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Notícia sobre um amigo
Há quantos anos? Não sei. Do amigo sobre quem falo restou-me o caso que mudou a vida dele. Apaixonara-se por uma moça, linda, dessas cuja beleza provoca coceira em homem. Casaram-se para serem felizes eternamente. Na lua de mel alugaram casa em praia badalada e nesse lugar tudo aconteceu.
Como se sabe contos de fadas são histórias que tem começo, meio e fim. Para muita gente esse tipo de conto chega a durar quase que a vida toda. Para o amigo na casa de praia com sua linda mulher as fadas decidiram abreviar o sonho. No terceiro dia saiu o amigo para comprar alguma coisa enquanto a linda ficou sozinha. Então, guiado pela má sorte, apareceu o bandido que, ao encontrar a mulher estuprou-a.
Não há como descrever o desespero do meu amigo ao descobrir a mulher desmaiada, vítima da ação do bandido. Nem cabem aqui considerações sobre os dias que se seguiram e a chaga que se abriu no coração da mulher violentada. Entretanto, aconteceu de o estuprador vir a ser capturado pela polícia, reconhecido e preso. Era um sujeito de seus 30 anos de idade, malfeitor de carreira, criminoso condenado.
Bem. Malfeitor atrás das grades deu na cabeça do amigo a ideia de vingança. O plano dele curiosamente se chamava “cinco minutos”. Queria porque queria apenas cinco minutos sozinho dentro da cela com o estuprador. Bateria muito nele, descarregaria toda a raiva que carregava no peito, puniria o bandido com as próprias mãos. Em vão apelou pela oportunidade junto à polícia e até suborno tentou sem resultado.
Não sei dizer sobre o destino final do bandido. Do meu amigo sei que viveu com a mulher embora nunca mais ela tenha sido a mesma. O estupro que sofrera retirara dela a magia dos dias e nenhum socorro psicológico logrou recuperá-la integralmente. Quanto ao amigo seguiu como pode malgrado a fatalidade que ocorrera a ele e à mulher.
Ontem recebi a notícia de que o amigo morreu. A pessoa que me deu a notícia comentou que assim terminava uma vida difícil na qual a felicidade fora roubada por uma trágica contingência.
Agora penso nesse amigo a quem a fatalidade atingiu tão duramente. Certa vez, em conversa, perguntou-me ele se o episódio na praia não fora simplesmente um jogo de azar. Tivesse ele ficado na casa, tivesse levado a mulher com ele, tivesse ela trancado a porta, estivesse o bandido em outro lugar… Dentro de um conjunto de circunstâncias premiara-se justamente aquela que destruíra a vida do casal. Nesse jogo de possibilidades o destino ou o que fosse escolhera-os para machucar. Essa definição da sequência de um ato que de todo modo poderia ter sido evitado manteve vivo o inconformismo do amigo ao longo dos anos.
A mulher? Ah, sofreu bastante. Acompanhou o marido vida afora e nunca negou a ele afeição.
Não era para dar certo.
O desconforto da riqueza
Nunca fui rico, nem serei nesta vida. Talvez um remediado que vez ou outra arriscou-se em curtos vôos de gastança. Mas, ocasionalmente, fui colocado em departamentos destinados aos ricos. Nessas raras ocasiões pude reconhecer nos olhos que me observavam, senão inveja, alguma revolta. Desde já deixo claro que aí está a diferença entre quem é rico e quem não é. O verdadeiramente rico habitua-se à riqueza e despreza os adereços de que habitualmente usufrui. Ele não se importa com os olhares dos que observam a sua riqueza. Dentro de seu mundo o rico é natural. O mesmo não acontece com aquele que ocasionalmente intromete-se no mundo da riqueza. Incomoda-o passar por aquilo que não é; incomoda-o receber atenções que a outros não é dedicada. Esse homem de quem falo nunca será rico ainda que venha a ganhar na loteria um prêmio de vulto. Sobre ele pesam cinzas do passado entre as quais o senso exagerado do valor do dinheiro. Não estará dentro de sua recente riqueza o hábito de ser muitas vezes descomedido. Escolherá entre os vinhos aquele que for bom, mas não o melhor porque muito caro. A pobreza tem garras sólidas capazes de aprisionar alguém pelo resto de sua vida.
O fato é que a riqueza em estado puro, muitas vezes inconseqüente, também incomoda. Lembro-me de que ainda jovem e com verba curta fui a um bar elegante acompanhado por uma moça a quem queria impressionar. Antes de fazer o pedido estudei com atenção o cardápio para evitar o valor execssivo da conta. Já comíamos quando na mesa ao lado sentou-se um rapaz com a namorada. Impressionou-me o fato do casal ter realizado pedido grande, acima do que seriam capazes de consumir. Depois de servidos, mal beliscaram a comida. Então o rapaz não se deu ao trabalho de pedir a conta: sacou do bolso muitas notas cujo valor seria maior que o devido, deixou o dinheiro sobre a mesa e se foi com a namorada.
Nunca me esqueci do casal de jovens, certamente ricos, cuja atitude desabrida me incomodou. A bem da verdade nunca me dei bem com o dinheiro, mas nunca faltei a ele com o respeito. Vida afora certifiquei-me da importância de conquistar o suficiente para manter vida digna e me socorrer em momentos difíceis.
Mas, escrevo sobre isso porque dias atrás, em avião, viajei na primeira classe. Curiosamente somente eu estava na classe especial de modo que recebi atenção especial com a oferta de variedade de bebidas e comida diferenciada. Entretanto, atrás de mim, viajavam pessoas na classe econômica sem direito às mesmas regalias. Confesso que não me senti bem com aquilo. Feriu-me o tal desconforto da riqueza, ocasional é verdade, mas à qual não estou habituado. Pareceu-me ter às costas olhos que me condenavam pelo exagero. Acabei tomando vinho demais, talvez para fugir ao incômodo que me apoquentava.
Dirão que tudo isso é bobagem, afinal viagens em primeira classe são rotineiras.Concordo integralmente. Mas que fazer quando não se pode fugir a algo que nos envolve tão imperiosamente?
La Chascona
Confesso que não queria ir a La Chascona, casa onde viveu o poeta Pablo Neruda com sua amante Matilde Urrutia. Entretanto, importa desde já dizer que a partir do momento em que se coloca o pé dentro da casa torna-se impossível fugir a um mundo mágico. Neruda está lá, ele vive em cada cômodo moldado segundo sua vontade e prazeres. Em La Chascona penetra-se num labirinto indissociável do homem que ali viveu e dos pertences pessoais que deixou. Trata-se de objetos que não morreram, antes continuam vivos como a testemunhar a falta de seu proprietário, o poeta chileno vencedor do Nobel.
Na grande casa de La Chascona não existe um só milímetro que não nos fale do poeta. Aqui um jardim com desenhos nas paredes pintados por artista chileno; ali o bar que pertenceu a uma embarcação, moldado segundo o movimento das ondas marítimas; à frente a estranha mesa de almoço mandada fazer estreita para que os convidados ficassem face a face; e o estranho armário no qual uma das portas abre-se a um pequeno ambiente de onde o poeta surgia inesperadamente para o convívio dos convidados que o esperavam. Depois a sala na qual um quadro de Ferdinand Leger mostra a face de uma mulher com os cabelos em formato do território chileno. Ao lado do quadro de Leger outro do mexicano Diego Rivera com as duas faces da Chascona. É bom que se diga, Chasonca era o nome dado por Neruda à sua amante, sendo que a palavra “Chascona” significa “descabelada”.
Paulo Neruda morreu em 1973, durante o período da ditadura de Pinochet. Seu corpo foi velado na casa por ordem de Matilde Urrutia. Então a casa havia sido praticamente destruída por ação do governo. Na casa há fotos do velório de Neruda em meio a uma casa devastada. O enterro do poeta foi o primeiro ato contra o governo ditatorial. Mais tarde Matilde Urrutia voltou a morar na casa onde viveu até o fim de seus dias.
Há muito que se ver na habitação do poeta. Ao circular pelas dependências da Chascona tem-se a impressão de que, de repente, Neruda possa surgir em carne e osso à nossa frente, tão vivo ele continua entre os pertençes que colecionou e amou.
Mas, de tudo que vi o que mais me impressionou foi a medalha concedida a Neruda por ocasião do recebimento do Nobel de Literatura. Dentro de um armário simples e protegida por vidro repousa o testemunho de um prêmio que confere a aura de gênio a quem o recebe. Então houve um dia em que o poeta chileno esteve em Estocolmo para receber o maior reconhecimento à obra de um escritor. A medalha que representa esse reconhecimento dorme em La Chascona, testemunho do triunfo de um homem que nasceu e foi poeta em toda a sua vida.
Seres extraterrestres
Tem sido divulgada a existência de sinais relacionados à existência de seres extraterrestres. Cientistas renomados estabelecem prazo máximo de 20 anos para que se estabeleça o primeiro contato. Há quem diga que o contato está bem mais próximo do que se imagina. A própria NASA já não nega a possibilidade que venhamos a saber da existência de vida fora da Terra.
Confesso que toda essa história de contatos com extraterrestres me causa temor. Talvez, se existirem, estejam a distâncias tão grandes que nunca aparecerão por aqui. Mas, que dizer dessas fotos de objetos estranhos avistados perto da Terra? Tempos atrás foi divulgada a foto de um desses objetos, tirada a partir de uma estação espacial. Ninguém sabe dizer que tipo de objeto era aquele, mas que estava lá isso estava.
Talvez o receio que se tem de extraterrestres seja devido à ficção. Poucas vezes o cinema tratou a turma do espaço como gente boa. Na ficção extraterrestres são conquistadores e do pior tipo porque querem utilizar o homem como alimento. Portadores de armas avançadas e sangue guerreiro os extraterrestres surgem como ameaça à qual só a união dos seres humanos em esforço conjunto pode conter. Assim se passam as coisas nos filmes, a ver na realidade se um dia fizermos contato.
Por outro lado a existência de civilizações extraterrestres não deixa de ser fascinante.Como será a gente de lá? Como vivem? Acaso serão mais avançados que nós? Trarão algo de contribuição ou aprenderão com a gente?
Enquanto as coisas continuam no mesmo pé o homem se aventura no espaço. Ontem o módulo lançado pela nave Rosetta fixou-se no solo de um cometa. Feito memorável, certamente contribuirá para que algumas dúvidas sejam esclarecidas. Entre elas a do mistério da origem da vida. É possível que substâncias orgânicas de cometas tenham chegado ao nosso planeta em colisões ocorridas há milhares de anos. Seria a partir dessas substâncias que teria evoluído o primeiro ser vivo. Os dados colhidos e enviados do cometa pelo módulo contribuirão para o esclarecimento desse e de outros enigmas.
Disso tudo fica o espetacular avanço observado na ciência nos últimos anos. De repente acontecimentos tratados como ficcionais se tornam reais. Do jeito que as coisas seguem muitas novidades aparecerão por aí.
Um assassinato a cada 10 minutos
As estatísticas sobre a criminalidade no Brasil são estarrecedoras. Ano passado 50 mil pessoas foram assassinadas, Esse número é maior que o verificado em conflitos como a Guerra do Iraque e outras. Ou seja: estamos em guerra não declarada.
Também se divulga que ano passado aconteceram 50 mil estupros no país. O detalhe é que esse é o número de mulheres que apresentaram queixa após serem estupradas. Estima-se em mais de 100 mil o número de mulheres abusadas dado que grande parte delas opta pelo silêncio.
Tenho ouvido a opinião de especialistas sobre o assunto e num ponto há concordância: a segurança pública não é um problema de polícia, trata-se de uma questão de Estado. Ou os governos se empenham em ações de curto, médio e longo prazo, visando resultados ou as coisas piorarão de modo crescente.
Enquanto isso os crimes acontecem. O crime organizado age como se não existisse lei. Agora mesmo há prédios invadidos sob controle do crime organizado. São 11 prédios construídos pelo programa “Minha Casa Minha Vida” que foram invadidos por criminosos armados. As obras estavam finalizadas e seriam entregues aos moradores.
Há crimes para todos os gostos, alguns repugnantes. É o caso da mãe esquartejada pelo próprio filho que, depois do ato, decidiu espalhar as partes do corpo no bairro onde mora. O rapaz, de 17 anos, foi auxiliado pela namorada e por um sujeito maior de idade. Na TV a avó do rapaz chorava pela filha e pedia justiça, que o neto passasse o resto da vida dele recluso.
Vi na TV um comerciante que após ser assaltado quatro vezes se diz com medo até de sair à rua. O homem não sabe o que fazer daqui pra frente e pensa sair do país. O depoimento dele é pungente dado que teme não só pela sua segurança como, também, a de sua mulher e filhos.
Há alguns anos um texto da natureza do que aqui se escreve bem que poderia ser tomado como obra de ficção. Infelizmente, queira-se ou não, isso tudo é real, acontece ao nosso lado no dia-a-dia das cidades.
Muita gente não acredita, mas estamos em guerra.
Homem no espaço
Li artigo em que o colunista declara a certeza de que o futuro da humanidade será fora da Terra. Não haverá como conter a necessidade de abandonar o planeta e o desenvolvimento da tecnologia tornará isso possível. Assim, teremos terráqueos vivendo em outros planetas, quem sabe uma sociedade avançada de nossos semelhantes adaptada às novas condições de existência.
Está para estrear o filme “Interestelar” no qual uma missão espacial viaja em busca de buracos negros enquanto o nosso planeta definha. A ideia de que a Terra possa se tornar incapaz de abrigar a humanidade não é nova, mas o perigo de isso possa acontecer é real. O descaso com o ambiente e as já perceptíveis alterações provocadas pelo mesmo descaso são reais. Assim, em “Interestelar” o que se vê é algo não de todo impossível: a busca do homem por um novo lar no Universo até mesmo com a perspectiva de recomeçara humanidade.
Entretanto, não é ficção o que está para acontecer na próxima quarta-feira quando ao sonda Rosetta tentará pousar suavemente na superfície de um cometa. A Rosetta chegará ao seu destino após longa viagem dado ter sido lançada em 2004. Em agosto passado a sonda entrou em órbita do cometa. Agora o módulo de pouso viajará de uma distância de apenas 3 km até a superfície. Os cientistas calculam em 50% a possibilidade de que a missão da sonda Rosetta tenha sucesso. Pode acontecer do módulo quicar e voltar ao espaço não se fixando. Nesse caso nada se poderá fazer dada a distância entre a Terra e o cometa: um sinal de rádio que parta da Terra leva 28 minutos para chegar ao módulo.
Os cientistas acreditam que o estudo dos cometas contribuirá para o entendimento da origem da Terra e a vida que nela existe. Sendo ricos em matérias orgânicas é possível que os cometas tenham trazido esse material ao nosso planeta durante colisões ocorridas em tempos primordiais. As moléculas orgânicas vindas do espaço teriam viabilizado o surgimento das primeiras formas de vida.
A cada dia progridem as interações com o espaço que nos cerca. A Terra vem dando sinais de esgotamento de seus recursos para os quais, infelizmente, não têm sido dada a verdadeira atenção. Caso a situação atual persista estima-se a ocorrência de graves problemas já no final deste século, entre eles o aumento de 2 graus na temperatura no planeta fato do qual advirão consequências. Diante disso a exploração espacial surge como opção viável. A explosão de uma nave de testes, recentemente ocorrida, para viagens ao espaço demonstra o interesse de sair da Terra mesmo que o viajante não seja um astronauta.
O futuro próximo nos dirá sobre o que está por vir.
Desaparecidos
Há fatos que revoltam e perduram na memória, incômodo que custa a passar. Essa história do sumiço de 43 estudantes de uma escola rural no interior do México é dessas coisas inadmissíveis à qual nenhuma explicação ou justificativa logrará ser bastante.
Os jovens estão desaparecidos a mês meio e até agora as buscas se mostram infrutíferas. Consta que foram sequestrados a mando de um prefeito para impedi-los de invadir um evento público da mulher dele que aspira vir a ser a próxima prefeita.
Agora foram presos três homens ligados ao crime organizado que confessaram uma chacina. Consta terem assassinado várias pessoas cujos corpos foram jogados em uma caçamba de lixo e depois carbonizados. Não se sabe se esses corpos eram dos estudantes.
Passados mês e meio o fato tem despertado reações e protestos. Embora não se possa afirmar com certeza tudo indica que os 43 estudantes foram executados e queimados.
Simples assim. Para evitar que estudantes invadissem um evento público a solução foi executá-los. Gado de corte. Imolados sem arrependimentos, seguindo ordens segundo interesses de ocasião. Tamanha brutalidade não tem explicação. Rompeu-se a linha que separa o ser humano da besta e, a partir daí, tudo se torna válido.
Seres humanos executados por atacado. Impossível ignorar crime de tal dimensão que nos coloca de sobreaviso sobre os ditos seres humanos que andam por aí.
A crise
Se há um palavra com a qual já deveríamos estar habituados essa é “crise”. No Brasil “crise” sempre fez parte dos discursos além do que a palavra sempre serviu como desculpa para erros administrativos de governos. Vejam-se, por exemplo, os problemas do momento: escassez de água e economia em frangalhos. A crise hídrica se deve à seca prolongada e os governos repetem que todas as providências foram tomadas para que não faltasse água nas torneiras; já a economia vai mal em consequência da crise mundial que afeta muitos países. Assim vamos de crise em crise. Ninguém é culpado de nada.
Naquele Brasil dos anos 70, época do governo Geisel, os brasileiros enfrentaram a crise dos combustíveis. N verdade a crise de combustíveis começou em 1973, um ano antes da posse de Geisel. Mas, aquilo foi terrível. Eu tinha um fusca com o qual perambulei nos postos de combustíveis de São Paulo atrás de umas gostas de gasolina. Certa manhã descobri o tanque irremediavelmente vazio e aí começou a minha tragédia para chegar diariamente ao trabalho.
Não sei dizer o ano, provavelmente final dos anos 70 ou início dos 80, em que os postos de combustíveis fechavam às oito horas da noite. Ia eu por um estrada como tanque quase vazio quando encontrei um posto. Passava-se um minuto das oito da noite e a bomba seria deligada naquele instante. De nada valeram os meus apelos para que me vendessem gasolina. Era um posto no meio do nada, sem nenhum Big Brother para verificar se infringiríamos a ordem do governo. Mas, ordem era ordem. No fim tive que pagar o dobro do preço por um galão que o dono do posto guardava lá “atrás”.
Ontem, 12 dias após as eleições, o governo aumentou em 3% o preço da gasolina. Ouvi na TV que nos postos o aumento esperado seria de no máximo 2%. Hoje de manhã enchi o tanque e paguei mais caro pelo litro. Não fiz o cálculo para saber de quanto foi o reajuste, não estava afim de discutir como gerente do posto.
Vida de brasileiro é assim.
O tal bolivarianismo
A gente até que tenta ficar à margem das discussões pós-eleições. Encontra-se na mídia jornalista afirmando que não adianta negar pois o país está mesmo rachado ao meio. A presidenta governaria metade, não o país inteiro. Tanto plantaram a divisão que ela acabou acontecendo. Li a palavra “secessão” num dos artigos publicados na “Folha de São Paulo” embora o articulista se apressasse em dizer que não se tratava de guerra.
De repente surge a história do bolivarianismo, perigo de copiar a nossa vizinha Bolívia. Hugo Chávez morreu e Maduro governa um país em maus lençóis. Não há nada a se comparar entre a democracia brasileira e a situação venezuelana. Mas, então, por que se falar em bolivarianismo?
Quem levanta a lebre é o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Ele avisa de que até o final do ano que vem o STF possa vir a ser constituído apenas por ministros nomeados pelos governos petistas. Um STF cordial, favorável ao governo, talvez manipulável segundo os interesses da chefe de Estado?
O diabo é que não há como passar ao largo de uma coisa dessas. Quem está falando em bolivarianismo não é um sujeito qualquer, sentado à mesa de um bar, entre um chope e outro. Quem avisa é um ministro do STF o qual - supõe-se - sabe das coisas. Aliás deve saber do que não sabemos.
Pois é. Não se nega que o momento é propício a exageros. Dá-se valor exagerado a propostas de radicais do PT como essa de controlar a mídia e criar um jornal que espalhe as boas notícias do governo. Fala-se sobre isso como perigo iminente e risco para democracia. Sinceramente, é difícil que o país aceite retrocesso tão grande. Aí sim o tal racha pode acontecer e o povo sair às ruas em manifestações avassaladoras. Ninguém é burro ou tão radical a ponto de cutucar a onça com vara curta.
Mas, o ministro Gilmar Mendes? Não dá para imaginar que ele tenha falado sobre o bolivarianismo só por falar ou para jogar lenha na fogueira?
Um par de sapatos
Em meio a uma exposição de objetos antigos de uma grande cidade norte-americana um par de sapatos. Pretos, denotando prolongado uso, os sapatos foram catalogados como da década de 20 do século passado. Nada se sabe sobre o seu proprietário e dado o desgaste já não é possível conhecer-se sobre o fabricante. É um modelo de couro, reforçado, aparentemente pesado, diferente dos calçados que agora se usam. Com certeza pertenceu a um homem que tinha pés pequenos. De forma alguma esse tipo de sapatos poderia ter pertencido a alguma mulher.
Aqueles sapatos impressionam justamente pela imobilidade de algo produzido para mover-se. Estão ali parados, testemunhando uma época, aparentemente cansados. Pisaram ruas de outro tempo, galgaram escadas de templos, circularam próximos a matas, talvez tenham protegido os pés de um assassino levado ao tribunal. Vagaram céleres no espaço dos anos loucos e estiveram nas ruas ao tempo do crash de 1929. Teriam estado nos pés do homem que se atirou de um prédio quando tudo se revelou perdido para ele?
Por onde andaram esses sapatos? Que ruas percorreram? Acaso pertenceram a um moço que gostava de dançar? Ou àquele guarda-livros baixinho que a cada dia repetia o trajeto entre a casa e a firma e certa ocasião descobriu-se traído pela mulher? Ou talvez tivessem estado nos pés de um senador importante, de um motorista, do jornaleiro da esquina, do ajudante do bar, do porteiro da casa noturna, de um guarda de trânsito, de um policial que prendeu bandidos ao tempo da Lei Seca?
Ao ver esses sapatos é impossível não pensar sobre a força com que resistiram à passagem do tempo. Toda a gente da época deles está morta. O homem que certo dia os adquiriu numa loja de calçados, o que se serviu deles para percorrer seus caminhos, também esse proprietário desconhecido está morto. Desse homem restaram esses sapatos escuros, desgastados, exibidos numa bancada de uma exposição de objetos do passado. São eles o que restou das posses desse homem, derradeiro testemunho de sua existência.
Mas, nem todo mundo que se defronta com o par de sapatos negros pensa assim. Existe sempre aquela senhora para quem só existe o presente e a quem o passado e o futuro simplesmente não interessam. Ela foi a contragosto acompanhar o marido à exposição e, ao ver o velho par de sapatos, só soube perguntar:
- Mas, o que fazem aí esses sapatos velhos e sem nenhuma utilidade?