Cotidiano at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para ‘Cotidiano’ Category

Dia dos namorados

escreva o seu comentário

Por toda parte pessoas falavam sobre o amor. Neste Dia dos Namorados vi pessoas que se procuravam. Mesmo os solitários decidiram-se a sair às ruas em busca de alguém. Mais que nunca valorizou-se mais que amizade, mais que solidariedade: queria-se amor, proximidade.

Nas ruas, nas lojas pessoas corriam em busca de algo que agradasse ao ser amado. Casais em crise muniram-se de boa vontade. Fiéis oraram em nome do amor. No claustro freiras penitentes ajoelharam-se diante do crucificado e juraram a Ele amor eterno. Soube-se que até nos cemitérios pares desaparecidos falaram-se debaixo da terra, renovando juras de amor. Um coveiro relatou ter ouvido vozes ao passar por tumbas onde repousam casais.

O frenesi do amor tomou e uniu os corações. Criminosos refletiram sobre seus crimes e muitos decidiram abandonar a senda de roubos e assassinatos. No Or. iente tropas em comate decidiram fizeram trégua e soldados correram às suas casas. Durante concerto, famoso pianista surpreendeu o público ao tocar trechos de músicas românticas nos intervalos de interpretação de árias. Um rapaz aleijado percorreu em na cadeira de rodas rua muito íngreme para deixacadeiras na porta de moça a quem sempre amou.

Uma senhora de 80 anos abriu a garrafa de champanhe preferida de seu falecido marido, serviu o conteúdo para dois e deixou-se levar pelas boas lembranças do passado. Um rapazinho finalmente encorajou-se e declarou amor à coleguinha de escola.

No Dia dos Namorados a Lua parou no céu iluminando casais. Dizem que Santo Antônio sorriu e abençoou a moça que orava em seu nome, pedindo a ele por um namorado.

Foi um dia de festa no qual celebrou-se o amor. Nesse dia os seres humanos lembraram-se que eram humanos e houve amor. E paz.

Escrito por Ayrton Marcondes

13 junho, 2015 às 7:10 pm

escreva o seu comentário

Perdas

escreva o seu comentário

Estudante do ginásio eu matava aulas para assistir às sessões da tarde no cinema da cidade. O problema era o porteiro do cinema sempre atento aos rapazinhos de uniforme para quem a entrada era proibida. O jeito era levar na bolsa uma jaqueta que substituía o paletozinho cáqui da escola pública. Então o porteiro fazia vista grosa porque naquelas sessões vazias um pagante a mais fazia diferença.

Foi numa dessas tardes, no escuro do cinema, que vi na tela uma imagem que me assustaria durante bom tempo. Tratava-se de um vampiro com ares de poucos amigos. Era um sujeito alto que pouco falava e agia nas sombras cravando seus caninos no pescoço de suas vítimas. Altivo, terrível, o mal em pessoa. A partir daí Dracula passou a fazer parte da minha imaginação.

Christopher Lee, o intérprete de Drácula, morreu ontem.  Embora outros atores tenham interpretado o vampiro no cinema, para mim nenhum deles atingiu a perfeição conseguida por Lee. Ele era Dracula e ponto final. Grande perda para o cinema e nossa imaginação ficcional o desaparecimento de Christopher Lee.

Outra grande perda aconteceu no universo musical com o desaparecimento do saxofonista Ornette Coleman. Confesso ter demorado um pouco para me aproximar da música de Coleman. O “free jazz” e a distância que o separa dos “standards” aos quais meus ouvidos são habituados não é um tipo de som facilmente assimilável. A liberdade de criação de músicos tocando juntos, mas entregando-se a variações personalizadas e sem prévia combinação muitas vezes pode soar grotesca aos ouvintes desavisados. Para Coleman qualquer canção conhecida poderia servir como ponto de partida para criação de nova estrutura de acordes. Entretanto, que não se pense que se trata de composições ao acaso, sem regras.

O mundo amanheceu sem brilho hoje com as ausências de Christopher Lee e Ornette Coleman.

Além do palco

escreva o seu comentário

O que se vê no dia-a-dia é o espetáculo que se desenrola ao redor. Peça escrita com finalidade de tornar os espectadores crédulos e confiantes. Você trabalha, diverte-se quando pode, fornica às vezes, sustenta sua família etc. Ainda bem que sua vida depende de um sistema confiável no qual as regras do jogo são garantidas e o bem-estar comum é preservado. Para produzir bem você precisa acreditar nisso. Confiar é a palavra mágica. Daí que legisladores, autoridades e gente que manda se empenhem em produzir contextos nos quais o cidadão tenha a ilusão de que tudo vai bem, a vida caminha.

De repente a falha. Os organizadores do espetáculo erram no ponto. O pano de fundo rasga-se e os espectadores passam a ver o que se passa além do palco. Peças de montagem antes ocultas surgem diante de olhos estarrecidos. A grande farsa é descoberta. Revela-se que as regras que comandam a sua vida são diferentes das seguidas pelos organizadores do mundo. Falcatruas emergem e chegam à luz. Desvios de somas fantásticas de dinheiro, incomparáveis com o que você consegue à custa de muito suor. Então o mundo roda de cabeça para baixo. O sistema no qual você confia é falso. Suas convicções sobre certo e errado embaralham-se. Em meio à descoberta do banditismo geral o homem comum sente-se atordoado. O mal vence o bem e ponto final.

Mensalão, Petrolão, escândalo da FIFA… Onde fica o homem comum em meio a esse turbilhão de banditismo engravatado que espolia a sociedade e a fere de morte? Mas é preciso acreditar em alguma coisa porque senão a vida perde o sentido. A crise será temporária, não? O homem é um ser bom e tudo tem remédio, não?

Assim correm os dias.

Escrito por Ayrton Marcondes

9 junho, 2015 às 12:54 pm

escreva o seu comentário

Alpinismo

escreva o seu comentário

Acordo assustado. No sonho interrompido sou um alpinista em apuros. Abaixo de mim o precipício do qual tento escapar. Acima o pico distante. Minhas mãos doem, meus pés apóiam-se com dificuldade. A corda que envolve a minha cintura está bamba. Penso na minha vida nesses últimos momentos. Arrependo-me de ter-me metido nessa aventura sem saída da qual não escaparei. Tento um movimento e meus pés patinam nas beiradas. Respiro profundamente, ainda há vida e esperança. Mas o movimento seguinte é fatal: de repente desgarro-me de tudo o que me pode segurar. Começa a queda. O frio na barriga. O corpo descendo em velocidade crescente em direção ao nada. Não chego ao fim. Acordo. Sento-me na cama e tateio o criado em busca de segurança. Em pouco restitui-se a certeza do pesadelo. Demoro a adormecer. As imagens vívidas do desastre custam a desaparecer. Mas, por que sonho assim se nunca pratiquei alpinismo? Existirá na minha memória algum sinal de passado remoto que revive enquanto durmo? Será verdade que existem outras vidas e memórias do que fomos persistem e podem retornar?

Nem sempre acontece-me escalar montanhas. Há ocasiões em que me surpreendo em prédios altíssimos justamente no momento em que me falta o equilíbrio e a queda é iminente. Em outras ocasiões só me resta atirar-me do alto, trocando a vida por algo que seria ainda pior. No mundo dos sonhos temos vidas paralelas, dentro de outras realidades. Deixamo- nos de ser fisicamente e assumimos a essência que enfrenta situações novas e inesparadas.

De modo que tenho horror à grandes alturas. Daí que me parece louca e admirável a prática de alpinismo. Acompanho com temor as aventuras dessa turma que se arrisca na escalada dos picos mais altos da Terra, muitos deles perdendo-se, alguns morrendo. O instinto governa os atos desses aventureiros que se arriscam, encontrando prazer na superação de dificuldades tantas vezes intransponíveis. Ventos gélidos, avalanches, trilhas cobertas pela neve, precipícios, meu Deus!

Hoje mesmo130 alpinistas estão isolados no Monte Kinabalu em consequência de um terremoto que atingiu a ilha de Bornéu, na Malásia. Trata-se de uma das montanhas mais altas da Ásia que atrai grande número de alpinistas. Alguns alpinistas já conseguiram descer, mas a maioria continua isolada.

Situação inimaginável como a dos meus sonhos.  Esporte perigoso, difícil, cheio de riscos.   Mas, que fazer se é da natureza animal do homem a força que o leva a enfrentar desafios na ânsia de vencê-los?

Brasileiros

escreva o seu comentário

No tempo em que a Argentina era ” A Argentina” os argentinos faziam jus à fama de serem arrogantes e insuportáveis. Argentino é um italiano que fala espanhol e pensa que é britânico - diz-se. Fato é que povos dos países vizinhos ainda hoje não devotam grande simpatia por eles. Há 20 anos participei de um city tour em Los Angeles. No ônibus só argentinos que, além de me ignorarem, viraram para os lados quando eu lhes dirigia a palavra. Um menino não escondeu a repulsa ao me olhar e perguntou ao pai: é brasileiro?

Mas, o tempo passa, o tempo voa. Amo Buenos Aires onde sou muito bem tratado todas as vezes que apareço por lá. E não são poucas. Gente boa esses argentinos, solícitos etc e tal.

E os brasileiros? Ah, os brasileiros. Verdade que não dá para caracterizar bem “o brasileiro” dado que os tais mais de 200 milhões espalham-se num vasto território e atendem a peculiaridades regionais. De que a fama no exterior não é boa todo mundo sabe. Acham que vestimos penas e usamos arcos e flexas. País das putas e do futebol. Está mudando, mas há quem contribua para a fama ruim.

Se você estiver no exterior a coIsa mais fácil do mundo é reconhecer a presença de brasileiros. Sabem aquele lugar onde todo mundo está falando baixo e entram pessoas quase gritando, na maior intimidade? Então, são brasileiros. Um rapaz me contou estar numa passagem de ano novo num bar em Sidney, Austrália. Na meia-noite as pessoas se levantaram, alegres, cumprimentaram-se, ergueram taças, brindaram. De repente, uma convulsão: rapazes e moças em pé sobre uma grande mesa, sapateando para horror dos australianos. Brasileiros.

Aconteceu num belo restaurante de Montevideo. Estávamos já à mesa, pessoas jantando e conversando baixo de modo que em conjunto as vozes eram pouco mais que um murmúrio. Entretanto, numa das mesas havia um sujeito, acompanhado por duas moças. De cada cinco palavras que ele proferia, seis eram palavrões. Realizava-se ali um festival de porra, pauta-que-o-pariu, filho-da-pauta e outros impropérios, ditos em voz alta durante conversa amigável. Se o tipo ouvia algo que o surpreendia logo partia para o pauta-que… e emendava com os porra e por aí seguia em frente. Isso para desespero dos presentes, todos eles uruguaios. Até que uma senhora se moveu, dirigiu-se ao idiota e o mandou calar a boca. Ele ainda tentou protestar. Ela imperativa. Ficou nisso.

A melhor coisa que talvez tenhamos, nós os brasileiros, é ser expansivos. Mas há que se cuidar dos níveis de expansividade. Tem hora, gente boa, que o jeito é se mancar.

Voltagens humanas

escreva o seu comentário

Conhecidos filósofo diverte-se ao responder a um repórter sobre a necessidade de certos humanos cada vez mais entesourarem dinheiro. Perguntava o repórter sobre o que faz alguém que já roubou milhões seguir roubando. Se o sujeito já conseguiu muito mais do que seria capaz de gastar durante sua vida inteira por que roubar mais?

As causas desse apetite insaciável serão muitas. Para o filósofo trata-se de uma fome invencível. Cita ele pessoas que enriqueceram e continuam a trabalhar cada vez mais, embora não seja preciso. Quanto aos roubos lembra de que roubar envolve compulsões difíceis e até impossíveis de controlar. Acrescenta que se o homem vivesse sem leis, sem barreiras, acabaria se entregando às facilidades e ao crime.

Assunto controverso. Entretanto, a pergunta do repórter é pertinente. Caramba, pra que roubar tanto? Hoje mesmo foram presos na Europa seis membros da FIFA envolvidos em desvios milinários. Um brasileiro proprietário de empresas ligadas ao esporte concordou em devolver U$ 151 milhões - isso mesmo, cento e cinqüenta e um milhões de dólares, ou seja, pouco mais de R$ 475 milhões - mais delação premiada em troca de não ser preso. Entre os homens da FIFA presos hoje está o ex-presidente da CBF.

A notícia nada mais é que seguimento de uma avalanche de informes sobre roubos de enormes quantias. Propinas, desvios etc fazem parte do cotidiano. A incrível roubalheira da Petrobrás mais  parece um saco sem fundo ao qual todo dia se acrescentam mais e mais milhões.

Interessados politicamente têm comparado as atitudes dos grandes ladrões da República a pequenos atos a que estamos expostos. Quando você diminui a velocidade de seu carro no radar depois de trafegar acima do permitido estaria cometendo uma infração do mesmo porte dessa turma de ladrões. O que interessaria é o ato de cometer a infração, não importando a dimensão dela. O homem faminto que rouba um litro de leite para o filho seria tão criminoso quanto o que desvia milhões. Ou seja, para todo mundo o que falta é a oportunidade. Se você pudesse por a mão nuns milhõeszinhos sem que ninguém percebesse, não faria isso?

É possível que arrazoados assim possam convencer muita gente. A distinção entre o certo e o errado cada vez mais se embaralha na cabeça das pessoas. Mas, não custa lembrar de que nem todo mundo é bandido. Aliás, proporcionalmente o número de bandidos é diminuto.

Cada ser humano tem a sua voltagem.

Pegando no sono

escreva o seu comentário

Li sobre pesquisa a respeito das horas de sono nos dias atuais. Dorme-se menos que o necessário. Vida atribulada, correria, compromissos etc. Vários fatores interferem no necessário descanso, contribuindo para stress, nervosismo e efeitos indesejáveis à saúde.

Impressionou-me a informação de que muita gente custa a pegar no sono devido a alguns fatores insuspeitos. Relata-se que o hábito de olhar para o vídeo de computadores, tablets, etc, acaba gerando na retina uma espécie de claridade que custa a desaparecer. A pessoa que já na cama ainda utiliza esses equipamentos está fadada a demorar mais para conciliar o sono depois de apagar a luz.

O problema para adormecer muitas vezes está ligado ao que nos vem à cabeça no momento em que a colocamos no travesseiro.  Coisas corriqueiras, assuntos pendentes e mil outras preocupações povoam a mente de modo que corre-se o risco de passar muito tempo nessa situação até o momento em que o cérebro realmente desligue. Isso sem falar na dificuldade de tornar a dormir quando sucede acordar-se durante a madrugada. Nessas ocasiões é preciso muita concentração para isolar pensamentos e voltar a dormir.

De tempos para cá tenho usado técnica que muito tem-me ajudado a conciliar o sono. Não sei se você já leu o alentado romance “Graça Infinita” do americano David Foster Wallace. São cerca de 1000 páginas realmente inebriantes. A trama se desenvolve em torno da família Incandeza cujo patriarca - James Incandeza - cometeu suicídio depois de fazer um filme que devido ao excessivo entretenimento, levava os espectadores à morte. Dos três filhos de James o mais velho, Orin, é ídolo do futebol, o segundo, Mário, um rapaz que possui deformidades físicas e algumas mentais e o terceiro, Hal, um jovem estudante e tenista de talento.

Em “Graça Infinita” Hal dorme no mesmo quarto que Mario e usa de um artifício para fazer com que o irmão pegue no sono. Ele diz ao irmão: pense leve.

Pois é: “pensar leve”. Eis aí algo que se atinge com um pouco de disciplina. Na hora de dormir o jeito é afastar da mente coisas que fatalmente retardarão o sono. Pensar em coisas leves, boas, saborosas, agradáveis, indutoras do sono. Há quem rotule isso como impossível. Será? Se você com dificuldade para pegar no sono experimente: “pense leve”. Não faz nenhum mal e não custa tentar.

Fugindo de Mianmar

escreva o seu comentário

Não é o caso de se discutir sobre o que é felicidade porque encheríamos páginas e páginas de considerações, sempre apelando para o que se disse sobre o assunto ao longo dos tempos. Pode-se pelo menos afirmar que o conceito de felicidade depende da época em que é considerado. Hoje em dia ser feliz parece depender de fatores como sentir-se seguro, saudável, ter família e acesso a certos bens de consumo e oportunidades. Embora reducionista esse modo de ver serve como parâmetro para abordagem simplificada da questão da felicidade.

Pensei sobre felicidade quando vi, dias atrás, foto de imigrantes de Mianmar no porão de um navio. Eram eles fugitivos de seu país em busca de vida melhor onde quer que fosse. Acotovelavam-se algumas centenas de homens, quase todos sem camisa, observados pelo pessoal de bordo. Palavras talvez não sejam suficientes para descrever o horror da situação na qual seres humanos recolhidos de barcos à deriva em pleno oceano esperavam por algum tipo de solução, decerto milagrosa, para o caso em questão.

O olhar de desespero e apelo daqueles homens nos leva a perguntar de que tipo de inferno estariam fugindo. Pessoas que fogem sem destino determinado, arriscando a própria vida e sem nenhuma previsão do que lhes poderá acontecer, certamente deixam para trás horror maior que o risco a que se submetem.

Os imigrantes que fogem de Mianmar são da etnia rohingya e praticam o islamismo. Há décadas sofrem com sansões discriminatórias em Mianmar por serem considerados imigrantes vindos de Bangladesh. À deriva no mar, sem alimentos e água, lutando entre si pela sobrevivência, doentes, aos fugitivos a palavra felicidade carece de qualquer sentido.

Há que rejubilar-se o homem que vive em nossos trópicos e pode saborear seu bom café da manhã enquanto corre os olhos no jornal do dia. Ao dar com a foto dos rohingya certamente sofrerá um sobressalto, mas passará à notícia seguinte, fugindo a uma realidade que o constrange. A seu modo esse homem entenderá que é feliz, favorecido pela incrível distância que o separa da tragédia dos fugitivos de Mianmar.

Eletrônicos

escreva o seu comentário

A primeira vez que vi imagens numa TV colorida foi na antiga estação rodoviária de São Paulo. Dali partiam os ônibus para o interior e outros estados de modo que o movimento nas plataformas era grande. Em torno das TVs coloridas aglomeravam-se enormes grupos de pessoas, extasiadas com o que viam. Lembro-me de que pouco depois entrei num ônibus e ao chegar à casa dos meus pais, no interior, a primeira coisa que contei foi a de ter visto uma TV colorida.

A primeira TV a cores que comprei foi uma Sanyo de 14 polegadas. Era o máximo. Na época um amigo endinheirado me contou que, na casa dele, o pai comprara uma TV de 24 polegadas: um estouro.

Essa molecada que anda por aí usa a tecnologia impunemente. Semana passada, no metrô de São Paulo, reparei que quase todo mundo tinha os olhos presos nas telinhas dos celulares. Dias atrás um rapaz esteve em minha casa com a namorada e ela não disse palavra ocupada que esteve com o celular.

Confesso que gosto muito de eletrônicos, mas há que se dar um tempo nessa dedicação exclusiva. Celulares viciam. Em restaurantes você pode encontrar pessoas em volta de uma mesa, todas elas com seus celulares em ação. A boa e velha conversa está mesmo em baixa. Até atividades sexuais são interrompidas para receber mensagens que não param de chegar.

Hoje em dia dispomos de TVs LCD de 40 ou 50 polegadas em nossas casas. A TV por assinatura coloca à disposição de seus assinantes grandes quantidades de canais de modo que se pode passar do celular ao vídeo da sala em segundos.

Mas, afinal, pra que dizer tudo isso que é mais que sabido, acontece em todo lugar e a toda hora? Ah, é que as pessoas entretêm-se com recursos tecnológicos, possuem eletrônicos poderosos e deixam de lado uma boa leitura. Você já leu Cervantes? Pois é, caro amigo, se não leu, não se deixe morrer sem ler. D. Quixote de la Mancha é mesmo o cara. Você vai se divertir a valer. Mas, mesmo se o livro foi publicado em 1605? Pois é, experimente.

Os eletrônicos fazem parte da nossa vida e já não podemos viver sem eles. É bom lembrar de que não substituem coisas maravilhosas que podemos fazer sem eles tais como uma boa leitura. A moçada que anda por aí precisa saber disso.

Getúlio

escreva o seu comentário

Assisti pelo “Now” ao filme “Getúlio” do diretor João jardim. Não havia no enredo nenhum fato que não fosse do meu conhecimento. Na verdade antes de ver a fita me perguntava como teria se saído o diretor ao abordar período tão marcante da história brasileira.

Acompanhei as nuances do drama de Getúlio sempre intrigado. Sabia quais seriam os próximos passos e o desfecho com a multidão acompanhando o caixão com os restos mortais do líder desaparecido. Ainda assim, me senti preso à evolução da tragédia anunciada.

Tony Ramos no papel de Getúlio é o filme. No rosto do ator, no modo como observa o desmoronamento do mundo à sua volta reside todo o fascínio que a personagem nos desperta. Interessante acompanhar a profunda solidão do homem mais poderoso do país, recluso às paredes do Catete, dialogando consigo mesmo, surpreso diante da corrupção que se escancara nos porões de seu governo. Gregório Fortunato trai Getúlio de forma inaceitável e o presidente assume integralmente a responsabilidade sobre o que acontece. Lacerda, “o Corvo”, demagógico, brilhante e enlouquecido, acende todos os estopins que resultarão na explosão. Mas, Getúlio, como bem o disse mais tarde Tancredo Neves, prorroga com seu suicídio por mais dez anos o golpe ansiado pela classe militar.

Mas, como terão sido aqueles últimos dias de Getúlio no poder? O revolucionário de 30, o ex-ditador, o presidente eleito pelo voto popular, o defensor dos trabalhadores, o homem que aprovou o controle do petróleo pela Petrobrás, o grande articulador político, como realmente teria ele vivido seus derradeiros instantes?

A morte do Major Vaz no infausto atentado da Rua Toneleiros deu início ao precipício de Getúlio. O filme gravita em torno da pergunta que Getúlio faz a todo instante: quem foi o mandante? É ao descobrir que a ordem para o atentado partiu de seus próprios subordinados que Getúlio finalmente sucumbe. Mas, não se entrega. “Eu vos dei a minha vida, agora vos dou a minha morte”.

Um tiro no peito. Getúlio saída vida e entre para a história. O filme faz jus à grandeza do momento.