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No tempo das denúncias

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Um amigo, esquerdista convicto, me diz que, se pudesse, mudaria para o Uruguai. O problema está em que diz isso. Não se trata de revolucionário de última hora, nem desses que professam ideologias em acordo com o momento e necessidades pessoais. Trata-se de alguém fiel aos seus princípios, homem que depositou sua fé num partido e agora se sente enganado, decepcionado. Para ele o “Fora Temer” é válido. A única solução para o país seriam eleições gerais e um acordo em todas as áreas. Todo mundo perderia um pouco, mas o país se elevaria, superando a recessão.

Pergunto a ele se pensar num acordo geral com perdas em todas as áreas em prol do bem comum não seria utopia. Ele me responde, perguntando o que, afinal, espero do governo Temer. Digo a ele que talvez o Meireles consiga melhorar um pouco a economia e isso já seria muito, evitando a derrocada de empresas e empregos. Ele ri e me chama de inocente por acreditar numa solução neoliberal. Enfim, para ele não há solução à vista.

Vivemos num tempo de denúncias, acusações, cassações, prisões, delações etc. Fatos históricos se repetem na mesma semana como, aliás, afirmou uma comentarista na televisão. Marchas e contramarchas, acusações e desmentidos, propinas, escândalos, corrupção. Que língua é essa que se fala hoje no Brasil?  Palavras do gênero tornaram-se de uso comum. No elevador do prédio vi um menino dizer a outro que só o ajudaria no dever de casa se recebesse uma propina. O mal se banaliza.

O amigo me pergunta sobre desde quando o mundo em que vivemos ficou assim. Digo que essa confusão vem desde a época do Sarney. De modo algum torceria pela volta dos militares, embora me veja obrigado a aceitar que, pelo menos, se passavam por mais sérios que a turma de hoje. Ele ri, mas concorda embora com todas as ressalvas que bem conhecemos.

Entretanto, para o amigo tudo o que vemos hoje começou mesmo em 1500. Desanimado confessa acreditar que o problema talvez seja de natureza dos homens, quem sabe de origem genética.

Não chego a tanto. Quem sabe Deus é mesmo brasileiro e, dia desses, acabe se apiedando de nós. Seria um bom começo.

Um goleiro

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Goleiro é a posição mais ingrata no futebol. Se o goleiro atua bem, se faz defesas incríveis, é tratado como fenomenal. Mas, a boa fama não resiste a um belo “frango”. Basta um vacilo para que o herói de ontem vire o frangueiro de hoje.

Mário de Moraes, antigo comentarista de futebol, dizia: “um grande time começa por um grande goleiro”. De fato, não adianta os outros dez jogarem bem se o número 1 deixa a bola entrar com facilidade. Goleiro impõe respeito aos adversários e garante confiança aos defensores de sua equipe. Isso não quer dizer que mesmo os melhores nunca falhem. Já vimos celebridades debaixo das traves tomando frangaços.

Nem sempre grandes goleiros atuam em grandes clubes. Muitos deles não veem decolarem suas carreiras, atuando sempre em clubes sem expressão. Esse é o caso do Marco, especialista debaixo das traves, espaço que dominava como poucos. Ágil e de boa estatura fazia uso de sua formidável impulsão para “voar” atrás das bolas cujo destino seriam as redes de seu gol.

O Marco jogava no time da cidadezinha em que vivia. Seus adversários eram as equipes de localidades vizinhas. No “estádio” cujas arquibancadas eram montinhos naturais e o “gramado” nada mais que terra batida o Marco era o titular no gol do “primeiro quadro”. Nos jogos, sempre realizados aos domingos, a partida principal - a do “primeiro quadro” - era precedida por uma preliminar disputada entre os “segundos quadros” das duas equipes.

Vale lembrar de que o campo de futebol localizava-se no alto de um morro. Chegava-se a ele através de uma trilha. Daí ser comum dizer-se que o jogo tinha três tempos, o primeiro deles representado pela subida dos jogadores pela trilha. Pior ainda o fato de que o campo não era lá totalmente plano. Uma de suas metades era ligeiramente obliqua de modo que o ataque da equipe que atuasse contra “o gol de cima” teria contra si a dificuldade de manter o controle da bola contra a declividade. Alias, se alguém subia pela trilha em direção ao campo com o jogo já começado era comum que perguntasse a alguém que voltava:

- Nosso time está jogando para cima ou para baixo?

Pois foi nesse lugar que se viram as grandes atuações do goleiro Marco. Tão boas eram que certa vez foi visto por um dirigente de uma equipe interiorana que disputava o Campeonato Paulista de Futebol. Esse dirigente levou o Marco para o seu time no qual o goleiro rapidamente tornou-se titular. Assim, o goleiro que atuava em sua cidade num campo de terra batida passou a atuar contra equipes da divisão superior do futebol paulista. Entretanto, não tinha o Marco o preparo atlético de que dispõe os jogadores das equipes profissionais. Atuando bem e seguidamente aconteceu a ele a contusão num dos braços que o impediria de jogar e determinou o encerramento precoce de sua carreira.

De volta à sua terra natal o Marco empregou suas economias num restaurante. Era comum vê-lo ali, atendendo aos fregueses e falando sobre futebol. Curiosamente um dos frequentadores do restaurante era um estrangeiro que, certo dia, contou ao Marco ter sido membro do conjunto de Frank Zappa. Ter em seu restaurante um músico de tal envergadura tornou-se motivo de orgulho para o Marco. Toda vez que o tal chegava ao lugar o Marco sussurrava a outros clientes: tocou com o Frank Zappa.

É bem improvável que aquele estrangeiro de fato tivesse tocado com Zappa. Entretanto, isso não tinha a menor importância num meio em que inexistiam celebridades e qualquer uma delas - verdadeira ou falsa - seria muito benvinda.

Marco, o goleiro, morreu cedo. Não se conhece a doença que o vitimou precocemente. Deixou à sua gente a imagem do goleiro sempre vestido de negro, voando debaixo das traves, evitando gols e contribuindo com um pouco de alegria aos conterrâneos que, de sol a sol, trabalhavam na lavoura.

Se você fosse sincera….

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Especialistas garantem que não existe quem não minta. Mentimos por hábito, por necessidade, quem sabe por distração. O Zé chegava atrasado ao serviço. Mas sempre tinha uma justificativa - melhor: uma novela - para o atraso. Tantas contava que viraram folclore. Se conseguia chegar no horário era um feito.

Uma das histórias do Zé ficou famosa. O despertador tocara na hora certa, ele se levantara, vestira-se, engolira um pouco de café e saíra depressa para o carro. Infelizmente, na pressa deixara as chaves dentro da casa e batera a porta. A mulher dormia no quarto situado na parte de cima do sobrado. Para acordá-la foi um sufoco. Mas, enfim desperta, a mulher abriu a janela e jogou as chaves do carro… que ficaram presas no fio telefônico. Para pegar as chaves foi preciso que a mulher abrisse a porta da frente e o Zé fosse ao quintal em busca de algo longo com o que pudesse tirar a chave do fio. Finalmente, chaves nas mãos, abriu o carro e surpresa: o cachorro, que saíra da casa, entrou no carro e não havia meio e tirá-lo de lá. Por essas e muitas outras o Zé chegara uma hora atrasado. Mas, que fazer se infortúnios acontecem e nada se pode fazer?

Um parente casara-se com moça bonita e era louco por ela. Tinha ciúmes porque a linda já fora noiva e o tal não desistia dela. Tiveram um filho e a vida seguia dentro dos conformes. Certo dia o parente decidiu-se a comprar um brinquedo para o menino. Na loja viu um revólver de brinquedo, achou bonito, levou para casa. Ao chegar deu com a mulher na pia da cozinha. Por brincadeira sacou o revólver e disse a ela:

- Conta tudo senão mato você.

E ela contou mesmo. Que o traia, tinha amante etc. Ele mentiu, ela não.

Há pessoas que fazem da mentira parte de seu modo de ser. Não têm pudor em mentir. Usam o falsete e seguem adiante. Há casos em que não se sabe se a imaginação supera a realidade em que essas pessoas vivem.

Confesso que vida afora fui obrigado a umas mentirinhas. Mas, sempre procurei usá-las para acerto de coisas. Como a da vez em que não tive coragem de falar a verdade para uma conhecida sobre a saúde do marido. O homem morreria em seguida, mas eu a dar esperanças a ela, mesmo sabendo do fim irreversível. E temos sempre uma desculpa para o caso de mentir. Trata-se da famosa frase: eu não minto, simplesmente omito. Omitir a verdade?

Dizem que homens são mais sinceros que mulheres. Não creio. Cada um usa a seu modo a sinceridade. Segundo Jô Soares:

“As pessoas estão tão acostumadas a ouvir mentiras, que sinceridade demais choca e faz com que você pareça arrogante.”

O negócio é viver.

Depois da queda

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Terminou a novela ou estamos vivendo o penúltimo capítulo? A presidenta foi julgada e condenada. Minutos depois o vice foi empossado. Final rápido para uma longa novela que arrastou - mais para o mal que para o bem - milhões de brasileiros.

A funcionária deposta saiu atirando. Promete a mais terrível oposição ao novo governo. O funcionário que entra parece ser mais comedido. Cobra de seus ministros muito trabalho. Há que se reerguer o país, tarefa gigantesca, quase impossível a médio prazo.

No fim eram muitos homens de terno e gravata cujas ações afetam as nossas vidas. Se cada homem público tivesse o povo em perspectiva no que faz e propõe…. Não é assim, não? Infelizmente. A política embebeda. A ambição sobe à cabeça. É sempre preciso mais e mais. E dá no que dá. Se tirassem os verbos ser e ter da língua será que as coisas não seriam melhores?

Mas, afinal, existem ou não por aí bons homens públicos? Depois de tudo, depois de passar um dia inteiro respondendo do mesmo jeito centenas de perguntas você faria o discurso rancoroso pronunciado pela presidenta após a deposição? Difícil responder. Cada cabeça uma sentença, não é o que garante do dito popular?

No meio da tarde um importante sindicalista me diz que as centrais sindicais estão se preparando para a guerra. Haverá guerra diz o homem, olhando-me fixamente.

Guerra? Mas, se estamos tão cansados. Se quase já não nos aguentamos em pé. Se ouvimos ainda ontem aquela dona da lojinha, chorando porque nesse mundo são só ela e a filha, o negócio vai de mal a pior e não há como se sustentar. E o aposentado que cuida da filha e do neto porque o genro se mandou e não dá notícias… e tantas histórias tão tristes, comoventes, de um povo que sofre e não advinha no horizonte nenhum sinal de esperança.

Pois não é de guerra que precisamos. Ansiamos pela dignidade do funcionário que entra, conduzindo o país para melhorar a situação que descamba. Exércitos que se armam que deponham suas armas em nome dos que dão duro para sobreviver.

Precisa-se de paz - urgente. De honestidade, hombridade e todas as palavras que signifiquem coisas boas. Apenas coisas boas.

Testamento político

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Eu tinha sete anos de idade em agosto de 1954, no dia em que Getúlio se suicidou. Soube da morte do presidente na rua, chão de terra, do distrito em que morava. Meninos como eu repetiam: o Getúlio morreu.

Notícia espalhada a molecada correu à casa do seu Getúlio. Era ele o funcionário da Sul Mineira, companhia de eletricidade. Mas, o seu Getúlio estava bem vivo. Só aí compreendemos tratar-se de outro Getúlio que era o presidente da República, fosse lá o que isso fosse.

Ao entrar em casa com os pés descalços e sujos de sempre minha mãe me fez voltar e limpá-los. Chão de terra na rua, mas dentro de casa asseio e limpeza! Era a regra.

Encontrei meu pai e dois homens com os ouvidos grudados no rádio da sala. Ouviam notícias do Rio. Não me lembro de uma só palavra dita na ocasião, mas ficaram-me imagens das faces dos homens diante do rádio. Faces tensas, preocupadas, uma delas mal contendo as lágrimas.

A todo instante a carta-testamento de Getúlio era lida, causando grande impacto nos ouvintes. Só anos mais tarde eu viria a compreender o “saio da vida para entrar na história”. Era o fim de um ídolo amado pelas multidões, figura controversa, ditador e mais tarde presidente eleito que não resistiu ao episódio da Rua Toneleiros.

Lembrei-me do dia da morte de Getúlio ao ver a presidenta Dilma defender-se no Senado. Era julgada por crimes fiscais cometidos na presidência. A certa altura o impeachment foi comparado com assassinato político. Dilma fez seu testamento político e comparou-se a Getúlio. Mas, a carta de Getúlio fora a ”carta de um morto”, daí a impossível comparação.

No Brasil existem fatos e datas inesquecíveis. A derrota de 50 no Maracanã, o suicídio de Getúlio…  Não parece que o impeachment de Dilma, caso aconteça, possa ombrear-se, em igual relevância e memórias, com os grandes acontecimentos que tanto nos marcaram.

O Inferno do telemarketing

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Outro dia me ligou o Moacyr Franco. Adoro o Moacyr. Certa vez o vi, pessoalmente, num clube de São Sebastião. Não tive coragem para me aproximar dele. Queria perguntar sobre o Ronald Golias sobre quem me falara um ator da famosa “Família Trapo”. Desta vez Moacyr entrou em contato comigo através de uma ligação telefônica gravada. Aliás, entrou inúmeras vezes. O telefone tocava e lá vinha a voz do Moacyr. Até eu ficar com raiva dele…

A turma do telemarketing não respeita ninguém. A Editora Abril dispõe de um eficiente serviço do gênero. Não só ligam muitas vezes ao dia como nos horários mais impróprios. Ser acordado num sábado às 8 da manhã por uma moça, vendendo assinaturas é uma delícia. Ou na sexta à noite justamente quando se começa a relaxar. Ou durante todo o dia. Tantas vezes que decidimos não assinar mais as revistas da editora. E olhe que minha mulher assina algumas.

O problema é que não dá para não atender o telefone. Pode ser algum filho, um parente com problema, um amigo querendo bater um papo, um recado, um convite. Não é que o telefone é útil?

Entre outros também se destaca o cara do cemitério que sempre liga, tentando vender um lóculo, explicando que não terei problemas em caso de falecimento porque tudo já fica acertado. É tudo simples, basta morrer e enterrar. Na última vez disse a ele que na verdade já morri e estava enterrado. Atendia de dentro do meu caixão. Ele deu um tempo, mas voltou a ligar. Acho que deve ser algum adivinho, prevendo que estou no fim dos meus dias, querendo me preparar.

E os corretores de imóveis? Pelo amor de Deus, não quero comprar unidades em hotéis. Será que ninguém entende isso? Sem falar nas ofertas de carros, financiamentos a juros baixos, empréstimos pessoais vantajosos, etc.

Infelizmente, sei que não adianta reclamar. Nem pedir que, pelo amor de Deus, respeitem o meu sossego.

Aviso: está em ação um exército de vendedores que não se importam com o sossego de ninguém. O inferno do telemarketing veio para ficar.

A quinta força

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De que estamos ainda longe de ver até onde a tecnologia pode chegar não existem dúvidas. Quem acompanhou as evoluções tecnológicas dos últimos 50 anos certamente sabe que novas descobertas e avanços virão por aí deixando conquistas como celulares e computadores atuais para trás. Isso para ficar no mínimo.

A verdade é que o homem ainda não conseguiu dominar completamente as variantes físicas e químicas do planeta. Que dizer, então, do universo que nos cerca? O espaço continua a ser um grande mistério com seus buracos negros, explosões de estrelas etc.

Até agora sabia-se da existência de quatro tipos de forças na natureza: eletromagnetismo, gravidade, forças fortes e forças fracas entre átomos. Agora os cientistas anunciam uma quinta força decorrente de evidências da existência de uma partícula 30 vezes mais pesada que um elétron. A pesquisa de cientistas húngaros não deixava claro se a partícula seria de matéria ou teria força. Posteriormente outros cientistas identificaram uma nova força estabelecida entre as partículas descobertas e elétrons e nêutrons interagindo em espaço muito curto.

Explica-se que a quinta força é responsável pela interação chamada spin-spin de longo alcance. Já conhecemos interações desse tipo de pequeno alcance como, por exemplo, atração por imãs e aço nas geladeiras.

Novas experiências são necessárias para analisar a quinta força. Para nós, leigos, tudo isso parece coisa de filme. Cientistas avaliam que a descoberta da quinta força poderá mudar completamente o entendimento atual sobre o universo.

Informações sobre o assunto em artigo do Nature News.

Sobre periquitos

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Discreto, amável, contido e de fala mansa o careca do táxi mais parecia alguém robotizado para integrar-se à máquina que dirigia. Circulava devagar, cuidadosamente. Depois que dei a ele o endereço de para onde seguiríamos, recolheu-se meditativo.

Fui eu quem interrompeu o silêncio, perguntando a ele se circulara pela região da Ponta da Praia. Respondeu-me que passou apenas perto porque o trânsito fora interrompido. A ressaca marinha de véspera fora grande, com as águas invadindo a avenida. Comentei sobre a força do fenômeno. Ondas de 2,60m de altura, ventos de 82 km. O mar derrubara a mureta da praia, atravessara a larga avenida, inundara as garagens dos prédios onde carros flutuavam. Na avenida e ruas adjacentes carros moviam-se boiando na água. E pedras enormes foram trazidas pela água até a avenida. Na manhã de hoje bombeiros trabalhavam para resolver a situação.

Foi quando passamos defronte a uma clínica veterinária que o rapaz me falou sobre seu animal de estimação:

- O meu periquito está internado aí.

-Periquito? - perguntei.

Seguiu-se o relato sobre a vida do periquito. Ele achara-o na rua. Levara-o para casa, cuidara do bichinho. Daí nascera a amizade. O periquito retribuía a ele todo o afeto e carinho. De repente parou o táxi. Sacou do bolso o celular e pôs-se a procurar foto do periquito. Quando a encontrou, passou-me o aparelho e disse comovido:

- Somos nós.

Eram ele o periquito sobre a sua cabeça, os pés assentados na área calva. Nesse momento vi o motorista de frente e surpreendi uma lágrima furtiva em seu rosto.

Perguntou-me se eu acreditava na inteligência dos animais. Para ele o periquito tinha inteligência porque o reconhecia. Toda vez que entrava em casa lá vinha o periquito, procurando-o.

Mas, por que raios o periquito fora parar numa clínica? A culpa fora do vento. Embora morasse em apartamento fora impossível conter o vento fortíssimo que entrava pelas frestas das janelas. E o periquito adoecera. Na verdade o veterinário não dera muita esperança. O caso era grave, que esperasse pelo pior, só mesmo por milagre.

Chegamos ao nosso destino. Deixei no táxi um homem sofrendo, tamanha sua paixão pelo periquito. Já em casa fui procurar detalhes sobre o pequeno psitaciforme. Descobri que o periquito - Melopsittacus undulatus – é uma ave cuja expectativa de vida, em cativeiro, é de 5 a 10 anos. Alimenta-se de sementes. Talvez o que tenha abalado a saúde do periquito tenha sido o fato de seu dono alimentá-lo com ração imprópria para a espécie. Por isso o motorista do táxi colocara a culpa no vento. A tantas me confessara que não suportaria o fato de ser o responsável pela morte do animal, caso viesse a acontecer.

Escrito por Ayrton Marcondes

22 agosto, 2016 às 9:47 pm

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A má vontade dos ricos

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Existem falhas, mas ao olimpíadas no Brasil são um sucesso. Aliás, sucesso que confronta a teia de maus augúrios sobre a realização dos jogos no país. De fato, poucos dias atrás o Brasil estava nas manchetes dos meios de comunicação dos países desenvolvidos. Inquietavam-se com a realização dos jogos num país politicamente instável, assolado por epidemias, em crise econômica, com violência incontrolável, enfim o fim do mundo. Atletas se recusavam a participar dos jogos pelo receio de contraírem a Zica. Nossas cidades estariam sob a ação de viroses e vir para o Brasil poderia resultar em catástrofe.

Mas, para espanto geral, a abertura dos jogos foi um sucesso. O país que não teria condições para organizar evento de tal grandeza surpreendia.  O país incapaz de instalar uma rede hidráulica satisfatória na vila olímpica começava bem. Mas, as críticas sempre sobrepujaram as boas realizações.

Agora, deu no NYT. O jornalista Roger Cohen daquele jornal escreve que “existe algum sentimento no mundo desenvolvido que não gosta de ver que um país emergente também pode organizar um grande evento esportivo.” Cohen também escreve:

“Esse texto é para falar basicamente que este jornalista americano está cansado de ler histórias negativas sobre os Jogos Olímpicos brasileiros - a raiva das favelas, a violência que continua, o abismo entre ricos e pobres, …”

Recentemente recebi alguns norte-americanos que vieram ao Brasil para participar de uma cerimônia de casamento. Um deles confessou-me que temia muito vir ao país. O pouco que sabia sobre o país era desencorajador. Não chegou a dizer, mas trazia consigo a imagem de um lugar extremamente perigoso, violento, assolado por constantes epidemias e de governos instáveis. O homem surpreendeu-se com a existência de uma megalópole como São Paulo e a beleza do litoral paulista. Quase disse a ele que tiráramos das ruas os índios armados com arcos e flexas apenas para protegê-lo…

O sentimento do mundo desenvolvido em relação ao Brasil não se restringe a não gostar de ver a organização de um grande evento esportivo. Existe uma declarada má vontade em relação ao país. Boas realizações são ensombrecidas pelo destaque a fatos menores. Há sempre que se pegar as coisas pelo que elas têm de menor. Nesse sentido a realização dos jogos tem se mostrado favorável ao país. Expondo-nos aos olhos do mundo e mostrando que nossa extensão e diversidade foram positivas para a construção da nação quem sabe alavanquem-se novos negócios internacionais e mesmo o turismo ainda hoje bem distante do que poderia ser.

Dia dos pais

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Certa vez um amigo me disse que tentava dar aos filhos o que não recebera de seu pai. Referia-se a amor, carinho, atenção e cuidados. Em viagem que fizeram juntos - o avô, meu amigo e os netos – houve um incidente. Meu amigo brincava com as crianças quando seu pai, subitamente, disse que se arrependia por não ter dado atenção igual a ele. Ao ouvir o pai meu amigo se retraiu. Depois, disse-me que não seria agora a ocasião de acertar as coisas. O pai fora ausente, nunca dera carinho a ele e isso sedimentara-se a ponto de tornar-se definitivo. O amigo ressentia-se, entre ele e seu pai as portas estariam para sempre fechadas. Nesse assunto específico relações irreconciliáveis.

Penso que, talvez - ressalte-se o talvez - os pais nascidos na primeira metade do século XX não teriam sido educados de forma a se abrirem em contatos menos formais com os filhos. Pode ser exagero, mas não me lembro de ter presenciado, em minha infância, tantas amabilidades entre pais e filhos de diversas famílias. Não se trata, obviamente, de afirmar que pais e filhos não se amassem. Apenas, não demonstravam, pelo menos em público, a afetividade que hoje vemos a toda hora. Verdade que eram outros tempos, outro mundo. Homens, chefes de família, tinham seu lugar de honra na estrutura familiar. Mulheres na maioria dos casos dedicavam-se a cuidar da casa e dos filhos, situação muito diferente da que hoje se observa, tal o grau de conquistas que o sexo feminino tem conseguido no mercado de trabalho, embora ainda insuficientes.

Eram homens mais empertigados, diferentes dos pais de hoje, esses mais despojados que a todo momento abraçam e beijam as crias.

Não me lembro de um só abraço ou beijo fraterno de meu pai. Éramos e sempre fomos distantes. Durante toda a vida dele não conseguimos alcançar nível de relacionamento semelhante ao que hoje se observa. Verdade que no fim de sua vida meu pai tentou aproximar-se. Mas, era tarde. Homem formado e há muito morando em outras cidades não me empenhei em reconstruir algo de que tanto me ressentia.

Se me arrependo? Não sei. Creio que para pessoas como meu amigo e eu, nascidos na virada dos anos 40 para os 50, certas coisas acabaram pesando demais. Entretanto, a cada ano quando nos aproximamos do dia dos pais, não deixo de pensar naquele homem que foi meu pai. Repasso situações vividas e daria tudo para estar com ele por alguns instantes. Teríamos, talvez, muito a nos dizer. Ou ficaríamos calados, olhando-nos, tentando romper barreiras que sempre impediram que nos abraçássemos.