Arquivo para maio, 2009
Transgênicos
A notícia recai sobre o milho, a soja, o algodão e outros produtos: plantações convencionais e plantações de transgênicos desses vegetais não estão sendo separadas. Alega-se falta de meios e verbas para controle. Agricultores declaram que suas plantações convencionais correm o risco de serem contaminadas por variedades transgênicas.
A falta de fiscalização sobre a produção de transgênicos afeta todas as etapas de produção, desde o plantio até as rações derivadas dos produtos cultivados. Assim, via cadeia alimentar, animais como porcos e vacas consomem transgênicos que chegam ao homem através da alimentação.
O que se diz é que o país perdeu controle sobre os produtos geneticamente modificados. Isso representa que o consumidor pode trazer para casa alimentos geneticamente modificados sem ser avisado sobre isso.
Debates sobre os riscos da utilização de transgênicos à parte deve-se ao consumidor a prerrogativa de conhecer a natureza dos produtos que adquire e utiliza.
Cabe aos órgãos governamentais medidas urgentes e efetivas no controle de transgênicos.
Isaurinha Garcia
Estréia no Teatro João Caetano, Rio de Janeiro, a peça “Isaurinha - Samba, Jazz & Bossa Nova” com Rosamaria Murtinho no papel da grande cantora.
A notícia sobre o evento me devolve a uma tarde qualquer em meados dos anos 80, na cidade de São Paulo. Na época eu exercia a profissão de médico, trabalhando numa clínica. Naquela tarde, a secretária entrou na saleta de consultas acompanhada por uma senhora e trazendo uma ficha que me entregou. A secretária saiu e a senhora sentou-se. Era uma mulher pequena, sessenta e poucos anos de idade, baixa estatura, muito simpática. Falava baixo, quase sussurrando, queixando-se de sintomas vagos.
A princípio não atentei para quem seria a paciente até que o nome escrito na ficha ligou-se à fisionomia e à voz. Era Isaurinha Garcia, em carne e osso, bem à minha frente, separada de mim pelo espaço de uma escrivaninha. A constatação imediatamente despertou em mim o fã incondicional, proprietário de alguns LPs da cantora.
Fã é fã em qualquer lugar. A primeira coisa que fiz foi revelar a Isaurinha a minha condição de admirador incondicional e o orgulho de tê-la ali comigo, dispondo-me a ajudá-la. Mulher simples, pés no chão, Isaurinha agradeceu os meus elogios, mas declarou não ser nada, bondade minha reconhecê-la numa época em que já se afastara das gravadoras e participava de raros shows.
Durante a nossa curta conversa pude notar em Isaurinha alguma retração, como se tudo o que falávamos se referisse a outra pessoa que não ela cujo período de notoriedade ficara para trás e agora vivia a realidade da velhice e algum desencanto. Entretanto, essa conotação um tanto depressiva durou apenas até eu dizer a ela que, entre todos os seus sucessos, a música “Mensagem” era a minha favorita.
A lembrança de “Mensagem” transfigurou Isaurinha. Subitamente mudada, a cantora encarou-me e perguntou:
- Lembra-se da letra?
Não tive tempo de responder: Isaurinha já começava a cantar a primeira estrofe de “Mensagem”:
“Quando o carteiro chegou
E o meu nome gritou
Com uma carta na mão,
Ante surpresa tão rude,
Não sei como pude
Chegar ao portão…”
Então aconteceu: enquanto Isaurinha cantava, os ruídos que chegavam da sala de espera subitamente cessaram. Houve um momento em que olhei pela janela do sétimo andar e tive a impressão de que o trânsito da Av. Paulista parara porque todos os carros haviam desligado os seus motores. Nenhum som de buzina, nenhum barulho, a sala onde estávamos definitivamente pairava no ar e estivemos assim, num mundo sem gravidade, até que Isaurinha parou de cantar e o sortilégio de sua voz se desfez para que a Terra voltasse a girar.
A imagem da mulher
Gosto não se discute, mas muda. Se fosse possível entrar num cemitério e perguntar aos rapazes de 1900 sobre o que realmente os atraía nas mulheres, talvez tivéssemos muitas surpresas.
As mulheres dos livros de Machado de Assis provocam com braços, tornozelos e colos. Palha, o safado do Palha de “Quincas Borba” é do tipo que gosta de exibir sua mulher. Mas Sofia, a mulher do Palha, passou ao futuro como uma promessa de algo que só podemos imaginar pois o máximo que Machado permite revelar, além da estonteante beleza de Sofia, são os decotes um tanto exagerados.
Se você folhear as revistas da década de 50 como “O Cruzeiro” e a “Manchete”, verá que as mulheres, como as certinhas do Lalau, hoje não nos parecem tão certinhas assim: estão mais para gordinhas. Gloriosa exceção é Marta Rocha, espécie de símbolo de mulher no Brasil, mito que revive toda vez que o assunto é mulher bonita. Até hoje se fala sobre os tais dois centímetros que tiraram dela o título de Miss Universo.
De que o estilo de mulher norte-americana, mais para magra, nunca foi bem aceito no Brasil não existem dúvidas. A preferência nacional, nos dias de hoje, pode variar, mas, no geral, a turma do bar da esquina é mesmo chegada nuns tipos mais vistosos, digamos assim.
Mas, por que esse assunto agora? Porque não deixa de ser intrigante a utilização da imagem da mulher em nosso país. Mulheres seminuas e de corpo escultural aparecem em tudo, de propaganda de cerveja à venda de automóveis e em programas de televisão. A coisa é tanta que, às vezes, assistimos a um anúncio e temos que forçar o raciocínio para estabelecer a relação entre o produto veiculado e as mulheres que posam ao seu lado, muitas vezes decorativamente. Tá bom que a beleza cutuque o inconsciente, mas haja espaço para tanta sugestão.
Por fim, tem-se essa história de mulheres sendo ligadas à imagem do Brasil. Refiro-me a situações nas quais a presença da mulher realmente aparece como verdadeiro corpo estranho em relação ao que está acontecendo. É o caso de visitas de estrangeiros, às vezes reuniões com mandatários de países que se quer agradar ou, ainda, estabelecer relações comerciais. De repente, no meio de uma recepção, surgem mulheres, sambando, rebolando, insinuando as belezas naturais do país e o jeito do brasileiro através das generosas curvas de seus corpos.
A imagem do Brasil tem mudado positivamente, deixando de ser apenas samba e tudo que o batuque e o carnaval podem sugerir. Já a imagem da mulher veiculada pela mídia precisa ser revista.
Escrevi isso depois de ouvir comentários de algumas mulheres após assistirem a um comercial na TV. Tentei resistir, dialoguei, mas tive que concordar com elas.
Entre livros
Quando todos os nossos pecados pesam demais – em geral isso acontece nas madrugadas insones – os livros talvez sejam a nossa única salvação.
Você acorda, senta-se na beirada da cama e olha para o escuro à sua frente onde, de repente, todas as imagens tornam-se possíveis. Nesse espaço, ao mesmo tempo mínino e infinito, você pode desenhar toda sorte de coisas e acontecimentos, mergulhar no passado e sonhar com o futuro. O escuro que se vê da beirada da cama em meio à madrugada faz de você um artista, a um só tempo coreógrafo e ator, capaz de repassar trajetos vividos, vendo-se atuar.
O tempo desse transe demora o suficiente para que você decida andar pela casa, até encontrar um porto seguro que são os seus livros. Com eles se travará, a partir de agora, um diálogo de memórias lidas e vividas, toques suaves em capas, num correr de dedos aparentemente desinteressado e que o levará a um título específico. Então você retirará o livro da estante, abrirá numa página qualquer e descobrirá que nada disso aconteceu por acaso, na verdade você atendeu a um chamado, era preciso encontrar-se com certas palavras, como essas que estão agora diante dos meus olhos, às cinco da manhã, enviadas do passado por Fernando Pessoa, escritas por ele especialmente para encontrarem-se comigo nessa hora urgente e necessária:
“Entre mim e a vida há um vidro tênue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar”.
Então está feito, cumpriu-se o rito, agora é recolocar o “Livro do Desassossego” na estante e voltar para o quarto, dormir novamente, esquecido da vida, essa louca vida que, só agora percebo, compreendo, mas não lhe posso tocar.
Eu tinha 60 anos e era um garoto
… com sonhos malucos. Quem disse isso foi o cantor canadense Leonard Cohen em seu show realizado em Londres na O2 Arena, no dia 17 de julho de 2008. Na ocasião Cohen tinha 74 anos e de sua apresentação resultaram os CDs “Live in London”, lançados pela Sony BMG.
A palavra que mais se encontra nas críticas ao “Live in Lodon” é “emocionante”. De fato, a par da qualidade musical impressiona a vitalidade desse senhor de voz forte, já um pouco rouca e que tem atrás de si expressiva trajetória nos campos da literatura e da música.
Cohen já era um reverenciado poeta e romancista quando, aos 30 anos de idade, gravou o seu primeiro disco. A partir daí, passou a influenciar grandes expoentes da música POP que a ele pagam tributo reconhecendo-o como mestre.
Agora Cohen retorna com o “Live in London”. Em faixas como “Suzanne”, um de seus sucessos, o cantor praticamente sussurra com sua voz profunda e cortante, declamando, acompanhado pelo som de sua guitarra que chora. Há beleza e solidão em Suzanne, placidez e encanto que nos atingem.
Difícil dizer se em Leonard Cohen a música precede a poesia ou o inverso. De qualquer modo aí está ele, brilhante e perfeito, aos 74 anos, convidando-nos à postura de garotos malucos sem importar a idade que tenhamos.
O “kid with a crazy dreams” de Leonard Cohen é uma fórmula de eternidade.
Depois do ENEM
A divulgação dos resultados do ENEM reacendeu a discussão sobre as falhas do ensino no Brasil. De repente e como se fosse pela primeira vez constata-se que é preciso fazer algo e com extrema urgência. O Ministério da Educação sai na frente com proposta de alterar a carga horária e o currículo do ensino médio. A idéia é trocar as atuais 12 matérias do ensino médio por quatro áreas temáticas.
Não é possível saber se a proposta é boa ou ruim ainda mais quando sugerida de afogadilho e com a intenção de demonstrar que o governo está atento e não dorme no ponto. A verdade é que os resultados agora divulgados refletem uma situação que vem de longe e pode ser atribuída a vários fatores. Entre eles destacam-se a condição social dos participantes, o acesso a boas escolas, dificuldades primárias com a alimentação e serviços básicos como saúde etc, empenho e possibilidade dos pais no acompanhamento dos alunos, estratégias adequadas de ensino, formação de professores, salários do pessoal que atua área da educação, uso de materiais didáticos acessíveis e pertinentes, investimentos na área da educação, segurança etc.
Cada um desses fatores – e outros – precisa ser valorizado para que não se corra o risco da implantação medidas apressadas e provavelmente ineficientes. A verdade é que o ensino de má qualidade tornou-se uma epidemia no país e talvez não baste uma vacina de mudança de currículo para saná-la ou minorar os seus efeitos coletivos.
Durante o breaking
Converso com um homem no intervalo de encontro de negócios. Ele tem pouco mais de 50 anos, boa aparência, veste-se bem e fala com fluência. Pergunta-me sobre as minhas atividades e apresenta-se como consultor de negócios, atuando na área da Educação e serviços ligados a ela.
Impressionam-me o seu conhecimento, a atualidade de suas observações e visão de mercado. Discreto mas firme, parece-me pessoa adaptada a esses novos tempos globalizados e de crise, antenado com o que acontece no setor em que atua de modo a influir positivamente nas decisões das pessoas e grupos que assessora ou participa.
A conversa dura o tempo exato do breaking. Despedimo-nos trocando cartões e ele me promete uma visita para tratarmos assuntos de interesse comum.
Horas depois, em conversa com amigos, fico sabendo que o homem com quem troquei idéias está desempregado já há dois anos e não encontra lugar no mercado de trabalho. Entretanto, ele não perde a esperança de ser reaproveitado. Para isso, mantém as aparências: freqüenta eventos e busca causar sempre boa impressão. Esse é o seu modo de se manter vivo e expectante sobre novas oportunidades
A idade certamente pesa na hora de conseguir uma nova colocação. No caso do homem sobre quem falo penso que, além da idade, pese sobre ele o fato das pessoas do ramo saberem da sua real condição. Fios de cabelos brancos associados ao desemprego talvez contribuam para a imagem de fracasso e confiram a uma pessoa o estigma de perdedor. Nesse caso, as oportunidades de retorno ao trabalho dependerão do delicado equilíbrio entre a boa imagem que se quer transmitir e agravantes como o preconceito contra a velhice.
Ronaldo, intérprete do Brasil
Sempre que falávamos sobre algo considerado impossível de acontecer um de nossos amigos, corintiano roxo, dizia: só acontecerá quando o Corinthians for campeão invicto sem nenhum gol contra.
Campeão invicto o time foi, não sei se com algum gol contra ou não. Mas o jogo contra o Santos foi emocionante até para quem não torce para nenhum dos dois times.
As ocorrências depois do jogo extrapolaram o previsto: invasão de campo e fogo em torno da taça conquistada quase atingindo os jogadores corintianos. Depois disso, as entrevistas. Numa delas, um comentarista de televisão elogiou o presidente do Corinthians afirmando que não daria a vida por ele, mas o sangue sim. Noutra ouviu-se Ronaldo que começou desabafando contra a desorganização após o jogo. Mas o surpreendente foi que afirmou quando perguntado sobre o momento atual em sua carreira. Ronaldo definiu-se:
- Eu sou o brasileiro.
Sim, o cara que já passou por tudo na vida, da fome à glória e muito dinheiro, com altos e baixos, sempre lutando, caindo e se levantando, encarando as dificuldades, cometendo deslizes, enfim, o brasileiro.
E foi assim, com simplicidade, que o astro do futebol juntou-se a outras personalidades que tentaram interpretar o Brasil e os brasileiros. O “ser brasileiro” de Ronaldo é diferente do apresentado por homens como Paulo Prado com sua visão pessimista ou Sergio Buarque de Holanda com o homem cordial. O “ser brasileiro” de Ronaldo é condição que justifica um pouco de tudo que nos acontece numa visão quase determinista de que “se somos assim, nas circunstâncias em que vivemos, não poderíamos ser diferentes”.
A palavra
Saio à rua para comprar o jornal e sou abordado por um homem que diz trazer a Palavra da Salvação. Antes que eu me recomponha ele passa a citar salmos até que consigo interrompê-lo. Vou dizer que não estou interessado quando ele apela para um argumento que me prende:
- Não se lembra de mim? Fomos colegas no curso primário.
Em vão procuro no rosto do homem sinais familiares que denunciem algum menino com quem convivi nos bancos escolares. Para me livrar logo, evito fazer perguntas que comprovem o fato. Enquanto isso o homem continua com a ladainha da salvação.
A coisa toda prossegue até que consigo desviar o assunto para reminiscências comuns que na verdade não existem. Então o homem – apresenta-se como Eduardo – deixa de lado a religião e passa a falar sobre a sua vida. Conta-me que há dois anos perdeu um filho num desastre. Até então vivia longe da fé e o acidente serviu-lhe como aviso. O conhecimento da Palavra deu-lhe forças para superar a grande perda e, a partir daí, passou a divulgá-la.
Não sou capaz de dizer a religião professada pelo Eduardo e fiquei com a impressão de que, talvez, jamais nos tivéssemos visto – ele não se lembrava do meu nome. Depois de algum tempo nos despedimos, não sem antes eu prometer que leria com atenção os folhetos que ele me entregou.
Já em casa e lendo o jornal de domingo volta-me a imagem desse estranho homem que perdeu o filho e agora anda por aí, levando a Palavra para quem queira ouvi-la ou não.
Trabalhadores
Chamaram atenção no noticiário da noite de ontem as manifestações do Dia do Trabalho. No Brasil a data foi comemorada; em outros países o que se viu foram protestos contra os governos e a falta de empregos.
1,5 milhão de pessoas participou do evento promovido pela Força Sindical, em São Paulo. As centrais de trabalhadores fizeram discursos amenos, apoiando medidas do Planalto no combate à crise.
Na Europa as coisas se passaram de modo diferente. Em vários países ocorreram protestos sendo que na Alemanha, Turquia e Grécia as manifestações descambaram para a violência com confrontos entre a polícia e manifestantes.
Entretanto, o mais intrigante foram respostas de pessoas entrevistadas durante as comemorações, no Brasil. Desempregados e trabalhadores de setores em crise demonstraram muita calma e disseram sonhar com um emprego ou estabilidade. Longe de protestar, pessoas atravessando grandes dificuldades não reclamaram de nada, muito menos do governo.
Conformismo? Opinião de que o governo está fazendo o possível diante da crise? Esperança de que a situação mude muito em breve? Ausência de engajamento político ou visão clara sobre a situação atual?
Difícil responder. Mas fica impressão de um povo acomodado que comparece às festividades do Dia do Trabalho apenas para assistir shows e participar de sorteios de carros.