Arquivo para setembro, 2009
A imprensa brasileira e a crise em Honduras
Há que se respeitar a cautela da imprensa em relação a assuntos em desenvolvimento e ainda não perfeitamente configurados. Mas não deixa de ser estranho o comportamento da imprensa brasileira em relação ao caso Zelaya.
Ora, desde o começo essa crise apresentava direção certa, exceto quanto aos rumos de sua solução. O surgimento de Manuel Zelaya dentro da embaixada brasileira em Honduras e acompanhado por vários seguidores foi muito estranho; as negativas oficiais do Brasil em relação ao fato mais estranhas ainda - o sempre esperto e manipulador Hugo Cháves sabia de tudo antes; a ocupação da embaixada pelo presidente deposto que de lá passou a conclamar seus concidadãos à revolta era mais que previsível; a negativa do governo brasileiro em negociar com os golpistas estranhíssima dado que o mesmo não se faz com Cuba etc. Isso sem levar em consideração que o presidente do Brasil foi, a certa altura, chamado de mentiroso pelos golpistas hondurenhos.
Vai daí que no episódio de Honduras o papel da imprensa brasileira seria o de prontamente alertar sobre os influxos da crise internacional em relação aos interesses do Brasil. É o que ela está fazendo agora, finalmente, em letras garrafais e com vários artigos tratando do assunto.
Pode-se dizer que, até então, a imprensa do país portou-se timidamente. Foi preciso que a situação se aclarasse, enfim que tudo desse no que tinha que dar, para que, calcada em certezas, a imprensa enfim se pronunciasse mais agudamente.
Time Out
Nesses dias completam-se 50 anos desde o lançamento do disco “Time Out” do “The Dave Brubeck Quartet”. Inesquecível.
Só não sei dizer quando ouvi o LP pela primeira vez. No máximo me recordo de uma esquina em cidade do interior e o som de “Take Five” vindo da janela aberta de um prédio de três andares. Se bem me lembro a janela era a do consultório de um dentista que, em seu momento de folga, deliciava-se com o piano de Dave Brubeck.
O quarteto de Brubeck formou-se em 1951, em São Francisco, Califórnia. A gravação de “Time Out” aconteceu no meio do ano de 1959 numa antiga Igreja, em Nova York. Na ocasião o quarteto era formado por Brubeck ao piano, Paul Desmond ao saxofone, Joe Morello na bateria e Eugene Wright no contrabaixo. A música “Take Five” teve estrondoso sucesso, embora suas inovações rítmicas através da arrojada utilização de um tempo 5/4.
O disco saiu o pela gravadora Columbia que, segundo consta, não estava muito a fim de levar o projeto adiante porque as músicas eram novas e entre elas não havia nenhum “standart”. Mas, ao contrário do que acreditavam os homens da gravadora, o público estava preparado para receber as inovações que fizeram o quarteto ser conhecido mundialmente.
Ainda hoje se ouve “Time Out” com grande prazer e interesse. Se com o passar do tempo as inovações rítmicas deixaram de impressionar, persiste a beleza dos solos dos músicos, entre eles Paul Desmond. O sax de Desmond tem um som puro, sendo tocado longe do microfone. Desmond definia o seu estilo cool de tocar dizendo que ele sempre quis soar como um martini seco.
Dave Brubeck sempre foi um caso a parte. Exímio pianista tem tocado com diversas formações, gravando com os principais nomes do jazz. Foi aluno do compositor e professor francês Darius Milhaud, um dos artífices da politonalidade. Dos estudos e inovações de Brubeck nasceu o estilo arrojado que pode ser ouvido nas inúmeras gravações disponíveis que trazem o seu nome.
Pessoalmente, vi Dave Brubeck em atividade uma única vez, isso há muitos anos. Apresentou-se ele em São Paulo com um quarteto no qual figuravam dois de seus filhos. Na época Paul Desmond não estava mais no grupo. Aliás, Desmond morreu em 1977, aos 52 anos. Como não tinha descendentes, o saxofonista destinou os royalties de suas gravações à Cruz Vermelha norte-americana que, graças a isso, recebe cerca de 100 mil dólares por ano.
Dave Brubeck está com 88 anos de idade e ainda se apresenta com invejável energia. Através da Internet pode-se comprar ingressos para um show que ele fará, no dia 24 de março de 2010, no Wells Fargo Center, Santa Rosa, Califórnia.
Vida longa ao grande Dave Brubeck que, com sua música, tornou os nossos dias mais agradáveis nos últimos cinquenta anos.
Meandros da Justiça
De que a Justiça em nosso país deixa a desejar todo mundo sabe. Crimes horrendos acontecem e um sistema de leis que permite aos criminosos responder em liberdade labora em favor da impunidade. É assim que funciona o princípio da presunção da inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado antes que todos os recursos da defesa sejam julgados. Em outros países o mesmo princípio só é valido quando existem dúvidas quanto à autoria do crime. A revista “Veja” da semana passada trouxe uma reportagem sobre o assunto, apontando vários casos de criminosos confessos que cumpriram pouco tempo de pena ou simplesmente se safaram enquanto aguardavam ou aguardam julgamento em liberdade.
Por outro lado, verdadeiro circo de horrores tem lugar no país. Crimes são praticados ultrapassando em muito seu objetivo primeiro que, em geral, é roubar. Na quase totalidade dos casos destaca-se a ferocidade dos criminosos e seu comportamento animalesco. Isso acontece todos os dias, para desespero da população. Em torno dessas ocorrências lamentáveis floresce o exercício midiático de informação via televisão que não passa de desrespeitosa cobertura de tragédias familiares. Geram-se, assim, cenas nas quais a privacidade familiar é invadida de modo ultrajante, expondo-se a dor alheia ao consumo público porque o que importa é a notícia, ainda que fundada na mais descabida forma de jornalismo de que se tem notícia. Dias atrás, por exemplo, um dos programas policiais mostrou longamente o desespero de uma família após receber a notícia da trágica morte de um de seus membros: a câmera filmando um grupo de pessoas sentadas em um banco, abraçando-se e chorando convulsivamente, protagonizou a espectadores da dor alheia uma das mais absurdas invasões de privacidade que o gênio desumano pode perpetrar. Isso para não falar do repórter que, tempos atrás, transmitiu, ao vivo, imagens de desespero de um homem instantes após a colisão de seu carro na qual sua mulher faleceu. Flagrado justamente no momento em que descia do carro e ainda sem compreender bem a dimensão da tragédia em que estava envolvido, foram as imagens desse homem divulgadas pela mídia enlouquecida atrás de pontos no IBOPE.
Não escrevo sobre ficção, mas a respeito de uma realidade que se impõe e é conhecida por toda gente. O fato é que a criminalidade não tem fim, a ousadia dos bandidos não tem limites e estamos todos ameaçados. Semana passada, bandidos invadiram uma casa em São Paulo, ameaçaram estuprar uma criança de 4 anos de idade e amarram com fios telefônicos uma mulher em estado terminal de câncer. Noutro crime, criminosos entraram numa casa e torturaram, durante uma hora, uma mulher de 70 anos de idade. Fugiram quando o filho dela chegou a casa e chamou a polícia. O filho ainda encontrou a mãe consciente, mas, logo em seguida, ela desmaiou e morreu.
O mundo do crime exercita-se diariamente, cada vez com maior ousadia e desenfreadamente. Menores iniciam-se cedo nas práticas criminosas e beneficiam-se de um sistema no qual são conduzidos a instituições cuja finalidade é recuperá-los, ainda que tenham praticado vários crimes hediondos.
Dentro de tal contexto, soa diferente a prisão do cineasta Roman Polanski, ocorrida ontem na Suíça. O grande cineasta de “O Bebê de Rosemary” foi preso em cumprimento de uma ordem de detenção internacional promulgada, em 2005, por autoridades norte-americanas. Note-se que a ordem de detenção original data de 1978, devendo-se a um caso pendente nos Estados Unidos há 30 anos: em 1977, Polanski foi acusado de drogar e estuprar uma modelo de 13 anos de idade. Processado, o cineasta declarou-se culpado por “relações sexuais ilegais” e foi enviado à prisão em “avaliação” por três meses. Polanski ficou apenas 47 dias na prisão: libertado sob fiança o cineasta saiu dos Estados Unidos e nunca mais voltou ao país.
Polanki foi detido em Zurique aonde cegou para receber um prêmio do festival de cinema dessa cidade. A partir de agora se iniciam as démarches da sua extradição para os Estados Unidos
Sem entrar no mérito dos aspectos jurídicos pertinentes a cada caso, a notícia da prisão de Polanski após tantos anos soa, sim, muito difrente para quem assiste diariamente a tantas manifestações de impunidade.
Observando o mar
Finalmente céu azul e muito sol. Na orla da praia banhistas de todas as épocas, metidos em roupas de banho, bronzeiam-se e deixam-se acariciar por ondas tépidas e calmas. Olhando para o vasto mar não é impossível sobrepor gerações de banhistas a divertir-se de um mesmo modo, sugerindo ao observador de hoje que o tempo passa, mas o homem é sempre o mesmo e assim será até o fim dos tempos.
Esses dois jovens que acabam de passar, a que geração pertencem? Estarão vivos, ainda, velhos e andando por aí? Que terá sido feito de seus sonhos? Realizaram-se? Estarão ainda juntos, talvez encerrados numa mesma cova, eles e seus sonhos?
Ou divago e não reconheço jovens que estão por nascer e passarão por esse mesmo lugar daqui a alguns anos, abraçados e sonhando com um futuro ao qual também eles pertencem?
E quanto ao observador? O observador de hoje está sentado num banco de pedra, defronte o mar. Ele pertence a uma galeria de observadores do passado e do futuro, testemunhas do cotidiano de diferentes épocas. Há 50 anos, o dia 27 de setembro de 1959 foi exatamente um domingo como este. Na época o observador de plantão lia nos jornais sobre a estrondosa recepção feita, quatro dias antes e nessa mesma cidade de Santos, ao então candidato à presidência da República, o ex-governador de São Paulo senhor Jânio Quadros. Jânio foi recebido no porto por uma multidão que lotou o armazém de desembarque de onde seguiu, em um carro aberto de bombeiros, até a Praça do Mercado, onde fez um breve comício. Eram os tempos do governo Juscelino e, talvez, a história do Brasil fosse outra se aquele Jânio aclamado pela multidão no Mercado não fosse eleito para a presidência, coisa que de todo escapava ao observador de 1959.
Já o observador de hoje lê nos jornais opiniões de analistas que condenam a diplomacia brasileira por abrigar Manuel Zelaya na embaixada do país em Honduras. O que se diz é que o fato atrapalha os planos do Brasil de tornar-se um líder mundial. Ao observador a presença de Zelaya parece conflitar com a noção de soberania nacional dado que Zelaya assumiu o controle da embaixada com seus seguidores. Assim, no território nacional em Honduras há um líder estrangeiro no comando, sendo que os quatro funcionários brasileiros da embaixada não têm como administrá-la.
Mas a crise hondurenha vai passar, assim como Jânio passou e os observadores passaram e passarão. Restarão as manhãs de sol aos domingos, os homens indo e vindo sobre a areia, saindo e entrando em épocas, sonhando com vidas passadas e futuras, até que num domingo qualquer talvez nada mais exista na paisagem além de um imenso vazio sem história, banhado silenciosamente pelas águas do mar.
A batalha das cores
Um grupo passa gritando: amarelo, amarelo, amarelooo…
Dois minutos depois, outro grupo passa gritando: branco, branco, brancooo…
Os amarelos e os brancos desafiam-se nas brincadeiras. São novos soldados de suas cores, capazes de inconscientemente de dar suas vidas por elas.
As crianças que passam, acabam de dividir o mundo em duas cores, sem governos, ideologias e desigualdades.
Elas marcham, em fileira, pelo amarelo e pelo branco. Não é impossível que atravessem rios e montanhas e se unam num arco-íris.
Cadela Baleada
Outro dia discuti com um amigo dizendo que algumas expressões muito usadas deveriam ser revistas dado seus significados mudarem com o tempo. No geral eu e ele concordamos com a maioria das expressões e ditados populares , embora eu apontasse algum mau-gosto na utilização de coisas tão batidas. Se você não concorda comigo, aí vai uma listinha: “Cão que late, não morde;”O mar sempre vem buscar o que é seu”; “Dois bicudos não se beijam”; “Em rio que tem piranha jacaré nada de costas”; “Nada como um dia após o outro”;”Antes um pássaro na mão do que dois voando”; Quem não tem cão caça com gato”; “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”;”Devagar se vai ao longe”; “Casa de ferreiro, espeto de pau”;”Quem ri por ultimo ri melhor”; “Quem sai na chuva é pra se molhar”; “Cavalo dado não se olham os dentes”; “De grão em grão a galinha enche o papo”;”Deus escreve certo em linhas tortas”, e muitas outras.
No que nossas opiniões diferiram foi em relação à expressão “vida de cão”. Defendi que, nos dias atuais, vida de cão é o “the best”. Mais que nunca o mundo está para os cães que suprem lacunas afetivas e emocionais na vida das pessoas e, por assim dizer, levam um vidão: alimentos de primeira ordem, banhos em pet shops, roupas especiais, cuidados de veterinários etc. De nada adiantou a argumentação do meu amigo afirmando que nem todos são cachorros de madame; existisssem estatísticas confiáveis verificaríamos que entre os cães reina desigualdade social talvez maior que a observada entre os seres humanos. Que eu pensasse nos sofridos cães sem dono que circulam por aí, esquivando-se do terrível destino a eles reservados pelas carrocinhas.
Não chegamos a um acordo, embora o arrazoado do meu amigo fosse bastante convincente. Agora leio sobre a Cadela Pituca que passa os seus dias na penitenciária de São Pedro de Alcântara, grande Florianópolis. Pituca é cuidada por funcionários do presídio e ocorreu que ela tornou-se alvo de atiradores, vindo a ser ferida. Pobre Pituca: passou a noite inteira agonizando até receber, na manhã seguinte, os cuidados de um veterinário. A foto dela ao lado do veterinário mostra um cãozinho vira-lata com cara triste e corpo enfaixado. Está bem, vai sobreviver, mas aparenta sofrer com a dor.
Tenho que concordar que isso sim é que é vida de cão, daí me render à argumentação do meu amigo quanto à validade do uso da expressão. É o que estou fazendo agora. Faço-o via blog que ele há de ler a distância, livrando-me assim de alguns comentários mais jocosos.
Quanto à Pituca o melhor seria que fosse viver noutro lugar, talvez em casa de família de algum funcionário bondoso que já a conhece. Caso isso não aconteça e se você estiver pensando em adotar um canídeo, a Pituca é uma ótima opção: é sofrida, conhece bem a maldade do mundo e certamente vai encarar a nova situação com a humildade daqueles que sabem quanto custa a verdadeira felicidade.
Quadro de Magritte roubado
Você soube? O quadro intitulado “Olympia” do pintor surrealista belga René Magritte foi roubado de um museu em Bruxelas. Dois ladrões gastaram apenas dois minutos para realizar a façanha e levaram a obra de arte cujo valor está estimado entre 750 mil e 3 milhões de euros.
Magritte pintou “Olympia” em 1948 e utilizou como modelo sua mulher Georgette Magritte. Consta que para a realização do quadro ele inspirou-se numa tela de Edouard Manet.
Magritte pertence ao movimento conhecido como surrealismo, iniciado por Andre Breton que, em 1924, publicou o “Primeiro Manifesto Surrealista”. Nele Breton expôs as bases do novo movimento: tratava-se de um meio para liberação integral da mente e de tudo que com ela se relacionasse. A partir desse pressuposto Breton propôs o método conhecido como “escrita automática” que consistia em escrever o que vinha diretamente à mente, ignorando a censura do superego. Paralelamente desenvolveu-se o “desenho automático” e, em 1925, realizou-se em Paris a primeira exposição Surrealista com a participação de Pablo Picasso, Man Ray, Jean Miró, Paul Klee e Giorgio de Chirico, entre outros.
Breton admirava muito Magritte a quem considerava originalíssimo. De fato, os quadros do pintor belga são bastante originais começando pela incongruência entre os seus títulos e o tema ou assunto da obra. Nesse sentido é famoso um quadro, de 1928, chamado “A traição das imagens” no qual é representado um cachimbo acompanhado de uma legenda onde se lê: isso não é um cachimbo.
Os quadros de Magritte são dotados de características próprias para sugestionar os seus observadores dando vazão a aspectos imaginosos e oníricos. No famoso “A Estrada de Damasco” (1966) vê-se, ao lado de um homem, um terno de funcionário e um chapéu- coco o que nos leva a imaginar o homem como uma criatura sem cérebro. Em “Moto-perpétuo”(1965) um homem segura um peso no qual uma das bolas é a sua cabeça. A idéia de movimento perpétuo possibilitando a troca da cabeça pelo peso vazio de idéias sugere a capacidade de pensar ou não.
O agora desaparecido “Olympia” mostra uma mulher nua que tem sobre o seu abdome um caracol. Como em outras obras do pintor há algo fora do lugar numa cena que seria a simples presença de uma mulher nua a tomar sol junto ao mar. Ocorre que ela tem o caracol sobre a barriga e o observa como se ele, asqueroso naquele lugar, pudesse penetrá-la. Nada sugere que a mulher pretenda tirar o animal dali, dado que seu braço repousa ao lado do corpo.
Para Breton a nova arte surrealista deveria expressar os desejos ocultos das pessoas com a inocência da infância. Magritte pertenceu à linha dos surrealistas que pintavam objetos e pessoas reconhecíveis, mas colocando-os em situações incomuns. Nesse sentido “Olympia” é uma tela de acesso visual fácil, porém a inusitada presença do caracol torna-a aberta a vários significados.
O jeito é torcer para que “Olympia” retorne, o mais depressa possível, ao museu de onde foi roubada.
Zelaya na Embaixada - Brasil Hondurenho
Manuel Zelaya está vivendo no Brasil Hondurenho. Você que, como eu, não entende nada de Direito e Relações Internacionais deve estar se perguntando porque o Brasil se meteu – ou foi metido - nessa encrenca.
Existem algumas versões. A primeira delas é ufanista, baseando-se no fato de que a escolha da embaixada brasileira por Zelaya é sinal de que o Brasil foi prestigiado enquanto país neutro e líder da região; a segunda é a de que o Brasil não tinha a menor idéia sobre as intenções de Zelaya de abrigar-se na embaixada brasileira, onde caiu de pára-quedas; a terceira é a de que tudo aconteceu seguindo combinações entre altos escalões do governo brasileiro e Zelaya. Vai saber…
Mas, para você que, como eu, tornou-se um cara desconfiado, essa coisa toda não cheira muito bem, afinal tudo que tem Hugo Cháves por perto… Veja que o Brasil considera Zelaya presidente de Honduras e não reconhece o governo do presidente interino que atualmente chefia o país. Veja, também, que Zelaya está na embaixada como presidente de Honduras e não como asilado político, fato que, segundo entendidos, é ilegal. O Brasil está protegendo um presidente deposto em seu próprio país; e o governo interino acusa Zelaya de estar incitando os seus seguidores à revolta.
Infeliz Zelaya não está. Isso pode ser visto em fotos dele, dentro da embaixada verde-amarela, cercado por seguidores.
Ontem cortaram temporariamente luz e água da embaixada que é protegida por um único guarda, aliás grande candidato a herói nacional caso resista sozinho a alguma invasão do pátrio solo brasileiro em Honduras.
O que vai acontecer? Melhor consultar os búzios. Entretanto, é improvável que o atual governo hondurenho venha a invadir a embaixada do Brasil dado que isso afetaria gravemente as relações entre os países. Se fosse arriscar um palpite diria que o mais fácil será a invasão da embaixada pelo “povo” que não pode ser contido pelas tropas do governo. Uma fatalidade, portanto. Fatalidade que poderia levar Zelaya à rua onde seria preso, já que contra ele existe uma ordem de prisão em Honduras.
Mas, não levem a sério esses palpites e previsões. São baseadas num filme a que assisti e sou dos tais caras que acreditam piamente no fato de que a ficção só existe para, mais cedo ou mais tarde, se tornar realidade.
William Faulkner
Nos próximos dias comemora-se o aniversário de nascimento do escritor norte-americano William Faulkner. Ele nasceu em 25 de setembro de 1897 e morreu em 6 de julho de 1962.
Enquanto Faulkner esteve vivo, nunca ouvi falar dele. A minha geração praticamente começou a pensar racionalmente quando Faulkner já se despedira desse maravilhoso mundo. Aliás, sobre pensar, um amigo me recomenda a leitura de um livro do filósofo Karl Popper, intitulado “A sociedade aberta e seus inimigos”, no qual, ainda segundo o meu amigo, Popper ensina a pensar. Trata-se de uma obra em que autor visa destruir, pedra sobre pedra, o marxismo. Popper escreveu na década de 50, bem antes da queda do muro de Berlim, e apontava falhas grosseiras na filosofia de Marx que, por isso, não poderia dar certo. As previsões de Popper se realizaram. Não li, vou ler, mas “A sociedade aberta e seus inimigos” foi publicado em dois volumes pela EDUSP e ainda pode ser encontrado por aí, se você estiver interessado.
Mas, voltemos a Faulkner. Não sei se você visitou New Orleans, antes de ser destruída pelo furacão Katrina. Era uma cidade e tanto, muito além das ruas povoadas pelos bares de jazz. Uma loucura! Anos antes, uma amiga tinha me falado sobre os músicos que tocavam nas esquinas deixando à sua frente um chapéu para a caridade pública. Eram mesmo maravilhosos como pude confirmar, anos depois. Mas, não eram só eles. Nos bares da Bourbon Street podia-se ouvir o melhor jazz, variando os temas tocados de bar para outro. Até que se parava no Preservation Hall onde uma banda formada por caciques musicais do lugar nos remetia às origens musicais da cidade, em show curto e de rara beleza.
Não sei se ainda é assim. Vimos pela televisão imagens terríveis de uma cidade inundada, pessoas presas em suas casas, ladrões explorando a tragédia ocasional, assaltos a lojas com parte de seus produtos sob a água. Lembra-se? Pois o que você viu não era New Orleans, não era o Rio Mississipi, não era a Bourbon Street, nem era o cemitério onde foram feitas algumas locações do filme “Entrevista com o Vampiro”, estrelado por Tom Cruise. Aquilo tudo era só uma grande beleza inundada pelas águas do Mississipi que, segundo consta, saiu do seu leito por distração do então presidente Bush que, gastando muitos dólares na perseguição a Bin Laden, não destinou verbas para a barragem do grande rio.
É ao mundo do Estado da Lousiania e todo o sul dos Estados Unidos que pertence William Faulkner. O seu universo é o dos senhores e dos negros que para eles trabalham, das grandes fazendas, da violência das cidades onde predominam ódios impossíveis de serem cessados. Não importa que muito tempo antes o presidente Abraham Lincoln, mais tarde assassinado num teatro, tenha dado liberdade aos escravos e provocado a Guerra de Secessão. O sul é o sul e ele está inteiro nas páginas de Faulkner que, aliás, não era bem visto pelos seus concidadãos sulistas.
Como disse anteriormente, nunca ouvi falar de Faulkner enquanto ele esteve vivo por aí. O meu encontro com ele se deu ocasionalmente, através de um livro chamado “Santuário”. A história desse livro de Faulkner é interessante. Consta que na época em que o escreveu o escritor estava muito aborrecido com a recepção do público às suas obras, consideradas complicadas demais. Para desfazer essa impressão Faulkner trancou-se numa garagem com muitas garrafas de uísque ao seu alcance, disposto a escrever um livro fácil e a gosto do público. Assim nasceu, em 30 dias, “Santuário” que é, de longe, o melhor livro do escritor.
“Santuário” é um livro que subverte o modo de contar histórias. As alternâncias de focos e tempos narrativos, as mudanças bruscas, situações desesperadas das personagens e a força do texto tiveram grande influência sobre o modo de pensar e escrever de gerações de escritores, daí recomendar-se a leitura do livro a todos aqueles que se interessam por literatura.
Faulkner havia recebido o Prêmio Nobel de Literatura quando esteve no Brasil, em visita a São Paulo. Era então um figurão de renome mundial e bebia muito. Hospedou-se no antigo Hotel Esplanada, localizado bem atrás do Teatro Municipal, no centro da cidade (hoje o hotel já não existe e ali funcionam os escritórios de uma grande empresa).
Por algum motivo William Faulkner odiava Chicago e consta que a vista do Vale do Anhangabaú, a partir das janelas do prédio do antigo hotel, reproduzia imagens da metrópole norte- americana. Vai daí que Faulkner, tendo bebido mais que o normal, foi à janela de seu quarto de hotel e achou que estava em Chicago. Consta que, na ocasião, começou a gritar que odiava Chicago e a reclamar pelo fato de o terem trazido àquela cidade.
Se você gosta de literatura, vale a pena procurar nas livrarias o “Santuário” do escritor norte-americano William Faulkner. Outro livro do escritor, mais facilmente encontrado, chama-se “Enquanto Agonizo”, uma leitura de primeira plana.
Salve William Faulkner que dia 25 de setembro completaria 112 anos de idade.
O Dia da Árvore
Ontem foi comemorado o “Dia da Árvore”. Nas escolas realizou-se o movimento de conscientização das crianças que foram instruídas e convidadas a plantar uma árvore. O que se busca é a interação dos pequenos com o ambiente, estimulando-se a participação e a contribuição individual em relação aos problemas ambientais.
Escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore: ações que já foram, em conjunto, consideradas necessárias à realização de qualquer pessoa. Os tempos são outros e há quem já tenha feito as três coisas e não se sinta plenamente realizado. Aliás, o conceito de realização no mundo atual envolve múltiplas exigências de modo que o melhor é a separação entre o que alguém considera como sua realização e o modo como outras pessoas avaliam alguém como realizado.
Mas, o assunto é plantar árvores e comemorar o “Dia da Árvore”. Pois carrego comigo o orgulho de, certa vez, ter encontrado um pinheiro de poucos centímetros que, de alguma forma, fora arrancado do chão. Entre mim e aquela tenra futura árvore estabeleceu-se uma ligação que jamais de desfez. Eu o carreguei até perto de uma casa, nas montanhas, e cuidadosamente enterrei as suas raízes no solo.
Passávamos, na ocasião, por um inverno muito frio e temi pela sorte do meu pinheirinho, tanto que, durante a noite, o cobria para protegê-lo dos ventos e bruscas variações de temperatura. Com tais cuidados ele sobreviveu e cresceu. Ano após ano eu o acompanhei primeiro como uma pequena árvore, depois no seu ciclo de crescimento até se tornar a portentosa árvore que ele é nos dias de hoje.
Estivemos separados ao longo dos anos, encontrando-nos apenas nas visitas ocasionais que fiz e faço às montanhas. Nós dois procriamos, eu tendo filhos e ele cercando-se de outros pinheiros de sua estirpe, gerados pelas sementes que caíram de suas pinhas.
Houve um tempo em que as montanhas foram assoladas por grandes vendavais. Nessa ocasião o meu pinheiro tremeu e houve quem temesse que ele se quebrasse e caísse sobre casas e fios de alta tensão. O perigo fez com que a prefeitura da cidadezinha onde vive o pinheiro me ligasse pedindo autorização para derrubá-lo sob ação de motosserras. Protestei, disse que esperassem, enfim a tormenta passou e ele continua até hoje em seu lugar, forte e maravilhoso.
Creio que foi por essa época que passei a perceber que os problemas ocasionais relacionados ao pinheiro coincidiam com momentos de dificuldades na minha vida. Quando da ameaça de corte dele também eu passava por tremenda crise que enfim se resolveu. Sobrevivemos, os dois, portanto. Noutra ocasião foi ele atacado por vigorosa praga que enlaçou o seu caule ameaçando-o. Justamente nesse tempo eu me recolhi durante algum tempo às montanhas visando curar algumas feridas da alma, bem a tempo de arrancar a praga e devolver a liberdade ao pinheiro.
Estamos os dois, assim, ligados fazendo-me lembrar da lenda de Meleagro que, ao nascer, teve a sua vida ligada ao fogo. Durante a sua existência, Meleagro participou de várias guerras, mas manteve-se vivo porque sua mãe cuidava fogo, mantendo-o aceso. Certo dia a mãe de Meleagro descuidou-se do fogo e, no momento em que as chamas se apagaram, Meleagro morreu.
Não tenho razões para duvidar de que se o pinheiro que plantei tivesse sido cortado eu também teria morrido. De modo que toda vez que me sinto abatido, nas ocasiões em que os problemas que me cercam parecem enormes e insolúveis, é ao meu pinheiro que recorro. A pouca força que tenho reside naquela imensidão de raízes profundas, caule vigoroso que parece tocar as nuvens e um mundo de ramos carregados de pinhas.
Entre mim e o pinheiro que plantei não é difícil prever quem deixará a vida primeiro, mas isso não me incomoda: sei que depois que eu estiver morto ele continuará lá, forte e absoluto, desafiando vendavais, contemplando por mim o mundo em que vivi.