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Homem na Lua

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No dia 20 de julho de 1969 estava eu diante de uma TV preto-e-branco, assistindo à transmissão da chegada do homem à Lua. Comigo poucas pessoas entre elas o Seu João, idoso, que se apressou a dizer que tudo aquilo não passava de filme, coisa de americanos. Lá seria o homem capaz de enviar pessoas a  mais de 300 mil km de distância e ainda enviar imagens da chegada dos astronautas no satélite. Talvez por isso Seu João tenha pouco se interessado pelo momento em que Neil Armstrong colocou o pé em solo lunar, dizendo tratar-se de um pequeno passo para o homem, mas um salto gigantesco para a humanidade.

De seu ponto de vista Seu João tinha lá suas razões ao atribuir à descida do homem na Lua o status de ficção. Era nascido ainda no final do XIX e assistira a mudanças do  mundo que, embora os avanços, não permitiam a ele acreditar de pronto em tamanha revolução tecnológica como aquela que se presenciava na TV. Nunca é demais lembrar de que, naquela época, coisas hoje comuns como a internet e os celulares não passavam de sonhos a serem talvez realizados em futuro muito distante. Para um homem como Seu João, que durante anos cuidara da organização de serviços numa fazenda de eucaliptos, tudo aquilo não passava de “coisa de americano”.

Quanto a mim assisti à chegada do homem à Lua com grande emoção. Dávamos, de fato, um salto gigantesco. O homem demonstrava ser possível superar barreiras consideradas intransponíveis. Um de nós chegara lá, de certo modo era como se eu tivesse conquistado o espaço, tal era o sentimento de participação da humanidade que o fato me conferia.

Hoje, 20 de junho de 2016, leio que ainda existem pessoas que de modo algum acreditam no feito de 1969. Passadas muitas viagens de americanos e russos ao espaço, trilhados por sondas caminhos espaciais de enormes distâncias, divulgadas as primeiras imagens de Júpiter enviadas por uma sonda que percorreu quase 800 milhões de km para chegar até lá, ainda assim existem incrédulos. Ao que se pergunta o que seria necessário para que mudassem de opinião, dado que não aceitam fatos consolidados.

Da viagem da nave Apolo à Lua, em 1969, participaram, além de Armstrong, dois outros astronautas: Edwin Aldrin e Michael Collins. Há algum tempo Aldrin, hoje com 86 anos, falou sobre uma estranha luz que acompanhara a nave Apolo 11 na qual viajavam. Sobre essa luz, por muitos considerada como prova da existência de seres extraterrestres, Aldrin disse não acreditar que fosse produzida por alguém que os acompanhasse.

Da chegada do homem à Lua restou, a quem assistiu à transmissão pela TV, a lembrança de um momento de superação da humanidade. Saíramos de nosso planeta, víramo-nos de fora, chegáramos à Lua. Feito do homem que, ainda hoje, nos emociona.

Ser idoso

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É coisa que não se escolhe: de repente você tornou-se idoso. Não importa se discorda, se ainda briga com a sua imagem no espelho, procurando sinais da juventude perdida. Virou idoso e nada pode mudar isso.

Antes de tudo é preciso dizer: idoso é condição. Uma vez dentro dela suas opções se restringem. Se, por exemplo, não cuidou da sobrevivência na velhice, babau. Emprego não vai arrumar aos 70 anos. Velho é velho. Como tomar lugar de gente jovem, cheia de força e vontade? E olhe que pouco se dá à experiência.

Você bem que pode atenuar os predicados negativos da velhice. Exercitar-se é uma boa. Manter a forma, cuidar da pele, mandar uma tinta nos cabelos. Se não fumou ou bebeu demais, se não passou os últimos 40 anos na base do fast-food, se evitou gorduras trans, se faz toque retal anualmente, se não há herança de câncer na família, etc, até que você é um velhote bem razoável, de boa saúde, digamos interessante.

Mas, não se engane. Nesta vida dribla-se quase tudo, menos a velhice. É bom lembrar-se sempre disso. Quer ver? Pois se o destino colocar você, no assento do avião, ao lado daquela moça muito bonita e de corpo desejável, se ela conversar com você, tenha na cabeça que você já não é aquele rapaz que a convidaria a sair para um encontro. Numa dessas você pode levar um tremendo fora, coisa certamente muito chata, a não ser que você seja um formidável cara-de-pau.

Que nos perdoem os que apregoam os benefícios da tal “melhor idade”. Trata-se de uma farsa para garantir a sanidade de muita gente. Não há nada de melhor na velhice. Perde-se muito, ganha-se pouco. Tá bom, você passa a ser alguém com direito a atendimento preferencial. Há um caixa para idosos e gestantes nos mercados, por exemplo.  Mas, já reparou que a fila nesses caixas parece que não anda? Por que os velhos se põem a contar a vida para a mocinha do caixa, desesperando as pessoas que aguardam a vez? Pois é.

Mas, nem tudo é ruim na velhice. Para começar existem os netos, figurinhas apaixonantes que, em geral, dão mais trabalho aos pais que aos avós - graças a Deus. Como se ama a essas extensões de nós mesmos que simulam a garantia de continuidade de nossa passagem pelo planeta. Além do que não é preciso recolher-se porque a velhice chegou. Há muita coisa prazerosa a se fazer. Claro, as coisas podem se complicar com o passar do tempo. O Alzheimer espreita os velhos. Mas, a vida continua, não?

Não se dá conselho a idosos porque tudo que não querem é ouvir sobre coisas que já sabem. Entretanto, vale a pena lembrar que o melhor a fazer é viver um dia da cada vez, aproveitando-o ao máximo. Cada momento que se tem pela frente simula uma graça recebida. De minha parte pretendo sair do mundo de modo diferente daquele em que entrei:

Cheguei chorando, quero sair rindo.

A vida é boa!

Escrito por Ayrton Marcondes

19 julho, 2016 às 2:10 pm

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O último capítulo

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Era o último capitulo de uma trama tortuosa. O velho ficara viúvo.  Sem a mulher não sabia como levara a vida adiante com os três pequenos. Na solidão da caatinga a fome os espreitava. A seca interminável roubara-lhe os últimos bodes e nenhuma lavoura prosperara. Desesperado acabara por ver um dos filhos sucumbir à doença. O mais velho passara adiante a troco de uns cobres para um casal sem filhos que vivia na capital. O do meio acabara matando com as próprias mãos. Ato de loucura depois de um dia errando sob o sol na cabeça, vendo o menino gemer pedindo água. Desgraça sem fronteiras na terra seca onde o vizinho mais próximo distava uns tantos quilômetros.

O filho da cidade fizera-se homem, odiando o pai. Crescera forte e estudara, formando-se no curso superior. Mas, não se esquecera de sua origem. Nem do pai. Nem do irmão cuja morte desconfiava provocada pelo pai.

O filho da cidade casou-se ainda jovem e progrediu depressa. Até o dia que em que se tornou impossível conviver o passado inconcluso. Então, decidiu-se pela busca do pai,

Os anos haviam se passado. Encontrou o velho na mesma casinha de taipa, pobre e enfraquecido. Só então se deu conta de que fora lá para matá-lo. Culpava ao pai pela morte da mãe, pela desgraça da família.

Ao escritor bastava escrever o último capítulo, o fim da trama precedido por breve duelo de palavras e a cena do velho atingido, murmurando sons incompreensíveis. Entretanto, foi como se o escritor perdesse o controle sobre suas mãos. De repente os dedos recusavam-se a obedecê-lo, digitando o fim lógico e esperado. Então escritor o levantou-se e foi à janela. O fim de tarde era lindo. O Mercado Modelo parecia imergir no mar onde mastros de inúmeros barcos brilhavam ao sol.

Diante de tamanha beleza o escritor se deteve. Não valeria a pena escrever páginas sobre seu reencontro com o pai e o modo covarde como o mataria. Era ele agora um homem bem de vida, morava em espaçoso apartamento e seus livros tinham sucesso. O filho e a filha cursavam universidade, a mulher com quem se casara fizera-o feliz. Apercebeu-se de que as desgraças da infância tinham se tornado distantes, infinitamente distantes.

Não demorou a reconhecer que o pai livrara-se dele em boa hora. Que teria acontecido ao irmão do meio que, em sua trama, fizera morrer pelas mãos do próprio pai?

Levantou-se muito cedo na manhã seguinte. Mais tarde a mulher encontrou sobre a mesa um bilhete onde leu que o marido viajara, a caminho do interior, à região da caatinga procurar pelas suas personagens.

O fim do livro? Ora, que importa?

Horror em Nice

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A realidade vai superando a ficção e não nos damos conta disso. Tal a violência e a dramaticidade de atos terroristas que, atônitos, quase os aceitamos como inevitáveis. Paira sobre o mundo um sistema de caça do homem ao homem que mais parece um simples jogo cuja maior consequência é a morte de dezenas de pessoas.

Ontem um homem jogou um caminhão de toneladas de peso contra a multidão que participava da comemoração do dia da queda da Bastilha. Aconteceu em Nice, França. O celerado seguiu sua rota assassina por mais de 2 km, atropelando gente que não conseguiu escapar. Mais de 80 mortos, uma centena de feridos, alguns em estado gravíssimo. Ao fim, policiais conseguiram abrir a porta do caminhão e atirar contra o motorista, matando-o. Mas, o mal já estava feito. Sobre o asfalto jaziam corpos sem vida, muitos deles de crianças. Sob a desculpa de uma diferença ideológica matou-se, indiscriminadamente.

As imagens do enorme caminhão trafegando sobre pessoas desesperadas são fortes. Talvez nenhum cineasta se arriscaria a gerar imagens tão medonhas para colocá-las num filme. De fato, a realidade superava a ficção, a mais terrível ficção.

Segue-se a rotina dos dias seguintes. O assassino é identificado, procura-se saber se agiu por conta própria ou a mando de organizações terroristas, discute-se o aprimoramento do sistema de segurança. Nas ruas há medo. As pessoas se perguntam quando acontecerá o próximo atentado dado que a fúria dos fanáticos parece não ter fim.

Talvez nunca antes na história o homem tenha odiado tanto seus semelhantes. Mata-os, simplesmente mata-os. Não importa a quem está matando. A saga consiste em matar por matar, espalhando medo e horror, desestabilizando a vida em sociedade. Trata-se de assassinos frios imbuídos da convicção de que têm uma missão a cumprir. Sabem que também morrerão, mas isso parece não importar a eles: serão recompensados após a morte, no outro mundo.

Escorpionismo

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Chegamos à sede da fazenda ao escurecer. Não havia luz elétrica e meu pai cuidou de acender lampiões. Na verdade, a sede tinha aspecto de casa abandonada. No meio do nada, perdida entre arvores e pastagens, cercada por declives montanhosos, o lugar compunha em seu todo a paisagem desolada de regiões interioranas daquele Brasil dos anos 50.

Era eu menino e acompanhava meu pai em sua busca por aranhas, escorpiões e cobras. Ali, no meio do mato, esses animais eram bastante comuns. Aliás, convivia-se naturalmente com a possibilidade de presença de seres peçonhentos. Não eram incomuns acidentes relacionados a eles, alguns fatais. Ficou-me na memória a imagem de meu pai, durante a madrugada que passamos da sede, vasculhando, sob a luz do lampião, o colchão onde eu dormia.

De escorpiões recordo fato acontecido, anos mais tarde, com minha tia. Saia ela do banho quando, ao colocar sobre o corpo toalha que deixara junto à janela, foi picada por um escorpião. Seguiu-se gritaria motivada por dor intensa, além da lesão nas costas que demorou a cicatrizar. As toxinas do veneno escorpiônico causaram vários sintomas que felizmente se dissiparam depois de algumas horas. Não me recordo se ela chegou a receber o soro antiescorpiônico cuja eficácia nem sempre é comprovada.

Hoje publica-se que medicamentos anti-inflamatórios podem barrar os efeitos do veneno de escorpiões sobre o organismo. Assim, se evitariam consequências além da dor e inflação do local onde acontece a penetração do ferrão do animal. Destaque-se entre as possíveis consequências o edema pulmonar que pode causar a morte.

Vez ou outra ficamos sabendo sobre o achado de escorpiões em locais onde há significativa presença humana. Tempos atrás noticiou-se sobre um condomínio no qual era grande a presença desses animais. Nunca é demais lembrar que o efeito do veneno sobre crianças é muito forte e não raro provoca a morte. E os acidentes com escorpiões não tão incomuns como se pensa. Anualmente, acontecem em todo o mundo mais de 1 milhão de casos de escorpionismo.

O filho de Bob Fields

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No início dos anos 70 os Cursos de Madureza proliferavam em São Paulo. Eram milhares de comerciários e trabalhadores de várias áreas que se inscreviam em cursos - em geral noturnos - preparando-se para provas que dariam a eles os diplomas equivalentes dos cursos regulares de ginásio e colégio. Assim, ao invés dos quatro anos de curso ginasial e três do colegial realizava-se uma prova que garantiria aos interessados a possibilidade de tentar o curso superior. As provas eram marcadas uma ou duas vezes ao ano e, quando aconteciam, milhares de alunos migravam para os locais em que seriam realizadas, muitas vezes fora de seu estado de origem. Pode-se dizer que a festa acabou quando os exames foram banidos e passaram a existir cursos regulares de madureza nos quais a frequência obrigatória durante períodos determinados conferia a conquista dos diplomas.

Como sempre acontece existiam bons e sofríveis cursos de madureza. Fui professor de um dos maiores que existiram em São Paulo. O “Santa Inês” era o grande curso de madureza na época, mantendo muitas unidades na cidade. Numa delas conheci um aluno a quem os colegas alcunharem de “Tuti”. Esse Tuti  era uma rapazote dos seu 20 anos de idade, gordinho, muito falante, inteligente, mas não de todo preso ao comportamento habitual. Usava óculos de lentes grossas, piscava muito e o rosto emprestava ao todo o aspecto de alguma anormalidade. Entretanto, era ótima pessoa. Falava pelos cotovelos muitas vezes atropelando as palavras. E contava com a amizade de seus colegas a quem divertia com suas inesperadas colocações.

O que mais intrigava nesse rapaz era o fato de afirmar ser filho do famoso economista Roberto Campos que fora Ministro do Planejamento do governo Castelo Branco entre 1964 e 1967. Campos era conhecido pela aguda inteligência, tendo sido diplomata e político. Exercera funções significativas no segundo governo de Getúlio Vargas, no de Juscelino, e apoiara o golpe militar de 1964. Autor de vários livros colecionara adversários. Muitos o distinguiam com a pecha de “entreguista”, acusando-o de defender interesses dos Estados Unidos. Por essa razão o radialista Vicente Leporace costumava citá-lo - e atacá-lo - referindo-se a ele pelo nome de Bob Fields.

E o Tuti dizia ser filho de Campos. Filho do Bob Fields, coisa meio inacreditável. Não se explicava, por exemplo, o fato de Tuti viver em São Paulo quando a família à qual dizia pertencer não era do estado. Na verdade Tuti relatava ter sido mandado estudar longe de casa pelo seu comportamento pouco usual. Relatava que sua casa, no Rio, era frequentada por figuras proeminentes no cenário nacional, deixando claro que seu modo de ser incomodava seu pai. Citava nomes de pessoas proeminentes na época, amigos e parceiros de seu pai. De modo algum admitia que se referissem ao pai pela alcunha Bob Fields. Corrigia: o nome dele é Roberto de Oliveira Campos.

Numa mais vi Tuti e nunca saberei se de fato seria filho de Bob Fields. Semelhanças físicas de fato existiam entre o rapaz e aquele que dizia ser seu pai. Mas, não creio que alguém acreditasse nas histórias que Tuti contava. Tuti era um rapaz confuso, muitas vezes se desdizia e sabe-se lá porque insistia na história sobre sua filiação dado que, rotineiramente, não costumamos falar a estranhos sobre nossos pais.

1932

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Leio sobre os poucos sobreviventes que participaram da Revolução de 32. Passados dos 100 anos de idade suas memórias já não retém muitas passagens do episódio. Resta o Obelisco do Ibirapuera que, com seus 72 metros de altura, mantém viva a revolta de São Paulo contra o governo de Getúlio Vargas. Ali repousam os restos mortais de muitos dos constitucionalistas e dos quatro rapazes que morreram no combate travado contra policiais na esquina da Rua Barão de Itapetininga.

Na minha família alguns tios participaram ativamente do movimento de 32. Para um deles os nomes dos rapazes – Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo – cujas iniciais deram origem ao MMDC, funcionavam como grito de guerra. Muitas vezes ouvi de meu tio a narrativa de episódios da Revolução. Fervia-lhe o sangue ao lembrar-se do golpe de 30, comandado por Getúlio, e a situação na qual ficou São Paulo naquela ocasião. O “Estamos em Guerra” estampado no jornal “O Estado De São Paulo” fora o estopim para o início da revolta.

Nas palavras de meu tio Euclides de Figueiredo - pai do futuro presidente João Figueiredo - perdera a oportunidade de derrotar Getúlio ao ordenar a parada das tropas paulistas que marchavam em direção ao Rio. Com a demora as tropas federais puderam se organizar e sitiar São Paulo. Além do que Getúlio contava com militares e policiais treinados enquanto São Paulo lutava com maioria de voluntários.

De minhas tias ouvi o esforço das mulheres na retaguarda do movimento. Elas faziam de tudo, desde a produção de roupas e alimentos, para que os rapazes de São Paulo pudessem lutar. Entretanto, o esforço dos paulistas naufragaria três meses depois quando anunciada a derrota.

Guardo das pessoas que ouvi sobre a Revolução de 32 o espírito apaixonado que mantiveram até o fim de suas vidas. 32 foi um marco para a geração de paulistas que se insurgiram contra o governo federal.

Em minha infância e juventude, nos altos da Mantiqueira, muitas vezes encontrei antigas trincheiras cavadas pelos combatentes de São Paulo. Por aqueles caminhos passavam soldados vindos de Minas Gerais que, a todo custo, deveriam ser contidos.

Meu tio dizia que a guerra de trincheiras favorecia as tropas federais, melhor treinadas. Se os paulistas tivessem chegado ao Rio a história teria sido escrita de modo diferente.

As pessoas de quem ouvi narrativas sobre a Revolução de 32 estão mortas. Guardo comigo o rubor de suas faces quando se referiam ao traumático episódio.

Os imperdoáveis

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Ainda não se sabe se o deputado Eduardo Cunha contará ou não com o perdão público. No momento, caso fosse julgado pela opinião pública, não escaparia. Mas, em muitos casos o tempo logra aplacar a ira.  Atrás de Cunha há muitas personagens malvistas pela população. Aquele Cerveró outro dia foi ofendido dentro de um avião. Voltava à casa sob o benefício da delação premiada. Acompanhavam-no policiais. Mas, avião em solo, os passageiros não o perdoaram: ladrão, ladrão…

Alguns julgamentos se tornam irreversíveis como acontece em casos de crimes bárbaros. É o caso da moça Suzane von Richthofen, condenada a 39 anos de reclusão por ter se aliado a dois bandidos que mataram os pais dela. O crime de Suzane provocou grande reação tal monstruosidade de seu ato. Ela apareceu chorosa no enterro dos pais como se nada tivesse com o crime. Pouco depois se descobriu tudo e, condenada, Suzane foi para o presídio. Mas, ninguém se esquece dela. E não se a perdoa. Cada passo da moça é noticiado e não se concorda com o fato de agora ela ter direito ao regime semiaberto. Suzane von Richthofen tonou-se alguém imperdoável. Terá que nascer de novo para vir a ser aceita porque nessa vida não tem chance.

A lista dos imperdoáveis abriga muitos nomes. Para citar mais um basta lembrar o tal Chambinha. Era menor quando atacou e torturou um casal de jovens saídos de casa para acampar. Chambinha surpreendeu-os, estuprou a moça inúmeras vezes para depois assassinar o casal. Preso, concluiu-se tratar-se de um anormal perigosíssimo. Chegado à maioridade e com direito à liberdade, achou-se um jeito de mantê-lo retido. Se tornasse às ruas voltaria ao crime. Caso sem remédio para alguém imperdoável.

Obviamente, não se confunde o caso de um político a ser responsabilizado por muitas tramoias com a situação de criminosos frios como Suzane e Camboinha. O que os une nessas linhas é apenas a questão do perdão popular. Perdão esse, aliás, a cada dia mais difícil de ser conquistado dado o cansaço do povo diante de tanta safadeza.

Vida boa

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Duas mulheres conversam num ônibus. Uma delas diz que agora o Brasil vai para frente. A razão? Ora, os ricos estão sendo presos, a lei passou a valer para todos.  A outra mulher apenas sorri.  Mulher simples, arrisca o olhar para fora do ônibus. Não sonha. Apenas parece não acreditar no que a outra diz. Até que suspira e pergunta: mas, você acredita mesmo nisso?

Pois é. Não sei dizer desde quando entrou na moda a tal delação premiada. O sujeito movimenta propinas, enriquece, desvia, rouba e, no fim, se safa contando o que sabe. A fórmula é simples: basta roubar, devolver um pouco e, principalmente, alcaguetar seus parceiros. O jogo dá certo.  Condenados a 20 ou mais anos de prisão saem livres, nem sempre portando na perna uma tornozeleira eletrônica. Nem sempre? Sim, porque nem sempre tornozeleiras estão disponíveis: a empresa que as produz acusa o governo por não as pagar. Crise é crise: não há dinheiro.

Jornalistas escrevem indignados com a vida boa dos delatores. O cara sai rindo da prisão onde pouco ficou. Volta para residências de fino luxo onde dispõe de comes e bebes dos melhores. Aliás, tudo patrocinado pelas negociatas que o enriqueceram. É culpado pelo desvio de milhões. Muita gente sofre nas filas em busca de atendimento de saúde etc. Mas, o crime parece estar longe das consequência que provoca. No Brasil de hoje o grande farsante não guarda memória de seus malfeitos. Descobriu-se a via perfeita que garante a boa vida.

Entretanto, como se descobrir as maracutaias sem que alguns dos safados denunciem outros? É aí que mora a perversidade da situação. O Brasil de hoje está na mão de ladrões de casaca dos quais só se pode livrar perdoando os mais rápidos em denunciar.

As duas mulheres que conversam no ônibus na verdade não existem. Elas nada mais são que ínfimos números na escala de milhões de deserdados aos quais são servidos, em doses crescentes, o prato-feito de uma república falida.

Mas, o melhor é não pensar muito nisso. Afinal, há anos a viver pela frente e nada indica que o modo de ser da ladroagem venha a mudar. Conviver com o descalabro de cada dia é a regra. Acostuma-se.

Os pães-duros

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Pães-duros, plural de pão-duro, não soa bem. Mas é a regra, que fazer? Temo que no passado se falasse mais sobre pães-duros. Terá hoje em dia o termo caído em desuso?

Não sei. Posso dizer que conheci muita gente que para enfiar a mão no bolso… De um tio dizia-se que ele tinha braço curto e bolsos fundos daí que a mão nunca alcançava o dinheiro…

Durante anos convivi com um cara que transformava cada centavo que ganhava em dólares. Daí que nunca tinha dinheiro nos bolsos. Filava cafezinho, cigarros etc. Se almoçávamos juntos não apresentava nenhum rubor ao dizer-se “desprevenido”. Nunca pagava a conta. O carro dele circulava com pneus velhos. Estepe nem pensar. Jamais adquiriu imóvel, nem os sapatos que usava estariam no nome dele. No fim casou-se com mulher rica que acabou quebrando. Na última vez que o encontrei queixou-se de que todos os dólares que armazenara haviam desparecido por conta da quebradeira financeira da mulher. Golpe? Caso tenha sido o amigo bem que mereceu.

Ontem os pães-duros voltaram à cena porque a atriz Dira Paes, madrinha do Criança Esperança que arrecada fundos para a infância, disse, ao vivo, que doaria 40 reais porque não era pão-duro. Pronto: o mundo desabou sobre a atriz. Houve quem ligasse, dizendo que não doaria porque tinha menos de 40 para doar; outros cobraram a atriz sugerindo que ela, por ser rica, deveria doar 1 milhão.

Nesses tempos do politicamente correto a gente não sabe bem no que pensar. Um caso assim… O fato é que toda gente conhecida e exposta à mídia precisa pensar bem em cada palavra que diz. Imagino que a atriz tenha feito a afirmação sobre quanto doaria num repente. Falou como se estivesse em sua casa, conversando com a família, na intimidade. Não se deu conta de que havia um microfone e câmeras de vídeo transmitindo sua imagem para todo canto.

40 reais! É muito ou pouco? Depende de quem enfia a mão no bolso. Para milhões de brasileiros uma bela grana. Pra outros nada mais que um troco. Para a atriz? Bem, o melhor é deixar que cada um  tire suas próprias conclusões.