campeão do mundo na Copa em que o jovem Pelé surgiria para o mundo.
Fato é que os torcedores não perdoaram Bretas: houve um jogo no Pacaembu no qual por pouco o comentarista não foi agredido pela massa de torcedores.
Dias atrás o atual técnico do Corinthians irritou-se e meteu a boca na imprensa esportiva, em especial num jornalista que o tinha classificado como “maleável”. O fato deu pano pra mangas e ainda é comentado por aí.
Gente boa essa do rádio e TV com a qual dividimos as nossas paixões pelo esporte. Não há como deixar de ouvir narrações e comentários que nos fazem refletir sobre os jogos a que assistimos.
Vergonha de ser brasileiro
Aumenta o número de pessoas que afirmam ter vergonha de ser brasileiros. Pesquisa recente do Instituto Datafolha aponta que 34% dos entrevistados dizem ter vergonha de ser brasileiros.
Verdade que os tempos são ruins, mas ter vergonha da própria nacionalidade?
Pois é. Muita gente fala em deixar o país tamanho o descrédito reinante. São raras, raríssimas, as boas notícias. Desvios, propinas e alta criminalidade dão o tom aos dias em que vivemos. Noticiários veiculados nos meios de comunicação têm sempre o mesmo conteúdo. E, cá entre nós, apesar de sermos mais que favoráveis ao processo em andamento, dá para continuar ouvindo sobre os desdobramentos da Operação Lava-Jato? Não esgota ser informado sobre os desdobramentos da investigação da ladroagem e as negativas dos nelas envolvidos? Constata-se o crime, mas os criminosos alegam que de nada sabiam. A todo santo dia a ladainha se repete na tentativa de formatar cabeças a acreditar que tudo isso não passa de uma louca história inventada, produto de imaginação (alucinação) coletiva.
De que brasileiros nem sempre são bem-vistos no exterior não existem dúvidas. Sempre foi assim. Agora, com a imagem do país comprometida, as coisas só tendem a piorar. Ao país do futebol e carnaval acrescenta-se a nódoa da corrupção orgânica e generalizada. Ainda assim, vergonha do próprio país?
Penso que em muito contribui para o sentimento negativo o descuido com o cultivo da nacionalidade. Em outros países a história é reverenciada, personagens de destaque sempre lembrados, nas escolas, no cinema, na literatura. Aqui não se venera o passado. A corte portuguesa que aqui aportou em 1808 na maioria das vezes é achincalhada. D. João VI é retratado como um grande panaca. D. Pedro I não passa de um mulherengo; D. Pedro II um sujeito esclarecido, mas inapto para governar.
Não temos amor ao passado e muita gente pergunta se o melhor não teria sido os holandeses terem derrotado os portugueses e colonizado o Brasil. Afinal, Mauricio de Nassau revelou-se um excelente administrador no Recife, não foi? E por que não os franceses que estiveram no Rio de Janeiro?
Bobagens de parte me pergunto como andam as pessoas em relação à letra do Hino Nacional. Todo mundo sabe cantar o Hino? E aquelas cores e símbolos da nossa bandeira, todo mundo sabe o que significam? E quanto a essas datas nas quais se celebram fatos históricos?
O fato é que este é um grande país e não só no tamanho. Aos trancos e barrancos sobrevive isso a despeito dos desgovernos a que é submetido. Tão forte é que resiste às quadrilhas que se intrometem no poder e usam recursos públicos em benefício próprio. Terra boa essa na qual somos favorecidos por climas amenos e incontáveis belezas naturais.
O Brasil é muito grande para que tenhamos vergonha de nossa nacionalidade. Os 34% que dizem se envergonhar de ser brasileiros certamente passam pela anestesia provocada pelo descaso e má fé dos que têm cuidado dos destinos do país.
O Brasil precisa ser mais amado pelos brasileiros, essa a única solução para os problemas que enfrentamos.
Não existem respostas
Aos 80 anos, a maioria deles dedicados à doutrinação e ajuda aos semelhantes, o velho cristão inquieta-se com a proximidade da morte. Em vão busca nos evangelhos respostas para sua crise existencial. Afinal, o que o espera após cerrar os olhos? O esperado encontro com Deus de fato acontecerá?
Não é o caso de suspeitar-se de que a fé do cristão vacile. De modo algum. Mantem-se aferrado aos dogmas e à doutrina que o fez ser o homem que é. Conhece a fundo a alma dos fiéis com os quais labutou vida afora. Ensinou e propagou a fé cristã tantas vezes até mesmo em situações adversas. Socorreu a muitos e esteve ao lado de moribundos até o momento final. Mas, que pensar agora que a sua vez que se aproxima? Como será o momento em que tudo o que ele acredita será colocado à prova?
Conheço o velho cristão há muito tempo. Homem bom e sério não creio que vacile em sua fé. De tempos para cá a saúde tem-lhe pregado peças. O médico advertiu-o sobre os problemas do coração que já não suporta a carga de sustentar o organismo. Percebe-se no cristão, às vezes, alguma dificuldade respiratória. Ainda assim, permanece lúcido e confiante. Mas, pressente que a morte o espreita e isso o incomoda.
Converso com o velho cristão. Trocamos ideias e falamos sobre a vida. Ele destaca o avanço da idade e a saúde precária. A certa altura deixa escapar a preocupação com o destino de sua alma após a morte. Merecerá ele o céu? Terão seus pecados mais peso que suas virtudes? Como será o julgamento final de seus atos?
Pergunto ao cristão se em seus questionamentos não se inclui o da possibilidade de a morte ser o fim, nada existindo depois. Ele me olha com aspecto de desolação. A hipótese remota de a morte encerrar tudo é inaceitável.
É um fim de tarde na grande casa, antigo colégio, onde o velho cristão convive com outros idosos para viver seus últimos anos. Ao fim de minha visita abraçamo-nos. Tenho vontade de dizer a ele sobre a inutilidade das perguntas que o atormentam. Mas, me calo. De nada valeria afirmar que não existem respostas.
A despedida da velha senhora
Uma senhora de família próxima está mal. Internada após cirurgia no intestino sofre as consequências da infecção hospitalar. O quadro é gravíssimo. Debalde a antibioticoterapia: não se conseguem respostas ao tratamento. Aos 82 anos de idade anuncia-se a despedida da velha senhora.
Entretanto…. Entretanto, aqueles que a amam não querem perdê-la. A ausência da velha senhora será dolorosa demais. Inquestionável qualquer medida no sentido de abreviar o sofrimento dela. Enquanto existe vida há que se lutar - diz o filho mais velho. Mas, se ela está sofrendo tanto…. Não seria melhor se….
Não existe acordo quando o que está em jogo é o amor. E se pedíssemos aos médicos para apenas deixarem que ela morra em paz, sem sofrimento? - pergunta a irmã mais nova.
Enquanto nada se decide vida e morte vão ajeitando as coisas a seu modo. No leito da CTI o corpo esquálido resiste, talvez por simples hábito. A máquina humana recusa-se a se desligar, o imperativo de continuar respirando está sempre em primeiro lugar. Aos trancos e barrancos o coração impulsiona o sangue para distantes regiões desse corpo que já foi forte. À distância, através do vidro de separação, os olhos do filho mais velho vigiam. Aquela que o trouxe ao mundo, a mulher pela qual daria tudo, está-lhe escapando. Prepara-se para a derradeira viagem. Mas, não existiriam os milagres? Não seria possível que de repente….
Acompanho esse drama de perto. Penso que para a velha senhora o melhor seria simplesmente morrer. Para que seguir sofrendo quando nenhuma esperança mais existe? Mas, não ouso dizer isso a ninguém. No corredor do hospital cumprimento parentes consternados, balbuciando palavras de consolo.
Saio do hospital pensando sobre a morosidade da morte.