Cotidiano at Blog Ayrton Marcondes

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As chuvas

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O El Nino está mais travesso que nunca. Chove e chove. Temporais. De repente o céu se fecha, nuvens adensam-se e desce o aguaceiro. Inundações, veículos levados pela água. No sul ventanias, casas destelhadas, mortes, desabrigados. O tempo está louco. E o calor chega forte, prometendo piorar. Será um verão daqueles - dizem. Estamos sob as ordens do ditador dos temporais: o El Nino.

Aquelas chuvas da minha infância choviam demais. De madrugada as tempestades, trovões incessantes, raios. Tantos que a noite se tornava clara e dava para ver o gado encolhido no pasto. Mas, não tínhamos trombas d´água. Aliás, por pura sorte porque numa cidade vizinha as nuvens não se faziam de rogadas: aventuram-se baixinho até encostar-se nos morros e abrirem o ventre, descarregando a aguaceira. E vinha aquele tumulto de águas libertas, encostas abaixo, levando tudo o que encontravam em seu caminho. Até chegar às casas que levavam de roldão.

Temíamos as chuvas porque a violência das águas nos metia medo. Chovia semanas inteiras. Nem um só raiozinho de sol para secar o barro da rua defronte a casa. Ficávamos sem energia elétrica. No meio da tempestade vinha o homem da companhia e subia no poste para desligar o transformador. Ainda o vejo na escada em direção ao transformador quase em fogo. Ele enfiava a mão no meio da fumaceira e puxava uma peça cujo nome eu nuca soube. Fazia isso calmamente, em meio às trovoadas e raios. Era um desses heróis desconhecidos.

Tempo atrás, durante uma tempestade, um homem deu com uma rua alagada e teve que mudar seu caminho. Ia por outra via quando seu carro foi atingido por enorme árvore que caiu sem tempo para que pudesse desviar-se dela. Chovia muito. O pesado tronco abateu-se sobre o motorista que morreu na hora. Falou-se em tragédia. Falou-se em acaso. Falou-se em sorte madrasta. Houve quem lembrasse que cada um tem a sua hora e nada se pode fazer. Se a rua não estivesse alagada, se o motorista tivesse escolhido outro caminho, se a árvore caísse segundos antes ou depois, se tanta coisa…

Das chuvas ficam as tristes imagens das gentes que perdem tudo, dos desabrigados, de pessoas entrando nas casas arrebentadas, tentando resgatar algum pertence de valor que não tenha sido destruído.

Aquelas crianças nos ginásios de esporte, ao lado das mães, esperando para saber para onde serão levadas porque perderam tudo.

A tristeza do olhar das crianças.

Fantasmas

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Há quem acredite na existência de fantasmas. Para muita gente almas do outro mundo andam por aí, assombrando pessoas. Muita gente tem medo de fantasmas. Confesso que já tive. A casa de minha avó tinha fama de mal assombrada. Dizia-se que ao tempo da escravidão houve escravo que morreu lá depois de sofrimentos. Um desses habitava o “quartinho do meio” onde ninguém gostava de dormir. Consta que o negro escravo costumava, vez ou outra, aparecer por lá.

Mas, o grande problema da casa de minha avó era a sala que, que em tempos normais, servia a reuniões e recepção de convidados.  Entretanto, ali também se velavam os mortos da família. De modo que quando a parentada aparecia sempre sobrava para alguém dormir na sala. O medo de que um dos desencarnados resolvesse dar uma passada por lá era real.

Outro dia me peguei pensando se hoje, quando já não acredito em fantasmas, teria medo de passar uma noite sozinho naquela sala. Ainda bem que a casa já não existe, demolida que foi e substituída por um prédio de apartamentos.

Sobre almas do outro mundo há histórias e histórias. Uma delas é a de um conhecido, morador do interior, que rotineiramente ia a São Paulo. Nessas ocasiões hospedava-se em casa de um tio. Numa dessas vezes chegara tarde da noite e entrara na casa. Fora até a cozinha, servira-se de água e, depois, subira pela escada até o quarto. Ao acender a luz topara com um parente dormindo na cama ao lado. Então cumprimentara o parente que lhe respondera com um aceno. Já deitara quando se lembrou de que aquele parente morrera já a alguns anos. Em desespero saíra da casa, descendo atropeladamente pela escada. Passara a noite fora, no jardim, assustado.

Verdade? Segundo quem relatou o caso pura verdade. Mas, será mesmo que almas do outro mundo andam por ai, aterrorizando mortais desprevenidos?

O mistério de Ceres

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Não sei se a você o espaço desperta muita curiosidade. Desde menino tenho enorme curiosidade a respeito do que existe fora da Terra, sejam planetas, estrelas, asteroides, cometas etc. Olhar só para o planeta em que vivemos sempre me pareceu algo como perder-se na observação do próprio umbigo. Se a Terra é um nada em relação ao universo que a cerca por que justamente aqui existe vida inteligente? Será mesmo o homem a única expressão de vida inteligente nessa fantástica imensidão?

Pois agora fala-se sobre Ceres. Ceres é um planeta anão que se localiza no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter. É pequeno: de formato arredondado tem diâmetro de 950 Km. É constituído por um núcleo rochoso coberto por camada de gelo. Na sua superfície escura existem crateras e pontos luminosos. Neste ano a sonda Dawn da NASA entrou na órbita de Ceres e passou a enviar fotos.

Agora os cientistas acreditam ter encontrado respostas para as manchas luminosas de Ceres. São lugares onde o impacto de corpos celestes abriram brechas, rompendo a camada de gelo. No momento do impacto o gelo passa do estado sólido para o gasoso e levanta-se uma camada de névoa.

Assim, dizem os cientistas, as manchas luminosas de Ceres são explicadas. Mistério solucionado restam explicações sobre o grande enigma do universo, a começar pelo seu tamanho dado estar sempre em expansão. Por isso fala-se em ‘universo observável” ou seja aquele ao alcance da visão a partir da Terra.

O mais certo talvez seja dizer que o universo é uma área sem fronteiras dentro da qual vivemos num minúsculo ponto que é a Terra. Tamanha pequenez é atordoante.

As más notícias

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Todo dia recebem-se notícias nada animadoras. A desesperadora situação do país; 2015 foi ruim, 2016 será pior; o terrorismo avança e há riscos para o Brasil nas próximas Olimpíadas; a crise, sempre a crise; e tudo o mais. Vive-se o momento em que tudo o que aprendemos, os meios de que dispomos para resolver os problemas, as regras de convivência, enfim tudo junto não nos serve para dar conta da confusão geral que nos cerca.

Bem, a pergunta é: existe algo pior que tudo o que está citado no parágrafo anterior? Sim, existe. Existe a má notícia individual, aquela que diz respeito só a alguém, a revelação que atinge apenas determinada pessoa, que diz respeito diretamente só a ela de repente passiva das consequências do que se revela. Trata-se do mal aplicado individualmente, do mal que aflige, subjuga e contra o qual nem sempre se dispõem de forças suficientes para combatê-lo.

A má notícia que se recebe ameaça destruir nossas crenças, afeta o modo de vida ao qual nos habituamos, interrompe a trajetória da felicidade pessoal, impõe-nos a reflexão sobre a precariedade de nossa condição e existência. Obriga-nos a um mergulho interior, exacerbando-se a individualidade do ser acossado que passa a lutar contra o desespero de ter sido ele, justamente ele e não o vizinho ou outro alguém o envolvido no drama surgido pela revelação.

No dia em que se recebe a má notícia de que se está com câncer as questões externas deixam de ter importância. Agora é a pessoa como seu pensamento, com seu corpo no qual células rebeladas se multiplicam e espalham, o homem em sua luta para vencer o mal.

De ontem para hoje pessoa muito querida recebeu a notícia de ter a doença.

Escrito por Ayrton Marcondes

9 dezembro, 2015 às 12:26 pm

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Barco fantasma

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A cena do filme “Titanic” na qual a câmara mostra partes do convés do navio deterioradas pela ação das águas marinhas é inesquecível.  A sensação da brevidade das coisas e da própria vida é transmitida ao espectador sem mediações. Por aqueles lugares passarm o luxo, a riqueza e a galanteria de pessoas que, em sua maioria, morreram instantes depois nas águas geladas. A perversidade da derrota frente ao inesperado assemelha-se a um ajuste de contas de forças desconhecidas contra a ousadia do homem que ousara construir um transatlântico “inafundável”.

De que os navios e barcos têm vida própria e pensam já nos garantia o poeta francês Arthur Rimbaud em seu poema “O barco ébrio”. Rimbaud nos fala de um barco desgovernado no qual já não se ouve a gritaria dos embarcados. Assim, vagando, liberto de seus rebocadores, seguia em seu glorioso desgoverno, ao sabor das ondas dos rios, errando em direção ao mar.

O barco de Rimbaud não terá sido único na história das naus desgovernadas que percorrem estranhas rotas marinhas com incertos destinos. Nestes mesmos dias têm chegado às costas do Japão barcos fantasmas nos quais não viajam vivalmas. Em alguns são encontrados restos humanos em avançado estado de decomposição; em outros nenhum sinal de marinheiros e pescadores.

De onde vêm os barcos fantasmas que chegam ao Japão? Não se sabe com certeza. Supõe-se que oriundos da Coréia do Norte, embora não existam sinais de suas origens. O mistério encanta.

Barcos ébrios navegando solitários na imensidão dos mares. Naufrágios. O governo da Colômbia anuncia ter encontrado o mítico galeão San José, afundado nas águas próximas a Cartagena quando carregava um tesouro de ouro, prata e esmeraldas para a Espanha. Desaparecido desde o século 18, quando foi afundado pelos ingleses, o San José Abriga o maior tesouro marinho de que se tem notícia, cujo valor é hoje estimado entre 5 e 11 bilhões de dólares.

Enquanto isso as calmas águas que banham nossas praias revoltam-se imperceptivelmente. O mar quer tomar a terra, aproveitando-se da elevação da temperatura ambiente.  Mas, os homens reunidos em Paris não chegam a acordo sobre a emissão de gases estufa.

Como será o mundo daqui a um século?

Tristes dias

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Um país atônico assiste aos lances da queda de braço entre o governo federal e o presidente da Câmara dos Deputados. A troca de acusações nos mais altos redutos políticos do país espanta, incomoda, atordoa. Quem são essas pessoas que parecem jogar cartas, colocando em jogo o destino e milhões de pessoas? Que direito têm elas de colocar seus interesses pessoais acima do interesse comum?

Enquanto isso a depressão se aprofunda. Ninguém tem estímulo - ou coragem - para arriscar-se em investimentos. As recentes classes emergentes retornam às posições originais encerrados os sonhos de consumo. O comércio retrai. Os empregos desaparecem. A pobreza se escancara. Mas, o que mesmo importa aos ocupantes dos mais altos cargos da República é vencer suas disputas, superar as ameaças que pairam sobre suas cabeças.

Tristes dias esses nos quais nada resta para se acreditar. Tristes dias nos quais o descrédito em relação à classe política é quase total. Tristes dias nos quais o gigante adormecido sofre ainda mais pela anestesia imposta aos seus movimentos.

O “Brasil mostra a sua cara” da música está sem face. O mundo nos olha como a um paciente de doença grave determinada pela corrupção e falsidades sem fim.

Tristes dias nos quais nem dá vontade de sair da cama.

Talvez um novo dilúvio?

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Todo mundo sabe que Noé foi competente em relação à missão a ele confiada por Deus. O homem se desdobrou para construir a arca e enfiar dentro dela representantes das espécies vivas que povoavam a Terra. Feito o trabalho, arca lacrada, vieram as prometidas águas que inundaram o planeta. Quando as coisas se acalmaram os seres vivos voltaram a povoar a Terra.

Estão em Paris autoridades em reunião sobre o cima. Ninguém duvida de que todas as nações têm obrigação quanto ao empenho de preservar o ambiente. A situação atual é descrita como desesperadora. Não restam dúvidas de que haverá o aumento da temperatura do planeta com suas inevitáveis consequências.

Enquanto isso o mundo contorce-se em ponta-cabeça. Instala-se a Babel onde cada povo fala língua ininteligível a outros povos. Inexistem acordos perenes. A liberdade é sufocada. Forças malignas brotam a cada dia espalhando terror. Combatem-se inimigos que fazem uso de arma contra a qual quase nada se pode fazer: a própria vida. Quando morrer passa a ser entendido como sacrifício necessário pessoas amarram bombas ao próprio corpo e as detonam, levando consigo vítimas inocentes.

Paris praticamente sitiada pelo terror coloca toda a Europa em estado de atenção. No Brasil uma crise que já parece insolúvel expõe a população a sacrifícios desnecessários. A cada dia notícias sobre corrupção avolumam-se assustadoramente. A dúvida insere-se no cotidiano das famílias que já não sabem em quem acreditar.

De repente o estardalhaço da aceitação do pedido de impeachment da presidenta.  As entranhas do país se revolvem. O governo vem a público para descaracterizar a validade do processo. A oposição regozija-se. O homem comum pergunta-se sobre a nau sem rumo que se tornou o país.

O mundo vai mal. Os homens não se entendem. O mal parece governar as ações. Será tudo isso prenúncio de um novo dilúvio?

Encontro casual

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Só reparei que o homem atrás da mesa tinha aspecto que me era familiar algum tempo depois. Antes, enquanto esperava para ser atendido, o sujeito me pareceu um desses funcionários públicos de comportamento pouco amigável. Era desses caras ciosos de seu dever que pouco se importam com os problemas dos contribuintes a quem atendem.

Eu recebera uma notificação de multa, por isso estava ali. Ao me sentar passei ao atendente os meus dados e, para a minha surpresa, ele me olhou com alguma curiosidade. Depois disse que talvez tivesse me conhecido quando menino pois meu nome não lhe soava estranho. Assim, conversa vai, conversa vem, descobrimos que éramos oriundos da mesma cidadezinha do interior. Mais: o funcionário era filho do falecido Pereira a quem conheci muito bem.

Então ele era filho do Pereira. Coisa estranha encontrá-lo. A primeira coisa que pensei é se ele saberia da história do casamento de seus pais. O Pereira fora um fazendeiro de posses que se apaixonara por uma bonita moça que viera para trabalhar na escola local. A moça era professora o que, naquela época e região, a tornava bom partido: tinha emprego e ganhava bem. Mais que isso, a moça dizia pertencer a família endinheirada da qual seria herdeira. Prato feito para o Pereira que naquela época já passara dos 40 anos de idade.

Para encurtar a história os pombinhos não perderam tempo e se casaram. Amores de parte, bom negócio para ambos. Bom negócio? Não demorou para que a realidade se impusesse ao casal. Na verdade o Pereira omitira sua atual condição financeira. Já não tinha terras e estava quebrado. Quanto á professora, nada de família endinheirada. De modo que outra opção não tiveram que a de levar a vida em frente, enfrentando os percalços.

Desse tempo me lembro bem do Pereira a quem encontrei já morando em outra cidade. Era um homem magro, algo imponente, com a barba sempre por fazer. Trajava um terno surrado mas, mantinha o jeito da antiga realeza de proprietário de fazendas com muitos empregados. Quando cruzei com o Pereira ele já passar dos 60 anos e eu teria uns 20. Ao me ver ele me abraçou, perguntou de meu pai e conversamos animadamente sobre conhecidos comuns. O forte abraço na despedida pareceu-me um tanto exagerado, hoje entendo que se tratava de algum tipo de reconciliação do Pereira com o passado.

No fim das contas, na repartição a que fora tinha, bem à minha frente, o filho daquele louco casal que se metera na dura batalha pela sobrevivência cheio de esperanças que, afinal, foram fraudadas. Obviamente, não tive coragem de perguntar nada ao filho do casal. Através dele apenas soube que seus pais há muito haviam falecido e, só depois disso, tratamos do motivo que me levara até lá.

Na rua, depois de sair, lembrei-me do Pereira e da mulher e na luta deles. A morte que tudo encerra havia levado aquelas pessoas e apagado os sinais que deixaram no mundo. Exceto aquele filho que permanecia, atrás de uma mesa, ele tão parecido com o pai no seu modo de ser e falar.

Escrito por Ayrton Marcondes

2 dezembro, 2015 às 12:57 pm

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Na prisão

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Publicou-se foto de José Maria Marin, ex-presidente da CBF, ajoelhado na catedral de St. Patrick, New York. Marin cumpre prisão domiciliar em seu apartamento no glamoroso Trump Tower, situado na 5ª Avenida daquela cidade.

Convenhamos que se tratam de condições excepcionais para uma pessoa presa, embora Marin tenha pago fiança milionária para ter direito ao benefício. Mas, os casos de prisão domiciliar dão o que pensar. Com a Operação Lava-Jato acontecem casos desse tipo em nosso país. Os presos usam tornozeleiras de localização e ficam sob a vigilância da polícia. Mas, será mesmo a prisão domiciliar uma vantagem enorme sobre a vida nos presídios?

No Brasil, dadas as condições em que vivem os reclusos, é obvio que sim. Mas, mesmo em casa a situação deve ser desoladora. Imagino-me dentro da minha casa, sem licença para sair dela. Se mesmo em liberdade há momentos em que tenho necessidade de dar uma voltinha porque me canso de estar em casa…

Hoje em dia gente graúda está atrás das grades devido ao envolvimento no chamado petrolão. Figuras exponenciais da vida pública são encarceradas por corrupção. Desvios de somas fantásticas de dinheiro são identificados, tendo atrás de si nomes de projeção nacional. Alguns dos acusados são pessoas que contavam até ontem de reputação ilibada junto à população. De repente…

Mas, como se sentirão esses homens que desfrutavam de todas as comodidades, tinham enorme poder e viviam em tetos superiores aos dos mortais comuns? Como será para o proprietário de uma enorme construtora permanecer atrás das grades, afastado de seus privilégios? Como será para um senador da República ser recolhido à prisão, autuado em flagrante?

Melhor não imaginar. A liberdade pertence à categoria de bens que não têm preço. Nada justifica, por melhor e maior que seja, fazer algo que redunde na perda da liberdade.

Liberdade é valor para o qual não existe moeda de troca. Perdê-la faz ruir o mundo em que se vive e o horror da prisão esmaga os valores em que acreditamos.

Portanto, olho aberto aí, pessoal.

Rumo ao Miss Universo

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A nova Miss Brasil é gaúcha e se chama Marthina Brandt. Alta, loira, olhos claros, esguia, bonita, representará o país no concurso de Miss Universo. Um tio dizia não entender a aplicação do termo “universo” ao concurso. Universo é amplo demais, envolve outros planetas, estrelas, enfim tudo. Teríamos representantes dos quatro cantos do universo e o júri seria composto por juízes capazes de analisar belezas diferentes. Uma mocinha de Júpiter, por exemplo, talvez não estivesse dentro do padrão de beleza a que estamos habituados. E quanto à representante de um meteoro? De modo que para o meu tio o concurso deveria eleger a “Miss Terra”, restrição que tonaria a coisa mais real.

O fato é que hoje em dia concursos de misses não têm o apelo de antes. A turma mais nova não sabe, mas como se torceu pela baiana Martha Rocha, a mais bela miss brasileira da época. Falava-se muito sobre a sua derrota injusta porque os juízes teriam levado em conta duas polegadas a mais em seu quadril. Martha ficara em segundo lugar por um nada de duas polegadas a mais nos quadris não importava a ninguém saber que medidas representavam as tais polegadas. O pior é que só mais tarde se soube que essa história de polegadas a mais fora invenção de jornalistas brasileiros ávidos por inventar notícias. Mas, Martha Rocha já tinha se tornado padrão nacional da beleza brasileira, orgulho da nação. O ano era o de 1954. Um mês depois do concurso realizado em Long Beach Getúlio Vargas se suicidaria é o  Brasil seguiria sua história de desajustes que culminaria no golpe militar de 1964.

Houve uma gaúcha que venceu o Miss Universo. Foi a Ieda Maria Vargas que ganhou em 1963 no concurso realizado em Miami Beach. Ieda vencia após três segundo lugares de brasileiras, o de Martha, Terezinha Morango e Adalgisa Colombo. Martha e a beleza brasileira estavam, finalmente, vingadas. Nova vitória da nossa beleza aconteceria em 1968 com Marta Vasconcelosno topo de Miss Universo.

Eram outros tempos nos quais os concursos de misses despertavam enorme interesse. Num avacalhado protesto de baianos contra cariocas e paulistas que diziam que baiano espera chuva pra ver como entra água no coco Gordurinha cantava a música “Baiano burro garanto que nasce morto”. Na letra exaltavam-se baianos célebres como Rui Barbosa e Castro Alves. De Martha Rocha cantava-se: “A Martha Rocha, violão baiano, foi mostrar pro americano que a Bahia já tem vez”.

Bons tempos de um povo em busca da identidade nacional ainda hoje não bem caracterizada. Pelo que só nos resta desejar muita sorte a essa beleza que é a nova Miss Brasil.