Cotidiano at Blog Ayrton Marcondes

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Finados

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De repente descubro que não me agrada ir a cemitérios. Aliás, comecei a me dar conta disso tempos atrás, em Buenos Aires. Sempre achei o cemitério da Recoleta fantástico com suas tumbas grandiosas. Mas, nessa última vez cheguei a percorrer uma das alamedas daquele cemitério e notei que não me sentia bem. Nunca antes a presença da morte se me apresentou tão pungente. Percebi que já não via túmulos, mas esquifes, na verdade os mortos que dentro deles repousavam. Esse contato direto com a morte, a certeza do fim incondicional, o ponto final de todos os sonhos e esperanças pesaram-me demais. Percebi o quanto a minha segurança de estar vivo e pensante era precária e isso me fez abandonar rápidamente o cemitério em desesperada corrida de retorno ao mundo dos vivos ao qual pertenço. Deixei a morte para trás e não me voltei para contemplá-la. Operára-se em meu íntimo uma transformação, a ruptura com a possibilidade de vir a morrer, súbita valorização da vida à qual sempre trato com tanto desdém. Desde então tenho passado ao largo de cemitérios, desviando os olhos dos muros que dividem o mundo em duas partes que não se conciliam. A vida e a morte são antípodas irreconciliáveis.

Hoje, dia dos mortos, não fui ao cemitério. Confesso que não visitar os túmulos da minha gente, não adorná-los com flores, não acender velas, tudo isso deu-me a sensação de livrar-me de um incômodo. Para que ativar a memória em relação a situações que envolveram os agora mortos? Para que lembrar-me de que daqui a algum tempo também eu morrerei e farei parte da legião de dentro dos túmulos, isso se não vier a ser cremado?

Ledo engano. Pois não me livrei dos mortos como inicialmente me parecera. Minha mãe foi a primeira que veio me ver, ela tão magra e saliente, tão lutadora e carinhosa. Falou-me sobre coisas de que me havia esquecido e quase levou-me às lágrimas com tanta ternura. Depois apareceram meu pai e meus irmãos. Pelas dez da manhã chegaram os tios dando-me notícia sobre o atraso de meus avós que em breve chegariam.

Por volta do meio-diap toda a família estava na minha casa, com os assuntos de sempre, alegres, festivos. Eram tantos que muitos não tinham onde se sentar. A essa altura eu já me esquecera de que eles estavam todos mortos, tamanha a vivacidade com que falavam e se locomoviam.

Creio que só no meio da tarde começaram a partir. Abracei-os um a um, pensando que, afinal, vida e morte não têm limites. Quando o último parente se foi me vi só e reparei que passará horas na mesma poltrona, quase sem me mexer, imerso em longa peregrinação através da minha memória. Então chorei, profundamente, pelas perdas do passado, por toda a gente que ficou para trás e nunca mais verei.

Escrito por Ayrton Marcondes

2 novembro, 2014 às 4:10 pm

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Victor Brecheret

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Quem passa pela região do Parque Ibirapuera, em São Paulo, habitua-se a ver o Monumento das Bandeiras, obra do escultor italiano Victor Brecheret. Escultura de grande envergadura o Monumento retrata os bandeirantes, mamelucos, negros e índios, enfim aqueles que se empenharam em desbravar o Brasil. O monumento foi inaugurado em 1954, ano da comemoração do IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo. Infelizmente a obra que já foi restaurada não conta com o respeito de pichadores que não fazem ideia do valor desse grande monumento público. No ano passado o monumento foi pichado duas vezes num mesmo dia, fato inaceitável e muito triste.

No livro  ”Flauta de Papel” do poeta Manuel Bandeira ele nos fala sobre Victor Brecheret. Numa crônica de 1955 o poeta lamenta o desaparecimento dos primeiros modernistas citando as mortes de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Jorge de Lima e do próprio Brecheret.

Conta-nos Bandeira que Victor Brecheret, formado artisticamente em Roma, vivia num quarto a ele cedido no Palácio das Industrias. Em 1920 0 escultor foi descoberto por Menotti del Picchia e Oswald de Andrade que se encantaram pelas suas esculturas. A Oswald e Menotti logo se juntou Mário de Andrade, os três convencidos da genialidade de Brecheret.

Diz-nos Manuel Bandeira que na verdade Victor Brecheret não era gênio, nem mesmo muito inteligente embora suas obras apresentassem um vigor que nenhum outro demonstrara no país após o mineiro Aleijadinho.

A obra de Victor Brecheret sobrevive pujante nos dias de hoje. Ao escultor também se devem muitas obras que fazem parte da arte tumular no Brasil. Obras de arte em jazigos eram requeridas por imigrantes que prosperaram no Brasil e buscavam eternizar-se perante a sociedade. Infelizmente obras em cemitérios, não só as de Brecheret como as de outros escultores, têm sido objeto da ação de vândalos. Destruição de obras e roubos têm sido noticiados com frequência.

Em espaços públicos na cidade de São Paulo existem obras de Victor Brecheret tais como o “Duque de Caxias”, na Praça Princesa Isabel e a “Eva”, na Avenida Vergueiro.

Três dias depois

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Encontro pessoas ainda inconformadas com o resultado da eleição presidencial. Hoje, pela manhã, uma senhora me disse que está de luto pela derrota do Aécio. Estávamos no elevador e eu não soube o que dizer a ela. Acenei com a cabeça e ficamos assim.

Não acompanhei a apuração. Não liguei televisão e rádio e não acessei a internet. Vima saber do resultado - que ignorei - só na segunda-feira. Ainda assim me neguei a ler os jornais do dia. Enfim, me poupei. Gostaria muito que pessoas evitassem falar comigo sobre o assunto. Sendo isso impossível o jeito é ouvir e apelar para respostas vagas.

Um amigo me ligou para dizer que está cansado de ser brasileiro. Quase perguntei a ele se para isso contribuíra a eleição de domingo. Mas, fiquei de boca fechada. Não nego que depois do telefonema me perguntei se também eu não andava cansado de ser brasileiro. Conclui que o fardo é de fato pesado, mas ainda não, afinal o Brasil é o Brasil.

Vejo que na mídia muita gente repete que o país é um só. Seria falsa a ideia de que a eleição provocou um grande racha no país. Tanto repetem que deixam claro a preocupação. A sociedade está rachada? Ninguém sabe, só o futuro dirá.

Se eu tivesse que dizer alguma coisa sobre a última campanha política seria afirmar que os candidatos exageraram. Em algumas ocasiões ouviu-se declarações que beiraram a irresponsabilidade.

O cansaço em relação ao Brasil é um perigo a ser evitado. Há tanta coisa fora de ordem, tantas inverdades nos discursos e tantos absurdos que periga chegar uma hora na qual o cidadão se arrependa de ser brasileiro. Desinteressar-se pelo resultado de uma eleição na qual se elege o presidente da República talvez seja um começo disso.

Serial killers

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Serial killer é coisa de americanos. Lá vira e mexe alguém entra numa escola, armado até os dentes, e sai atirando. Fazendo vítimas. Como nos filmes. Aliás, o cinema gosta de filmes sobre serial killers. Além do que nos EUA qualquer pessoa pode comprar uma arma. Depois é só sair matando.

Aqui no Brasil quando aparece um serial killer a notícia das mortes provocadas por ele causa estranheza. Por que um sujeito se dedica a matar pessoas desconhecidas que encontra ao acaso? No EUA talvez estejam habituados a assassinatos em sequência, se é que é possível acostumar-se a isso. Semana passada mesmo um rapaz entrou no refeitório da escola onde estudava e matou três colegas. Os que conheciam o rapaz disseram não entender a ação dele dado que nunca dera sinais de anormalidade ou coisa parecida. Mas, depois de matar os colegas o rapaz se matou, levando para o túmulo as razões de seu ato.

Psiquiatras que entendem do assunto afirmam que serial killers são pessoas anormais para as quais não existe tratamento efetivo, nem cura. O sujeito nasce serial killer. Comporta-se bem em sociedade, mas alguma coisa, de repente, o leva a matar. Seria uma espécie de gatilho que aciona o serial killer. Depois de matar um ele passa a matar em série. Mata porque mata, sem razão. Não tem remorso, não se arrepende. Contabiliza o número de mortes como feito pessoal. É o que dizem os entendidos.

Há muitos anos cuidei dei um paciente internado em hospital. Era um recluso do manicômio judiciário e estava em coma. Mantinham-no com os braços amarrados à maca. Ficava sozinho em um quarto em cuja porta montavam guarda dois policiais. Dentro do quarto outro policial, sempre atento. Como o coma era profundo certo dia eu disse ao policial de plantão que todo aquele cuidado era desnecessário. O policial sorriu e respondeu que eu não sabia com quem estava lidando. Aquele homem, o paciente, era um sujeito perigosíssimo a quem não era nem mesmo permitida a aproximação com outros seres humanos. De um momento para outro poderia se levantar e caso eu estivesse perto me mataria. No fim o recluso não chegou a sair do coma e faleceu.

O assunto do momento é um tal de Rocha, serial killer que matou 39 pessoas. Esse Rocha agia em Goiânia onde a polícia vivia às voltas com assassinatos sem explicação. As vítimas do serial killer de Goiânia eram escolhidas ao acaso. Uma moça que esperava no ponto de ônibus foi morta por um sujeito vestido de negro que circulava numa moto. Depois se descobriu que o assassino era o Rocha. Entretanto, o serial killer de Goiânia levava vida aparentemente normal. Trabalhava como segurança numa empresa e a prisão dele surpreendeu os colegas de serviço que o tinham por bom camarada, embora muito quieto. Nos interrogatórios Rocha confessou os crimes sem jamais demonstrar qualquer arrependimento.

Parece não haver nada que se possa fazer em relação a serial killers exceto mantê-los retidos. Não há recuperação nesses casos. Devolvê-los às ruas significa colocá-los em posição de continuar a rotina de assassinatos.

Finalmente livres

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Então acabou. Finalmente! A partir de hoje não teremos que desligar a TV no horário político obrigatório. Nem teremos de ouvir xingamentos, acusações, ataques pessoais, desconstrução de imagens. E os meios de comunicação finalmente deixarão de abordar o assunto eleição. Enterra-se em cova profunda um dos mais tristes episódios da história do país.

Seria útil esquecer o período que se encerra. Não será assim. O que se vê, a partir de agora, é uma sociedade rachada, polarizada. Tanto insistiram no embate nordeste versus sudeste, ricos contra pobres, etc. que a ficará a ferida. Vai fechar sem sangramento? Ninguém sabe.

O que se sabe é que perdeu o país. Volta à memória o incrível feito do Império de ter mantido a unidade nacional. Enquanto a América Latina de língua espanhola esfacelava-se em vários países o Brasil se manteve indiviso. Uma preciosidade que custou o sangue de poucas revoltas, duramente conseguida, mas efetiva.

Há alguns anos estive no sul e fui surpreendido por pessoas que entregavam nas ruas um folheto separatista. Pregavam sul de sudeste separados do restante. Falavam sobre uma economia pujante, de primeiro mundo. Perguntava-se porque as regiões mais ricas deveriam matar a fome das mais carentes.

Eis aí um assunto perigoso. Tão perigoso que os políticos de momento deveriam assumir a responsabilidade de evitar qualquer discurso no qual houvesse alguma sugestão de dois países convivendo em região geográfica comum.

Não se tenham dúvidas de que desta vez os marqueteiros – a quem só interessa a vitória a qualquer preço - exageraram. Quanto à tônica dos discursos cabia a quem os pronunciava não se valer de exageros.

Estamos livres das eleições e dos comemorativos que as acompanham. Não estamos livres da ferida aberta que deixaram.

Declaração de voto

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De supetão uma senhora me perguntou em quem pretendo votar no domingo. Respondi a ela que ainda não me decidi.  Então a senhora reconheceu que realmente está difícil. Disse que Dilma representa a continuidade da corrupção que todo mundo está vendo, embora ela auxilie os pobres. Aécio, segundo ela, é um ex-viciado que se negou a fazer o teste do bafômetro.

Como se vê a troca de “gentilezas” entre os candidatos e o emporcalhamento da propaganda faz vítimas. Muita gente comparecerá às urnas para uma desforra contra o que considera errado. Nada de pensar a respeito dos problemas do país, a estagnação da economia, a inflação crescente, o absurdo da saúde, o escândalo da violência crescente, a crise da água, o pibinho, enfim toda sorte de coisas que afetam diretamente o nosso dia-a-dia.

Aqui se realiza um esforço para dividir o país em ricos e pobres, em nordeste e sudeste etc. O que não se fala é sobre a riqueza e a pobreza das nações. Nessa história de comunidade internacional ainda pertencemos ao time dos primos pobres. Pode-se passar a noite inteira discutindo as nuances do embate capitalismo X socialismo, mas nada se resolverá sem algum bom senso. De modo que todo esse palavrório, as verdades e as mentiras, a agressividade desmedida, a eloquência dos discursos, tudo isso simplesmente não nos acena com aquilo que de fato será melhor para todos nós em futuro próximo.

Eleição entre nós funciona como uma espécie de Fla X Flu no qual a paixão fala mais alto que a razão. No domingo até parece que as duas agremiações em luta - PT e PSDB - comparecerão a uma arena, vestidos com armaduras e lanças para um embate no qual só um sairá vivo. Se o PT ganhar o PSDB continuará com a oposição de sempre; caso vença o PSDB o PT se comportará como o mais aguerrido opositor de todos os tempos.

O fato é que no domingo a vida de muita gente ligada a cargos públicos estará na berlinda. Como sempre acontece muita gente teme voltar compulsoriamente para os lugares de origem caso a situação seja derrotada. Nesse caso outras pessoas ocuparão esses espaços até a possível degola numa outra eleição. Mas, assim é o mar, assim vivem os peixes.

De modo que não pretendo me confessar a respeito do meu voto. Se algo posso dizer é que pela primeira vez na vida me recusei a assistir aos debates entre os presidenciáveis dado já não ter vocação para ouvir achincalhamentos mútuos.

O que falta nesse Brasil de hoje é gente a altura dos cargos públicos. Você não acha?

Sempre Cortázar

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Se bem me lembro foi através de um amigo que cheguei à obra do escritor argentino Júlio Cortázar. Corriam os anos 70 do século passado, os tais anos de chumbo, nos quais pouco se falava e política não era bom assunto nem mesmo em casa. Além do que não existia a internet e para conseguir um telefone esperava-se por mais deu um ano após comprá-lo junto à companhia. Os jornais, naturalmente censurados, não eram lá muito interessantes. Sobre aquilo que de fato queríamos saber nenhuma linha, isso quando uma receita de bolo era publicada para preencher o espaço vazio de uma coluna na primeira página. Havia, sim, a notória presença de uns caras que enveredaram pelo terrorismo, mas a repressão logo fazia desaparecer os perseguidos. Até hoje não s e sabe que fim levou muita gente presa naquela época.

Mas, haviam os livros. Podia-se fugir do marasmo de ideias, da falta de discussões, dos embates ideológicos censurados através da leitura. Felizmente, o governo não pode - nem conseguiu - proibir mais que as obras consideradas perigosas que caiam nas mãos dos censores de modo que a cultura universal dormia tranquila nas estantes de bibliotecas e casas. O regime totalitário do país não chegara ao extremo de proibir livros sob o pretexto de deixarem as pessoas tristes e infelizes. No filme Fahrenheit 451, de 1966 e dirigido por François Truffaut, o governo proíbe a circulação de livros que devem ser destruídos isso, logicamente, para o bem do povo.

Foi o meu amigo que me passou, por empréstimo, o livro “Todos os Fogos o Fogo” de Cortázar, publicado em 1966. A leitura valeu como um tiro na cabeça, imersão em um mundo no qual o “normal” ao qual estamos habituados confronta-se com a existência do inusitado, do absurdo. Foi a mulher de Cortázar quem certa vez disse que para ele caso um elefante entrasse em sua casa ele não estranharia, na verdade pensaria se na geladeira haveria comida para o enorme animal. Na obra de Cortázar a entrada de um elefante numa casa seria um fato “normal”.

O clima dos contos de Cortázar é de irrealidade e insanidade dado que nada está em seu lugar.  Ao longo de sua carreira Cortázar notabilizou-se como um dos maiores escritores da literatura mundial. Mestre da narrativa deixou-nos obras impactantes que, felizmente, agora começam a ser republicadas em português. A Editora Civilização Brasileira acaba de relançar dois livros de Cortázar: “Final de Jogo” e “Um tal de Lucas” cuja leitura se recomenda aos interessados.

Em relação a grandes escritores sempre paira a curiosidade de se saber que tipo de pessoa, afinal, seriam. De Cortázar se sabe que viveu em Paris a maior parte de sua vida embora publicasse seus livros em espanhol sua língua nativa. Era um homem alto que amava o jazz, gostava gatos e de boxe. Certa vez ouvi do professor Davi Arrigucci que pessoalmente Cortázar era um homem que tinha dificuldade em cuidar de pequenas coisas. Tomar um café em aeroporto seria para ele um grande obstáculo.

Não se sabe em que dimensão mental viveu Cortázar. Os livros que escreveu nos dão conta de alguém proprietário de um surrealismo particular traduzido numa escrita de todo modo fantástica e irrepreensível.

O dia em que Carmem Miranda morreu

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Você deve ter lembranças de seu tempo de criança, algumas delas inesquecíveis. Para mim dois acontecimentos de repercussão nacional ficaram bem guardados na memória. O primeiro foi o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. Que dia! Longe do Rio, nas pequenas comunidades do interior do país, o desaparecimento de Getúlio provocava comoção. Um sem número de versões sobre as causas do suicídio corriam por toda parte. O atentado da Rua Toneleiros no qual Gregório Fortunato tentara matar Carlos de Lacerda fora o estopim de uma crise sem volta para Getúlio. Pelo rádio as notícias chegavam do Rio dando conta da presença de uma multidão no funeral do presidente morto. De fato, Getúlio saia da vida e entrava na história.

Mas, inesquecível mesmo foi o dia em que ouviu-se pelo rádio sobre a morte de Carmem Miranda. Carmem talvez tenha sido entre todas a pessoa mais amada pelo povo brasileiro. Estrela de renome internacional, Carmem morava no coração do povo a quem encantara com suas interpretações musicais sempre de grande sucesso. A morte dela, inesperada, logo após apresentar-se num show nos Estados Unidos provocou enorme comoção.

Embora menino ainda pequeno guardo daquele dia a imagem de minha mãe e minha tia chorando. Perdera-se alguém da família, a “uma de nós” que emprestava brilho aos dias. E dizer que Carmem quando morreu há catorze anos não se apresentava no Brasil. Entre lágrimas a duas lembravam-se da fenomenal recepção a Carmem quando de sua visita ao país após o primeiro ano de sucesso nos EUA. Falavam sobre a apresentação dela no Cassino da Urca no qual o público, favorável à Alemanha e contrário aos EUA - isso em plena guerra – dera as costas à grande cantora e atriz brasileira. Mas - o principal - ponderava-se sobre o casamento ruim que tanto a magoara. Atribuía-se ao marido a responsabilidade pela vida complicada de Carmem fator importante para seu fim precoce.

Ontem assisti a um documentário sobre Carmem Miranda. Pude rever imagens da portuguesa que imigrou para o Brasil com um ano de idade e aqui se tornou um dos maiores ídolos de nossa história. Ouvi sobre as eternas acusações feitas a Carmem de que ela traíra o Brasil americanizando-se. Me deu saudades daquele tempo. Tive saudades daquelas duas mulheres - minha mãe e minha tia - chorando a morte de Carmem.

Vi cenas do enterro de Carmem Miranda realizado num dia em que o Rio parou. Cenas arrepiantes de uma massa humana consternada marcaram um momento grave na vida dos brasileiros.

Dentro do caixão, exposta aos olhares consternados de seu público, Carmem Miranda apresentava o semblante sereno. Como Getúlio, pouco tempo depois dele, Carmem saia da vida e entrava na história.

Roteiro de broncas

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Não consegui assistir ao debate entre os presidenciáveis. Bem que tentei, mas… Me pergunto sobre a opinião geral acerca da ininterrupta troca de acusações. Nada de planos de governo, análises aprofundadas sobre que caminhos a trilhar no futuro próximo. O que se quer é desvirtuar o adversário, mostrar a incompetência dele, exibir em público as responsabilidades devidas.

Hoje em dia os comícios não são permitidos. Ainda bem, dado que os tais showmícios realmente eram de amargar. Mas, ouso dizer que, infelizmente, os políticos atuais devem - e muito – quando os colocamos em perspectiva com os políticos do passado. Dilma é um desencanto; Aécio sombra apagada do grande Tancredo. E por aí vai.

Pois lembrei-me de certa eleição estadual em São Paulo na qual os tradicionais adversários, Jânio e Adhemar, eram os postulantes ao cargo de governador. Jânio era um mestre do discurso, figura impagável, inteligência ferina sobre a qual pairava um alo de loucura. Ainda hoje há quem não se conforme com a renúncia de Jânio quando presidente, mas será mesmo que ninguém previu que num homem como aquele tudo seria possível? Já Adhemar, mais tosco, falava a língua das massas. Esperto, inteligente, realizador e tido como corrupto, era um político interessantíssimo. Eu o vi em ação certa vez num palanque em cidade do interior. A figura de Adhemar impunha respeito e seus correligionários e eleitores o adoravam. Daquele comício guardei o frenesi provocado no público quando Adhemar foi anunciado no microfone. Era ele um artista da velha guarda com sua figura impressionante.

Aproxima-se o dia da realização do segundo turno e as pesquisas mostram um empate técnico entre os dois candidatos. O país aguarda a definição sobre o novo governo. Um frêmito sobre a necessidade de mudança favorece Aécio. Enquanto isso, Dilma tenta justificar a letargia de seu governo prometendo realizar mudanças no futuro. Nos próximos dias a pauleira entre os candidatos tende a aumentar seguindo um roteiro de broncas incontidas.

Em breve conheceremos o fim dessa história.

Mais do mesmo

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O Brasil é o país do mais do mesmo. No momento de uma grande crise os responsáveis pelo andamento das coisas se recolhem, mostram-se preocupados, prometem reformas. Novos tempos virão e com as coisas desta vez nos eixos.

Mas, as crises passam. Nada melhor que um dia depois do outro para se deixar para trás o desconforto da derrota, a vergonha do mau momento. De repente amanhece um dia em que tudo parece esquecido e as reformas prometidas, as lágrimas derramadas, a comoção nacional, enfim tudo, absolutamente tudo é simplesmente deixado pra lá. É assim na política, assim no esporte, assim em tudo.

Veja-se o caso do futebol. Não se foram ainda três meses daquele que foi seguramente o segundo dia mais triste da história do nosso futebol. O primeiro, como se sabe, foi a derrota para o Uruguai na Copa de 50, fantasma eterno que ainda hoje assombra os brasileiros. O segundo, recente, foi a triste derrota do escrete canarinho diante da seleção da Alemanha por 7 X 1. Jogo para ser esquecido, vergonhoso, tragédia que enlutou a pátria de chuteiras.

Acontecida a catástrofe veio o rescaldo com promessas de reformulação do futebol. A reforma seria iniciada desde as divisões de base. Faces sérias surgiram no vídeo da televisão com a promessa de novos tempos. A vitória da Alemanha devera-se a uma radical transformação operada na liga de futebol daquele país. O mesmos seria feito no Brasil.

Mas, como por encanto, a seleção nacional rapidamente ressurgiu das cinzas. Na mesma semana venceu - e bem – a Argentina e hoje derrotou a seleção do Japão. Estamos em ritmo de ascensão. A vitória nos harmoniza. Quanto ao futuro espera-se algum tipo de acordo para que na medida de um possível bastante improvável, o futebol pentacampeão seja reformulado.

Mais do mesmo e nada mais. É a tradição.