2009 agosto at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para agosto, 2009

O tamanho dos sonhos

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Sonhar de olhos abertos talvez seja algo mais comum aos jovens. É nos começos de vida e atividades que se estabelecem metas, muitas vezes dimensionando-se com algum exagero os sucessos a serem alcançados. Isso não representa que os mais velhos não sonhem: mesmo pessoas bem sucedidas mantêm vivas esperanças de novas realizações. A vida é um continuo aprendizado e faz parte da natureza do homem enfrentar e vencer desafios.

Há uma célebre resposta de Pablo Picasso quando, certa vez, foi perguntado se a sorte influíra na sua carreira. Respondeu o pintor:

- Todas as vezes que a sorte me procurou ela me encontrou trabalhando.

Essa afirmação coloca o fator sorte sob condicionamento. Não existe a sorte de ganhar na loteria se não se compram bilhetes, raramente se é selecionado para um ótimo emprego sem preparo e formação anterior e assim por diante. Há pessoas que têm mais sorte? Existem os azarados? Parece que sim. O Marechal Hermes da Fonseca, presidente do Brasil no período de 1910-1914, era considerado pelo povo um sujeito azarado. Apelidado como “seu Dudu” parece que as coisas não davam muito certo para ele. Tinha, segundo seus contemporâneos, um célebre pé-frio. Tanto assim que no carnaval de 1910 o maior êxito foi uma polca de gozação ao presidente:

“Ah Filomena, se eu fosse como tu

Tirava a urucubaca da careca do Dudu.”

Mas não é a sorte o tema dessas mal traçadas. Aceita-se que ela possa influir sobre a realização dos nossos sonhos. Quanto a mim, prefiro substituir a palavra “sorte” por “acaso”. Ainda assim restam dúvidas: aquele encontro inesperado com a pessoa que indicou você para um grande emprego ou negócio foi sorte ou acaso? Deixo a questão de lado e volto aos sonhos.

Salvador, capital da Bahia, está às voltas com um grande surto imobiliário. Tão grande que há falta de mão-de-obra qualificada. Para suprir a deficiência existem organizações de treinamento. Uma delas é a ONG que anualmente prepara cerca de 300 pessoas para o mercado de trabalho da construção civil.

Foi nessa ONG que um repórter entrevistou um rapaz prestes a trabalhar na construção de um prédio. Perguntado sobre as suas expectativas, o rapazinho se disse feliz e acrescentou:

- Quero trabalhar e ainda vou conseguir estudar arquitetura. É preciso sonhar. Somos do tamanho dos nossos sonhos. Se o sonho é pequeno, seremos pequenos. É preciso sonhar grande.

As afirmações vêm de rapaz oriundo de populações carentes. O sonho de fazer arquitetura é grandioso para ele tais as dificuldades que encontrará pelo caminho até torná-lo realidade. Acredito que ele consiga: há em seu olhar e nas palavras que diz aquela rara determinação capaz de mover montanhas.

Desliguei a televisão e as palavras do rapaz não me saem da cabeça. Impossível deixar de pensar nos meus sonhos aos dezessete anos de idade. Realizaram-se? E os seus meu caro leitor, o que aconteceu a eles? Cá entre nós, se falta alguma coisa, ainda dá tempo: é só não parar de sonhar e ir à luta.

Escrito por Ayrton Marcondes

11 agosto, 2009 às 10:17 am

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O caso do urubu

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Os urubus não contam com a simpatia popular. A imagem que temos deles associa-se a mau agouro. Seres expectantes, os urubus empoleiram-se em galhos de árvores e ali ficam com ares soturnos e de poucos amigos. Aparentam grande paciência revelada pelas longas horas de espera da morte de outros seres cuja carne serve a eles como alimento.

Se o assunto é urubu não há como evitar a palavra carniça. De fato, vivem esses seres do consumo de animais mortos, nesse hábito a sua importância ecológica: alimentando-se de carnes em putrefação retiram do ambiente matérias orgânicas em decomposição. Essencialmente carnívoros, raramente consomem presas vivas agonizantes, exceto quando com grande fome. De qualquer modo, valem-se de seus poderosos bicos para abrir o corpo de suas vítimas. É quando os vemos à margem de estradas ou em campos abertos em torno de seres mortos a executar o terrível ofício que lhes coube na cadeia alimentar.

A ligação de urubus com a morte garante a eles posição bastante precisa no universo da literatura de horror. É famoso e monumental o poema “O Corvo”, de Edgar Allan Poe, que mereceu traduções de Machado de Assis e Fernando Pessoa. Inesquecível, na sombria atmosfera do poema, a figura do corvo a sempre dizer: “nunca mais”.

Mas, por que falarmos sobre urubus? Como se sabe, esses animais possuem plumagem negra. Talvez por capricho quis a natureza distinguir uma variante de urubus com plumagem totalmente branca.  Pois, um urubu albino foi, dias trás, encontrado por agricultores. Estava a ave debilitada e foi tratada bem pelas pessoas que a encontraram. Aliás, carinhosamente os agricultores deram a ela o nome de Michael.

Michael foi levado para o Parque dos Falcões, localizado na Serra de Itabaiana, a 45 km de Aracaju. Ali ficou por alguns dias, recuperando-se, até ser roubado no último domingo, provavelmente por criadores ilegais de aves de rapina ligados ao tráfico de animais silvestres. Michel está desaparecido, portanto. A Polícia Florestal foi avisada e está no encalço dos ladrões.

Não se sabe se Michael, o urubu, será encontrado. Trata-se de animal raro, pertencente à única espécie de urubus albinos do Brasil, daí o seu valor para os traficantes.  De qualquer modo, como acontece em tantas situações, Michael está pagando o preço de ser diferente.

 O fato é que a humanidade nem sempre se dá bem com as diferenças.

Dia dos Pais

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Sempre achei que todo mundo tivesse pai, fato mais que lógico. Uma pesquisa desmente essa impressão: muita gente não tem pai conhecido ou declarado. São os chamados filhos-da-mãe.

Conheci alguns filhos-da-mãe, no bom sentido do termo. Tinham o problema da ausência do nome do pai nos documentos e experimentavam certa retração ao preencher fichas com seus dados pessoais. Mas não me lembro de um só deles com crises existenciais em razão desse fato. No máximo não tocavam no assunto que, de resto, interessava mesmo só a eles.

Um filho-da-mãe muito especial chamava-se Riberto. Digo chamava-se porque há anos não o vejo e sabe-se lá por onde anda ele. Esse Riberto foi criado por sua mãe com excesso de zelo. Era ela mãe com disposição para suprir a falta de pai e levava isso muito a sério, a ponto de exigir do filho algum excesso de masculinidade. Ele tinha que ser homem de verdade e pronto. Mas todos sabem como é a natureza: em crianças existe certo mimetismo em relação às pessoas que as circundam. Vai daí que Riberto, naturalmente afeiçoado à mãe como dele se esperava, não ficou imune a alguns trejeitos mais vistos em mulheres.

Não, o Riberto nunca foi homossexual. Mas era o tipo que comumente chamamos de “uma verdadeira moça”. Sujeito ótimo, lhano no trato, educadíssimo, grande amigo em todas as situações. Terá demorado mais que os outros rapazes a iniciar-se naquilo que alguns preferem caracterizar simplesmente como “vida”. Mas o fez e com algum estardalhaço, creio que para demonstrar aos amigos o grupo ao qual pertencia.

Faltou pai ao Riberto. Há pais de todo tipo. Alguns vivem perto dos filhos e ainda assim são ausentes. Às vezes isso acontece em função de barreiras verdadeiramente intransponíveis de comunicação. Pais e filhos que não falam a mesma língua raramente chegam a se entender. Mesmo durante grandes crises familiares – a morte de ente querido de ambos é uma delas – não conseguem estabelecer contato. As causas são as diferenças de pontos de vista, muitas vezes coisas de “pele” fundadas em naturais repulsas. Nem sempre dá para entender a situação e esforços para unir gênios incompatíveis resultam infrutíferos.

As refeições familiares em ocasiões especiais, quando a turma toda se reúne, podem render cenas impagáveis.  Mário de Andrade nos deixou o excelente conto “O peru de natal” no qual relata a primeira ceia em família, após a morte do pai. No mais, todo mundo conhece o esquema: as coisas vão muito bem até que alguém puxa um assunto ou acontece alguma coisa velha e já sem importância, mas que serve como estopim para esquentar os ânimos ou mudar o rumo da comemoração. E não adianta combinarem antes que desta vez a comemoração acontecerá sem nenhum incidente. Depois de duas cervejas…

Em contraposição existem os bons almoços, aqueles em que pessoas que se amam trocam afabilidades e muito carinho. Aliás, esse é o espírito do dia dos pais, reunião na qual a família se reúne para homenagear o cidadão que, vida afora, segurou todas as pontas como se diz por aí.

Hoje é o dia do almoço com os pais e o jeito é torcer para que todos sejam felizes. Eu que não tenho mais pai vou aproveitar para me lembrar dele e tentar completar o vazio de nossas conversas com as palavras que nunca nos dissemos. Tínhamos temperamentos diversos demais, acreditávamos em valores díspares e víamos o mundo e a vida sob óticas diferentes. Mais para o fim da vida dele tentamos alguma coisa e dou-me por feliz com o pouco que conseguimos.

Então aí está: sobre a mesa a fotografia de meu pai, daqui a pouco o almoço com os filhos.

Uma coisa é preciso deixar claro: pai é uma instituição que passa por crises, mas resiste. E como pais falecidos ou não atuantes fazem falta às suas famílias.

Pai e filho

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A revista Playboy comemora 34 anos no Brasil e destaca reportagens, entrevistas e momentos importantes durante esse período. Um deles é o das capas mais vendidas na história da revista entre as quais se destaca a em que apareceu Adriane Galisteu.

O ano era o de 1995 e eu estava em Recife, viagem a serviço. Tinha na cidade um amigo, Jacinto, a quem conhecera anos antes em São Paulo. Esse Jacinto sempre foi pessoa muito interessante: oriundo do interior de Pernambuco teve infância pobre e enfrentou o diabo para se estabelecer na capital. Tudo isso regado a sérios problemas em relação à fé, numa trajetória digna de José Lins do Rego ou outro escritor do nordeste. O fato é que o Jacinto entrou para um seminário pretendendo ordenar-se padre. A meio caminho apaixonou-se por uma moça que, segundo ele, correspondeu aos seus sentimentos. A demora em decidir-se entre o clero e o casamento foi a razão de perder o grande amor de sua vida: casou-se ela com um estrangeiro e foi morar no exterior.

Jacinto não se ordenou padre. Aborrecido e julgando-se sem a fé necessária para o cumprimento dos deveres do ofício, abandonou o seminário após a notícia do casamento da amada. Casou-se alguns anos depois e passou a viver a estranha compulsão de espera do retorno da moça por quem se apaixonara. E não é que, certo dia, veio ela a Recife e o procurou? Pois, assim aconteceu: anualmente vinha ela do exterior, com o marido, visitar a família. Nos poucos dias na cidade, arranjava um jeito de encontra-se com o velho amor. Jacinto e ela tornaram-se amantes de uma vez por ano, coisa que só uma paixão absurda pode explicar. E ele sofria muito com isso, ano após ano sem notícias, até que ela vinha e por alguns momentos Jacinto experimentava a grande felicidade de sua profunda paixão.

Não sei no que deu essa história de vez que há muito não encontro o Jacinto. Mas a Playboy de agosto de 1995 fez-me lembrar dele. Estávamos, eu Jacinto, num bar defronte à praia de Boa Viagem e conversávamos. Falávamos sobre a ironia de amores não consumados quando Jacinto mencionou um pedido feito pelo filho dele: o menino de 12 anos de idade pedira ao pai, pelo amor de Deus, a revista da Adriane Galisteu.

- Já viu a revista – perguntou Jacinto

- Vi a capa nas bancas – respondi.

- E aí, compro para o menino?

- Por que não?

- Sei lá, tão criança…

Não tivemos outro assunto no decorrer de nosso encontro. Falamos sobre o despertar precoce dos anseios sexuais estimulados pela proliferação de fotografias de mulheres nuas. Jacinto resistia à idéia de que o filho passasse à imensa maioria de consumidores de revistas de temas eróticos. Para ele tratava-se de uma deformação que, cedo ou tarde, influiria nos costumes banalizando algo que tinha muito de sublime, ou seja, o descobrimento progressivo dos encantos da mulher e a delícia de imaginar o que se quer, mas não se pode ver. Nisso, dizia o meu amigo, reside a essência e todo o prazer do pecado.

No fim Jacinto acabou dando ao filho a revista e com esse gesto logrou abrir com o menino um importante canal de comunicação para o resto da vida.

Ecos de um anoitecer num bar da praia de Boa Viagem. Ainda me lembro da imensa lua brilhando sobre o mar e do barulho das ondas batendo nas muretas. Só não me lembro da Playboy de agosto, nem se, afinal, vi o seu conteúdo. Era o ano de 1995, a vida tinha virado de cabeça pra baixo, mas isso já é outra história.

Em nome da fé

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Encontro um amigo que não vejo há algum tempo e reparo que ele emagreceu bastante. Pergunto se fez regime alimentar ou ficou doente. Ele ri e responde:

- Você não acreditaria.

Passamos a tratar dos assuntos profissionais que motivaram o nosso encontro. Fazemos escolhas, analisamos cifras e discutimos descontos. Enquanto conversamos, não consigo deixar de observar o quanto o meu amigo está mais magro, embora aparente boa saúde.

Não demora a que eu renove a pergunta sobre o emagrecimento dele. Desta vez ele muda o “você não acreditaria” pela pergunta:

- Você quer mesmo saber?

Respondo que sim e ele passa a me narrar as circunstâncias de um período de 100 dias exclusivamente à base de água, pão e suco de uvas. Pergunto como conseguiu manter-se assim por tanto tempo e ele fala sobre um jejum em grupo, realizado por pessoas de uma mesma religião. Não fez regime, portanto. Conta-me sobre o processo de purificação com resultados palpáveis na vida cotidiana: o ato de fé, a confiança em Deus e o sacrifício em nome d’ Ele manifestam-se em graças recebidas que incluem progressos materiais. É assim que fico sabendo sobre a ascensão do meu amigo a cargos mais importantes na empresa onde trabalha, de seu salário triplicado e o recebimento de prêmios que incluem férias no exterior.

Nem tenho tempo para maldosamente pensar no bom negócio que é fazer o jejum grupal de 100 dias: o meu amigo interrompe as minhas idéias mundanas dizendo que não fez nada visando lucros ou recompensas. Ao contrário, a única razão para realizar o jejum é a fé e a busca da purificação. Cabe a Deus a decisão de ajudar ou não aqueles que o distinguem com o seu amor. Entretanto avisa: Deus não falta.

Pergunto, ainda, sobre o desgaste físico e as consequências de um regime no qual o organismo é privado de nutrientes essenciais. Ele responde que a água contém tudo, trata-se de algo que eu não poderia entender porque ligado à fé e á interação com Deus.

Ao nos despedirmos, o meu amigo fala-me de sua vida feliz, da ajuda ao próximo e a necessidade de levar a palavra àqueles que dela necessitam. Relata ele os progressos conseguidos no trabalho corpo-a-corpo com pessoas alijadas da sociedade, drogados, moradores de rua etc.

Por fim, ele me diz que em dois meses passará por nova fase de purificação: 100 dias exclusivamente à base de legumes. Insisto sobre os cuidados com a saúde e as necessidades de vitaminas, sais etc. Ele sorri, abraça-me e parte.

Não sei o que dizer sobre tudo isso exceto que fiquei muito impressionado. O progresso material e a óbvia felicidade do meu interlocutor pelas escolhas físicas e espirituais bem sucedidas que fez, escapam aos precários métodos de análise que utilizo.

Escrito por Ayrton Marcondes

7 agosto, 2009 às 8:23 am

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Gripe e cigarros

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José Simão escreve na “Folha de São Paulo” sobre coisas proibidas. Diz ele:

- Duas coisas que não pode mais: espirrar e fumar! Abre uma clareira em volta!

Dias trás fui a um teatro. No meio da peça, silêncio absoluto, uma mulher espirrou. Foi como se tivessem gritado: bomba! Houve quem se levantasse, muita gente se virou para o lado e o indisfarçável clima de “porque ela não ficou em casa” roubou a atenção até dos atores.

Por falar em teatro, dias atrás o ator Antonio Fagundes declarou que peitaria a lei que proíbe fumar em lugares fechados. O problema é que ele representaria o papel de fumante numa peça e não teria sentido ficar sem a fumaça. Imaginei o ator sendo retirado do palco por secretas da polícia infiltrados na platéia e o escândalo que tudo isso daria. Em tempo as autoridades arranjaram uma brecha na lei contra o fumo: atores em cena podem fumar. Fagundes não será preso.

Hoje de manhã vi pessoas fumando na calçada e achei engraçado. Eram dois homens que evidentemente saíram da firma onde trabalham para fumar.  Não pude deixar de pensar nos direitos dos fumantes embora também não ache que seja justo aos que não fumam expor-se à fumaça.

A campanha da lei contra o fumo está pegando duro. Um comercial do governo, veiculado pela televisão, mostra um garçom sendo testado para avaliar o conteúdo de monóxido de carbono em seus pulmões. O teste é realizado em dois momentos: antes de começar a trabalhar e depois de algumas horas de trabalho. O resultado: o conteúdo de monóxido é sete vezes mais alto depois de horas de convívio com clientes que fumam. O popular médico que aplica o teste termina dizendo que não é justo alguém ser submetido a algo prejudicial à saúde; ou diz algo desse gênero.

Deixei de fumar há muitos anos, mas ando pensando em voltar ao vício. É que essa história de abrir clareira em volta não deixa de ser atraente. Olha aí a chance de nos livrarmos de tanta gente incômoda, dos chatos de plantão, daqueles que nos apoquentam. É como se pudéssemos criar uma barreira em nosso entorno e sair por aí protegidos por nuvens de fumaça. Que sabor teriam alguns momentos desérticos em pleno dia, no meio da confusão cotidiana. Seria como criar outra dimensão, algo semelhante ao que se viu no filme Matrix, no qual a personagem Neo circula no meio de gente paralisada e sem ser visto.

Outra saída seria espirrar. Imagine o espirro como arma útil para nos livrarmos de pessoas e situações incômodas. E olhe que para isso não seria preciso um resfriado ou gripe: bastaria reviver o uso do velho e bom rapé, de cuja eficiência em provocar espirros ninguém duvida.

O pânico coletivo pode ser explorado de vários modos. O espectro de utilização do medo aumenta consideravelmente quando as autoridades mostram-se inseguras em suas recomendações à população.  Um Estado adota uma medida, outros não; os discursos sobre uma epidemia diferem em muitos detalhes nas esferas estaduais e federais. Resta-nos fazer piada e rir de nós mesmos.

Escrito por Ayrton Marcondes

6 agosto, 2009 às 8:45 am

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A política exterior

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brasil-acordoA questão de limites do Brasil com a Argentina foi decidida, em 1890, através do Tratado de Montevidéu segundo o qual área em disputa, o território das Missões, seria divida entre os dois países. Pelo Brasil assinou o tratado o então Ministro das Relações Exteriores Quintino Bocaiúva; pelas Relações Exteriores do governo argentino assinou Estanilau Zeballos.

Quintino era respeitado jornalista e republicano de primeira hora, daí participar do primeiro ministério da República de 1889. Seus biógrafos o descrevem como contemporizador por índole. Idealista, sua política à frente do ministério desenvolveu-se no sentido de aproximar as nações da América, em particular a República Argentina que vivia em permanentes disputas com o Brasil.

Os livros de história apresentam fartas descrições das atividades do ministério ao tempo do governo Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil. Faziam parte dele homens como Rui Barbosa (Ministro da Fazenda) e Campos Salles (Ministro da Justiça), entre outros.

O problema em relação ao tratado assinado por Bocaiúva é que, naquele tempo, o povo protestava. O fato é que a incipiente sociedade do Rio de Janeiro – então capital da república – recentemente saída de um sistema escravocrata não recebeu bem a notícia do Tratado de Montevidéu, entendendo que o Brasil fora lesado. Da constatação a população partiu para a ação: Quintino foi recebido, em seu retorno ao país, com uma onda de protestos.

Baseando-se em documentos, historiadores afirmam que Bocaiuva não agiu sozinho ao assinar o tratado, mas em acordo com os membros do ministério e com o próprio presidente da República. Os mesmos historiadores atribuem aos monarquistas, então recentemente apeados do poder, e à sua imprensa o insuflamento da opinião pública.

De qualquer modo a grita pública surtiu efeito: o Congresso Nacional rejeitou os termos do Tratado de Montevidéu. A partir daí o litígio foi submetido à decisão arbitral do presidente Cleveland, dos Estados Unidos. Este assinou, em 1895, a decisão arbitral que favorecia amplamente o Brasil. O tratado de limites entre os dois países foi assinado três anos depois.

Mas, os tempos são outros. Notícias atuais sobre a política exterior brasileira em relação a seus vizinhos são divulgadas com frequência, algumas delas com relatos de riscos aos interesses do país. O pagamento de valores três vezes maiores pela energia excedente de Itaipu é só a ponta do iceberg nas negociações com o país do ex-bispo Lugo. O mesmo se pode dizer em relação aos negócios com o governo de Evo Morales sobre o do gás boliviano. No geral, as críticas referem-se a um pacote de bondades, enfim à possibilidade do Brasil ceder aos interesses dos países vizinhos. E a cega aliança com Hugo Chaves? E a tomada de partido no conflito diplomático entre Colômbia e Venezuela quando o caminho seria o de apaziguar os ânimos?  Que dizer das recentes restrições à importação de produtos brasileiros pela Argentina?

A diferença em relação aos velhos tempos é que hoje em dia ninguém protesta. Desse “ninguém” descontam-se uns poucos artigos de jornal e vozes esparsas que alertam sobre a atual política exterior e os possíveis prejuízos ao país dela decorrentes.

Já não se vai às ruas para protestar, exceto em casos de interesse localizado como o dos ônibus fretados em São Paulo.

Reina por aí alguma felicidade com os reajustes eleitoreiros dos valores desembolsados pelo Bolsa Família. No mais, o Brasil vai bem, obrigado.  Se você discorda, feche os olhos porque no escuro tudo pode parecer normal e correto.

Pequena história

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Dias atrás um amigo me disse que a verdadeira história é dos acontecimentos corriqueiros, por assim dizer o varejo das situações vividas pelos indivíduos em cada época. Visão diferente, portanto, da recomendada por Fernand Braudel. Segundo o historiador francês é preciso dar atenção aos intervalos de tempo do objeto em estudo, priorizando os fenômenos de longa duração. Valoriza-se, assim, a globalidade dos fenômenos humanos em detrimento do estudo dos acontecimentos únicos e a abordagem da chamada micro-história.

Para além das discussões teóricas ficam os pequenos fatos do cotidiano. Eventualmente temos a oportunidade de pinçar na realidade que nos cerca pequenas ocorrências que nos dão retratos bem acabados da sociedade em que vivemos e da prevalência de alguns estereótipos.

Ilustra bem a afirmação anterior a história do cidadão de pouco mais de 30 anos de idade, casado e pai de uma filha de 8 anos. São os três, marido, mulher e filha, pessoas aparentemente felizes e realizadas dentro do microcosmo da cidade grande em que atuam. O casal trabalha e ganha o suficiente para cobrir as despesas de uma vida modesta: moram em apartamento próprio e financiado em 15 anos, têm um carrinho e assim por diante.

Essa história feliz poderia continuar a sê-lo eternamente se… nas idas e vindas pelo mundo do trabalho o cidadão não tivesse cruzado com mulher que o interessou vividamente e com quem passou a manter, às escondidas é verdade, relações além de simples amizade.

Como acontece em tantos casos semelhantes, as coisas foram bem até um pequeno descuido tornar pública a relação extraconjugal. No caso presente o móvel da desgraça foi o costumeiro telefone celular no qual a esposa do inditoso cidadão encontrou um recado da amante.

Até aí tem-se uma situação rotineira com consequências e soluções previsíveis. Entretanto, o que não se poderia prever foi a reação do cidadão quando intimado pela esposa. Acuado e injuriado saiu-se ele com a seguinte explicação:

- Sou e sempre fui bom pai e bom marido. Nada falta a vocês. Tenho, portanto, o direito á posse de uma amante.

 O que nos chama a atenção nessas palavras é a certeza do dever cumprido e dos favorecimentos dele decorrentes. Mas e mais que isso, lê-se no discurso do cidadão que traiu a prevalência de um aspecto cultural que nenhuma revolução feminista conseguiu abalar. Aliás, tratando-se de um cidadão comum e sem maiores luzes, pode-se dizer que é cartesiana a lógica do discurso de dominação utilizado por ele.

Note-se, ainda, que nas palavras do marido não existe uma posição elaborada através do amadurecimento de opinião pessoal: vai ele buscar no ideário do machismo a frase lapidar que aplica sem qualquer remorso.

O que aconteceu depois de conhecida a traição: choro, muitas lágrimas, a mala de roupa na porta, o cidadão dormindo em hotéis baratos para economizar e a reprovação dos avós de ambos os lados para quem mais importa a felicidade da criança.

O que acontecerá nos próximos tempos? Quem sabe umas noites mal dormidas e um perdão em nome do futuro da criança. Se assim for, voltarão os almoços em família aos domingos, com a presença dele, sempre ele, o cara que adquiriu o direito a uma amante graças à sua boa conduta como cidadão, pai e marido.

Uma coisa o cidadão da pequena história garante: foi só um caso, acabou e não vai se repetir.

Vestido de Noiva

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Um Nelson Rodrigues contido. Assim é apresentado o texto do escritor carioca em “Vestido de Noiva” peça dirigida por Gabriel Villela em cartaz no Teatro Vivo, em São Paulo.

Nem as pequenas dimensões da sala (são menos de 300 lugares) logra gerar o clima de intimismo que se espera do texto de Nelson. É preciso lembrar que em “Vestido de noiva” está em jogo universo da intimidade de duas irmãs que competem pelo mesmo homem. Existe força, traição, sadismo, vingança, competição e principalmente canalhice explícita na peça escrita por Nelson Rodrigues. A trama reflete o comportamento da preconceituosa classe média carioca dos nos quarenta. Trata-se de um meio social regido pela hipocrisia no qual as tradicionais relações de família e casamento se esgarçam.

É justamente a canalhice explícita, a eficácia do palavrão bem aplicado e a sexualidade que suplanta a razão que faltam na montagem atual da peça.

Não se cobram figurinos, nem planos de atuação (memória, alucinação e realidade) no local onde atuam as personagens. A companhia de atores elimina a ausência da grandiosidade da montagem com a eficácia de suas atuações. Marcello Antony, no papel de Pedro, faz isso com muita elegância ao imitar o ranger de portas inexistentes que se abrem e fecham.

Como se sabe a história gira em torno do conflito entre duas mulheres, Alaíde (Leandra Leal) e Lucia (Vera Zimmermmann) que disputam o amor de Pedro (Antony). Pedro é o adultério em pessoa, personificação do canalha um tanto alheado que se move unicamente em função de apelos sexuais.

A peça começa com um ruído de acidente de trânsito no qual Alaíde, mulher de Pedro, acidenta-se. Enquanto inconsciente e sendo operada Alaíde passa a transitar em dois planos, o mundo habitado pela prostituta morta no início o século, madame Clessi (Luciana Carnieli), e a realidade que diz respeito a Pedro e uma estranha mulher que usa um véu.

Os momentos iniciais do delírio de Alaíde, tentando falar com a prostituta morta, são cansativos. Falta ao público, nesse contexto, o entendimento da trama para que as longas digressões de Alaíde façam sentido. Ainda que a intenção seja a de transferir ao público a confusão mental de alguém que delira entre a vida e a morte, pode-se dizer que falta alguma credibilidade à ação que se desenrola. Ao espectador o início da peça figura-se como não convincente.

Mas as coisas entram nos eixos com o prolongamento da ação. Os atores desempenham bem os seus papéis e preenchem habilmente as lacunas visuais que talvez tornassem mais vívido o texto de Nelson Rodrigues. Ainda assim não se recria o clima maldito de Nelson e abdica-se de tiradas que levariam o público a rir. Fica-se, assim, entre o trágico e o soturno, resvalando-se no insólito embora sem a densidade de uma situação que envolve duas mulheres apaixonadas pelo mesmo homem e capazes de levar ao extremo as suas pretensões.

Marcello Antony está soberbo como um homem dividido entre duas mulheres embora falte a ele a canalhice do safado de ocasião. Bonito, angelical demais num universo de pessoas no qual ninguém presta, mais parece vítima das tramas de duas mulheres que efetivamente o sedutor que dele se espera. De fato, o malandro e cínico Pedro não comanda o destino das mulheres embora se predisponha a interferir sobre eles. É da disputa intestina entre elas que se nutre a ação e, em consequência, o comportamento de Pedro.

A peça favorece-se de interessante trilha musical que buscou em composições antigas a força para complementar as situações que se desenvolvem no palco. O elenco é afinado, a diversão boa e não se pode dizer que se sai do teatro achando que não valeu a pena. Mas falta sal, o sal que nos faz sentir o gosto de carne, a carne que é o grande móvel do espírito de Nelson Rodrigues.

Escrito por Ayrton Marcondes

3 agosto, 2009 às 9:38 am

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De Heróis e Mitos

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De que a humanidade precisa de heróis não restam dúvidas. O herói é alguém que suplanta as nossas limitações, faz-nos acreditar no impossível e celebra conquistas que gostaríamos fossem nossas.

Quem lê os informativos deste fim-de-semana encontra referências a um novo herói, o nadador brasileiro Cesar Cielo. Num país mais propenso a aberrações que verdadeiras conquistas, Cielo surge para o público como expoente da raça, protótipo do brasileiro comum que alcança a glória por todos os outros.

Não é todo dia que alguém se torna o nadador mais rápido do mundo e todos sabem quanto isso custa em termos de preparo, concentração e até obstinação. Daí ser mais que justo o clima de euforia que cerca a conquista do nadador brasileiro. Ainda agora vi as pessoas, no interior de uma padaria, voltaram-se para uma televisão quando o nome de Cielo foi pronunciado em um programa esportivo. Havia reverência, admiração e orgulho em suas faces.

O Brasil tem uma longa história de heróis ligados à área esportiva. Alguns são canonizados em vida, pelo menos momentaneamente com agora acontece com Cielo. Outros são adorados pelo público na época de seus feitos, mas a canonização ocorre após a morte, como aconteceu a Ayrton Senna. De qualquer modo, o importante é que existem heróis brasileiros e ponto final.

Do que temos falta por aqui é de mitos. Note-se que mitos de verdade são assim consagrados após a sua morte. Em geral trata-se de pessoas cuja vida é marcada por acontecimentos insólitos e não raramente termina de forma trágica. São mitos mundiais John Lennon, Che Guevara e Marilyn Monroe. Deles não se pode dizer que tiveram vida semelhante ao comum dos mortais. Além disso, comungam de circunstâncias obscuras ligadas às suas mortes: Marylin desapareceu precocemente em situação até hoje não completamente esclarecida; Lennon foi assassinado; Guevara notabilizou-se por atitudes extremas, ditas libertárias e foi morto nas selvas da Bolívia.

Mitos são pessoas que sobrevivem estampadas em camisetas acrescentando às pessoas que as usam, mais que reverência, um pouco de ousadia e sensações de glória e liberdade.

Charles Chaplin criou Carlitos, personagem mítica que sobrevive nas memórias com sua imagem irreverente, rindo de si mesmo e de todos nós.

A humanidade recorre a personagens míticos como forma de superação e de conquista de liberdade. Quanto aos heróis, não importa que o sejam por pouco tempo desde que ao sê-lo agreguem em torno de si o sonho das multidões.

Num país tão carente de heróis e atos heróicos é com alegria que recebemos a conquista de Cielo e a justa homenagem que a ele faz a revista “Veja” desta semana em cuja capa se lê a manchete:

“Enfim, um herói”.

PS: os jornais exibem na manhã de domingo a galeria dos heróis nacionais: Pelé, Ayrton Senna, Eder Jofre, Adhemar Ferreira da Silva, Maria Esther Bueno, Garrincha, Emerson Fitipaldi, Gustavo Kuerten, Torben Grael, Robert Scheidt, Oscar, João do Pulo, e Hortensia.

Há certa confusão entre herói e mito. Se o critério para mitificação for a morte Ayrton Senna e Garrincha tornaram-se mitos.