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Tem que ser contra

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FHC escreve em seu diário que diretor de diário de grande circulação no país afirmou que jornal tem que, obrigatoriamente, ser contra o governo. Jornal é, portanto, oposição.

O que pouco se vê nas páginas de jornais é pluralidade de opiniões, favoráveis e desfavoráveis. Segue-se certa linha, tantas vezes valendo tudo pela primogenitura da notícia.

Recentemente, famoso jornalista britânico explicou como se dá o funcionamento dos muitos jornais e tabloides do país. A liberdade de opinião do jornalista é condicionada por imposições econômicas, linha editorial e outras razões. Na Inglaterra cujo território é pequeno vivem cerca de 50 mi de pessoas e a circulação de jornais é rápida. Os tabloides fazem sensacionalismo e nem sempre os furos de reportagem correspondem à realidade. Além do que, hoje em dia, os jornais contam com um poderoso concorrente: a internet. A agilidade e facilidade de divulgação de notícias pela internet geraram um estado novo cujas circunstâncias são desafiadoras. E isso influi na postura dos jornais que lutam para sobreviver.

Leitor voraz de jornais me pergunto sobre a permanente oposição e os limites a serem impostos ao sensacionalismo. Desmentidos quando publicados em geral não o são com o mesmo destaque das notícias que os geraram. Além do que fica o leitor na condição de receptáculo de informações mediadas por intermediários nem sempre confiáveis.

O leitor da mídia impressa obviamente não tem acesso às fontes primárias de notícias. De modo que a oposição sistemática, por exemplo, acaba por condicionar visão negativa de governos que, afinal, podem ser responsáveis por muitas realizações.

Dirão que sempre foi assim, não há outro jeito de ser. Em seu retorno ao poder, em 1951, Getúlio Vargas valeu-se do apoio do jornal “Última Hora” dirigido por Samuel Wainer. A imprensa sempre foi poderoso meio para auxiliar governos ou mesmo para destruí-los.

Enfim, a questão que se impõe é: até que ponto o que eu penso ou acredito provém da manipulação de informações que recebo diariamente?

A ideia de sermos constantemente manipulados através das informações que recebemos é de fato ultrajante.

O feio e o belo

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Notícia ruim é o que dá Ibope. Procure-se algo de bom na primeira página dos jornais e, talvez, nada seja encontrado. Hoje mesmo só se fala do déficit nas contas do governo, nas acusações ao presidente da Câmara, nos baixos preços das exportações do país, na morte de conhecida atriz de novelas, nas investigações da Polícia Federal, no conflito entre israelenses e palestinos etc. Nada de bom, nada de novo, nada de estimulante.

De tal modo somos sentenciados a viver num mundo convulso que não sobra quase nada de belo para se pensar ou ver. Fotografias exibidas nos jornais e na internet em geral mostram coisas que não gostaríamos de ver. O bem não vira notícia, embora continue a ser praticado. Na guerra entre o bem e o mal, o mal parece estar vencendo. Daí viver-se com medo, afrontado pelas possibilidades de perigos iminentes. Quando não se trata da ação direta do homem, o mal acontece pela força dos elementos naturais. Agora mesmo o Rio Grande do Sul enfrenta a maior enchente do Rio Guaíba com consequências terríveis para as populações ribeirinhas. Cidades inundadas, perdas enormes decorrentes de enchentes e tempestades, desabrigados… Isso sem falar na tragédia que tem custado a vida de inúmeros imigrantes que fogem de deus países em guerra buscando melhor vida nos países europeus.

Por tudo isso e muito mais o mundo se parece cada vez mais um lugar feio, desinteressante, no qual os seres humanos são acuados por forças contra as quais pouco ou nada pode fazer. O cidadão não se sente seguro nem mesmo dentro de sua própria casa, que dirá fora dela.

Entretanto, o mundo é belo. Vale enfatizar: o mundo o belo. Para quem anda esquecido disso o que se recomenda é desligar-se um pouco do noticiário e afastar-se só um pouquinho da confusão das grandes cidades. Sugestões não faltam. Para ficar só com uma, vá visitar as Cataratas do Iguaçu. E não fique apenas do lado brasileiro. Atravesse a fronteira e passe um dia do lado de lá, nas cataratas argentinas. Entre no trenzinho e vá até o ponto final, a Caverna do Diabo. Estremeça diante de algo que até parece sobrenatural. Depois retorne e faça a trilha inferior, trajeto de grandes belezas no qual serão presenciadas imagens inesquecíveis.

Vale a pena dar uma volta por aí para se constatar que o mundo é belo, que o belo é muitas vezes maior que o feio que nos cerca no dia-a-dia.

Mulheres nuas

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De que os olhos masculinos são atraídos pelas belas formas do corpo feminino não existem dúvidas. Cabeça de homem é cabeça de homem - sentenciava certa vez um amigo após a décima rodada de cerveja em mesa de bar. Aliás, naquela noite os convivas concluíram sobre a impossibilidade de homem entender completamente a cabeça de mulher e vice-versa.

No passado ver fotografia de mulheres nuas era muito, muitíssimo difícil. As revistas “O Cruzeiro” e “Manchete” traziam na capa mulheres de maiô que faziam a delícia dos interessados. Minha tia achava aquilo ultrajante, sempre se perguntando o que queriam aquelas beldades ao mostrar “quase” tudo. As “certinhas do Lalau” faziam furor. Mas, o mundo era outro.

Hoje em dia tudo o que se queira ver sobre sexo está na internet. Mulheres e homens nus, sexo explícito, enfim, tudo. Há listas dos melhores sites sobre sexo e, no caso de mulheres, separação de acordo com o tipo: jovens, maduras, seios grandes, bundas, famosas etc. De modo que a rapaziada tem ao seu alcance o tipo de mulher que deseja ver sem roupa, para isso bastando clicar no mouse.

Aliás, é exatamente isso o que dizem os executivos da revista “Playboy” norte-americana para justificar a não inclusão de fotos de mulheres nuas em suas páginas a partir de agora. Então a “Playboy”, ícone que contribuiu para tantas mudanças de comportamento no século passado, mudará sua linha editorial. Nada de belas garotas nuas dado que elas podem ser vistas - e gratuitamente - nos sites da internet. As tais coelhinhas do Hugh Hefner desaparecerão, vencidas pela modernidade tecnológica.

Verdade que sobre as mulheres nuas mostradas em revistas sempre pesou a acusação de serem irreais. As fotografias são retocadas e as mulheres surgem perfeitas, admiravelmente perfeitas. Manchas, gordurinhas e outras características encontradas nos seres normais simplesmente desaparecem nas beldades das páginas de revistas. Há quem se incomode com isso, lembrando os machos de plantão de que mulheres de verdade são aquelas com as quais eles s e relacionam.

A decisão dos executivos da “Playboy” certamente foi tomada visando a sobrevivência e a adaptação da revista aos novos tempos. Mas, não deixa de causar certo desconforto aos habituados à existência da revista. Ao deixar os nus no passado a revista nos obriga a refletir sobre a passagem do tempo, a mudança de costumes e o mundo novo em que vivemos. “Playboy” sem mulheres nuas seria algo impensável até há pouco tempo. A naturalidade com que se recebe a notícia, a pacífica aceitação do envelhecimento da política editorial da revista, a imposição dos argumentos que de fato justificam a medida, tudo isso nos distancia de um mundo no qual já vivemos e que escapa de nós, por vezes suavemente.

Então, se você passar por uma banca e der com a capa de uma revista sem o apelo de uma bela coelhinha nua, não se espante: trata-se da nova “Playboy”, adaptada a um futuro que não se sabe bem se queríamos que fosse assim.

Ninguém está a salvo?

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O presidente da Câmara Federal é acusado de ter recebido propina com dinheiros advindos do petrolão.  Desafeto do governo Eduardo Cunha tem nas mãos o poder de iniciar o processo de impeachment contra a presidenta da República. O caso ganha notoriedade, não se fala noutra coisa em Brasília. A classe política agita-se. Aliados de Cunha começam a debandar. Já não se pode apoiar alguém apontado pelos bancos suíços como proprietário de quatro contas nas quais foram feitos grandes depósitos. Publica-se que a mulher de Cunha gastou mais de 800 mil dólares, debitando esses valore em seu cartão de crédito. Fala-se que a situação de Eduardo Cunha é insustentável. Ele? Ora, nega tudo. Tem bala na agulha para detonar o governo e arrastar muita gente para o fundo do precipício. Se cair, não cai sozinho.

Enquanto isso o país naufraga. O governo erra seguidamente e sofre repetidos reveses. A mudança de ministros e o corte de ministérios parecem não ter logrado aplacar a fome de benesses pelas quais lutam deputados. Acordos do governo com o baixo clero político não deram certo. A economia vai de mal a pior. O ministro da Fazenda labora em batalha ingrata, havendo movimento para culpa-lo pela situação econômica do momento. Partidários da presidenta criticam seu governo e as medidas adotadas. Financistas e economistas vêm a público para anunciar o pior dos mundos. O país perde cada vez mais credibilidade no exterior. A crise espanta investidores, o dólar bate recorde, a inflação em alta, o desemprego cresce. Até haitianos que vieram recomeçar suas vidas no país estão dando o fora.

Mas, a pergunta que não quer calar é a seguinte: fosse Eduardo Cunha partidário do governo, teriam começado e seguido no mesmo ritmo as investigações sobre ele? Talvez sim, talvez não, provavelmente não. Nesse caso a celebridade e a oposição teriam custado caro demais ao presidente da Câmara. Tivesse ele continuado como simples deputado estaria na situação atual?

O caso Cunha nos faz pensar sobre o perigo de serem feitas investigações sobre muitos dos membros da classe política. Não será possível, indo-se a fundo, revelar-se que muita gente tem culpa no cartório?  Afinal, em quem devemos acreditar?

As denúncias que correm contra o presidente da Câmara Federal são inaceitáveis e a previsão é que renuncie ou venha a ser afastado do cargo.  Enquanto nada se decide tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Estocando vento

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A presidenta da República comparou reservas hídricas à estocagem de vento. Não foi com essas palavras, mas desenvolveu raciocínio nesse sentido. Obviamente, seus críticos desceram o pau. Ouvi pelo rádio jornalista perguntando-se sobre a sanidade da presidenta. E por aí vai.

Todo mundo sabe que a presidenta perde poder a cada instante. A mulher está sitiada. Cercam-na um bando de interesseiros, dispostos a barganhas nas quais o perde-ganha sempre se dá a favor deles. Assim o governo se decompõe, perde lastro. Torna-se impossível acreditar numa reviravolta quando até mesmo os partidários da presidente passam a criticá-la. Cada vez menos o governo conta com parceiros fiéis e interessados no bem maior do país.

Lembrei-me de Jânio Quadros. Dirão que não existem parâmetros para comparação entre a renúncia de Jânio e a situação da atual presidenta. Pode ser. Entretanto, certa vez li texto de jornalista, dizendo que o acabou com Jânio foi o isolamento. Fosse ele presidente no Catete não teria renunciado. Jânio era homem do povo, precisava de gente ao redor dele. Assumiu numa capital nova e distante de tudo. Dizem que afogava suas mágoas bebendo. Verdade ou não, certo dia surpreendeu o país, renunciando. Ainda me lembro da estupefação gravada na face das pessoas que transitavam nas ruas. O gesto parecia tresloucado, senão impossível. O homem sobre quem se depositara imensa confiança saia de cena, sem mais, nem menos.

A cena que nunca me saiu da cabeça quando da renúncia de Jânio foi a de um parente chorando. A cabeça do moço no colo de minha tia que tentava consolá-lo dava a dimensão exata do louco gesto do presidente. Chorava-se por toda parte. Chorava-se pelo Brasil.

Hoje tem-se uma presidenta isolada, embora cercada por muita gente. Não é estranho que tenha se confundido com as palavras ao desenvolver seu raciocínio sobre a energia eólica. A pressão sobre a presidente é grande demais.

Não se está aqui a defender o governo que, aliás, perdeu-se, errou demais. Mas dá para se imaginar o sufoco da presidenta tanto que não seria surpresa se viesse a renunciar.

Hotel da morte

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Está na internet a notícia sobre hotel indiano que hospeda apenas pessoas que morrerão em duas semanas. O hotel fica perto do sagrado Rio Ganges, local onde os corpos são queimados após a morte.

O hotel Mukti Bhawan é conhecido como Casa da Libertação. Hospedar-se nele só para aqueles em estado terminal. Relata-se casos de pessoas que não morreram em duas semanas e tiveram que voltar outras vezes.

Mas, como prever ou definir a data da morte? Mesmo pacientes terminais podem se demorar a despedir-se desse mundo. Quem já passou noites em corredores de hospitais pode ter-se encontrado com senhoras que se dedicam a confortar pacientes graves e familiares.  Essas mulheres seguem de perto o período final dos doentes e adquirem certo trato com a proximidade da morte. Certa ocasião tínhamos parente em estado terminal, sofrendo muito, mas que se demorava a morrer. Aconteceu de uma senhora vir ao quarto e sugerir que fôssemos para casa. Segundo ela a nossa presença mantinha a ligação do doente que não queria deixar-nos. Dado o visível sofrimento acabamos por aceitar a sugestão e, de fato, pouco depois, o doente faleceu. Até hoje me pergunto sobre a eficácia da recomendação daquela senhora a quem nunca mais encontrei. Puro acaso?

A Califórnia acaba de sancionar lei que permite o suicídio assistido. Pacientes com previsão de morte em no máximo seis meses podem optar por injetar-se drogas que provoquem a morte. A permissão acontece depois do caso de uma californiana que mudou-se para o Oregon com a finalidade de suicidar-se. Era uma moça com câncer em fase terminal.

É de se imaginar o sofrimento de pessoas que se hospedam no hotel indiano, aguardando o momento da morte. Não se trata de um hospital e os pacientes carecem de acompanhamento especializado. Dirão que morre-se como sempre se morreu, nas casas, longe dos hospitais. Pois é, mas o problema é o sofrimento.

Errando o caminho

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Um casal de idosos ia à praia e errou o caminho. Meteram-se numa favela onde foram recebidos com tiros.  Atingida a mulher não resistiu, tornando-se mais uma vítima nas estadísticas de homicídios.

Que me perdoem os usuários do Waze, mas tenho medo das rotas alternativas sugeridas pelo aplicativo. Há duas semanas fui ao bairro do Morumbi visitar parentes. Ocorre que era domingo e justamente naquela tarde jogavam São Paulo e Palmeiras no Estádio do Morumbi. Habitualmente passo pelo estádio para pegar a Av. Giovani Gronchi.  Entretanto, dado o grande afluxo de torcedores ao jogo e o trânsito complicado, decidi seguir outro caminho sugerido pelo Waze.

Bem. Eis que, de repente, me vi dentro da favela Paraisópolis. Era uma subida íngreme, numa longa rua de exíguo espaço pela qual só passava um carro, embora o trânsito nos dois sentidos. Não havia como voltar, daí só me restar seguir adiante. As pessoas me olhavam, cientes de que eu me perdera.  A certa altura tive que me arranjar junto à parede de uma casa para ceder espaço a uma Kombi que descia. Mais à frente dei com um táxi e foram necessárias várias manobras para que eu pudesse seguir o meu caminho. Por fim, já no alto, dei com um carro atravessado na rua. Ia me desesperando quando um homem, filho no colo, apressou-se em manobrar o carro, deixando-me passar. Poucos metros à frente, enfim a Giovani.

O mais interessante foi descobrir que aquela incursão em Paraisópolis encurtara enormemente o caminho, tanto que poucos minutos depois, cheguei ao meu destino.

Você me pergunta se tive medo. Sinceramente? Não! As pessoas me trataram com urbanidade e respeito. Um amigo me disse que passei por lugar potencialmente perigoso onde, tempos atrás, haviam matado uma autoridade que errara o caminho.

O Waze é ótimo e nos ajuda muito. Mas, há que se tomar cuidado com certas rotas sugeridas, ainda mais quando estamos em lugares que não conhecemos.

Viver outra vez

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Recentemente a atriz Fernanda Torres escreveu sobre envelhecer, dizendo: nunca pensei que isso fosse acontecer comigo. Pois é, acontece a todo mundo, indiscriminadamente. Ninguém escapa, nem mesmo os “eternos mocinhos e mocinhas” que capricham na aparência. De fato, cirurgias plásticas e outros cuidados têm proporcionado excelentes resultados.

Nesta semana um fato inusitado trouxe à luz comentários que deveriam permanecer nas sombras. O também ator Stênio Garcia e sua mulher tiveram suas intimidades devassadas com o vazamento, na internet, de fotos deles nús. A situação em si revoltante deu, também, margem para o exercício da maldade de alguns que valeram-se da oportunidade para destacar o fato do ator ter 83 anos de idade. Não se perdoa a velhice, ainda mais desnudada.

A velhice, na medida em que avança, desperta inquietações a respeito da proximidade do fim. Afinal, como será morrer? Em que circunstâncias? E, pior: o que nos espera após a morte? Será ela o fim de tudo? Ou a alma sobreviverá sobre ela pesando o julgamento dos atos em vida com a premiação da entrada no céu ou a condenação ao inferno? Ou haverá mesmo a reencarnação, consistindo a existência numa série de retornos para aperfeiçoamento do espírito até que se dê por terminada essa tarefa?

De todas as possibilidades talvez a mais assustadora seja a hipótese de reencarnação. Não sei se você já pensou nisso, mas vida terminada gostaria mesmo de nascer de novo e viver outra vez.? Eis aí questão complexa. Quando penso na vida toda, em tudo que consigo me lembrar,nas alegrias e tristezas, nas conquistas e perdas, nas imensas dificuldades, nas boas e péssimas pessoas com quem fui obrigado a conviver, nas injunções dos momentos sociais de cada época, enfim, em tudo, sinceramente fico em dúvida. Viver outra vez? Aperfeiçoar- me? Bah…

Mas, a vida é assim, de nada adianta reclamar. Mais dia, menos dia, a morte fará a sua parte e só então o enigma poderá ter alguma resposta. Gosto muito da imagem de um trem no qual embarcam os mortos. Entretanto, sou adepto apenas da viagem de ida. Quanto a voltar, viver tudo isso de novo por mais gratificante que tenha sido…

Escrito por Ayrton Marcondes

3 outubro, 2015 às 4:58 pm

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Orlando Silva

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Orlando Silva faria 100 anos hoje. Morreu aos 62 anos de idade, em 1978, quase esquecido. Conhecido como “Cantor das Multidões” até hoje é considerado pelos entendidos como o maior cantor brasileiro. Sua voz inconfundível e memoráveis interpretações, nas quais muitas vezes nos perguntamos em que momento o cantor respira, fizeram grande sucesso no passado. As principais gravações de Orlando Silva aconteceram entre 1945 e 1932. Depois disso vida atribulada e consumo de drogas puseram fim à brilhante carreira artística do cantor.

Em meus tempos de menino ouvia em casa falarem sobre Orlando Silva. Meus pais e parentes falavam dele a quem tinham como ídolo. Não restavam dúvidas em relação à posição de Orlando como maior cantor brasileiro de todos os tempos, mesmo em se considerando seu contemporâneo Francisco Alves. Aliás, foi o Chico Alves quem trouxe Orlando Silva ao rádio no qual este se tornaria maior que o próprio Chico.

Naquele Brasil dos anos 50 do século passado Orlando Silva, ainda vivo, mas já sem a grande voz, era uma lenda. Lembro-me de certa conversa na qual um parente dizia ser Orlando Silva um Frank Sinatra brasileiro. Orlando cantava sem gritar como seu antecessor Vicente Celestino e outros. Sabia usar a voz e isso era natural nele dado que sua técnica não foi adquirida em cursos etc.

Eu era pouco mais que um bebê no dia em que morreu Francisco Alves, o “Chico Viola”. Chico morreu em acidente de carro, na Via Dutra, em Pindamonhangaba. Tamanha comoção nacional causou o falecimento do cantor que mesmo sendo bastante pequeno guardeia as imagens de desconsolo de seus fãs. Lembro-me bem de minha mãe e minha tia, lágrimas nos olhos, ouvindo as notícias pelo rádio e falando sobre o desaparecimento de Francisco Alves.

Eram outros tempos aqueles nos quais o rádio se constituía no único meio de divulgação no país, além do noticiário dos jornais que sempre chegavam atrasados às localidades mais distantes.

Orlando Silva foi ídolo das multidões às quais encantou com sua voz. A voz de seus tempos áureos pode ser ouvida embora os parcos recursos na época em que foi gravada. Mas, permanece o ídolo que faz parte de rico passado, nem sempre valorizado, dos brasileiros.

O velho do ponto

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O velho parado no ponto de ônibus trazia no olhar o desencanto pela mesmice. Para ele o mundo talvez não mudara nada nos últimos 50 anos. As pessoas que passavam por ali seriam as de sempre, seres humanos, simplesmente. O olhar do velho não era de julgamento: mostrava o desinteresse por um mundo no qual deveria seguir vivendo apesar do enfado. Talvez não ansiasse pela morte. Aceitaria o enigma da existência sem questioná-lo.

Mas, por que estaria o velho ali, àquela hora, parado no ponto por onde nenhum ônibus passaria? Não saberia ele que o ponto fora desativado desde que a engenharia de tráfego da cidade mudara o sentido do trânsito? Não fora informado de que o novo alcaide, um rapaz reformador, parecia tirar da cartola mudanças radicais que geravam protestos como aquele na ponte no qual uma moça fora atingida e morrera?

O velho parado no ponto talvez fosse insensível às notícias recentes. Seu olhar traduzia a amargura de acontecimentos passados e talvez não tivesse mais força para novidades.

Foi assim que eu o vi. De dentro do carro encarei o velho. Tamanha impressão me causou seu rosto que suspeitei que, talvez, não fosse real. Velho imaginário, então? Ou seria a minha própria imagem, parte do que fui sou e serei?

Tenho passado pela mesma rua regularmente. Não encontrei mais o velho. Aliá, nem o ponto de ônibus que, pensando bem, talvez nunca tenha existido.

Escrito por Ayrton Marcondes

1 outubro, 2015 às 10:46 am

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