Arquivo para dezembro, 2009
Feliz ano novo
31 de dezembro é um dia de duas faces. Há a que olha para trás e observa o ano que termina; a outra é a que mira o futuro, sondando o ano que começa.
Neste dia ficamos entre esses dois olhares. O que observa o passado busca recompor tudo o que fizemos e extrair uma média do que fomos, ou conseguimos ser, durante o ano que termina. Aí estão os nossos acertos e erros, o modo como vimos as pessoas, o mundo que nos cerca e a vida em geral. Procuramos, a todo custo, um afastamento de nós mesmos, como se fosse possível ver-nos de longe, assim como quem observa um ator em seu papel. É, portanto, ao personagem que representamos durante o ano que observamos, procurando dar lógica aos seus atos, quem sabe justificar-nos diante desse terrível tribunal que é a nossa consciência.
O olhar que mira o futuro é aquele que passa a nos mover a partir de agora. Olhar estranho esse, que tantas vezes tenta negar o que fomos ou fizemos com a promessa de um novo modo de ser no ano que começa. Trata-se de um olhar indulgente, mas forte porque tem o fogo das realizações prometidas, o impulso de atos que vida afora não completamos, mas agora prometemos terminar.
Ano velho, ano novo, duas faces de nós mesmos, o eu dividido entre passado e futuro, tudo isso vivido numa só noite, a de 31 de dezembro.
Mas, não se preocupem: os fogos da meia-noite hão de vir soterrando lembranças indesejáveis e propondo a felicidade embalada por uma boa taça de champanhe. Então deixaremos de lado o passado e o futuro e ficaremos com o presente dos abraços, dos afetuosos abraços, do amor que temos e nem sempre sabemos dar, mas que naquela hora fluirá, como um jato puro e simples daquilo que verdadeiramente somos.
Feliz ano novo.
O ano em que o Brasil virou uma certeza
- Tenho 50 anos, trabalho desde os 17. Quando comecei o Brasil era cotado como país de terceiro mundo. De lá pra cá muita coisa mudou. O país cresceu, hoje a economia é forte. Veja que atravessamos bem a última crise mundial. Tudo muito diferente daquela loucura de inflação, do descontrole, do tempo em que a dívida externa era o fantasma que assustava toda gente.
O homem pára, olha para o mar, toma um golezinho de aperitivo e continua:
- Olhe, eu não vou ver isso, mas o Brasil ainda vai ser país de primeiro mundo. Vamos chegar lá. Meu filho vai viver num lugar de primeiro mundo, meu netinho que tem só dois meses, esse então nem precisa dizer… Obra de quem? De muita gente. O Fernando Henrique colocou o país nos trilhos, estabeleceu as bases. O Lula faz bem a parte dele. Tem sorte, mas não é só isso não: ele é competente. Não adianta dizer que ele é analfabeto, etc. A competência dele está em ter colocado nos lugares certos gente que entende. Depois, foi só tomar conta dessa gente do governo. Mão forte para isso ele tem, não duvide. É como pedir para um sujeito como eu capitanear um navio. Se aceito? Claro que sim. Me dê aí o cara que toma conta das máquinas, os que cuidam do leme, os que definem a rota, enfim todo o pessoal necessário. Aí eu mando neles e o navio segue em frente. É por isso que digo: se o PSDB quiser ganhar a eleição não será criticando o Lula. Como em toda briga eles têm que atacar o ponto fraco do adversário que é impor outra pessoa que não seja o próprio Lula.
O homem se cala e eu o deixo com os olhos imersos na paisagem. Longe, o sol declina, lentamente, por entre nuvens, emprestando ao mar um colorido indescritível. As gaivotas que há pouco voavam tão perto, recolheram-se e, no céu, a Lua entre em combate com a presença já inoportuna do Sol porque anoitece.
Penso no Brasil da minha infância, nas esperanças de progresso e nas constantes decepções que tínhamos com o modo de evoluir das coisas. Tem razão o meu interlocutor ao dizer que não veremos, mas o Brasil será um país de primeiro mundo. Existe por aí afora, nos mais distantes rincões do país uma sensação nova, que já não é esperança, tornou-se certeza de que nada impedirá que o velho sonho de país desenvolvido enfim se concretize. Nesse sentido, 2009 pode ser entendido como o ano da virada, o ano em que o Brasil tornou-se uma certeza.
Populações Meridionais do Brasil
Assunto mais que discutido é o que se refere à imensidão territorial do Brasil abrigar tão grande diversidade populacional. Resultou ela da mais formidável miscigenação de etnias, combinando-se de diferentes modos o branco europeu, o índio nativo e o negro africano para cá trazido com escravo.
É vasta a bibliografia sobre o assunto, passando-se pelos textos de eminentes sociólogos e historiadores que se ocuparam da interpretação do Brasil. Alguns desses estudos são hoje desprezados, tantas vezes com razão dadas inclinações nem sempre toleráveis de seus autores. Existe entre eles os que incluíram em seus trabalhos teorias como a do racismo para explicar a formação do povo brasileiro sob a preponderância e superioridade da raça ariana.
Criticado, mas nunca esquecido, é Oliveira Vianna que se destacou como cientista social, resvalando com alguma profundidade no ofício de historiador. Mas, a atuação de Oliveira Vianna não se restringiu aos livros que escreveu. Conservador exaltado e adepto da centralização e controle do Estado sobre as atividades do país foi ele muito operante como assessor do presidente Getúlio Vargas, mormente depois da instalação do Estado Novo, em 1937. Jurista, teve ativa participação com decisivos pareceres que resultaram na instituição da Justiça do Trabalho e a Consolidação das Leis do Trabalho.
Dos livros que Vianna escreveu o mais importante é, sem dúvida, “Populações Meridionais do Brasil”, publicado em 1920. Trata-se do estudo do matuto, o homem das matas. Vianna planejava publicar mais dois livros sobre a mesma temática: o segundo seria sobre o gaucho, o homem dos pampas, e o terceiro sobre o sertanejo, o homem dos sertões. O segundo livro foi publicado postumamente e o terceiro Vianna não chegou a escrever.
“Populações Meridionais do Brasil” é grande demais para o quer dizer. Girando em torno das mesmas idéias, o livro fala sobre a aristocracia rural de cujo domínio e relacionamentos dependem os desajustes da sociedade colonial. Vianna parte da idéia errônea de que o Brasil foi colonizado por gente fidalga, aristocracia racialmente superior, agindo segundo preconceitos autoritários com os quais comunga o escritor. Autoritarismo e racismo, portanto, corporificado nos bandeirantes paulistas, um tipo superior também encontrado em outras regiões. Obviamente não se pode reconhecer nos bandeirantes paulistas que se embrenharam pelos interiores do Brasil a fidalguia pretendida pelo escritor.
Entretanto, “Populações Meridionais do Brasil” foi bem aceito em sua época, embora hoje possa ser classificado como pertencente à infância da sociologia brasileira. Não se pode negar ao autor método e a preocupação latente em explicar o Brasil, para isso invocando acontecimentos históricos obtidos nem sempre de primeira mão. Criativo, fantasioso, eivado de preconceitos, apegado ao autoritarismo, acreditando na superioridade ariana, ainda assim trabalho de vulto, de pensador das coisas do Brasil.
Oliveira Vianna é importante porque suas idéias foram trazidas à tona em momentos históricos nos quais o autoritarismo transformou-se no carro chefe de governos. Pode-se conhecer melhor o escritor e sua obra através de vários livros sobre os intérpretes do Brasil, encontrados facilmente nas livrarias. Caso haja interesse, “Populações Meridionais do Brasil” pode ser encontrado em sebos.
Agressões e atentados
Fala-se muito sobre as agressões ao Papa e a Berlusconi. Analistas temem que as agressões ocorridas estimulem outras. O que dizem é que tanto o Papa quanto Berlusconi têm algo em comum: ambos representam a exteriorização do poder, embora em esferas diferentes.
A cena de agressão ao Papa, filmada por cinegrafista amador, impressiona. Um velhinho carregando às costas o poder milenar da Igreja é arrastado ao chão por uma desconhecida. Não importa que ela apresente distúrbios mentais: foi ao coração da Igreja que ela se dirigiu, sabe-se lá com que intenções caso pudesse consumar o seu ato.
O ataque a Berlusconi me fez lembrar o assassinato de Pinheiro Machado, ocorrido em 1915. Pinheiro Machado foi senador da República e um dos mais influentes políticos de seu tempo. Era do tipo que fazia presidentes. Aconteceu em relação a ele uma campanha difamatória por parte de seus adversários, incluindo-se a participação da imprensa. Os crescentes protestos contra Machado levaram um desconhecido, Francisco Manso de Paiva, a apunhalá-lo no hall do Hotel dos Estrangeiros, localizado na Praça José de Alencar, no Rio de Janeiro.
Décadas depois, Manso de Paiva, já bem velho, foi entrevistado na televisão. Perguntado sobre o seu arrependimento em relação ao assassinato de Pinheiro Machado respondeu que não se arrependera, faria tudo de novo pelo bem do Brasil. O curioso é que o entrevistador era um advogado chamado Leopoldo Heitor, também ele suspeito como responsável pela morte de Dana de Teffé, bailarina cujo corpo nunca foi encontrado.
Depois do atentado que sofreu Berlusconi fez um pronunciamento destacando a campanha movida contra ele e chamando a atenção para possíveis consequências, ainda mais drásticas. Segundo ele, espíritos mais inquietos e impressionáveis podem se tornar móveis de ações terríveis.
Curiosamente, foi que aconteceu em relação a Pinheiro Machado.
Do ano que termina
Você que lê jornais e revistas e é atento a tudo o que se passa no mundo, você pode me dizer o que foi que mais o impressionou neste ano que está terminando? Acha que seria possível um consenso sobre os fatos mais marcantes do ano?
Quando penso em 2009, sinceramente fico confuso. De cara se impõe a crise econômica mundial com todos os seus reflexos. Lembra-se daquela avalanche de análises prevendo o pior? Na mídia escrita e falada apresentavam-se analistas, muitos deles exibindo o aspecto trágico dos que sabem que a derrocada é irreversível e nada se poderá fazer contra o monstro que derruba bolsas de valores e desestabiliza moedas. Enquanto isso, no Brasil, a oficialidade governamental era tomada por um ufanismo sem precedentes, mandando bananas para os organismos econômicos mundiais, dizendo explicitamente que, desta vez, a crise era só deles.
No fim a crise não foi tão profunda, passou meio ao largo do Brasil, daí que tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. A meio caminho foram celebradas missas no altar do pré-sal, nova fonte de riquezas prometidas que veio para provar que o Brasil não é grande só em extensão territorial. Em torno disso se fizeram os discursos, sendo acrescentadas mais golfadas de ufanismo no caráter de um povo que historicamente sempre se viu por baixo.
Pois foi essa tentativa de superar a crônica sensação de inferioridade do Brasil em relação aos países mais desenvolvidos o que mais me impressionou em 2009. De repente vieram à tona idéias de grandeza para compensar a passada inferioridade, se é que ele era real. O país foi varrido por uma onda ufanista na qual o sentimento mais comum era o de que vale a pena ser grande ainda que para isso se pague alto preço.
Foi assim quando o país se tornou sede da futura Copa do Mundo de 2014; foi ainda assim quando o Rio de Janeiro foi escolhido para sediar as Olimpíadas de 2016.
Ano quente este, cheio de realizações, contratando-se megaeventos com a certeza de que o país tem potencial para superar todos os obstáculos que a ele se apresentem. Ano de certezas exageradas, de olvido de situações sociais seculares que se arrastam sem solução; ano em que a miséria foi empurrada para baixo do tapete e os dinheiros da República foram comprometidos com obras faraônicas ao invés de serem revertidos para setores carentes como a saúde e a educação; ano de real valorizado, de estabilidade econômica, de maior projeção mundial do Brasil, ano no qual a corrupção mostrou-se a céu aberto sem o menor indício de vergonha de seus praticantes.
2009 chega ao fim com ares festivos. O imediatismo dos brasileiros é característica difícil de ser abandonada. Viver o momento, tirar do instante o máximo que ele puder dar. O resto não importa muito, dá-se um jeito,vê-se depois.
Afinal, amanhã já é outro dia, assim diz a letra do samba.
Homem-bomba
Homens conversam no pátio de um prédio. De repente, um estranho chega à portaria, quer entrar, mas é barrado pelo porteiro. O que se vê em seguida é uma grande nuvem de fumaça. Instantes depois pode-se observar o que aconteceu: o estranho era um homem-bomba; as pessoas que conversavam estão mortas; o lugar foi totalmente destruído; homens saem do prédio e correm de um lado para outro, sem saber o que fazer.
A cena descrita foi gravada em vídeo por uma câmera de segurança. O atentado foi contra o clube de jornalistas do Paquistão. Não é possível ver o rosto do homem que detonou a bomba que trazia junto de seu próprio corpo. Os corpos dos homens que minutos antes conversavam animadamente compõem cena terrível e absolutamente sem sentido.
O problema é que nada do que vemos faz sentido. Agarrados à vida e tendo por hábito emprestar alguma eternidade a tudo o que fazemos, o vídeo a que assistimos torna-se incompreensível. A decisão do homem-bomba de sacrificar-se por uma causa, qualquer que seja ela, é ilógica. De nada adiantam explicações de natureza cultural, a desculpa do fanatismo e mesmo a lavagem cerebral que automatiza um homem a ponto de perpetrar loucura do porte da praticada contra o clube de jornalistas do Paquistão.
E dizer que isso se repete em nome de crenças e ideologias, sacrificando inocentes. O homem-bomba não passa de um mártir às avessas. Ele é testemunho do colapso da civilização, a negação do empenho da humanidade no sentido de distinguir o homem dos seres brutos. O homem-bomba é a antítese de todos os valores em que acreditamos.
A crueza da cena mostrada pelo vídeo do atentado impressiona demais. Parece haver nela um modus operandi da morte que utiliza pessoas para matar pessoas. Ficaria bem, talvez, na ficção. Mas, não há lugar para cenas dessa ordem no mundo real em que vivemos.
Depois da ceia
A comilança e a bebedeira de ontem à noite ainda estão pesando? O jeito é seguir as orientações dos médicos para esse caso: beber muita água e chás, consumir alimentos ricos em potássio (água de coco e bananas) e doces à base de frutas. Além disso, descanse porque muito antes do que você pensa chegará aquele seu amigo ou parente que virá só para dar um abraço e a formalidade exigirá uma(s) cervejinha(s). Isso para não falar nas mulheres da sua família que desde ontem já têm o cardápio pronto para o tradicional almoço do dia de natal (eventuais sobras da ceia farão parte da refeição).
Trata-se da rotina de todos os anos, meu caro, daí que não adianta resistir. As preocupações com o seu peso, os alimentos que não fazem bem a você, a bebida que o médico desaconselhou ou proibiu, isso fica para depois, afinal tudo o que fazemos tem conseqüências e estamos habituados a elas.
Daí que você está aí empanturrado, estudando a capacidade do seu estômago para ver o que mais cabe dentro dele sem que ocorra alguma tragédia. É a rotina do natal.
O que saiu da rotina foi aquela mulher que burlou a segurança e derrubou o Papa durante a Missa do Galo. O Papa caiu, você viu? Agora estão dizendo que a mulher apresenta sinais de deficiência mental e tentou fazer a mesma coisa no ano passado, sem conseguir.
O que leva uma pessoa a avançar sobre o Papa durante uma das maiores cerimônias da Igreja, transmitida pela TV para o mundo todo? Para mim só existe no Brasil uma pessoa capacitada para responder corretamente a essa pergunta: o Beijoqueiro. Afinal, um cara que beijou Frank Sinatra no meio de um show no Maracanã lotado é uma autoridade nesse assunto.
Falando em agressão, você já viu o tal vídeo que circula na internet tentando demonstrar que o ataque a Berlusconi foi uma farsa? O vídeo mostra que logo após o impacto do objeto, atirado contra o primeiro ministro italiano, não houve sangue. Só quando Berlusconi leva um saco plástico ao rosto aparece o sangue. Há quem acredite na farsa, mas a maioria das pessoas, inclusive autoridades italianas, acha o vídeo um absurdo.
Que razões existiriam para que o ataque a Berlusconi fosse uma farsa? A personalidade controversa do primeiro ministro, entre outras acusado até de ser mafioso, tem rendido a ele perdas significativas de popularidade, além de ataques de seus adversários políticos. Levando-se em consideração esses fatos, a agressão de que foi vítima o primeiro ministro foi-lhe muito favorável: segundo o jornal Corriére de La Serra o nível de aprovação de Berlusconi, que estava em 48,5%, subiu para 60% após a agressão.
Natal é assim, às vezes recebemos presentes inesperados. Veja o caso de Berlusconi: um objeto atirado por um agressor contra o rosto dele transformou-se num belo presente de natal, traduzido em aprovação do povo italiano. Vá lá que Berlusconi teve que perder dois dentes, mas todo mundo sabe que aprovação não é coisa que se conquiste facilmente.
O menino Sean
A foto do menino Sean, chegando à embaixada dos EUA, é constrangedora. Ele aparece abraçado a um parente e é protegido pelo braço do advogado que cuida do seu caso.
Sean está ali para ser entregue ao pai norte-americano, o que deve ter ocorrido há pouco por que expirou-se o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal para que isso ocorresse. A história do caso todo mundo conhece: a mãe do menino morreu, ele vive com os avós no Rio e o pai reclama seu pátrio direito sobre o filho.
A decisão do STF teve grande repercussão não só no Brasil como na imprensa internacional. Um acordo econômico que estava suspenso nos EUA enquanto a situação do menino não fosse resolvida, foi fechado após a decisão do STF. Os avós de Sean dizem que o Brasil trocou o menino pelo acordo. Os noticiários da televisão norte-americana falam sobre o caso usando o tom de menino roubado do pai.
No centro de tudo isso está Sean. Olhem para o rosto dele na foto: verão uma criança assustada, agarrada a um parente, olhando temerosa para aquilo que o aguarda, talvez perguntando-se por que tinha de ser assim justamente com ele.
Sean tem só 9 anos de idade. A essa altura deve já estar com o pai dentro da embaixada e voará, o mais depressa possível, para os EUA. Fica o seu rosto de choro, espécie de repúdio, provavelmente inconsciente, não contra o pai que o quer, não contra a família que procura retê-lo, não contra a Justiça que se ocupa do seu caso: é contra a sorte, contra a vida do modo que ela está se apresentando a ele que fecha o seu semblante.
Olhem para o menino da foto.
Véspera de natal
Meu irmão mais velho celebrava a véspera de natal lembrando a grande mortandade de perus e galinhas. Festa para uns, desastre para outros – dizia. Mas, ao fazer essa afirmação não era ele movido por nenhuma convicção ou posição ideológica. De fato, meu irmão não tinha, pelo menos aparentemente, preocupações ecológicas e longe dele qualquer possibilidade de ser vegetariano. Ao contrário: era do tipo que ronda as cozinhas, informa-se sobre o andamento dos assados pelo odor que exalam e, na hora da ceia, não perdoa as boas carnes acompanhadas de outros acepipes da cozinha brasileira.
Mas, a véspera de natal é muito mais que o dia de destrinchar frangos. Trata-se de ocasião na qual as pessoas são tomadas pelo sentimento de fraternidade. Não importa que se acuse o natal de ter-se transformado num marco do consumismo; nem adianta protestar contra essa horrorosa obrigação de comprar presentes com data marcada, muitas vezes sem a menor vontade ou inspiração. Acima disso tudo fica o significado de um momento no qual, à revelia dos credos professados, os homens param e refletem, pelo menos um pouco, sobre o significado da vida, suas famílias, os modos de ser e assim por diante.
Há quem não goste do natal. As razões são muitas, começando, em alguns casos, pelas infâncias pobres que transformam o natal num dia de tristes recordações. Os solitários, aqueles que perderam entes amados, os que estão longe da família, esses e muitos outros em situações diversas talvez esperem que a noite de natal passe depressa, quem sabe dormindo o sono dos justos no momento em que as famílias estão ao redor das mesas para a tradicional ceia.
Mas, é às crianças que o dia de hoje pertence. De agora em diante - é manhã – começa para elas um período de contagem regressiva que só terminará quando a surpresa dos presentes for finalmente revelada. Esse, talvez, o lado mais bonito do dia, impresso em faces felizes que aguardam emocionadas o momento em que as famílias se reúnem e os pacotes são abertos
Véspera de natal! Os noticiários informam que, por decisão do STF, o médico acusado de estupro e atentado violento ao pudor contra ex-pacientes sairá da cadeia hoje; Michael Schumacher voltará a correr na fórmula 1 com um carro da Mercedes Benz; e o menino que teve mais de 50 agulhas introduzidas no seu corpo passa bem após mais uma cirurgia.
As notícias parecem distantes. É como se não quiséssemos ouvi-las. De repente, pouca coisa importa e o universo se encolhe aos limites das paredes das nossas casas. É esse lugar, o pequeno mundo que nos protege, o melhor entre todos para passar a noite de natal.
Não receie ser piegas: a ocasião não só pede como permite que sejamos pelo menos um pouco assim, afinal aproxima-se a noite de natal.
O ano do Tigre
Ano que termina, resenhas no ar, expectativas para 2010. Haverá paz? Será reduzida a emissão de gases estufa? O Irã não fará uso do arsenal atômico que está preparando? A Coréia do Norte entrará em acordo com os regimes democráticos e deixará em paz a Coréia do Sul? As chuvas darão tréguas? E as enchentes, hein? Nossa, quem será o próximo presidente da República no Brasil? E o seu time, vai dar mais alegrias do que tristezas?
Coma bem na ceia de natal, festeje como nunca no réveillon, mas prepara-se: 2010 é o ano do Tigre no calendário chinês. O ano do Tigre tem início marcado para o dia 14 de fevereiro de 2010 e terminará em 2 de fevereiro de 2012.
Não sei se você dá alguma importância para o calendário chinês, mas sempre é bom saber o que significa esse tal “ano do Tigre”. De uma coisa esteja certo: tudo que se relaciona ao Tigre é bravo. Você sabe que tigre é um bicho que não dá mole. Toda aquela beleza, a calma aparente e os gestos suaves de felino tornam-se extremamente violentos de um momento para outro. Você já viu apelidarem de Tigre um sujeito bonzinho, pequeno, fraco e calmo? Não, né? Pois, então, fica muito fácil entender o que o calendário chinês quer dizer com “ano do Tigre”.
Será, portanto, um ano explosivo, violento, bom para desastres, favorável à guerra e muito rico em desentendimentos em todas as esferas. Ações inconsequentes e temperamentos explosivos serão a marca registrada de 2010. Nada de bom? É… Será um ano bom para recuperar coisas pedidas, sair de falências, muito bom para mudanças e purificação das pessoas.
Como se vê, se o calendário funcionar mesmo, 2010 será justamente o ano de que não estamos precisando num mundo já caótico onde o entendimento está cada vez mais difícil. Daí que é de pensar se não seria melhor burlarmos o calendário gregoriano e entramos diretamente em 2011 ou 2012, embora sem esquecer a possibilidade do fim do mundo prevista pelo calendário maia.
De todo modo, fica a impressão de que os calendários não estão a favor da humanidade: o chinês celebra 2010 como o ano do pavio curto; o maia garante o fim do mundo em 2012.
Você não acredita nisso, não é? Ainda bem. A verdade é que em todas as épocas pairaram sobre a humanidade ameaças de ações de forças desconhecidas que, afora algumas coincidências, não se confirmaram. Esperava-se, por exemplo, o fim do mundo para o ano 1000, segundo a interpretação do texto bíblico do Apocalipse de São João, no qual se lê que:
“depois de se consumirem mil anos, Satanás será solto da prisão, saindo para seduzir as nações dos quatro cantos da Terra e reuni-las para a luta (…). Mas desceu um fogo do céu e as devorou (…) e os mortos foram julgados segundo as suas obras (…). Vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não existe”.
Para os homens medievais nada restaria após mudança de milênio. A voz que os advertia sobre isso vinha dos mosteiros onde se pregava o fim do mundo no ano 1000, com a ocorrência de acontecimentos como a aparição do Anticristo, a volta de Jesus à Terra, o Juízo Final e o julgamento de todos os homens por Deus.
O mundo não acabou no ano 1000, talvez não acabe em 2012. Se o Tigre vem aí que seja precedido pelos abre-alas de sempre, com muita luz, cores e samba. Relaxe: como os homens são imprevisíveis, talvez decidam se entender justamente agora só para contrariar o Tigre.
A ordem é desafiar o Tigre. O mundo precisa disso.