Cotidiano at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para ‘Cotidiano’ Category

Fotografia

escreva o seu comentário

Não adianta: o que vale em fotografia é o “olhar”. Todo mundo tem celular com câmera de modo que a coisa mais comum é fotografar tudo o que se vê pela frente. Sem falar nos selfies.

As pessoas publicam fotos nas redes sociais, enviam aos amigos pelos celulares. Daí que o mundo está inundado por fotos. O pior é que os fotógrafos em ação raramente selecionam as fotos que enviam. Houvesse algum espírito crítico dos emissores e seríamos poupados de cenas tantas vezes desagradáveis. Mas, o que importa é fotografar, fazer parte.

Acontece também com os meios de comunicação. Bem que poderiam nos poupar de fotos e vídeos estarrecedores. A imagem daquele embaixador russo assassinado a sangue-frio na Turquia não me sai da cabeça. O homem falava ao microfone e foi alvejado pelas costas. A contração dos músculos do rosto do embaixador, a cena do momento em que está inesperadamente morrendo tudo isso é terrível demais. Mas, há que se informar, matar a cobra e mostrar o pau, como se diz.

Que dizer sobre as fotos dos corpos empilhados após a chacina no presídio de Manaus? E aquele sujeito segurando a cabeça que acabara de decepar de outro detento? Correm na internet fotos e vídeos que atestam a animalidade dos homens. Somos a eles expostos sem qualquer cerimônia. E não custa confessar que somos atraídos por essas cenas grotescas. Certo grau de curiosidade mórbida nos atrai a esses nichos que não queremos ver, mas algo nos impele a ver.

Entretanto, não é o caso de se falar mal da fotografia. Produzidas com engenho e arte pelos bons fotógrafos as fotos fazem delícia para nossos olhos. Mesmo nossas fotos pessoais: os arquivos de família que nos permitem dialogar com pessoas desaparecidas a quem amamos; o retrato de nossa filha quando pequena ela que agora é mulher e mãe; tudo isso nos leva à gratidão pelos engenhos que nos permitem fixar momentos de nossas vidas.

Ocorre que a não muito tempo as coisas eram bem diferentes. Lá pelos anos 60 do século passado em nossa cidadezinha o único fotógrafo era o Zé Braz. Tinha ela uma câmera e sabia revelar filmes fotográficos. Seus serviços não passavam da produção das famosas 3×4 muito úteis em documentos. Eu mesmo ainda tenho umas duas fotos minhas daquele tempo tiradas pelo Zé. De todo modo o Zé prestava serviço indispensável à comunidade.

Soube que o Zé Braz morreu há alguns meses. Morreu de velho. Chegara quase aos 100 anos de idade, mas mantinha-se firme. Ao chegar em casa procurei pela caixa onde guardo fotos antigas. Estavam lá as minhas tiradas pelo Zé. Nelas as únicas imagens que tenho dos meus 14 anos.

Escrito por Ayrton Marcondes

13 janeiro, 2017 às 1:23 pm

escreva o seu comentário

Até depois do dia 20

escreva o seu comentário

A grande atriz Maryl Streep utilizou seis minutos no palco do “Globo de Ouro” para criticar o presidente eleito Donald Trump. Não o perdoou por ter imitado um jornalista sem braço durante discurso que fez ao tempo da campanha. Como sempre Trump respondeu com os 120 caracteres do Twitter. Respondeu dizendo que a atriz não passa de uma puxa-saco de Hillary Clinton a quem ele derrotou nas eleições. Acrescentou que Streep é um das atrizes mais sobrevalorizadas de Hollywood.

Enquanto isso o sempre presente Putin se disse cansado das acusações de interferência russa nas eleições norte-americanas. E a China não aceita que Trump  tenha entrado em contato com Taiwan. Já as grandes empresas sediadas nos EUA foram ameaçadas de ter que pagar altas taxas de impostos nos produtos que produzirem no exterior.

O eixo sempre oscilante do mundo parece balançar de modo caótico à espera do início da era Trump. Nos EUA políticos se arregimentam para a oposição ao novo presidente. Os democratas não pretendem deixa-lo governar. Aliás, trata-se de retribuição ao que os republicanos fizeram em relação ao governo de Obama.

Num mundo cambaleante no qual todos os problemas parecem insolúveis por falta de entendimento a chegada de Trump é aguardada com receio. Teme-se o que o magnata poderá fazer ao interferir em delicados equilíbrios como as situações entre países do Oriente Médio. Até agora Trump não deu o menor sinal de compreender como se passa o delicado jogo internacional.

Diante de tantas incertezas e informações controvertidas resta-nos saber o que pensa o povo sobre tudo isso. Vale lembrar que, como sempre, as opiniões são mediadas pelos discursos proferidos nos noticiários. A formatação das cabeças é inevitável, infelizmente. Mas, vamos lá.

O homem que vende batatas na feira-livre sempre diz que as suas são as melhores. Segundo ele não adianta comprar o quilo a preços mais baixos. Na hora de fritar as batatas ficam moles, vergonha para as donas de casa ao servi-las a uma visita. Trump? Ora, é como batata de segunda. Não vai bem à mesa. O cara não sabe o que está falando. Se é um perigo? Ah, depende. É louco, mas não é burro. Rico como é não vai acabar com tudo pondo em risco a própria fortuna.

A moça da banca de verduras logo vai dizendo que não se interessa por política. Quem levanta às 4 da manhã não tem tempo a perder. Diz mal saber quem é esse tal de Trump. Além do que político é tudo igual. Não importa se americano, brasileiro, russo: todos da mesma laia.

O rapaz das frutas comanda meia dúzia de empregados e vive reclamando da crise. Diz ter medo de que esse Trump bote fogo no mundo. Se ele mexer com o coreano lá de cima, aquele gordinho que tem mísseis, os EUA poderão ser surpreendidos com um ataque.

O Jonas da banca de bananas ri quando se fala de Trump. Um senhora que pede uma dúzia da branca conta que reza todo dia pela paz no  mundo. O Jonas diz que Trump é assim porque não come bananas. Trouxessem o homem aqui na banca, comesse ele uma banana das boas e  tudo se acertaria. E ri.

Pois é vai-se indo. Depois do dia 20 veremos como as coisas começarão a andar. Ou não.

A parenta

escreva o seu comentário

A parenta casou-se quando já não acreditava mais fosse possível. Beirava os 50 quando conheceu o sujeito falante pelo qual logo se derreteu. Era um tipo espigado, entrado nos sessenta, cabelos ralos e muita energia. Militar aposentado gastava o tempo em sua casa, ouvindo música, ou em visitas no interior. Mas, morava na capital de onde dizia que não se mudaria de jeito nenhum.

O apartamento em que moravam ficava no quinto nadar de um prédio localizado na esquina de rua movimentada, Naquela época ainda circulavam os bondes na cidade. O problema era o ruído do trânsito. Ainda mais porque, nas madrugadas, os bondes continuavam a dobrar a esquina. A parenta reclamava. Não conseguia dormir. O marido explicava que nada se poderia fazer dado que os trilhos eram fixos e por eles seguiam os bondes.

Mas, o tipo espigado, o falante, o marido, bom sujeito, tinha lá suas esquisitices. A parenta casara-se sem saber que o tipo era nudista. Tamanha aversão tinha a roupas que de modo algum se vestia quando em casa. Sempre peladão com a mão no bolso - era como ela o descrevia.

Certa ocasião fui visitá-los, na verdade para entregar a ela encomenda enviada pela minha avó. No quinto andar, diante da porta, apertei a campainha. Logo o marido a abriu, recebendo-me com um largo sorriso. Estava completamente nu. Convidou-me à sala, sentamo-nos e logo veio a parenta. Dizer que estávamos constrangidos é pouco. Eu, então rapazote, estranhava ter diante de mim aquele homem nu. A parenta parecia envergonhada. Ainda assim conversamos o suficiente e logo me despedi. Confesso que me senti aliviado quando alcancei a rua.

Mais tarde soube que os dois não foram muito felizes. A parenta de modo algum concordava com ele sobre frequentar campos de nudismo. Mulher nascida na primeira metade do século 20 e filha de pai austero causava-lhe espanto o nudismo. Longe dela a naturalidade com o que o marido encarava o assunto. E frequentar praias de nudismo era tudo para ele.

Outro dia passei pela rua onde moraram. Lembrei-me de nosso encontro quando fui entregar a encomenda enviada pela minha avó. Veio-me a imagem daquele homem completamente nu sentado à minha frente. Já não me constrange.

Escrito por Ayrton Marcondes

8 janeiro, 2017 às 9:05 pm

escreva o seu comentário

Sob o domínio da morte

escreva o seu comentário

Nossa familiaridade com a morte aumenta de modo preocupante. Recebemos com naturalidade notícias sobre chacinas como se não tivessem nada a ver conosco. No fundo fingimos que não nos importamos. O mecanismo de defesa se impõe até para evitar crises depressivas. Porque não há como não fugir à depressão ao encarar de frente a morte de dezenas de pessoas sacrificadas pelos motivos mais vis. Mortes e mortes, chacinas absurdas se repetem como se isso fosse coisa normal, parte de um enredo fantástico e irreal.

Mas, a vida não é um filme. Aliás, nem mesmo o mais imaginativo diretor de cinema conseguiria se aproximar da realização das cenas de horror observadas nas penitenciárias do país. Impossível reproduzir o horror do homem acuado que espera ser degolado e seu corpo desmembrado como se nada mais fosse que um boneco. No mundo dos prisioneiros os homens são tratados como bonecos expostos aos desígnios de facções criminosas que se digladiam pelo poder.

Daí que o melhor é olhar para as fotos de cenas medonhas que correm pela internet e toma-las por irreais, peças fabricadas que não pertencem à realidade em que vivemos. Aconteceu, mas não pode ter acontecido eis a questão para a qual não há solução.

As mulheres que choram do lado de fora dos presídios. Terão seus entes queridos sido poupados? Aquela cabeça que um presidiário exibe como troféu não pertencerá ela a alguém amado por outro alguém que em desespero espera?

Quanta dor. As redes televisivas transmitem as imagens da tragédia justificando-se pelo dever de informar. A mídia em todo o mundo não esconde o espanto diante das tragédias que o presidente da República classifica como “acidentes”. Organizações de direitos humanos protestam. Governos federal e estaduais negam suas parcelas de culpa. O transe do horror afugenta culpados que se escondem sob as mais variadas desculpas.

Resta-nos desligar televisores e rádios, não ler jornais e revistas. Ignorar os noticiários. Fingir que a vida é sempre bela. Mas, que ninguém se engane: é a caveira portando sua macabra foice quem agora está no comando, acima das vontades dos homens. Estamos sob o domínio da morte.

Calor

escreva o seu comentário

No Rio de Janeiro no início do século 20 intelectuais escreviam sobre a quase impossibilidade de escrever sob o grande calor na cidade. O verão do Rio é terrível.  Dias atrás noticiou-se sobre temperaturas de 44º e se sensação térmica na casa dos 50º.

No vasto território brasileiro encontra-se de tudo em termos de temperatura ambiente. No Sul o inverno é rigoroso. Em geral neva em Santa Catarina enquanto no Nordeste o inverno se passa sob o sol forte e temperaturas em torno de 30º.

Há quem ame o calor. Não me refiro ao verão: é ao calor mesmo. Agora mesmo circulei pela cidade acompanhado por um mestre de obras. Sol forte e muito calor, garantindo suores em bicas. A certa altura perguntei ao mestre se gostava do calor. Respondeu-me que não sabia viver sem ele. Amava esses dias muito quentes, sol a pino. Acrescentou que nesse clima está a razão maior da alegria dos brasileiros. Calor e descontração andam de mãos dadas. Não por acaso as gentes dos países frios são menos expansivas. Semblantes sérios, casacos sobre casacos, corpos presos a vestimentas sóbrias e tristes. Pessoas enfrentando nevascas. Inexiste a beleza do ambiente tropical. Foi o que me garantiu o mestre de obras.

Há muitos anos conheci um português, professor universitário, trabalhando no Canadá. Falo-me sobre os longos meses de frio, o isolamento dele e a mulher, a vida fechada que levava tanta gente ao suicídio. Saudades tinha de Lisboa, cidade com vida noturna.

Enfim, cada lugar, cada ambiente tem suas vantagens e restrições. Talvez o mais importante seja o hábito. Para um russo nascido na Sibéria o ambiente gelado é natural. Para um carioca da gema o calorão passa por normal, existe a praia, a cerveja, a beleza dos fins de tarde.

Sempre fui um turista acidental. Pior: dado a pequenos voos. Não conheço a maior parte do mundo. Mas, sou dado a ambientes mais frios. Frios amenos - entenda-se. Para mim as amenidades climáticas – nem frio ou calor excessivos – são ideais.

Cada um com suas manias e querências.

Escrito por Ayrton Marcondes

5 janeiro, 2017 às 3:43 pm

escreva o seu comentário

Em 2017

escreva o seu comentário

Li que nada havia a se comemorar na passagem de ano. A expressão “Feliz ano novo” de modo algum se aplicaria ao momento em que vivemos.

Há quem diga que o mundo se aproxima do fim. Não há entendimento entre os homens, agrava-se a crise global, há guerras no mundo que não parecem terminar tão cedo, a Inglaterra sai da Comunidade Europeia, o imprevisível Donald Trump tomará posse, tornando-se o homem mais poderoso do mundo. EUA e Rússia falam em aumento de suas armas nucleares e um sujeito de quem não se sabe exatamente do que é capaz governa a Coreia do Norte. No Brasil a Lava Jato avança e denúncias crescentes colocam em risco o governo e os políticos. Economistas importantes declaram ser a atual a pior recessão na história do país. As cifras de desemprego são assustadoras. A economia vai mal e medidas de emergência tentam recuperá-la, embora não se acredite muito na eficácia precoce. A criminalidade explode, a pobreza é brutal, os serviços públicos vão de mal a pior, a segurança quase que inexiste, até o Supremo Tribunal Federal corre o risco de vir a ser desacreditado. Não se confia em autoridades, a crise de confiança é geral.

Então alguém escreve para lembrar-nos de que civilizações têm prazo de validade datado. Roma acabou após dominar o mundo por muito tempo, a exuberância dos astecas teve um ponto final, tudo acaba. Mesmo entre os animais a regra não pode ser subestimada. Não é que os répteis que dominaram no Jurássico um dia desapareceram, deixando-nos nada mais que cobras, jacarés e outros semelhantes que não fazem nem sombra aos gigantescos dinossauros?

Para um mundo no qual as notícias ruins tornaram-se cotidianas parece não haver esperança. Mas, de repente, um novo ano começa. Por hábito, costume, talvez até por vício, nos reunimos com pessoas a quem queremos bem e nos desejamos um próspero ano novo. Sonhamos com igualdade, fraternidade e fazemos juras de que seremos melhores daqui por diante. Entretanto, a realidade infelizmente não se demora a impor-se. Incêndios, matanças e rebeliões em presídios inauguram o novo período mostrando-nos que o mudo segue o mesmo, o mesmíssimo de ontem.

Mas, ainda é cedo. Quem sabe se os homens mantiverem sua fé e a esperança as coisas melhorem. Quem sabe o fim não esteja tão próximo como dizem os derrotistas.

Gente

escreva o seu comentário

Viera visitar a filha e o genro e não gostara da cidade onde moravam. “Cidade pequena”; “Aqui não tem mulher de aluguer, como pode isso?”

Homem simples, falava “aluguer” mesmo, carregando no “r”.

Reclamava do médico que o operara. Cirurgião gástrico. “Tirou tudo da minha barriga, me deixou oco por dentro”.

À noite podia ser visto vagando nas poucas ruas da cidade. Ansiava por encontrar alguma de saia que acalmasse seu apetite sexual. Busca infrutífera tornava à casa do genro e continuava a reclamar da falta de mulheres. A filha, paciente, o reprimia com alguma doçura. O pai era velho. Mania de velho. Mania de velho viúvo. Era o tempo em que se podia ser velho sem culpa e falar o que viesse na boca.

O velho trabalhara a vida toda numa fábrica. O empresário construíra uma cidadezinha de casas iguais nas quais moravam os funcionários da fábrica. Dava-lhes moradia gratuita, pagava salários em dia e produzia bastante.

Foi numa dessas casinhas iguais que o velho fizera a festa do casamento da filha. Na igrejinha o padre realizara a cerimônia, abençoara o casal. Depois a festa na casa do pai da noiva. Festa simples. Festa pobre. O pai da noiva - o velho - colocara no quintal um moedor de cana. Dali saia a garapa, única bebida servida na festa.

Mas, o tal cirurgião gástrico que deixara o velho oco por dentro, na verdade não tirara tudo. Tanto que, depois, o câncer progrediu. O velho reclamava de dores na barriga, dizia que o médico não fizera direito o serviço nele.

O velório foi simples. Também diferente. As pessoas não choravam, sorriam. Vez ou outra alguém se lembrava de “alguma” do velho e os presentes chegavam a rir.

Mais tarde a filha dizia: meu pai morreu feliz.

Escrito por Ayrton Marcondes

27 dezembro, 2016 às 5:17 pm

escreva o seu comentário

A Rua 25 de março

escreva o seu comentário

O governo americano publica listagem incluindo lugares onde há pirataria e comércio de produtos falsificados. Como não poderia deixar de ser Ciudad del Este, cidade paraguaia vizinha de Foz do Iguaçu, é citada como grande centro de contrabando, pirataria e venda de coisas falsificadas.

Destacam-se na listagem americana conhecidos pontos de comércio na cidade de São Paulo como o Brás e a Rua 25 de março. São locais para onde convergem diariamente multidões em busca de produtos a preços inferiores aos praticados em shoppings. Nesta época de natal, por exemplo, o afluxo de pessoas à 25 de março tem sido grande, embora menor que o do ano anterior fato explicado pelo período recessivo no país.

Talvez as pessoas que vivem em São Paulo não façam ideia da projeção desses centros de compras no restante do país. Há poucos anos estive a trabalho numa cidade do interior da Paraíba. Se bem me recordo precisei de um cortador de unhas e me aventurei numa feirinha localizada próximo à praça central da cidade. Na ocasião fui acompanhado - e conduzido - por um rapaz que, solicito, fez questão de me explicar que “o lugar não era uma 25 de março”. Estranhando que ele falasse sobre a conhecida rua de São Paulo perguntei se já estivera na capital paulista. Respondeu-me que não, mas adoraria vir à cidade para conhecer a 25 de março.

Bem, o fato é que para aquele rapaz a rua 25 de março significava um grande sonho de consumo. Tanto que, a partir daí, o rapaz crivou-me com muitas perguntas sobre o assunto. Estivera eu na 25? Como era o comércio de lá? E assim por diante.

Em pouco tempo falávamos sobre uma Miami encrustada bem no centro de São Paulo. Aliás, contou-me o rapaz que todos os produtos à venda na feirinha ou os comercializados pelos ambulantes eram originários da 25. Viagens semanais de sacoleiros à São Paulo garantiam o fluxo de produtos à cidade do interior da Paraíba.

Do rapaz guardei os olhos agudos e a enorme curiosidade. Não sei se acaso o sonho dele de conhecer a 25 terá se realizado. Imagino que talvez uma visita à famosa rua possa decepcioná-lo. Afinal, são lojas e lojas e uma multidão correndo de porta em porta.

Visita de parente

escreva o seu comentário

Morávamos num lugarejo cuja população não ultrapassava quinhentas almas. Lá todo mundo conhecia todo mundo. De certo modo as cosias se passavam com em uma numerosa família.

Há quem pense que a vida em lugarejos do interior tenha algum tipo de padrão. Bobagem. As pequenas comunidades abrem espaço para que as pessoas se mostrem como realmente são. Não por acaso comportamentos estranhos tenham lugar em público e sejam tomados como “normais”. Do imigrante italiano que come gatos ao sacristão que insiste em dobrar os sinos da igreja em plena madrugada tudo parece se resolver com um simples “ele é assim”. Comportamentos estranhos tornam-se aceitáveis.

Pois certa ocasião recebemos em nossa casa visita de um primo, sobrinho de minha mãe. Meu pai recebeu bem o rapaz que passou o dia conosco. Durante o almoço a conversa foi animada e na despedida enfatizou-se o “volte sempre”. Bom sujeito o sobrinho - disse meu pai.

Entretanto, na manhã seguinte viemos a saber que o tal que nos visitara fizera pesquisa na comunidade antes de vir à nossa casa. Amigos contaram que o rapaz perguntara sobre nós, se éramos gente de bem etc. Só depois de receber boas informações sobre os parentes aventurou-se a encontrar-se com os tios.

Nem precisaria dizer que meu pai ficou fulo da vida. Aproveitou-se para dizer à minha mãe que a família dela…. Jurou dar um sopapo no tal sobrinho na primeira vez em que o encontrasse. Ficou nisso.

Eram os anos 50 do século passado. Na revista em quadrinhos “ O Pato Donald” publicara-se “A volta do Zé Carioca”. O Zé é um papagaio muito engraçado criado por Walt Disney quando esteve no Rio. Em sua volta ao Rio o Zé chegava confiante porque tinha um parente que era presidente. No fim da história Zé Carioca descobre que parente não passa de “presidente” de um pequeno bloco carnavalesco. Enfim, nada da boa vida que o Zé esperava ter no país.

Li que cientistas descobriram ligações entre neurônios cerebrais que justificam o fato de guardarmos fatos associados na memória. Assim, toda vez que nos lembramos de alguma coisa torna-se inevitável que nos lembremos de outra a ela associada. Eu olhava para um pequeno aquário quando soube do assassinato de Bob Kennedy daí que a toda vez que fala sobre a morte do político lembro-me daquele aquário.

Pois bem de algum modo a visita do primo arquivou-se na minha memória ligada à historinha da volta do Zé Carioca. Talvez os meus neurônios tenham trabalhado a ideia de que o rapaz fizera a pesquisa sobre nós após ler que Zé Carioca fora ver parentes e dera com os burros n´água.  Embora ache isso muito improvável, o fato é que as duas coisas para mim ficaram ligadas e não há como dissociá-las.

O peso das malas

escreva o seu comentário

A Anac e as companhias aéreas querem cobrar dos usuários de voos pela bagagem que carregam. Até agora a regra é levar uma mala de 23 kg em voos internos ou pela América Latina e duas de 32 kg nas viagens mais longas.

Pergunta-se se ao cobrar pelas bagagens os preços das passagens serão reduzidos. Ninguém acredita nisso. Resta aos usuários de aviões torcer para que os deputados federais não concordem com as pretensões das companhias aéreas, não aprovem a mudança sem considerar como tudo será estabelecido.

Um amigo que sempre sai do Brasil me disse que não gosta de viajar porque as malas da mulher dele são pesadas demais e cabe a ele carregá-las. Na ocasião estávamos em meio a um grupo de velhos conhecidos e todos concordaram com o fato de que “mala de mulher é o bicho”. Falou-se que elas levam de tudo, excesso de roupas que nem chegam a ser usadas. Sapatos, botas, casacos…. Enquanto isso aos pobres maridos cabe uma mala na qual a maior parte do espaço é utilizada para acomodar coisas que não couberam na mala da mulher….

É padrão que em reunião de homens o assunto seja mulher. Daquela vez as queixas não ficaram só em relação às malas. A conversa alongou-se para espaços em guarda-roupas, utensílios domésticos a até certa sensação de que na verdade os homens não são donos de suas próprias casas. É ela que manda na casa - disse um. Ao que os outros assentiram.

Em assuntos como esse o melhor é não dar palpite. Depois, não se pode generalizar. Essa coisa de “toda mulher é assim” carece de sentido. Entretanto, quanto ao peso das malas não deixa haver alguma verdade e quem vos diz isso é um velho carregador dos pertences da família.

Já quanto a pagar pelo peso das malas em viagens aéreas há que se ter bom senso e estabelecer regras claras. Há pouco tempo em viagem a Foz do Iguaçu tive que pagar pelo excesso de peso da bagagem. Tinha adquirido a passagem numa promoção, a valor bem acessível. No balcão da companhia aérea fui informado de que deveria pagar a taxa baseada na tarifa mais alta do percurso. Seriam 0,5% da tarifa por cada kg em excesso. A surpresa aconteceu quando verifiquei que o preço por carregar 20 kg em excesso era muito superior ao valor da passagem que havia pago. A explicação: no caso do peso cobra-se pela tarifa mais alta e o valor cheio da passagem de Foz de Iguaçu para São Paulo era de exatamente R 6500,00….

Ora por esse valor de passagem para um voo de cerca de uma hora eu poderia ir e voltar aos EUA e ainda sobraria dinheiro. Disse isso à moça que fazia o meu check in.  Inútil. Era o preço. Restou-me pagar e sair dali fuzilando de raiva.

Por razões como a apontada creio ser necessário o estabelecimento de regras claras para que os viajantes não se vejam em situações desagradáveis e mesmo sejam explorados. Passagem comprada, quase na hora do voo e portando bagagens a serem despachadas o cidadão fica à mercê das imposições das companhias aéreas. Saber de antemão quanto pesará no bolso levar uns quilinhos a mais seria muito bom.