Cotidiano at Blog Ayrton Marcondes

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Os interinos

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Se o presidente da República sai do cargo, afasta-se por qualquer motivo ou simplesmente viaja quem assume é o vice-presidente. Depois dele o cargo pode ser ocupado, interinamente, pelo presidente da Câmara Federal e, em último lugar, pelo presidente do Senado.

Na História do Brasil existem registros de interinos, alguns com rápidas passagens pelo poder. Um dos que se notabilizou foi o mineiro Carlos Luz, então presidente da Câmara, que ocupou a presidência da República, em 1955. Luz esteve presidente porque Café Filho, que ocupava o cargo, sofreu um ataque cardíaco. Mas Carlos Luz permaneceu apenas três dias na presidência dado que começou a tramar para impedir a posse de Juscelino Kubistchek, eleito pelo voto popular.

Ontem um interino no cargo de presidente da Câmara Federal, o maranhense Waldir Maranhão, passou à história por tomar decisão autocrática na qual anulou sessões recentes da Câmara, incluindo-se a votação favorável ao impeachment de Dilma Rousseff. Com esse ato instalou-se no país um clima de enorme confusão, envolvendo o mundo político e deixando boquiabertos os brasileiros. Consequências econômicas imediatas foram a queda da Bolsa e a disparada do dólar.

Mais tarde o presidente do Senado invalidou o ato de Maranhão, dando seguimento ao processo de impeachment. O próprio Maranhão acabaria revogando sua decisão.

São tempos nos quais se vai disfarçando a vergonha de ser brasileiro. Hoje em dia já não se mede a possibilidade de expor o país - e os brasileiros - ao ridículo, em escala global. É triste a leitura do noticiário internacional sobre as mazelas a que a classe política submete o Brasil. A todo custo procura-se vender imagem de um povo irresponsável e que não sabe o que está fazendo. Fazem isso sem a menor cerimônia, desrespeitando o esforço de milhões de pessoas que diuturnamente empenham seu suor na construção de uma sociedade mais justa.

Waldir Maranhão garantiu ontem seu lugar na história - com “h” minúsculo. Será lembrado pelo seu ato inconsequente, apoiado por políticos a quem só interessa a sobrevivência no poder. Mas, para nós o melhor é que o interino seja esquecido, banido de nossas lembranças.

Cansaço dos brasileiros

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Agora o desconhecido deputado Maranhão anula o processo de impeachment. Atende a pedido da Advocacia Geral da União. Quando nos parecia encaminhada uma possível solução para o imbróglio nacional, eis que de novo estamos à deriva.

O Brasil de hoje carece de bons homens públicos - na situação e na oposição. A notícia da anulação faz a Bolsa despencar e o dólar disparar. Não se sabe o que pensar. Nem para onde ir.

Não fosse o amor pelo país a solução seria sair dele. Mas, como viver noutro lugar, nós que gostamos da terra, do samba, da comida, das nossas cidades, dos nossos amigos, desse louco Brasil, enfim?

As redes de TV deveriam se unir e fazer grande favor aos brasileiros: pararem de noticiar o que se passa em Brasília.

Não quero mais ver a cara dessa turma no vídeo.

Cansei

A força das palavras

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Existem limites. Mesmo os grandes artistas da palavra enfrentam situações nas quais torna-se impossível descrever, com precisão, algo que presenciam. A riqueza da vida pode mostrar-se inatingível.

Ontem realizou-se na Vila Belmiro a final do campeonato paulista. Venceu o Santos, tornando-se o campeão deste ano. Não assisti ao jogo, mas presenciei o momento em que o time da Vila fez o gol que daria a ele o campeonato. No décimo andar de um prédio olhava, do alto, a cidade. Pairava no ar a tensão da grande torcida silenciosa, agoniada com o andamento da partida. De repente, dos prédios ergueu-se um rumor, som crescente, nascido do grito dos torcedores que, finalmente, explodiu em grande manifestação. A elevação progressiva do som emitido pelas gargantas, a alegria mediada pela explosão incontida, a sensação de plenitude humana provocada no fortuito espectador que a presenciou, tudo isso é indescritível. Palavras podem descrever o acontecido sem, entretanto, atingir a verdadeira sensação provocada pelo fato. Entretanto, nada somos sem as palavras.

No dia-a-dia fazemos uso de um discurso, tantas vezes protocolar, constituído por sequências de palavras às quais estamos habituados. O vocabulário pessoal, pobre ou rico, costuma dar conta de nossas necessidades de comunicação. Linguistas afirmam que pessoas cujo vocabulário é inferior a 3 mil palavras não exercem exatamente sua humanidade e cidadania. De todo modo as palavras que usamos têm, cada uma, suas forças moduladas pelo contexto em que são aplicadas e a entonação que a elas conferimos em nossos pronunciamentos. Talvez por isso nos incomode tanto a progressiva banalização da linguagem e a ausência de leitura que restringe vocabulários e conhecimentos.

Dias atrás presenciei a conversa de um agrupo de jovens que operavam com um mínimo consumo de palavras. Presos a expressões curtas e estigmatizadas, entendiam-se através de um discurso distanciado da língua que conhecemos. Eram estudantes uniformizados, teriam em média 16 anos de idade. Doeu-me pensar no quanto seria complexa a travessia desses jovens para ultrapassar o limbo a que estavam condicionados.

Segundo o escritor mexicano Octavio Paz “A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade.”

A esperança dos brasileiros

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Nos dias atuais quando o país padece da desconfiança nos homens públicos e nuvens carregadas turvam a visão do futuro vale lembrar de fatos passados que nos ajudem a traçar o perfil da gente brasílica.

O dia 25 de agosto de 1961 terá sido um dos mais impactantes na história do país. Na tarde de 25 o então presidente da República, Jânio Quadros, surpreendeu o país, enviando ao Congresso Nacional a carta de demissão do alto cargo apara o qual fora eleito. Empossado em janeiro, Jânio não chegou a completar o primeiro ano de seu mandato. Líder inconteste, bom administrador, homem feio e desengonçado, brilhante, verdadeiro artista da palavra, proprietário de estilo único de governar, capaz, Jânio levara ao planalto a esperança de milhões de brasileiros. O país atolado na crescente inflação, endividado, mal saído da construção de Brasília precisava de acertos urgentes. Jânio era o homem. Tivera carreira meteórica ao longo de quinze anos que culminaria na presidência. Prefeito de São Paulo, governador do mesmo Estado, era o homem da vassourinha, aquele que varria a corrupção, visitava inesperadamente órgãos públicos e comandava subordinados por meio dos famosos bilhetinhos. Incrível um tipo como Jânio arrastar atrás de si multidões de correligionários e eleitores. Pobre, fizera campanhas do tipo “tostão contra milhão” e chegara lá. Vencera todas. Era o presidente. E a esperança.

O dia seguinte à renúncia segue inesquecível. Descera sobre o país a incerteza e o clima era de velório. Naquele dia eu, rapazote, estava em casa de um tio que morava na Alameda Nothman, são Paulo. No térreo do prédio havia um bar, na calçada o jornaleiro. Os jornais presos ao arame as manchetes inacreditáveis, todas dizendo: “Jânio renunciou”. Em torno das manchetes pessoas paradas, atônitas.

Dentro do bar silêncio. Nas ruas silêncio, pessoas apressadas como se fugissem de uma notícia muito ruim, desafiadora. Eram os brasileiros presos na instantaneidade da perda de confiança gerada por ato de todo modo inexplicável. De Jânio haviam recebido apenas a explicação de que “forças terríveis” haviam se levantado contra ele, daí não ter mais condições de honrar o compromisso assumido com os brasileiros.

Voltei ao apartamento de meu tio e encontrei um primo aos soluços, sendo consolado pela mãe. O Brasil chorava. Nãos sabíamos, mas a trajetória espinhosa do país mal começava. Viriam o turbulento período de Jango no governo e o golpe militar de 1964. A democracia viria a ser restituía apenas em 1985 com a eleição indireta de Tancredo Neves que não chegou a governar.

Olhando para trás tem-se a impressão de que, afinal, vencemos. Melhor: superamos. Fomos jogados ao sabor das pressões e acasos, mas superamos. Entretanto, agora somos novamente assombrados pelos malditos fantasmas que, assim parece, jamais serão expulsos do país. Desta vez, teremos forças para mais uma vez vencê-los? Vencerá a hoje combalida esperança?

O que falam sobre nós

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O Brasil não sai do noticiário internacional. A crise política é noticiada no mundo todo onde se pergunta qual será o fim disso tudo. Enquanto isso Temer alinhava seu futuro governo. Nomes de possíveis futuros ministros circulam pela mídia, recebendo ou não aprovações.  Há que se desfraldar a bandeira da esperança para que o gigante da América do Sul possa se reerguer.

“Argentinos odeiam amar o Brasil.” “Brasileiros odeiam amar a Argentina.”  Essas “verdades” são repetidas toda vez que o assunto descamba para o jeito de ser das gentes dos dois países. O fato é que argentinos não despertam muita simpatia. Tidos como arrogantes e candidatos a superiores não contam com a simpatia dos povos de países vizinhos. Para piorar a rivalidade no futebol é incontornável. Para brasileiros o maior jogador de todos os tempos é Pelé. Os argentinos têm o seu Deus do futebol: Diego Maradona. Isso é só o começo da discussão.

Entretanto, hoje em dia as coisas andam mudadas. Brasileiro em visita à Argentina é bem tratado. E, lá se sabe tudo o que se passa no Brasil. A cada dia notícias sobre a crise brasileira são atualizadas. Comparações entre a situação atual da Argentina e a do Brasil são frequentes.

De modo geral o povo argentino é bem politizado. Motoristas de táxi não perdem oportunidade de perguntar sobre o Brasil. Conhecem Lula, Dilma, Temer, FHC e mais gente. Falam sobre a corrupção no Brasil, a escalada da pobreza, a cara-de pau dos políticos. Aliás, nada diferente da Argentina. Estranha-se que o nome de Lula esteja agora associado aos crimes da Lava-Jato. A imagem anterior de Lula é admirada pelos argentinos que o veem como líder no combate à pobreza. Então perguntam se o que hoje falam de Lula é verdade.

Mas, a Argentina deu um passo à frente. Hoje a situação no país é complicada. Preços altos, dinheiro difícil, desemprego, pobreza etc. Mas, há esperança. O presidente é sério e está fazendo o que deve ser feito - dizem. É rico, não precisa roubar. E bem intencionado.

Existem os opositores. Mas os peronistas estão em baixa após Cristina sair do governo. Os movimentos sindicais estão ativos. O centro de Buenos Aires com frequência tem ruas fechadas pela onda de protestos.

Mas, respira-se na Argentina. Nada de euforia, apenas esperança. É bom ver como esperança pode mudar um país. No Brasil de hoje, sem esperança, nada irá pra frente. É preciso resgatar a confiança dos brasileiros. Urgentemente. Todo mundo sabe disso. Só não se sabe como fazê-lo depois de tanta roubalheira.

Ressaca

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De repente o tempo vira e o calor - absurdo para o fim de abril - desaparece. Magicamente, o céu sempre azul esconde-se atrás de grossas nuvens, a chuva cai, pingos grossos que viajam obliquamente, impulsionados pelo vento muito forte.  No noticiário sobre o clima ouve-se que haverá frio, tempestade e ventos acima de 80 km. Da orla da praia para aos polos, assim, de repente. Fica-se nisso.

Mas, impressiona mesmo o mar. Ele ruge. Levanta-se. Sai do marasmo das ondas fracas que beijam a praia para erguer-se contra o mundo dos homens. Grita, avisando os moradores da orla marítima de que vivem em lugar que não lhes pertence. Ele, o mar, é o dono de tudo, proprietário das terras que, assim promete, um dia vai reocupar. Os prédios altos serão tragados, afinal as escrituras garantem o apocalipse. Será no apocalipse. O apocalipse será a vingança do mar. Enquanto não acontece, o mar se manifesta, violento. São as ressacas.

Na ressaca de ontem o mar cobriu toda a extensão da praia, derrubou muretas que em vão tentam isolá-lo e invadiu a avenida. Turno de força. Pura energia incontida, gerada nas entranhas da terra. Exército de águas em movimento que nada pode deter. Aviso de preso atrás das grades que sabe poder rompê-las como e quando quiser.

As imagens são belas, mas apavorantes. Lá estão as ondas de quatro metros de altura quebrando-se muito além do lugar previsto, ameaçando chegar aos prédios, por vezes invadindo garagens subterrâneas. Como o cacto de Manuel o mar é áspero, intratável. Invasivo, interrompe o trânsito que já não pode fluir pela avenida alagada. O exército do mar lembra as divisões romanas, organizas para o ataque. Desta vez o mar veio com a divisão dos ventos que causaram estragos, danificaram sinais de trânsito, derrubaram árvores e ameaçaram moradias nos morros. Na madrugada os ventos uivaram nas janelas, avisando do ataque do mar.

O mar é assim. Imprevisível, indomável e belo. Faz o que quer. Há pouco destruiu parte da ciclovia às pressas construídas no Rio para as Olimpíadas. Para destruí-la bastou um só movimento do gigante que se ergueu a grande altura para colocá-la abaixo.

O mar não respeita nada, nem a vida dos incautos que ousam desafiá-lo. Arrasta barcos, navios e, vez ou outra, arregimenta forças, invadindo tudo nos bem organizados tsunamis. Então destrói, em segundos, o que os homens levaram, por vezes, uma vida para construir.

Entretanto, impossível não amar o mar.

A última casa da rua

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Depois da fileira de casas as construções rareavam na extremidade do vilarejo. Para quem seguia em direção à estação, bem antes de se iniciar a subida, o espaçamento entre as residências era visível. Terrenos cobertos por mato marcavam a distância entre uma casa e outra. A penúltima da rua era a daquele “italiano”, homem sisudo, de poucas palavras, que viera anos antes viver nas montanhas em busca de ar mais puro.  Naquela época acreditava-se ser primordial para o tratamento da tuberculose viver em lugares de grande altitude, nos quais o clima favoreceria a boa evolução da doença. Tuberculosos com maiores possibilidades iam tratar-se na Suíça onde bons sanatórios foram edificados nas montanhas do país. Caso conhecido foi o do poeta Manuel Bandeira que no sanatório Cladavel conviveu com o poeta francês Paul Èluard.

O “italiano” era um sujeito interessante. Vivia sozinho e passava os dias provendo o aterramento de um barranco atrás de sua casa, junto ao rio.  Sua rotina consistia em trabalhar com a enxada num morro do outro lado da rua, do qual retirava terra para transportá-la com um carrinho de mão. Desse homem sabia-se que tinha um irmão que o visitava raramente, vindo de São Paulo, onde vivia. Dizia-se, sobre o irmão, que fora campeão sul-americano de bilhar, fato confirmado pelo “italiano” nas poucas vezes em que trocava palavras com algum vizinho.

Para além do imóvel do “italiano” existia a última casa da rua que ficava numa curva. Avarandada e com janelas verdes, apresentava-se com ares de abandono. Isolava-a da rua um muro de altura média e um portão de ferro. Na maior parte do tempo a casa permanecia fechada. Entretanto, por volta da metade dos anos 50, para lá se mudou um homem chamado Orlando que não se demorou a tornar-se próximo de algumas pessoas do lugar. Esse Orlando era alto, tez clara e usava vasto bigode ligado à barba ruiva. Lembro-me bem desse homem porque, a certa altura, tornou-se próximo de meu irmão com quem trocava opiniões sobre obras de filósofos. Por várias vezes acompanhei meu irmão até a casa do Orlando porque gostava de ficar na varanda, brincando. Eu ouvia as conversas que, obviamente, não compreendia dada a profundidade do assunto. Entretanto, certo dia, a conversa descambou para o lado pessoal e ouvi coisas surpreendentes para o menino que eu era.

Naquela tarde Orlando contou que viera do Rio após abandonar o emprego e deixar para trás tudo o que tinha. A razão fora terrível decepção amorosa. Casado com mulher a quem amava mais que a tudo, descobrira-a traindo-o com um amigo. A partir daí a vida perdera o sentido. Nenhuma razão parecia a ele suficiente para explicar porque a mulher que a ele jurara amor e a quem tanto se dedicava o tivesse traído. Mas, o pior estava por vir. Desesperado e completamente perdido chegara à situação limítrofe de atentar contra a própria vida. E o fizera de modo inusitado. Sendo falta de sexo com a mulher a quem amava o que mais doía a ele resolveu matar-se se castrando. Sangraria até a morte por amor à traidora.

Foi o que Orlando fez. Obviamente, não morreu. Um parente encontrou-o ainda vivo. Conduzido ao hospital, salvaram-no.

A última casa de rua não existe mais, demolida que foi dando lugar a outro imóvel. Com o passar do tempo, muitas outras construções surgiram, alongando o casario da rua para além da casa avarandada de janelas verdes. Há pouco tempo visitei a hoje cidade e, ao passar pelo lugar onde ficava a última casa da rua, não pude deixar de me lembrar daquele homem ferido de morte por uma paixão.  Aliás, Orlando não permaneceu por muito tempo no lugarejo. Depois de um ano mudou-se para outra cidade e, tempos depois, soubemos que enfim consumara seu suicídio.

Homens em ação

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Nada contra a turma hoje em atividade, mas houve tempo não distante no qual líamos nos jornais crônicas de Rubem Braga, poemas de Drummond, Bandeira e muitos outros. Escritores de primeira linha estavam não só vivos como ativos. Lembro-me de segundas-feiras nas quais, ao chegar ao serviço, não havia outro assunto que não o texto de alguém publicado num caderno literário do jornal de domingo. Como aquele poema de Borges sobre o qual falamos por dias seguidos tal o impacto causado em nós, leitores interessados.

O perigo de escrever coisas assim é o de sermos tomados por pedantes. Sim pedantes, gente que gosta de mostrar conhecimento, posicionar-se, apresentar-se aos desconhecidos expondo, logo de cara, seus importantes currículos. Estudei aqui, ali, graduei-me em, pós-graduação na, mestrado, doutorado, professor convidado na conceituada… Afora a citação de autores, obras, frases e tudo o que indica formação cultural elevada, enfim abrir a caixa de ferramentas para desde logo informar ao parceiro de que não está a falar com qualquer um.

Mas, mesmo esse tipo, muitas vezes até agradável, anda sumido. A boa e sólida leitura está desamparada, o massacre de tanta informação escraviza e banaliza e frutifica-se na geração do “conhecimento por alto”, da turma dos resumos, da atração pelos títulos não seguidos da interação com as matérias. E que não se culpe a internet pela desorganização de ideias, nem o mundo mal-ajambrado em que vivemos no qual rareiam oportunidades para destaque de espíritos lúcidos e criativos.

Paul Klee nos deixou o terrível quadro no qual um anjo segue em direção ao futuro, mas com a cabeça voltada para trás. Ele vê no passado um acúmulo de escombros a substituir o que, tão pressurosamente, classificamos como história. Walter Benjamin escreveu chamar-se progresso à aventura desse anjo que tem atrás de si, e à frente, escombros.

Ao progresso! Eis aí esse novo século, o 21, que já avança ao esgotamento de seus primeiros vinte anos e cujo final a maioria dos vivos de hoje não conhecerá. Trafegamos nessa trilha com o conhecimento acumulado no passado e tem-se a impressão de que tudo o que se sabe mostra-se insuficiente para colocar o mundo nos eixos e garantir a vida em paz aos seres humanos.

Talvez pela contradição entre os saberes e a precariedade de seus usos, talvez pela raridade de espíritos e expressões culturais inspiradoras, tenhamos esse homem que se senta à minha frente a se põe a falar sobre expoentes desaparecidos da literatura francesa os quais, assim se percebe, conhece apenas de nome.

Traição e traidores

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Tétrico I foi o último imperador do império das Gálias. Reinou entre 271 e 274, juntamente com seu filho Tétrico  II. Tétrico tornou-se imperador depois do assassinato de Vitorino em 217. Depois da morte de Vitorino, sua mulher, Vitória, convenceu o exército a aceitar Tétrico como imperador.

Reconhecido como imperador em toda a Britânia e maior parte da Gália Tétrico enfrentou grandes revoltas em seu governo. Em 273 o imperador romano Aureliano iniciou campanha para recuperar as colônias ocidentais. Tétrico e o filho viram-se obrigados a marchar para o sul dado que Aureliano avançava em direção a Gália. Entretanto, o exército de Tétrico foi aniquilado num evento que ficou conhecido como “catástrofe cataláunica”. Mas, Tétrico e o filho foram poupados por Aureliano. Relata-se que Tétrico rendeu-se a Aureliano em troca de sua vida e da do filho, embora seu exército ainda lutasse. Essa traição aos seus valeu posteriormente a Tétrico  o cargo, dado a ele por Aureliano, de governador de uma região no sul da Itália.

A história é rica em traidores, alguns muito famosos como Judas e o sempre citado Joaquim Silvério dos Reis. Mas, casos de traição que envolvem esferas do poder não raro vêm a público, causando espécie na população. Neste momento a atual presidente da República do Brasil acaba de se pronunciar, publicamente, acusando seu vice-presidente de traição. Segundo ela em nenhum país se viu o caso de alguém de primeiro escalão, vice-presidente, tramar nas sombras para destituir um presidente com a intenção de ocupar o cargo, tornando-se, por essa via, primeiro mandatário do país.

Obviamente, o vice-presidente evita comentar a acusação. Seus correligionários apressam-se em citar as várias razões que justificariam o impeachment da presidente. E a batalha entre as personalidades ganha corpo e segue em frente.

O Brasil teme pelas consequências da desabrida disputa travada nas instâncias superiores. Para o derrotado não haverá prêmio como aconteceu a Tétrico. Os tempos são outros. Pena que ao vencedor, como nos disse Machado, restarão as batatas.

O Brasil é uma festa

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Você viu? Por um minuto de fama parlamentares votavam pelas mais diferentes razões, muitas delas inesperadas. Nem as famílias foram poupadas. Votava-se pela mãe, pela mulher, pelos filhos, pelos netos que receberão um país melhor. Alongavam-se falas para muito além dos 10 segundos permitidos. Era preciso homenagear os Estados, as cidades, os redutos eleitorais, os amigos, o país, os parentes, a religião, enfim…

Tudo ao jeito festivo que parece entranhado em nosso modo de ser do qual parece impossível nos livramos. Muitos aproveitaram-se da oportunidade para acusar. Um deputado acusou o presidente da Câmara de ladrão e corrupto.

Não foi, infelizmente, uma sessão de brasilidade e republicanismo, pelo menos na aparência. Os brasileiros, certos ou errados em seus votos, desempenhavam mal seus papéis, embora observados pelo mundo. Daí os comentários da imprensa estrangeira. Um jornal destaca o aspecto burlesco da democracia brasileira, citando o Partido das Mulheres no qual só existem homens deputados. O Le Monde destacou a postura teatral dos deputados que usaram o tempo de que dispunham para enviar mensagens pessoais que nada tinham a ver com as razões de seus votos. O jornal comentou, ainda, o fato de deputados se enrolarem na bandeira nacional e o estranhamento por uma deputada apresentar-se vestida com a camisa da seleção braseira.

Comportamentos de parte, o fato é que a sessão de ontem apresenta-se como de enorme valor para a sociedade brasileira. Se nem todos os atores apresentaram-se a contento, a importância do “sim”e do “não” se refletirá na vida de milhões de pessoas. Há muito a atual crise brasileira ultrapassou o limite do razoável e nuvens carregadas pairam sobre as cabeças de todos nós. Se as imagens que vimos não nos dão muita esperança de que os políticos em atividade estarão a altura das necessidades do país cabe-nos manter a fé de que, em breve futuro, soluções corretas sejam adotadas.

Mas, o futuro, infelizmente, permanece como incógnita.