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No mundo dos nudes

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Meu celular é impróprio para menores. Não dá para manuseá-lo impunemente. Antes de entrar no WhatsApp é preciso olhar ao redor para ver se não tem ninguém xeretando.

Parece coisa de loucos. Estou virando especialista em mulheres peladas. A essa altura talvez pudesse participar como jurado de concursos de mulheres nuas. Estranho não? O diabo é que é inevitável. Faço parte de grupos de pessoas amigas e seria no mínimo deselegante sair deles. Confesso que nunca escrevi uma só palavra nos grupos. Recebo mensagens e isso é tudo.

Acontece que alguns membros dos grupos adoram enviar fotos eróticas. Mulher pelada torna-se coisa banal no dia-a-dia. Nas fotos aparecem exibindo suas qualidades físicas em várias posições. Moças atraentes de corpos perfeitos, dessas que ninguém deixaria de dar uma espiada só para conferir. Nuazinhas da silva.

O interessante é que nos grupos existem muitas mulheres. Que eu saiba elas nunca protestaram. Vez ou outra alguma delas dá um grunhido. Não passa disso. Atenção: grunhidos em mensagens aparecem na forma de emoticons com cara de infelizes.

O pior é quando uma criança da família pega o celular para caçar pokémons. Essa febre de pokémons está mesmo demorando para passar. O problema começa quando a criança acessa ao acaso as mensagens e dá de cara com os tais nudes.

Minha mulher pergunta porque não saio dos grupos. Respondo que não posso. A segunda pergunta: então por que você olha as fotos? Não tenho resposta. Então ela conclui: você deve gostar de ver os nudes. Não adianta dizer que não, explicar que aquilo cansa.

Mulheres nuas sempre serão atração enquanto o mundo for mundo. A Playboy tinha desistido de publicar fotos de nudes. Na ocasião o fundador da revista, Hugh Hefner, declarou que publicar as fotos perdera o sentido dado que mulher pelada pode ser vista pela internet.

Agora o filho de Hefner acaba de declarar que a revista voltará às origens: a Playboy é revista de mulher pelada e ponto final, daí que voltará a ser.

Enquanto isso o globo terrestre continua em sua rotina de rotações e translações, indiferente a essa bagunceira. Sabe que os seres que abriga são de fato incorrigíveis e talvez se divirta com isso.

Torturas

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O livro “1984” de George Orwell está em voga nos EUA. A vitória de Donald Trump despertou o interesse dos americanos do norte sobre o texto de Orwell. Seria Trump um novo Grande Irmão? Não parece que a sociedade norte-americana possa mudar radicalmente permitindo a instalação de um regime totalitário em seu país. Trump já tem experimentado forte oposição. Seus decretos esbarram em barreiras legais. De fato, governar não parece ser tão simples como comandar um programa de TV.

No livro de Orwell a liberdade inexiste. Nada se passa sem que os olhos do Grande Irmão tenham conhecimento. Teletelas reproduzem o cotidiano dos cidadãos sempre vigiados. Mas, o personagem principal, Winston Smith, passa a se encontrar clandestinamente com uma moça por quem se apaixona. Winston trabalha no Ministério da Verdade onde tem a função de falsificar documentos. Winston detesta o sistema daí burlá-lo. Até que é denunciado, surpreendido em seu recanto amoroso em companha da amante e preso.

A tortura de Winston se dá por ele não concordar com o sistema o que é inaceitável. Longamente interrogado chega o momento em que passa a ser torturado. A tortura consiste em ficar numa sala na qual existe a pior coisa do mundo. Mas, o que é pior coisa do mundo?

A pior coisa do mundo é algo individual. Consiste de alguma coisa que para cada pessoa é insuportável. No caso de Winston a pior coisa do mundo é o contato com ratos. Colocar ratos famintos perto da face, embora separados por uma grade, consiste no que de pior existe para o recluso de “1984”.

Torturas acontecem até hoje. Afogamentos, asfixia, choques elétricos, espancamentos, privação do sono, estrupo e outros meios são usados acusam o novo governo dos EUA de ser favorável à tortura. Em todo o mundo pessoas são torturadas e mortas. Quanto aos torturadores permanece a impunidade.

Escrito por Ayrton Marcondes

14 fevereiro, 2017 às 2:29 pm

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Gente famosa

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Estávamos em NY e entramos numa loja que naquela época não havia por aqui. Enquanto minha mulher olhava as roupas deixei-me ficar deslumbrado diante da beleza de Gisele Bundchen. Nas paredes da loja tinham sido colocadas fotos da modelo. Não havia como evita-las: em todos os cantos, de qualquer ângulo em que se estivesse dava-se com o rosto da bela modelo.

Era o ano 2000. Até então eu jamais havia prestado atenção na brasileira que conquistara o mundo. De lá para cá Gisele tem roubado nossas atenções. A presença dela, atravessando o gramado do Maracanã na abertura das Olimpíadas, é inesquecível. Beleza, elegância, enfim tudo o que se pode esperar de uma extraordinária modelo top. Realmente a moça enchia os nossos olhos.

Mas, uma pessoa como Gisele Bundchen encontraria nesse mundo de Deus um homem a quem não fizesse sombra? Não é que ela se casou com o quarterback Tom Brady, dos Patriots? Acontece que Brady não é apenas “o marido” de Gisele. O cara é um jogador fenomenal, detentor de grandes feitos em seu esporte. Ontem Brady e sua equipe operaram o milagre de virar um placar de dez pontos negativos na grande final do Super Bowl. Era de se ver a festa de Brady e Gisele após a grande vitória.

Mas, por que nos interessaria a vida e feitos de gente famosa? Por que acompanhar notícias de ídolos do esporte, personalidades do show bis e tantos outros expoentes em suas áreas de atuação?

Razões existem e muitas. Talvez porque essas pessoas representem o que de melhor se espera do gênero humano enquanto profissionais atuantes. Além do que amenizam a rotina de um dia-a-dia tão repetitivo e carente de emoções. Não é por acaso que nos interessa saber o que se passa com Pelé embora ele tenha parado de jogar há tanto tempo. Amamos nossos ídolos, identificamo-nos com eles. Fazem parte de nossos sonhos e aspirações. Mohamed Ali nocauteando Joe Frazier, alcançando vitória quase inacreditável traz-nos a imagem de que o homem tudo pode. E que dizer dos astronautas que pisaram na Lua pela primeira vez, rompendo a barreira do espaço até então considerada difícil de vencer, senão impossível? Quanta emoção. Éramos nós que chegáramos ao satélite querido. Enviáramos um representante da espécie ao espaço.

Os famosos, os ícones de cada época funcionam como estandartes seguidos pelas multidões. Além das tramas dos filmes o cinema nos oferece os atores com os quais nos identificamos. Marylin Monroe permanecerá um mito enquanto o mundo for mundo. Marlon Brando viverá para sempre nas memórias dos que o viram nas telas. E assim por diante.

Há quem sinta arrepios ao se falar sobre gente famosa. O diabo é o exagero. As revistas de fofocas são de fato insuportáveis. Mas que fazer se precisamos de ídolos?

O 2013FK

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Um juiz dos EUA suspende o decreto do presidente Donald Trump que impede a entrada de pessoas de 7 países muçulmanos. Antes da ação do juiz protestos aconteceram contra a determinação do presidente. Aliás, Trump preocupa o mundo ao se mostrar indiferente ao que acontece fora dos EUA. “América forte” é o lema do novo presidente que ameaça invadir o México, desestabilizar o equilíbrio europeu, cutucar a China e assim por diante. Especialistas dizem que Trump poderá levar seu país à guerra. De todo modo líderes políticos em todo o mundo mostram-se preocupados. O lamentável telefonema de Trump ao ministro australiano tem sido apontado como mostra da arrogância do presidente e grande erro. A Austrália tem sido importante parceiro dos RUA e Trump nem mesmo levou isso em conta.

Enquanto isso e indiferente ao que acontece entre nós, passa ao largo da Terra o 2013FK. Trata-se de um enorme asteroide - 94 metros de diâmetro - que ao passar por nós estará a uma distância de 2,7 milhões de quilômetros de nosso planeta. Distância segura, portanto, não havendo risco de colisão.

Não é demais lembrar-se de que há 65 milhões de anos uma enorme colisão de corpo celeste com a Terra encerrou o período cretáceo e determinou grande mortandade e seres vivos. Foi o fim da era dos grandes dinossauros, tendo a Terra ficado sob imensa nuvem de poeira que dificultava a passagem de raios solares.

Diante de evento de tal magnitude, frequentemente esquecido, é de se perguntar sobre a existência do homem na Terra. Chama atenção a precariedade de nossa situação, habitantes de um pequeno planeta sujeito às condições nem sempre favoráveis do universo.

A passagem do 2013FK bem que poderia servir como sinal não só da precariedade do planeta que habitamos como da brevidade da vida. Talvez a consideração da pequenez do homem diante da magnitude do universo servisse a reflexões sobre a necessidade de paz entre os povos e preservação de interesses comuns.

Mas, infelizmente, não parece ser essa a natureza do homem. Fortalecidos por suas conquistas e detentores de poderes conferidos por seus pares governantes agem tantas vezes perigosamente. O passado e os percalços vividos ao longo da história humana não são levados em conta. Avança-se em terreno minado sem que isso sirva de advertência.

Família Real

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Estávamos na décima garrafa de cerveja e bateu na turma o momento de falta de assunto. Já tínhamos esgotado o futebol, as mulheres e a política. Íamos pedir a décima primeira quando o Haroldo se saiu com essa: não gosto da Inglaterra, o país ainda tem rainha, nem votam para presidente.

Olhamos para o cara, boquiabertos. De ondes fora tirar aquela máxima, naquela hora, naquele lugar? Efeito da cerveja? Bebera mais que a gente?

Ninguém contestou. A bobagem era grande demais para merecer discussão. Vieram a décima primeira e outras tantas até o fechamento da conta. Mas, vai-se saber como funciona o cérebro: arquivei na memória as palavras do Haroldo e vez ou outra me lembro delas.

Anos mais tarde estive no meio da multidão, diante do Palácio de Buckingham, para assistir à troca da guarda. Vendo o palácio pensei que naquele lugar morara e dali reinara a Rainha Vitória no século XIX. Enfim, em Westminster respirava-se tradição e explicava-se a devoção dos ingleses em relação à família real.

Obviamente, esse sentimento é estranho para nós. Desde meninos ouvimos nas escolas sobre o bonachão D. João VI, o mulherengo D. Pedro I, e D. Pedro II pouco afeito ao cargo de imperador. Filmes sobre a nossa história de modo algum valorizam a família real portuguesa que reinou no Brasil. Entretanto, historiadores de renome destacam o êxito dos 50 anos em que Pedro II esteve à frente do governo do país. Além do que o regime monárquico ainda hoje é tido por alguns como a melhor solução para a gerência dos negócios do Brasil.

Enquanto isso na Inglaterra o príncipe George rouba cenas levado por seus pais em viagens ao exterior. George tem 3 anos de idade e figura em terceiro lugar na linha sucessória ao trono. Sendo a monarquia duradoura entre os ingleses no futuro George será rei. Consta da tradição inglesa a proclamação: “o Rei está morto; viva o Rei”. Um dia o “Viva o Rei” soará para George.

Aposentados

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Não via o Juarez há não sei quantos anos. Apareceu de repente, sem avisar, bem de seu jeito de ser. Socialista de carteirinha hoje em dia tem suas paixões políticas amenizadas, fruto da idade, talvez. O tempo ameniza arroubos. Certa manhã acorda-se e compreende-se que já passou a hora de sacar a espada para desafiar o mundo.

Conversamos longamente. O Juarez tem emprego público e conta nos dedos o tempo que falta para a aposentadoria. Espera chegar a recebê-la, mas teme as maldades anunciadas pelo governo. O Estado brasileiro está quebrado, as contas não fecham. Pior para os aposentados.

Em 1986, um ano depois do retorno de governos democráticos, frequentei reuniões de um pessoal de esquerda. Na verdade, andava meio perdido naquela época e um amigo sempre me convidava às reuniões a pretexto de preencher o tempo. Os encontros aconteciam uma vez em cada mês num restaurante. O problema era ter que assinar uma lista de presença na qual figuravam esquerdistas conhecidos. Menos de um ano nos separava do regime ditatorial com suas prisões e torturas em quem pensava diferente do código vigente. Eu temia por uma reviravolta com os militares de novo no poder. Então, fazer parte de uma lista daquelas…

Certa ocasião fez palestra num desses encontros conhecido economista, mais tarde ministro de governo federal. Chegara ele há pouco da Europa onde participara de reuniões sobre sistemas previdenciários. Explicou-nos que o sistema em uso no país resultaria em falência. Na exposição do economista não faltaram dados, gráficos e projeções sobre um futuro alarmante. Ficava claro que o Estado chegaria à situação em que hoje nos encontramos.

Disse isso ao Juarez. Conclui afirmando que chegou-se ao estado atual por descaso de governos que não peitaram de frente um problema que se agrava ao longo dos anos. Enfim, restaram as maldades.

O Juarez ouviu a minha arenga e disse que, entretanto, se sentia injustiçado. Lembrou-me de que só os de baixo pagam a conta no país. Algumas categorias têm mantido seus privilégios. Mais: muita gente recebe valores acima do teto previsto em lei. Que se apliquem as tais maldades, mas para todo mundo - completou.

Nos últimos tempos muita gente tem corrido ai INSS para acertar as aposentadorias, antes que a legislação venha a ser mudada. O corre-corre se justifica: não se confia nos homens públicos, os desvios de somas astronômicas de dinheiro prosseguem e categorias com privilégios permanecem intocáveis.

Se governos tivessem agido em prol do interesse comum… Mas isso já é outra história.

Novos tempos

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Ouvi de entrevistado na TV que os tempos atuais são incompreensíveis. Disse ele que vivemos período em que todos estão contra todos. Paciência, solidariedade, generosidade e outros atributos estão em queda. É o salve-se quem puder.

De crise em crise vai-se sobrevivendo. Mas, até o relógio do mundo foi adiantado. Estaríamos perto do fim de tudo. Numa situação em que o entendimento entre os homens torna-se escasso tudo parece possível. Inclusive o apocalipse.

O mundo que conhecemos já esteve em situações de perigo. A crise dos mísseis na década de 1960, governo John Kennedy, sempre é citada como ponto fora da curva. Americanos e russos estiveram a um passo de acionar seus arsenais nucleares. Felizmente não o fizeram. Mas, as armas ainda existem apesar de acordos de não proliferação das mesmas. São como aquela faca do conto de Borges, usada para matar no passado, mas que aguarda dentro de uma gaveta por novo momento de ação.

Trump é o novo presidente dos EUA e o mundo treme diante de sua arrogância. Quer humilhar o México, desfazer acordos, bloquear fronteiras, impedir a entrada de imigrantes, etc. Adepto do nacionalismo parece pouco se importar com os reflexos de seus decretos. O que importa é a América, América forte.

Espalha-se por aí uma onda de desassossego. De repente extrai-se do baralho uma carta inesperada. Trump pode ser o cavaleiro do apocalipse. Instala-se na Casa Branca com poder de movimentar o mundo a seu modo perigoso de agir. Ressuscita nos “estrangeiros” o velho antiamericanismo. Quem não se lembra de nosso sentimento de revolta em relação aos norte-americanos pelas interferências nos países sul-americanos? E dos governos militares em nosso continente fomentados pela política externa dos EUA?

Pois. Com o retorno da democracia fomos nos habituando às marchas e contramarchas do capitalismo. Os americanos do norte foram institivamente meio que perdoados, suas intervenções amenizadas nas memórias. Agora as ações do novo presidente dos EUA perigam ressuscitar adormecidas broncas em relação aos EUA.  Entretanto, ao que parece grande parte dos irmãos do norte não estão nem aí para isso.

Um homem feio

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O sujeito mais feio que já tínhamos visto era um tipo alto, barriguinha já pronunciada, feio pra mais de metro. Certo dia descera da jardineira que fazia o transporte de passageiros da estação de bondes até o lugarejo onde morávamos. Não demorou para que as pessoas passassem a comentar sobre a feiura do gajo, coisa de arrepiar. Mesmo as moçoilas já passadas da idade comum para casamentos não se entusiasmaram com a novidade. Casar-se com um tipo assim nem pensar.

O feioso era cunhado do Juca. Viera passar uns dias na casa da irmã, isso era tudo o que se sabia. Mas, havia que se esclarecer a razão de tanta feiura. Espalhou-se então que o gajo sofrera uma congestão. Fora tomar banho depois de comer muito e “virara a boca”. Foi desse modo que passou a ser conhecido como “o boca virada”.

Cresci com medo de banhos após as refeições. Temia a congestão e suas consequências. Creio que até os dias atuais a crença do perigo de banhos após refeições prevaleça. Mas, tem ela algum sentido?

De fato, não convém fazer exercícios após refeições copiosas. No momento da digestão o estômago sequestra bastante sangue para o seu funcionamento. Atividades físicas exigem trabalho muscular e deslocamento de sangue para os músculos. Com isso a digestão pode ser comprometida, daí a sensação de mal-estar ou até consequências mais sérias para o organismo. Portanto, não se recomenda a natação após refeições. Ficar parado dentro das águas de uma piscina não tem problema. Nadar não: recomenda-se a espera de pelo menos duas horas para a realização de exercícios mais intensos. Quanto a banhos não consta que ofereçam perigo.

Gostaria muito de ver uma foto do “boca virada” para me certificar se ele era realmente tão feio. Naquela época ele nos parecia horrível. Ainda meninos não estávamos habituados à visão de semblantes incomuns. Anos de estrada puseram-me à frente todo tipo de gente de modo que deixei para trás as estranhezas dos tempos de menino.

Mas, não posso deixar de dizer que o cunhado do Juca era um muito bom sujeito. Extremamente educado, muito cortes, diferenciava-se pelo bom trato que conferia às pessoas. Desde muito habituara-se a olhares que mediam sua feiura. Aliás, não dava sinais de se incomodar com a opinião alheia. Era o que era e apresentava-se como ser humano muito bem resolvido.

Sonhos

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Estava numa floresta, correndo. Vi-me nu no meio de um matagal por onde passavam animais estranhos, muitos deles enormes. Mas, o corpo não era o meu. Não imagino como seria meu rosto. Confortava-me conhecer - e bem - o lugar. Eu pertencia àquele mundo.

Entretanto, meu raciocínio era o que tenho hoje. Reconheci que fora transportado a um tempo anterior ao início da civilização humana. Aquele seria um estágio no qual o Homo sapiens estaria em seus primórdios

As situações de perigo eram permanentes. Seres dos mais diversos, hoje inexistentes, espreitavam-se, atacavam-se. O vale tudo por alimentos era a regra num ambiente hostil.

De repente surgiu perto de mim um animal grande e feroz. Seria eu uma presa fácil para ele. Sem pestanejar saí a correr com minhas pernas poderosas e pés habituados ao solo pedregoso e íngreme.

Aproximava-me de uma gruta onde poderia me safar do perseguidor quando fui alcançado. No momento em que senti os dentes dele cravarem na minha pele gritei - na verdade grunhi – e tudo desapareceu.

Acordei sentado em minha cama, suando muito e ainda sob a impressão daquele animal medonho que me perseguira. Pela minha memória passaram imagens de filmes ambientados em passado remoto, mas nenhum deles com características semelhantes aos lugares que vi no sonho.

Para Freud o conteúdo dos sonhos relaciona-se com realização dos desejos. Para o pai da psicanálise o conteúdo manifesto dos sonhos são os elementos dele que nos lembramos após acordar. Esse conteúdo manifesto serve para disfarçar os desejos inconscientes, ou seja, o conteúdo latente do sonho.

A interpretação do significado de um sonho como o que tive talvez seja obra para profissional especializado. Entretanto, a montagem de uma história com enredo tão elaborado, calcado em coisas tão incomuns de fato impressiona. Onde teria eu ido buscar sonho de tal natureza, tão vívido como se estivesse de fato acontecendo?

Naquela madrugada pensei sobre o fato de o cérebro humano armazenar informações sobre as quais não temos o menor controle. Estudos demonstram que existe um registro em nosso organismo que retém dados o desenvolvimento e evolução da humanidade, provavelmente desde os reinos inferiores até o estágio humano. Guardaríamos a memória acontecimentos da vida de nossos pais, avôs, bisavôs e assim por diante. Desse modo componentes memoriais armazenados ao longo de gerações e soterrados nas camadas mais profundas da memória poderiam vir à tona inexplicavelmente. Talvez a memória vivida de algum ancestral remoto tivesse se materializado naquela noite em meu sonho. Ou não.

Gentes do sertão

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Na última década do século passado internei-me por um mês no sertão, região de Canudos. Experiência difícil e dolorosa a começar pela escassez de água. Desde então a minha experiência com torneiras nunca mais foi a mesma. Refiro-me ao fato de passar tempo em lugares onde a água, que jorra facilmente pelas nossas torneiras, quase ser um produto de luxo. Vi pessoas caminharem longas distâncias, sob o sol inclemente, para buscar a água que caminhões de prefeituras traziam, uma vez por semana.

Mas, não pretendo me alongar sobre aqueles dias que por si resultariam num texto talvez vasto. O que me move agora é uma questão que desde aquela época para mim continua mal respondida. Afinal, por que pessoas nascidas naqueles lugares permanecem ali mesmo sob condições precárias de sobrevivência?

A resposta óbvia de que a pobreza, o analfabetismo, a fome, o abandono secular pelos governos e outros fatores do mesmo gênero são as causas da permanência não nos convence totalmente. Está claro que ao homem daquelas paragens pesa o temor da migração a centros maiores nos quais a sobrevivência seria ainda mais difícil dado o despreparo para a inserção em qualquer setor do mercado de trabalho. Nesse sentido somos conscientes do desespero de famílias de repente desembarcadas em cidades nas quais não têm moradia e não encontram nem mesmo o que comer. Os velhos centros de imigração constituem-se num rico manancial de tristes histórias das gentes sofridas do Brasil.

Então, por que? Por tudo o que foi citado anteriormente, mas, também, pela ligação ao único universo que conhecem e por onde circulam com naturalidade. Jamais me esquecerei do dia em que, após longa jornada nos caminhos da caatinga, chegamos a uma fazenda, sendo recebidos com alegria pelo proprietário. Era um fim de tarde. Acomodamo–nos na varanda de onde avistávamos a paisagem de cactáceas a perder de vista. Mais perto, dentro do cercado que circundava a casa, bodes se alimentavam das cactáceas conhecidas como palmas. Paisagem para mim desoladora. Exceto aqueles animais, nada se movia sob o calor infernal e a ausência de vento. E não é que a certa altura o proprietário da fazenda na qual não existia uma só árvore se voltou para nós e disse: adoro a beleza desse lugar. Isso tudo é lindo. Não sei como vocês podem viver em cidades.

Naqueles ermos tentei revisar o conceito de beleza. Talvez o homem que nos falara sobre a beleza de um vasto terreno de cactos sobre um solo pobre tivesse outra opinião, diferente, sobre o belo. Mas, ele era dali, nascera naquele lugar, de seus pés emergiam raízes que o prendiam ao mundo que conhecia.

Por puro acaso dias atrás estive com uma mulher vinda da região que eu visitara no passado. Ela e os irmãos haviam imigrado para o interior de São Paulo há alguns anos onde se estabeleceram. Contou-me que mês passado estivera em sua cidadezinha natal, distante 300 km de Salvador. Fora visitar parentes. Encontrara-os bem. Reclamara do terrível calor durante o dia, porém compensado pelas noites de temperatura agradável. Perguntei a ela sobre o modo de vida no lugar. Respondeu-me que, como sempre, as pessoas continuavam bebendo. Arregalou os olhos e afirmou:

- As mulheres bebem muito. Já perdi duas tias com cirrose. Minha irmã que mora lá vai pelo mesmo caminho. O povo de lá gosta de tomar a cachaça Pitu, com caju. Todo mundo toma isso.

Perguntei sobre trabalho e a resposta foi a de que, em sua maioria, as pessoas não fazem nada. Alguns se deslocam para cidades maiores em busca de ocupação.

Não é difícil se imaginar uma cidade com cerca de 20 mil almas, distante da capital do Estado, lugar onde raramente chove e os sol brilha sem cessar. A igreja é o único prédio da comunidade. Em torno dela ruas com fileiras de casas com fachadas mais ou menos iguais. Dentro das casas a vida de sempre.

Perguntei à mulher por que viera para o interior de São Paulo. Em busca de emprego - respondeu. Lá não tinha o que fazer. Ficasse lá hoje estaria na Pitu.