Arquivo para agosto, 2009
Livros: companheiros de verdade
Numa época em quem a palavra companheiro assumiu conotação de ligação política e comunhão de interesses, não será demais um pequeno esforço para reabilitá-la (reabilitá-la, sim, porque ela tem feito a delícia de comediantes e muita gente que anda por aí).
Não há melhor jeito de fazer isso que a lembrança dos bons amigos que temos, com quem contamos em todas as horas. Existem amizades de raiz, ligadas a passado distante, mas preservadas por funda afeição e admiração. E quantas novas, produtivas e agradáveis, por obedecerem ao princípio básico das amizades que é a pessoa em si despida de outros interesses.
Poderíamos, ainda, referir-nos aos animais de estimação, por vezes ariscos, mas que na hora “H” revelam-se mais solidários que muitos seres humanos. Creio que os cães, melhor que outras espécies animais, preencham com louvores essa condição.
Entre as coisas inanimadas, os livros ocupam posição de destaque como nossos companheiros. Estão sempre disponíveis para oferecer variantes de pensamentos ou simplesmente brindar-nos com uma boa história que nos ajude a fugir um pouco da rotina diária.
Tempos atrás assisti à palestra de renomado professor universitário que, entre outras, afirmou ter nascido numa casa sem livros. Estranhava ele que o destino, ou o que fosse, o tivesse conduzido à literatura assunto do qual esteve ausente por um bom período de sua vida. Na verdade não foi essa a primeira vez que ouvi referências a casas sem livros, fato sempre narrado pesarosamente e no sentido de comprometer culturalmente os seus moradores.
De minha parte, afirmo alegremente que nasci numa casa com livros – e sem televisão. Naqueles ermos interioranos onde nasci, dada a precariedade da recepção de imagens, realmente era um grande luxo ter um aparelho de televisão. Vai daí que outra boa distração não tínhamos que a das histórias contadas nos livros. Era através deles que tomávamos contato com o mundo, sabíamos como viviam outros povos e armazenávamos conhecimentos sobre a vasta cultura tantas vezes inúteis dos velhos almanaques que podem ser considerados precursores do Google, Wikipedia e outras ferramentas de pesquisa da internet.
Quem foi o primeiro homem a chegar ao pólo norte? Quais são as sete maravilhas do mundo antigo? Essas e milhares de outras perguntas estavam ao alcance de todos nos almanaques aos quais devo a curiosidade por coisas incomuns, fatos mal explicados porque desimportantes e assim por diante.
Foi por ter nascido em casa com livros que pude ler até os 14 anos de idade toda a obra de José de Alencar, talvez sem perceber as peripécias do romantismo, mas curioso a cada capítulo assim como as pessoas que, atualmente, acompanham as tele-novelas. Daqueles anos também ficaram as verdadeiras imersões no “Tesouro da Juventude” uma coleção de vários volumes bem encadernados e ilustrados cuja pretensão era encerrar em suas centenas e centenas de páginas a essência cultural que todo homem deve ter. Foi no “Tesouro” que conheci as fábulas de La Fontaiane e explicações iniciais sobre os princípios da química, da física e da biologia.
Depois do “Tesouro” vieram os contistas russos, Flaubert, Henry James, Fernando Pessoa e toda essa maravilhosa galeria de escritores que me emprestou tantas idéias e que se fizeram companheiros inseparáveis vida afora.
Mas não poderia terminar sem prestar uma rápida homenagem a meu pai. Tinha ele o prazer genuíno das palavras, gostava e gastava cada uma delas como se fosse a última. E, coisa rara, adorava ler em voz alta, se possível para nós. Foi através dos olhos e da voz dele que, quando menino, travei contato com a Divina Comédia. Diariamente meu pai lia-nos uma parte do grande livro e de tal forma nos envolvíamos que personagens como Beatriz e Virgílio faziam parte de nossas conversas cotidianas.
Ah, se eu pudesse e o meu dinheiro desse, como dizia Carlos Drummond de Andrade. Pois se eu pudesse e o meu dinheiro desse, mandava colocar uns livros na casa de todo mundo. E seria ditatorial: televisões ligadas só depois de pelo uma hora de leitura pbrigatória.
O mundo seria outro, acreditem.
A prisão do médico
A detenção do médico Roger Abdelmassih dá o que pensar. Não é todo dia que se veem cenas de aprisionamento de pessoa tão renomada e que goza de enorme prestígio em sua profissão. As imagens daquele senhor, aparentemente acima de qualquer suspeita, sendo conduzido por policiais passa-nos a idéia de equívoco, de coisa fora do lugar. De fato, a presença física do médico em pleno noticiário policial parece deslocada, algo chocante transferindo-nos a impressão de que, em nome do bom senso, tudo acabará sendo explicado e voltará a ser como antes.
Entretanto, sobre o homem que foi levado de sua luxuosa clínica pelos policiais pesam acusações gravíssimas: mais de cinquenta mulheres o acusam de abuso sexual e existe uma inegável coincidência nos depoimentos delas quanto ao modo de agir dele. A tônica das palavras de cada uma delas é de profunda revolta, raiva, humilhação e, principalmente, sede de justiça. Os relatos referem-se a abusos cometidos justamente em momentos de torpor causados pela aplicação de medicamentos. São, pois, depoimentos sobre vítimas indefesas, completamente à mercê do homem que responsabilizam pelos abusos. Acusações terríveis, muitas delas guardadas por longo tempo dado o receio de descrédito.
O assunto apaixona pessoas que se perguntam sobre como é possível acontecer fato tão hediondo. Há quem se negue a acreditar. Pacientes do Dr. Roger, gratos a ele, o descrevem de forma elogiosa. É nessas circunstâncias que o critério de verdade deve prevalecer para que a justiça seja feita. O que é verdade nesse caso? Afinal, o que é a verdade? No seu Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano explica-nos, analisando o verbete verdade, que este possui cinco conceitos fundamentais. Um deles é o conceito de verdade como correspondência tal como foi formulado, entre outros, por Aristóteles. Uma das teses do filósofo grego sobre a verdade é a que a entende como o que ela é e não como pensamento ou o que se diz sobre ela. Assim, uma coisa não é branca porque se tome como verdade que ela tem essa cor; a afirmação é verdadeira porque de fato a coisa é branca.
São os fatos, as provas, portanto, que prevalecerão no caso do Dr. Roger Abdelmasssih. Só com elas se poderá chegar à verdade. Nesse sentido as investigações policiais prosseguem. A Justiça recusa o habeas corpus impetrado pelos advogados do médico. O Conselho Regional de Medicina abre cinquenta processos contra o médico e suspende o seu direito de exercer a profissão.
O grande choque que nos causa tudo isso é provocado pela contradição entre fatores como a imagem de seriedade do médico, seus deveres éticos e a natureza das acusações feitas contra ele. Existe muito de tara e monstruosidade absolutamente inaceitáveis nas situações descritas pelas vítimas que, caso fiquem provadas, exigirão punição exemplar.
Finalmente, vale lembrar o juramento de Hipócrates feito por todos os médicos antes de iniciar o exercício da profissão. Em um de seus parágrafos lê-se:
Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.
A força da democracia
É o sistema republicano e democrático instituição capaz de resistir a toda sorte de achaques e intempéries?
A história nos ensina que não. Instituições em geral sobrevivem com apoio de maiorias e as várias infra-estruturas que as sustentam. Um rápido voltear de cabeça em direção ao passado dos países nos revela alternâncias de regimes, quando não a insolvência de governos que não se sustentam tamanhas as dimensões de seus erros. Atrás das ações errôneas dos homens ficam as oscilações da economia, o descaso por fatores como a educação e a saúde, o uso da força, os golpes de Estado e até os extremos de perseguições e torturas. Nós, brasileiros, conhecemos bem os regimes ditatoriais e sabemos quanto nos custou o período democrático que agora vivemos.
Retóricas da ordem da utilizada no parágrafo anterior podem não ajudar muito, mas têm valor enquanto constatação. Não será demais lembrar que a história republicana em nosso país não serve como modelo ilustrativo do emblema de ordem e progresso inserido na bandeira nacional. A República de 1889 nasceu de um golpe cujos resultados foram mais devidos à caducidade do regime monárquico que à ação dos republicanos em si. A Revolta da Armada, a Revolução Federalista, a Revolução de 30 e o golpe militar de 1964 são apenas fatos maiores que despontam na trajetória de um regime que se afirmou à base de parâmetros nem sempre democráticos.
A essas apressadas considerações sou levado pelo espanto de presenciar, diariamente, o verdadeiro descalabro em que se converteu a atividade política nos altos escalões da República. Não se respeita o país e a democracia; vaidades pessoais são colocadas acima dos interesses maiores do país. Trava-se uma luta intestina entre pessoas eleitas pelo voto popular, luta essa que tem como meta exclusiva a posse do poder e a distribuição das benesses dele decorrentes.
Até aí, nenhuma novidade, lê-se isso nos jornais diariamente. Entretanto, existe algo que se impõe: são a manutenção da democracia e a capacidade do regime atual absorver as fantásticas agressões que se praticam contra ele. A história não se repete e há quem diga que lições do passado não se aplicam a outros momentos históricos cujas circunstâncias são obrigatoriamente diferentes. Existem, também, os que acreditam na força e estabilidade da economia, além de não identificarem na população brasileira forças capazes de se articular em torno de ações extremadas ou não.
Tudo, portanto, muito lógico, a democracia está sobrevivendo, o país não está na UTI e assim por diante. Então por que se preocupar? Pois, o que me move é dizer que eu e muita gente já vimos esse filme. De fato, já assistimos a filmes como esse e não será exagero afirmar que sabemos bem no que tudo pode dar.
As sucessivas crises relacionadas à presidência do Senado paralisam os trabalhos daquela casa trazendo enormes prejuízos para o país. Em nome de salvar um só homem – e não é a primeira vez que isso acontece - e as possíveis alianças partidárias visando as próximas eleições coloca-se a coisa pública num limbo em que o marasmo decisório é a tônica das ações.
Avança o disse-não-disse, essa verdadeira maldição na qual se atola a classe política. Quanto a isso, o episódio de momento é a acusação da ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, de que a ministra Dilma Roussef pediu a ela para concluir rapidamente a investigação que o Fisco fazia nas empresas da família Sarney. Em resposta, Dilma veio a público, dedo em riste, negando o fato. Vai daí que o presidente da República olvida a importância de seu cargo e sai ao campo sucessório desafiando a ex-secretaria a provar que existiu a reunião entre ela e a ministra.
Existe quem não veja qualquer glória em nossa história. Creio que mesmo essas pessoas concordem que o país não merece o que está acontecendo. Nós não merecemos que a imagem do Brasil seja maculada e torpedeada pela trupe dos maus atores que deixam de lado os papéis que a eles confiamos para entregar-se a delírios de poder.
Como canta Caetano Veloso: alguma coisa está fora da ordem…
Alguma coisa precisa ser feita e depressa, tomara que nada que coloque em risco a democracia.
Pão de Queijo
Os calendários que se cuidem: são inventadas datas para tanta coisa que daqui a pouco faltarão dias disponíveis para novas comemorações.
Ontem, 17 de agosto, foi o dia do pão de queijo. A data nasceu de um concurso de receitas proposto pela apresentadora Ana Maria Braga, em 2007. 17 de agosto foi marcado para a decisão do concurso e acabou sendo oficializado por bares e restaurantes como o dia do pão de queijo.
O assunto não mereceria maiores considerações se justamente não se referisse… ao maravilhoso pão de queijo, invenção de algum gênio da culinária, talvez até um extraterrestre que apiedado do sofrimento dos homens trouxe a receita e a deixou sobre o fogão de uma benfazeja dona de casa.
Mas que os mortais não se iludam: existe o verdadeiro pão de queijo e os muitos falsos, isso sem falar nas suas variedades. Mais: as composições que têm como referência o querido pãozinho são infinitas, fato que nos leva a concluir sobre a possibilidade de criação de novas receitas.
Entretanto, é bom que se diga que o pão de queijo é indissociável de Minas Gerais. É ali, nas terras do grande Estado que viceja a criatividade dos achegados às tradições culinárias, aos quais se deve a fantástica cozinha mineira. Quem duvida que encete viagem pelo interior de Minas Gerais com paradas obrigatórias nas cidades do percurso. Encontrará um mundo de delícias a começar pelos variados queijos vendidos em laticínios de beira de estrada. E olhe que não faltarão detalhes de realeza: nas cidades mineiras existem reis de tudo, a começar pelo rei da empada, passando pelo rei pão-de-ló e chegando ao rei do pé-de-moleque. Isso sem falar no rei da pamonha, no rei do doce de leite, tantos reis que somos impedidos pela capacidade dos nossos estômagos de confirmar a veracidade de tão vasta realeza.
Minas é leite, São Paulo é café. O dia do pão de queijo nos faz lembrar a política café- com-leite que comandou as coisas no Brasil até a Revolução de 30. Eram os tempos da chamada República Velha, período em que paulistas e mineiros revezavam-se no poder da nação. A política café-com-leite teve início no governo do paulista Campos Salles (1898-1902), e só terminou com a chegada de Getúlio Vargas (1930-1945) ao poder, após a queda do presidente Washington Luis (1926-1930). Durante esse período apenas dois presidentes não pertenceram a Minas e São Paulo: Hermes da Fonseca (1910-1914) e Epitácio Pessoa (1919-1922).
Por falar em café-com-leite estão aí as lideranças do PSDB às turras pelo lançamento de seu candidato à presidência para as eleições de 2010. José Serra, governador de São Paulo, lidera as pesquisas; Aécio Neves, governador de Minas Gerais, também é um possível candidato. A melhor solução seria a parceria entre os dois, um para presidente, o outro para vice. Mas quem seria o vice nessa história?
Política é política e muita água passará por debaixo da ponte até que se tenha um quadro exato da sucessão presidencial. De minha parte sugiro aos dois postulantes do PSDB uma boa refeição matinal com café, leite, pão de queijo e tudo o mais. Quem sabe na serenidade da deglutição de alimentos que já constituíram a grande força exportadora do país os dois homens decidam logo como participarão da sucessão, se possível unindo forças pelo amor de Deus.
Inimigos Públicos
Foi J. Edgar Hover quem transformou John Dillinger no inimigo píblico nº 1 dos Estados Unidos. Na mesma época agiram os inimigos públicos Baby Face Nelson e Pretty Boy Floid.
Eram os primórdios do FBI, organização dirigida por Hover durante 48 anos. Mas foi nos anos 30 que seu prestígio aumentou ao combater Dillinger, Baby Face e Pretty Boy. Note-se que a emergência desses gangsteres aconteceu justamente durante a grande depressão decorrente da quebra da bolsa de Nova York, em 1929.
É esse mundo que o cineasta Michael Mann traz aos espectadores em seu filme “Inimigos Públicos”. Há um evidente esforço em recompor a época com exatidão de detalhes refazendo-se a atmosfera reinante durante os anos de depressão.
O inimigo público nº 1 não era de todo um mau sujeito, revelando-se uma espécie de Robin Hood em tempos de crise econômica. Não chegava ele a tirar dos ricos para distribuir aos pobres: seu alvo eram os bancos, o dinheiro em posse do sistema, nunca a poupança particular. Tornou-se famoso o respeito de Dillinger pelas pessoas encontradas nos bancos durante os assaltos: ele não tocava no dinheiro que elas eventualmente carregavam. Além disso, Dillinger não era um assassino. Devedor de uma única morte atribuía esse fato a um acidente de percurso.
Por tais características Dillinger contava com o apreço da opinião pública. Era, do seu modo, um ídolo em pleno período de depressão econômica fato que garantia à sua trajetória ampla cobertura da imprensa.
O diretor Micheal Mann é fidedigno à história de Dillinger. A narrativa da vida do gangster é linear, sem idas e vindas, progredindo para um final esperado mesmo para quem nunca ouviu falar sobre Hover, Dillinger, Pretty Boy, Baby Face e Purvis, agente nomeado por Hover para a direção do FBI em Chicago. Mann impõe ao roteiro um ritmo frenético que, nos primeiros momentos chega a confundir o espectador.
Pode-se dizer que o ponto alto é a recomposição do mundo dos anos 30 onde atuam as personagens. Há, sim, um excesso de metralhadoras, efeitos especiais cujo intuito é conferir credibilidade à atmosfera do filme. Não deixa de ser interessante a apresentação, sem disfarces, dos métodos utilizados por Hover à frente do FBI. Na perseguição a Dillinger vale tudo, inclusive a tortura de pessoas próximas a ele. Os excessos são não só tolerados como recomendados pelos chefes do FBI porque o que importa é a imagem pública de eficiência.
Mann não poupa o espectador de cenas desagradáveis de tortura como a em que a namorada de Dillinger, Evellin Frechette, é duramente castigada por não fornecer informações sobre o lugar onde ele se esconde. Há quem veja nesse fato relações com a época atual de crise econômica na qual aconteceram os episódios de Guantanamo e Abu Ghraib. Em entrevista concedida ao semanário francês “Les Inrockuptibles”, Mann nega essas intenções, dizendo que jamais teve em perspectiva a comparação entre duas épocas.
John Dillinger é representado pelo ator Jonny Depp que confere sofisticação ao seu personagem. De fato, fica a impressão de que um homem como Dillinger talvez fosse mais quase que puramente ação. Há muito de bom moço na personagem composta por Depp, talvez romântica demais para um homem perseguido pelo FBI e sob o freqüente perigo de metralhadoras. Mesmo quando Evelyn é presa e torturada não se observam reações de vingança no Dillinger de Depp. Ele é capaz, após a prisão da namorada, de passar serenamente ao lado de seus perseguidores e visitar o departamento do FBI: parece que o faz puramente para demonstrar o seu desprezo pelo FBI, sem outra intenção.
Christian Bale faz o agente Purvis dotado de uma frieza que incomoda. Purvis é determinado e sua meta é prender Dillinger custe o que custar. Faz isso com expressão facial imutável quaisquer que sejam as situações de que participa. A atriz francesa Marion Cottilard está bem no papel de Evelyn Frechette, a namorada de Dillinger.
“Inimigos Públicos” não chega a convencer. Apesar de tornar possível um recuo aos anos 30, não empolga o espectador que permanece distante da trama. Plasticamente perfeito, o filme não retrata John Dillinger com a plenitude que ele terá tido ao tempo em que assaltava bancos em Chicago.
O Dia do Solteiro
Ontem, 15 de agosto, foi o dia do solteiro. Conheci solteiros renhidos dispostos aos maiores sacrifícios para manter a sua condição. Isso não é fácil de vez que o coração nem sempre segue as regras impostas pelo pensamento: a pessoa promete não se casar de jeito nenhum, mas…
Celibatário inveterado foi um descendente de italianos, que, segundo contava, escapou do casamento por pouco. A história é semelhante a outras: não quer se casar, a vida vai passando, namoro aqui, namoro ali, até que aparece alguém que mina as resistências de um ser avesso ao matrimônio. O Vicente - esse o nome do grande celibatário – encantou-se por uma italianinha. Resistiu muito até ser vencido e decidir-se.
O episódio deu-se ao tempo de um hábito que hoje vai a desuso: ao noivo competia pedir a mão da noiva. Na noite de natal Vicente foi à casa da noiva para obter o consentimento do pai dela. Casa de italianos é reduto certo de boa comida e vinhos. Comeram e beberam todos e, em meio às festividades, Vicente tentou algumas vezes entrar no assunto do casamento. Mal começava e todos riam achando que ele estivesse bêbado. No fim desistiu e voltou para casa sem o compromisso firmado.
Vicente nunca mais se casou. Quando perguntado sobre a noite em que esteve para amarrar-se repetia a mesma história com tanta graça que ríamos muito dele. Mas via-se alguma tristeza em seus olhos, talvez pela dúvida sobre como seria a sua vida caso, naquela noite, o pai italiano o tivesse ouvido.
Sempre achei que a palavra solteiro(a) devesse ser aplicada exclusivamente àqueles que nunca se casaram. Para mim esses são os verdadeiros e constituem uma linhagem. Aos que foram casados e não são mais seriam reservados os termos separado, desquitado e divorciado. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira não entende assim. Para o dicionarista tudo é a mesma coisa: separado, desquitado e divorciado são sinônimos de solteiro. O mesmo entendimento se encontra no dicionário de Antonio Houaiss.
No mais, as pessoas parecem concordar com os dicionaristas. Pessoas que já foram casadas e estão sozinhas dizem-se solteiras, às vezes reforçam a condição através da palavra solteiríssima(o) - o que pode ser tomado como algum tipo insinuação.
Homens e mulheres sós em geral apontam benefícios em seu modo de viver. Fazem parte do elenco de vantagens a possibilidade de desfrutar liberdade, aspectos financeiros, distanciamento de hábitos desagradáveis e irritantes do parceiro etc. A isso se acrescenta o fato de que ser solteiro não necessariamente signifique viver isolado, em solidão. Existem muitos meios de tornar a vida interessante e ouço de pessoas que vivem só maravilhas sobre escolher momentos de convívio e reservar-se o direito de estar sozinho.
A crescente complexidade das relações humanas motivada pelo ritmo frenético do dia-a-dia em sociedade inevitavelmente interfere nos paradigmas que herdamos sobre o modo de viver, constituir família, relacionar-se com parentes a e planejar o futuro pessoal. Às circunstâncias casado e solteiro somam-se, de modo crescente, outras formas de relacionamento condicionadas por fatores como praticidade e mesmo filosofia de vida. Entretanto, o bom e velho casamento resiste e permanece como sonho de milhares de pessoas.
Mas relacionamentos amorosos e vida conjugal não são coisas simples. Numa de suas crônicas Machado de Assis fala com entusiasmo sobre a emancipação da mulher. Diz o escritor:
“Melhor notícia do que essa é a de ter sido aprovada, na Bahia, uma senhora que fez exame de dentista. Registro o acontecimento, com o mesmo prazer que tomo nota de outros análogos; vai-se acabando a tradição, que excluía o belo sexo do exercício de funções até agora unicamente masculinas. É um traço característico do século: a mulher está perdendo a superstição do homem.”
Aplauso pela imprensa, nem tanto prazer pela emancipação em casa: conta-se que Machado tinha muito ciúme de sua mulher – Carolina - e detestava que ela saísse à rua.
Há quem diga que todo esse assunto é estéril. É possível sentir-se sozinho estando junto assim como existem ligações amorosas profundas entre pessoas que não vivem sob o mesmo teto. Do que se conclui que cada pessoa tem o seu modo de ser e isso é o que interessa. Existe quem não consiga viver sozinho, outros não sabem ficar juntos e talvez essa constatação simplifique bem as coisas.
Euclides da Cunha, 100 anos
Há exatamente 100 anos, no dia 15 de agosto de 1909, o escritor Euclides da Cunha saiu à rua levando um revólver calibre 22. Seu destino era a casa do cadete Dilermando de Assis, localizada na Estrada Real de Santa Cruz, Piedade, Rio de Janeiro.
O desfecho da aventura de Euclides é conhecido: durante uma troca de tiros Euclides é alvejado por Dilermando e vem a morrer. O móvel do crime é a mulher de Euclides, Ana de Assis, que tinha um caso com o cadete Dilermando. Um ano depois, o filho primogênito de Euclides – Euclides da Cunha Filho – tentou vingar a morte do pai e também foi morto por Dilermando.
Dilermando de Assis foi absolvido de seus dois crimes em sessões no Tribunal do Júri. A defesa de Dilermando foi realizada pelo célebre advogado Evaristo de Moraes filho que alegou, em ambos os casos, legítima defesa.
Deve-se a Elói Pontes uma biografia de Euclides da Cunha cujo título é “A vida trágica de Euclides da Cunha”. Voltada mais para a obra que o homem é a excelente biografia escrita por Olímpio de Souza Andrade intitulada “História e Interpretação de Os Sertões”. Outra biografia do escritor é a de Silvio Rabelo cujo título é “Euclides da Cunha”.
A morte de Euclides foi o corolário da vida difícil de um homem inadaptado. Infelizmente as circunstâncias trágicas da sua morte pelas mãos do amante de sua mulher marcaram a figura do escritor como se fora este o fato maior de sua existência. De fato, o assassinato de Euclides da Cunha impregnou a sua imagem pública que talvez seja mais conhecida pela tragédia final que por sua obra. Para isso certamente contribuem representações que tomam Euclides como personagem esmerando-se em apresentá-lo como o homem traído que se bate por sua honra sem sucesso.
Ora, tem razão Olimpio de Sousa Andrade quando valoriza a história de Os Sertões referindo-se a Euclides enquanto autor de obra ímpar e perene da literatura brasileira. Esse modo de ver valoriza os acontecimentos da vida de Euclides buscando no homem o grande escritor que ele foi. A tragédia da morte torna-se, assim, fato menor, noticiário de páginas policiais que em nenhum momento ensombrece a grandeza de Euclides da Cunha.
O que é preciso deixar claro, portanto, é que no dia de hoje celebra-se o passamento do autor de Os Sertões, livro fundamental na história da inteligência brasileira e que tem, no século trasncorrido, influído nos modos de ser e pensar daqueles que estudam e procuram compreender o Brasil. Valorizar na celebração desse acontecimento as circunstâncias da morte do grande escritor de Os Sertões em detrimento de sua reconhecida importância é tomar a sua existência pelo que ela teve de menor.
Muito se pode dizer sobre Os Sertões. É vasta a bibliografia sobre o grande livro valorizando seus múltiplos aspectos. Decorre esse fato da preocupação de Euclides em explorar, analisar e buscar explicar as origens da gente brasileira, seu modo de ser e a influência que tiveram sobre o desenvolvimento da sociedade local diversos fatores, entre eles os raciais e climáticos. Munido de ferramentaria científica, filosófica e sociológica disponível em sua época, Euclides da Cunha entregou-se à paixão de descrever os sucessos ocorridos em Canudos que culminaram na chacina dos adeptos de Antônio Conselheiro.
Tomado como um livro de denúncia Os Sertões é muito, muito mais que isso: trata-se de uma das primeiras interpretações do Brasil que embora se ressinta de análises feitas segundo os conhecimentos da época em que foi escrito mantém-se viva e atual. Isso acontece, entre outros fatores, porque o escritor de Os Sertões é antes de tudo um grande poeta, cinzelador de palavras, cultor da forma e homem encantado por belezas inacessíveis ao comum dos mortais.
Celebra-se, assim, no dia de hoje, o centenário da morte de um intérprete do Brasil. Daí serem mais que justas as homenagens que se prestam nesse momento ao escritor maior de Os Sertões.
Baú de Ossos
Baú de Ossos
“As malas vinham (da Europa) atochadas de encomendas feitas Au Bom Marché, de Paris. Primeiro vinham os catálogos cheios de figuras de botinas de senhoras, canotiers, espartilhos, chapéus para homens, capotes, roupas de toda sorte, agasalhos, brinquedos, blusas de mulher, gramofones, perfumes – tudo numerado e com o preço do lado. O catálogo era motivo de longos debates. Feitas as escolhas, mandado o dinheiro, dentro de mês, mês e meio, no máximo dois, o malão era entregue a domicílio. Não havia nenhum cerimonial na alfândega no nosso país facílimo. As chaves já tinham chegado pelo correio. Era só abrir e – que deslumbramento! Lembro bem da última, contendo um terno de casimira azul para meu Pai - que acabou recortado para mim e herdado depois por meu irmão José; aquele costume de veludo preto e minha Mãe, realçado por soutaches negros, mais os chapéu e os sapatos para serem usados com ele…”
Pedro Nava, Baú de Ossos, Ateliê Editorial, 1999
A primeira edição de “Baú de Ossos”, do médico e escritor Pedro Nava, é de 1972. “Bau de Ossos” é o primeiro de uma série de seis livros escritos por Nava após os sessenta anos de idade. Até então, Nava podia ser considerado escritor e poeta bissexto, escrevendo ocasionalmente enquanto se dedicava à reumatologia. Mas é a partir dos sessenta que o médico passa a escrever sua grande obra de memorialista que o situa como figura ímpar na literatura brasileira. Para Otto Maria Carpeaux, Nava é mais importante para a literatura brasileira que Marcel Proust para a literatura francesa.
“Baú de Ossos” é o relato fascinante das memórias de infância de Pedro Nava. O texto em epigrafe foi transcrito das páginas 338 e 339 da edição da Ateliê Editorial. A narrativa sobre as compras e a chegada das malas refere-se a um acontecimento ocorrido por volta de 1915 quando Nava, então menino, morava no Rio de Janeiro.
Lembrei-me justamente dessa passagem hoje, ao receber uma das várias publicações que chegam às nossas casas com ofertas de produtos. Pode-se comprar de tudo pelo telefone ou via internet. Os produtos já não vêm da Europa, são muito diferentes e demoram no máximo cinco dias para chegar. Não mandamos o dinheiro: paga-se com cartão de crédito. Não se compram espartilhos que saíram de moda, os homens mais raramente usam chapéus, os gramofones foram substituídos por home theaters e assim por diante.
As coisas mudaram as pessoas não muito. Ainda olhamos com curiosidade os catálogos e muitas vezes nos esforçamos para reprimir o desejo de comprar algo que nos agrada. E se compramos, é com a mesma vivacidade e alegria das gentes do passado que aguardamos a sua chegada.
Depois que me lembrei do texto de Nava gastei um bom tempo para localizar as páginas sobre as compras de sua família na Europa, via catálogo. Foi como um recuo no passado, retorno a páginas lidas e esquecidas: encontrei inúmeros nomes de pessoas conhecidas por Nava e citadas por ele. Não pude deixar de pensar que embora todas mortas, continuam vivas para sempre através da pena do memorialista. É possível a sobrevivência através da literatura.
Estava terminando esse texto quando fui interrompido pelo toque do telefone. Atendi e ouvi a voz de uma moça oferecendo-me a renovação da assinatura de uma revista. Tive vontade de perguntar a ela de que lugar estava ligando, se possível de que ano vinha a sua voz metálica.
Não cheguei a dizer grande coisa. Agradeci e desliguei pensando no que aconteceria se o correio me trouxesse um catálogo de Au Bom Marché, de Paris, com data de 1915. De preferência com direito, em caso de compras, à não cobrança de taxas alfandegárias.
Cães e gatos
Domingo de manhã é dia de desfile de cães. Você vai à padaria e encontra os dois, o cão e seu dono(a), no caminho. Pessoas aproveitam a aproximação de seus cães para puxar um papo com desconhecidos. Os cães rosnam, roçam-se, cheiram-se e tornam-se amigos. Os donos também, pelo menos por alguns instantes.
Recentemente os cães deram assunto para capa de uma revista semanal: destacava-se o fato desses animais ocuparem, cada vez mais, espaço na vida das pessoas sendo companheiros ideais para solitários. Por trás das paixões, o crescente negócio dos pets shops nos quais se pode adquirir grande variedade de produtos.
Não se levam gatos para passear. Indóceis, os gatos não admitem coleiras e nem são dados a encontros casuais. Suas amizades são principalmente noturnas, sobre muros, em desvãos nos quais dão asas às loucuras de seus cios. Muita gente tem gatos como bichos de estimação. Há neles algo de sombrio e silencioso; agradam aos seus donos os movimentos precisos dos felinos e o olhar que parece ultrapassar aquilo que eles observam. Mesmo quando muito bondosos os gatos reservam-se algo de selvageria que se manifesta através da demonstração das suas afiadas garras quando se veem em situações de perigo. Tem-se dentro de casa, portanto, uma miniatura de onça ou pantera, mas que se liga aos donos afetivamente garantindo-lhes momentos de prazer.
Há quem prefira cães, outros se dão bem com gatos, encontram-se menor número de pessoas aficionadas aos dois. O escritor argentino Julio Cortázar era louco por gatos. Entre seus livros deixou-nos um, de contos, intitulado “Orientação dos gatos”. Mais que isso, Cortázar teve um gato ao qual se referiu em sua obra. O escritor deu ao seu gato o nome pomposo do filósofo alemão Theodor Adorno.
Não é rara a participação de gatos nas histórias de horror. O escritor norte-americano Edgar Allan Poe escreveu um conto cujo título é “O gato preto”. Trata-se de uma história terrível na qual um gato preto desponta como personagem importante durante a realização de um crime.
Os gatos eram considerados animais sagrados no antigo Egito. A coisa funcionava do seguinte modo: se alguém matasse um gato era punido com a morte; se um gato morria naturalmente, seus proprietários usavam trajes de luto.
Se você já teve gatos, conhece os hábitos desses bichanos. Provavelmente acostumou-se aos miados fora de hora, aos insistentes pedidos de comida, ao sono do animal durante o dia, à sua impressionante agilidade, à sua curiosidade (lembre-se, a curiosidade matou o gato!) e ao comportamento absolutamente neurótico de alguns deles.
O fato é que gatos às vezes aprontam e dão trabalho. Talvez por isso se deva dar credibilidade a esse norte-americano que foi preso, dias trás, acusado de pornografia infantil – a polícia encontrou mais de mil fotos em seu computador.
O interessante é que, ao ser preso, o homem não negou a existência das fotos. Ao contrário, admitiu tê-las, mas alertou que não fora ele o responsável pelos downloads. Segundo polícia, Griffin – esse o seu nome – atribuiu ao seu gato a responsabilidade pelas fotos: Griffin estava fazendo download de músicas quando o gato pulou sobre o teclado do computador, acionando desse modo o recebimento das fotos pornográficas.
Eis aí algo imprevisto e perigoso que se soma às muitas possibilidades de acontecimentos nas relações entre pessoas e seus animais de estimação. O que se sabe é que, talvez por falta de sensibilidade, a polícia não acreditou na versão de Griffin. Em todo caso, Griffin está preso e não há notícia sobre a prisão do gato.
A catadora
Árvores desnudas, afrontadas pelo vento. De onde vem ele, soprando fundo e forte, cantarolando, uivando, batendo nas janelas, levantando poeira, confundindo? Em quais latitudes terá se formado, de onde sua força para romper barreiras, cruzar mares, impulsionar ondas, empurrar barcos, invadir continentes sem qualquer cerimônia?
As arvores da praia têm caules grossos e fortes, não se curvam. Seus ramos sem folhas travam combates com o vento. De vez em quando uma extremidade sucumbe, é arrancada e a vida que nela demora a desaparecer cai sobre a calçada. Mas é só um vacilo. Depressa a árvore se recompõe, como alguém que se veste rapidamente para não deixar ver algum desassossego.
O vento não desiste. Atravessa a rua, choca-se contra os prédios, declara-se soberano. É possível ouvir as histórias que conta sobre gentes e lugares por onde passou. Traz consigo vagos odores de perfumes, emanações de corpos e restos de tragédias talvez não completamente consumadas. Na voragem de uma lufada mais forte ouvem-se, distantes e imprecisos, gritos de pessoas em prédios desabando, derradeiros suspiros de homens do mar cujos barcos imensas ondas afundaram.
A primeira hora da manhã na praia é imprópria. É hora perdida, domínio da natureza na qual vez ou outra os homens se intrometem sem convite. Trata-se do momento em que forças naturais se integram, trocam energias e preparam o ambiente para o dia que há de vir. Há pouco amanheceu e o dia veio impreciso, cinzento, abafando as muitas cores as quais caprichosamente parece sobrepor. Os sinais de trânsito mudam seus tons preguiçosamente, como se houvessem trabalhado por toda a madrugada para nada. Paira a atmosfera de inutilidade sobre o existir das coisas inertes que o vento teima em deslocar, como a soprar jatos de vida na matéria inanimada.
Há a calçada, a areia e o mar que avança e se retrai, como se seu objetivo fosse inundar a terra, finalmente. Por vezes uma ave solitária surge do nada mas logo desaparece, sugerindo não ter existido, imagem de poeta talvez.
É nessa atmosfera pálida que ela irrompe. Vem de longe, de uma longa noite, de madrugada insone e trabalhosa. É velha e arrasta uma pequena carroça na qual traz a parte do lixo que coletou nas ruas da cidade durante noite. Move-se devagar porque ninguém a espera em nenhum lugar. De vez em quando pára, avança sobre os sacos de lixo deixados por um dos prédios, rasga-os e tira coisas que coloca na carroça. Depois, retoma o seu caminho.
Quando a velha entra na avenida da praia, o vento a recebe como intrusa. Ele faz balançar o corpo dela e ameaça levantar a saia suja. A velha resiste. Em vão o vento toma outra direção, agride os cabelos brancos que, desgrenhados, duros e insolentes, não se movem.
A mulher avança devagar, desafiando o vento. Também ela tem histórias que não contará porque ninguém a ouvirá. É assim que vai passando. O vento que veio de tão longe, parece resignar-se: não pode impedi-la de prosseguir. Ela é a vida que se esvai, o fracasso da uma ordem social, testemunho da possibilidade de sobrevivência em condições impossíveis. Ela é o outro lado de todos nós, que nada já pode derrubar, exceto a morte.
A velha passou com sua carroça pela avenida deserta. Eu a vi. Ainda assim não é possível dizer se ela existiu de fato ou se foi apenas mais uma imagem trazida pelos ventos que batem nas nossas janelas nos alvoreceres, como este que chegou aqui durante a madrugada.