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Fotos comparativas
Não sei com que intenção publicam-se fotos de pessoas quando jovens e de agora, lado a lado. Aquela moça que foi capa da revista Playboy há 30 anos hoje é essa senhora… A atriz que estrelou a novela das oito nos anos oitenta transformou-se na simpática avó da foto ao lado… A mocinha que se deixou fotografar nua e fez a alegria da moçada em 90 casou-se, tem três filhos e agora…
São sempre duas fotos, uma de antes no auge da beleza, outra atual depois de passados tantos e tantos anos. Você que adorava aquela mulher a quem todo dia via na telinha da TV pode se espantar ao vê-la envelhecida, embora conserve traços de sua antiga beleza.
O tempo passa, o tempo voa. Você que observa as fotos e vai clicando o mouse para ver as seguintes. Você olha com os olhos de ontem, embora talvez isso não passe pela sua cabeça. Talvez também não se dê ao trabalho de se lembrar de que o cara que está diante da beleza passageira também ele envelheceu, daí que o mais certo seria olhar para as senhoras da coluna da direita com a ternura do fã que compreende as regras inexoráveis da vida.
Amigos, a beleza é imortal. Devemos deixá-la no lugar onde se exibiu com máxima força, encantando os nossos olhos. Ingrid Bergman sempre será a maravilhosa mulher que contracenou com Bogart em Casablanca. As fotos de Bergman envelhecida em nenhum momento destoam da jovem atriz, mas não há que se colocá-las lado a lado como se a escrever um epitáfio. Trata-se, antes de tudo, de respeito pela beleza.
Se você tiver nas mãos um exemplar de “Manchete”, da década de 60 do século passado, poderá encontrar fotografias das “certinhas do Lalau” que faziam a alegria da moçada sequiosa. Pois as “certinhas” que para o gosto de hoje talvez fossem um pouco mais rechonchudas devem permanecer lá, no passado, quando tanto brilharam e emocionaram seus admiradores. Nada de serem ressuscitadas de décadas passadas para se constatar como ficaram. O mesmo se pode dizer das mulatas do Sargentelli, das chacretes do Chacrinha e tantas outras.
Mas, afinal, qual é mesmo o sentido de se exporem fotos comparativas entre o que uma mulher foi e o que se tornou no presente?
Ricardo Oliveira
Se você ama futebol não perca a oportunidade de ver Ricardo Oliveira jogando. Mas, é preciso vê-lo ao vivo, não pela TV. Só no estádio você poderá acompanhar a perfeição de um jogador que sabe tirar proveito de sua idade dimensionando o modo de atuar.
Maradona admirava Romário de quem dizia ser profundo conhecedor dos espaços da área. De fato o lugar onde Romário se tornava rei era a área. O “Baixinho” conhecia os caminhos do gol. Mestre em seguir por atalhos que só sua genialidade e habilidade descobriam e realizavam.
Ricardo Oliveira é jogador dessa estirpe. Pertence ao seleto grupo dos que conhecem os segredos de sua arte e sabe como colocá-la em prática, resultando em gols. Vê-lo em ação é um colírio para os olhos. Ricardo não corre: caminha. Tendo o “timing” perfeito do jogo, está sempre no lugar certo, cercado pelos defensores da equipe adversária. Mas, quando a bola chega ele transforma-se. De repente acontece a explosão muscular. Agora é o Ricardo veloz e fatal, que entra em luta contra os adversários dentro da área, sempre em direção ao gol. Para esse bruxo não há como desperdiçar oportunidades. Rápido e certeiro, eficiente, o atacante contempla os torcedores com a eficácia de suas jogadas e os gols que saem de seus pés.
Ontem à noite, na Vila Belmiro, foi assim. Ricardo Oliveira anotou dois gols. No final do jogo foi substituído, saindo de campo ouvindo seu nome gritado pela torcida em pé. Justa homenagem de um povo que sabe reconhecer os méritos de seu ídolo.
Menino afogado
O refugiado pergunta sobre a diferença entre morrer na guerra da Síria ou afogado no mar. Diariamente centenas de imigrantes arriscam-se em travessias, tentando chegar aos países europeus. Muitos percorrem imensas distâncias a pé. Homens, mulheres e crianças fugindo. A busca por vida melhor conduz massas humanas em travessias das quais nem todos escapam. A toda hora barcos com centenas de pessoas afundam e muitas delas perecem no mar. Nesta semana a polícia austríaca encontrou 71 cadáveres dentro de um veículo à beira da estrada.
Imigrantes. A Europa não sabe o que fazer para conter esse movimento que a todo transe se avoluma. Fronteiras são fechadas, trens impedidos de circular, gás lacrimogênio é atirado para conter turbas que tentam atravessar fronteiras. Governos discutem sobre o melhor modo de agir, radicais exigem que imigrantes não sejam aceitos, instituições lembram que imigrantes também são seres humanos.
São notícias distantes. Acontecem a milhares de quilômetros, não afetam o nosso dia-a-dia. Então aparece esse menino deitado, de costas, em praia turística da Turquia. Ele dorme serenamente. Terá no máximo dois anos, veste camisa vermelha e bermuda azul. Os sapatinhos estão encharcados. Dorme profundamente o longo sono da morte. O pequeno imigrante afogou-se na travessia e foi devolvido pelas ondas marítimas.
Não há como permanecer isento diante dessa cena tão calma e entretanto cruel. A vida que já não habita o pequeno corpo nos interessa de perto. O pequeno cometeu o pecado de ser imigrante, ter sido levado de sua terra pelos pais cujo destino se desconhece, talvez também mortos.
Um pequenino corpo grita alto numa praia da Turquia. Ele nos clama por responsabilidade. É preciso agir diante do perigo de deixarmos ser verdadeiramente humanos.
Festas de casamento
A verdade é que a turma gosta de festas de casamento. Aliás, boas festas custam um dinheirão. Empresas e buffets cobram valores altos de modo que casais pagam em várias prestações pela festa a ser realizada. Para quem é convidado tudo acontece numa boa. Bebida e comida a vontade fazem a alegria da multidão.
Há muitos e muitos anos fui a um casamento num distrito de cidade do interior. A cerimônia foi realizada na igreja do lugar após o que os poucos convidados dirigiram-se à casa da noiva. Era uma manhã de domingo e fazia um calor de rachar. O problema foi que quase nada tinha sido preparado para a recepção. Serviram-se uns poucos salgadinhos e a bebida era apenas a boa e velha garapa. No quintal o pai da noiva manejava um triturador de cana e servia aos convidados bons copos de garapa. Sem gelo, aliás. De modo que, de parte da alegria dos noivos, aquele foi um casamento inesquecível. Realizado dentro dos parcos recursos da família da noiva o importante parece ter sido desencalhar a filha que já ia depois dos trinta. Naquela época mulher que não se casara até a dobra dos trinta passava ao batalhão das “encalhadas”.
Mas, às gordas festas. Pois não é que na Argentina surgiu a ideia de realização de festas de falsos casamentos? Tudo bonitinho, convidados com roupas de gala, atores profissionais no papel de noivos, open bar, etc. Os ingressos são vendidos e se esgotam de modo que os falsos casamentos se tornaram boa opção para noitadas de alegres convivas. Relata-se, ainda, que festas do mesmo gênero acontecem na Rússia.
O fato é que não existem barreiras para a imaginação humana. Tudo se torna possível, há sempre os inclinados para determinados tipos de apelos.
Confesso que não participaria de uma falso casamento. E você?
Armas de fogo
Meu pai tinha um revólver Smith-Wesson que herdou de meu avô. Vez ou outra se referia a essa arma que nunca chegou a usar. Ela tinha o significado de segurança de nossa família. Guardada numa gaveta repousava sempre pronta a entrar em ação caso fosse necessário. Mas, naquela época o mundo era mais tranquilo, a vida mais suave. Crimes aconteciam, mas não muitos. Se você lesse a Última Hora, jornal do Samuel Wainer, poderia ficar horrorizado com o noticiário sobre as violências de véspera. Diziam que se o jornal do Wainer fosse espremido sairia sangue…
Mas essas notícias soavam distantes. Na prática os assassinatos em cidades menores eram mais raros. Tanto que, quando aconteciam, geravam comentários generalizados. Usavam-se armas de fogo com parcimônia. Assim se passavam as coisas.
De modo que para quem carrega mais anos de vida em seu currículo as atuais mensagens divulgadas soam estranhas, senão incompreensíveis. Dias atrás 19 pessoas foram assassinadas em Osasco e Barueri. Outras 9 foram feridas. Banalizou-se o uso de armas de fogo e olhe que são proibidas. Novos tempos!
Já vão longe os dias em que armas de fogo permaneciam entre os guardados dos chefes de família à espera de um improvável momento de ação. Hoje moleques de 12 anos ou mais andam por aí armados e tiram vidas sem a menor cerimônia.
Há quem atribua mortes violentas a fatalidades. O sujeito estaria em lugar errado na hora errada. Creio que meu pai acreditava em destino e fatalidade. Acidentes não aconteceriam por acaso, estariam escritos na trajetória do acidentado. Aquele rapaz que passara pela nossa casa em direção a uma festa e que voltara morto após a cair da carroceira de um caminhão cumprira o que estaria previsto para ele. Nada mais.
Meu pai contava sobre conhecido dele que integrara as tropas brasileiras que lutaram na Itália no fim dafimbradounga Guerra. Terminado o conflito o soldado retornara à terra natal, trazendo consigo o trauma de vir a ser atingido por projétil de arma de fogo. Ora, isso seria impossível naquele final da década de 40 do século passado: cidade pacata na qual ninguém andava armado.
Aconteceu num domingo. O soldado que participara da guerra voltava da missa com a mulher. Ao passar defronte a casa de seu vizinho foi atingido por um tiro e morreu ainda na calçada. Naquele momento o vizinho limpava o revólver que dispara acidentalmente. A bala da qual o rapaz escapara na Itália viera encontrá-lo na cidadezinha onde vivia.
Fatalidade. Estava escrito.
Gente
Um amigo separa-se da mulher após quarenta anos de casamento. Ele me diz que simplesmente se tornara impossível continuar. Reconhece erros, mas que fazer se a vida a dois já não passava de um ritual de encenações?
Pergunto a ele sobre os filhos. Ora já são adultos, casados e com filhos. A turma entende a situação. Não é o que queriam, preocupam-se com a mãe. Aliás, a mãe segue irredutível, morando sozinha e longe. Por que a mãe não passa uns tempos na casa da filha até tudo se acomodar? Ora, ela sempre foi temperamental. Sangue quente o da mãe dizem os filhos ao pai. E u não sei? - pergunta o pai. Passei junto dela quase que toda a vida, eu a conheço muito bem, melhor que vocês.
No domingo o pai se reúne com os filhos e os netos. Almoçam juntos, depois levam as crianças a um parque. Falam sobre a mãe, sozinha lá, distante. Não seria possível o pai voltar atrás e retomar a vida a dois? Afinal, vocês já estão com quase 70 de idade… Um faz companhia ao outro…
O problema é que o pai - o meu amigo - tem a sede da novidade, de viver intensamente. Envelhecido, não está morto. Agradam-lhe as mulheres mais jovens. O sexo já não é o de antes, mas segue imperativo. Talvez tenha alguma namorada.
Pergunto ao meu amigo se realmente tem outra mulher. Ele sorri. Responde que essas coisas acontecem. Não diz claramente sim ou não, deixa vago o sim. Talvez a confissão o envergonhe. É um sujeito bem apessoado, embora um pouco pesado pela falta de exercícios.
O caso me faz lembrar de um parente que deixou a mulher e se meteu em muitas encrencas. Certa vez esse parente me disse admirar o meu pai que se manteve junto de minha mãe até o fim da vida, enquanto ele… Vá lá que o meu pai tinha os casos dele, mas família é família.
A regra muda com o passar do tempo. No passado o homem se arrogava o direito de ter casos fora do casamento, a mulher nem pensar. A união era mantida a qualquer preço sob juramentos falsos e muitas mentiras porque a todo custo havia que se manter a unidade da família.
Não sei o que dizer sobre o meu amigo. Se ele voltará atrás? Não creio. Está inseguro, perguntando-se se não fez besteira, mas voltar… Acho que talvez as coisas se ajeitassem melhor no tempo de meu pai.
Mona Lisa
Um parente dizia que o maior inimigo dos fantasmas é a luz elétrica. De fato no mundo iluminado de hoje parece que os fantasmas ficaram tímidos e não dão as caras.
Na minha infância o mundo era mais escuro. Morando em cidadezinha do interior tínhamos fornecimento deficiente de energia elétrica. Eram comuns as tais quedas de fase que por vezes persistiam por longos períodos. Acresça-se a isso as lâmpadas fracas que conferiam aos ambientes aquele clima de velórios.
Nas casas de antes os fantasmas aproveitavam-se do escuro, ficando à espreita de incautos e, principalmente, de crianças temerosas. Histórias de medo eram contadas e repetidas numa época em que as pessoas reuniam-se para longas conversas após o jantar - tudo muito diferente de hoje quando a TV e outros eletrônicos tornaram os papos furados quase desnecessários.
Em menino eu tinha medo de almas do outro mundo. Para mim se alguém morria imediatamente passava a fazer parte do exército dos fantasmas, dedicando-se a assombrar os pobres vivos que ficaram no mundo. Claro que também temia vampiros, lobisomens e outros seres fantásticos sobre os quais corriam narrativas de terem sido vistos por alguém nas redondezas. O fato é que seu sempre colocava alguns dentes de alho na janela do meu quarto de vez que, como se sabe, o alho afugenta vampiros. Crucifixos também.
Certas imagens me provocavam muito medo. Certa vez vi, pela primeira vez, uma fotografia da Mona Lisa do Leonardo da Vinci. Pois passei a ter medo daquele rosto com o sorriso enigmático que me parecia coisa do outro mundo. Quantas vezes, na cama e no escuro do meu quarto, eu pensava naquele rosto e temia que, de repente, ele surgisse em carne e osso pertinho de mim.
Agora leio que os cientistas acabam de descobrir o mistério do sorriso da Mona Lisa: a boca pode mudar de acordo com o ângulo em que é vista. A impressão de que a Mona esteja sorrindo muda quando olhamos diretamente para a boca: o sorriso parece inclinar-se para baixo, mudando o formato da boca.
Essa descoberta de cientistas britânicos surge para esclarecer a razão do meu medo em relação à Mona Lisa. Era do estranho sorriso e da boca que parecia mudar de forma que eu tinha medo. Para mim Mona Lisa estava viva no quadro, tanto que sua expressão mudava dependendo do ângulo em que a olhava. Talvez ela fosse uma dessas mulheres condenadas a viver prisioneiras na tela de um quadro, vítima de algum feitiço grande. Claro que eu não tinha noção de que Leonardo tivesse usado técnica especial para chegar a esse incrível efeito, aliás, nem mesmo que o efeito existisse.
A Mona Lisa que eu via quando criança tinha um sorriso estranho, coisa do outro mundo. A imagem dela se encaixava às maravilhas ao ambiente tão propício a histórias de medo que corriam ao tempo da minha infância.
Retratos
Imagens de pessoas a quem perdemos. Estão dentro de caixas amarelecidas. Os mortos vivem no escuro. Levanta-se a tampa de uma caixa e a luz interrompe o eterno descanso. Do papel saltam pessoas ansiosas como se prontas a revelar segredos tão bem guardados. Aquele homem, não foi ele que no carnaval de 98… O rapaz de olhos claros que foi levado num acidente, dizem que corria muito na estrada para Curitiba. A parenta que se suicidou sem deixar nenhuma explicação. Dizem que se apaixonara por malandro que a enganara. Ela está bonita na foto em seu corte de cabelo fora de moda, mas esvoaçante.
Murmúrios. Velhas histórias retornam com toda força. Família se reúne à volta da mesa de almoço. Conversam nem sempre placidamente. O pai que olha para o fotógrafo nunca se deu bem com o filho sentado do outro lado da mesa. Presos à circunstância de momento essas pessoas estão subitamente redivivas. Nada os impede de reviverem na memória do observador que as conheceu e acompanhou nos dias derradeiros de suas existências. Todos mortos, entretanto tão presentes, tão fortes, preservados numa fotografia.
O homem que quebra o selo da caixa dos mortos não o faz por acaso. Não se trata de encontro casual com um pacote há muito esquecido no fundo de uma gaveta. O homem que agora segura a caixa e olha para as fotos age de caso pensado. Ele procura, entre tantas, a imagem da mulher a quem tanto amou. Mas, estranhamente, não a encontra. Em vão repassa, retrato por retrato, o conteúdo da caixa sem que a imagem da amada surja diante de seus olhos.
É caso estranho esse. Ele procura por aquela que o deixou por outro e o fez sofrer. Mas, talvez ela não queira mais ser vista por ele. Dizem que caixas amarelecidas onde se guardam velhas fotos seguem regras próprias. Há quem afirme que os mortos das fotografias têm, no outro mundo, direitos assegurados. Talvez em nome de seus direitos a mulher procurada tenha se eclipsado. Ela bem que o avisara ao observador de que não queria vê-lo nem mais ser vista por ele: nem na vida, nem na morte.
Bloqueio
Não sei se a palavra certa é “bloqueio”. Ideias não faltam mas, convertê-las em texto exige grande esforço. Afinal, escrever para quê?
Suponho que algumas pessoas tragam do berço a capacidade de contar histórias. Algumas delas se tornam escritores medíocres, outras, raras, grandes escritores. No caso de escritores profissionais existem os que se mantêm em atividade até a velhice. Outros param a meio caminho. Há gente como Salinger que se notabilizou por trazer à luz apenas um livro. E por aí vai.
Talvez no cerne daquilo que seria bloqueio exista mesmo nada mais que indiferença. Sim, indiferença em relação a um mundo sobre o qual cada vez mais seja impossível interferir. Os discursos parecem esgotados. Os homens já não reagem aos costumeiros estímulos. Algo de novo paira sobre as cabeças que se mostram incapazes de decodificar o atoleiro de mensagens que circulam à nossa volta.
Um amigo me disse: se você já não tem nada a dizer à pessoa a seu lado, então nada há a ser feito. Que mensagem pode ter um texto bem elaborado, mas cujo conteúdo quase nada tem a revelar? Ou, de outra forma: para que repisar - e mal - temas desgastados, procurando inovar em solos que deixaram de ser férteis?
Entretanto, não há que se esquecer de que somos seres humanos, portanto imprevisíveis. Aliás, seres nos quais nem sempre o bom senso prevalece. Seres tantas vezes dados à irracionalidade. À revolta. À destruição de paradigmas. Seres essencialmente criativos aos quais não falta essa coisa à qual damos o nome de esperança. Desgastada que esteja, sufocada, a esperança sobrevive. Vai daí que o tempo passa e, certa manhã, igual a tantas outras, do nada brota uma trama completa e mergulha-se no texto do qual é impossível fugir.
Assim nascem os livros.
Armas de fogo
Meu pai tinha um revólver Smith-Wesson que herdará de meu avô. Vez ou outra se referia a essa arma que nunca chegou a usar. Ela tinha o significado de segurança de nossa família. Guardada numa gaveta repousava sempre pronta a entrar em ação caso fosse necessário. Mas, naquela época o mundo era mais tranquilo, a vida mais suave. Crimes aconteciam, mas não muitos. Se você lesse a Última Hora, jornal do Samuel Wainer, poderia ficar horrorizado com o noticiário sobre as violências de véspera. Diziam que se o jornal do Wainer fosse espremido sairia sangue…
Mas essas notícias soavam distantes. Na prática os assassinatos em cidades menores eram mais raros. Tanto que, quando aconteciam, geravam comentários generalizados. Usavam-se armas de fogo com parcimônia. Assim se passavam as coisas.
De modo que para quem carrega mais anos de vida em seu currículo as atuais mensagens divulgadas soam estranhas, senão incompreensíveis. Hoje, por exemplo, notícia-se que na noite passada 20 pessoas foram assassinadas em Osasco e Barueri. Outras 9 foram feridas. Banalizou-se o uso de armas de fogo e olhe que são proibidas. Novos tempos!
Já vão longe os dias em que armas de fogo permaneciam entre os guardados dos chefes de família à espera de um improvável momento de ação. Hoje moleques de 12 anos ou mais andam por aí armados e tiram vidas sem a menor cerimônia.
As armas de fogo perderam a antiga magia de objetos guardados e protetores.