Arquivo para dezembro, 2009
Sonhos
Há quem sonhe muito, existe que não sonhe. Pessoas sonham séries de acontecimentos com continuidade entre um episódio e outro. Há quem sonhe prevendo ocorrências futuras. Tudo é possível quando os olhos são fechados e começam as horas de sono durante as quais não temos contato com o mundo real.
Quando estudante, morei numa república de rapazes separada por um muro alto de uma república de moças. Certa noite um dos meus amigos pulou o muro, esfolando-se todo. Ato contínuo entrou na república das moças e dormiu com uma delas que, pelo visto, aceitou na boa a presença dele.
Na manhã seguinte o meu amigo voltou para casa contando não saber explicar como foi acordar na cama da nossa vizinha. Afirmava ele não se lembrar de nada, nem mesmo do que teriam feito durante a noite. A partir desse dia passamos a chamá-lo de “Sonâmbulo”. O interessante é que a moça, em cuja cama ele acordou lembrava-se muito bem dos detalhes da ocorrência. Tão bem que se apaixonou por ele. Casaram-se quando o curso terminou. Ainda são casados.
Sou desses caras que sonham, embora não tenha no meu currículo passagens de sonambulismo. Nunca pulei muros, nem dormindo, nem acordado - é bom que se diga. No passado tive alguns sonhos em série, num deles visitando cidade no exterior na qual fiz amigos que revi, anos depois, novamente em sonhos. Daí que penso ter algum crédito para falar sobre sonhos, dado que pertenço ao clube dos sonhadores imaginosos.
Arre. Certa vez sonhei que levei um tiro no peito e aquilo doeu de verdade. Acordei assustado, respirando com dificuldade, afinal eu tinha morrido há poucos instantes. Logo, o mal estar passou e, sentado sobre a cama no escuro, cheguei a me divertir pensando estar no outro mundo, um lugar sem luz. Não gostei de imaginar a eternidade no escuro daí optar por acender a luz do abajur e retornar depressa ao mundo dos vivos. Na manhã seguinte o meu cardiologista fez uns exames e me recomendou beber menos vinho antes de me deitar.
Freud dizia que os sonhos são a interpretação dos desejos. Os psicanalistas possuem inúmeras ferramentas de análise tendo como base os sonhos. Mas, se tudo isso for correto, se sonhos relacionam-se mesmo com desejos, creio que no momento estou querendo falar com os mortos.
Como? Ora, tenho sonhado com pessoas que já morreram. Vez por outra estamos, eu e elas, em situações complicadas e trocamos idéias conflitantes. Trata-se de pessoas a quem conheci, algumas delas parentes. Ao acordar lembro-me bem dos nossos diálogos e penso se de fato não os tivemos enquanto essas pessoas estavam vivas. O cérebro, afirmam os especialistas, é uma caixa de surpresas e pode ser que eu tenha armazenado em alguns circuitos neuronais informações referentes a diálogos passados. Agora, entre uma crise de enxaqueca e outra, os impulsos elétricos que percorrem os neurônios talvez tenham se desgovernado e seguido rotas abandonadas, reativando idéias e lembranças. Do que se pode concluir que temos um trenzinho dentro da cabeça, percorrendo rotas que geram pensamentos, às vezes optando por seguir caminhos abandonados. A memória é despertada, portanto, por um trem que corre solto nas trilhas de neurônios interligados.
Termino dizendo que não acredito nessa história de conversar com os mortos. Nego, também, veementemente, qualquer desejo de minha parte de rever pessoas que passaram desta para a melhor. O gênero fantástico só me atrai enquanto opção literária; não quero e nem me interessam contatos ou confirmações da possibilidade de vida após a morte.
Só isso.
Durmam bem. Bons sonhos para todos vocês.
O Brasil cresce
Há muitos anos quem ia aos EUA ficava maravilhado com aquele país tal o impacto da riqueza, modo de vida, hábitos e oferta de produtos não encontrados por aqui. Roupas, perfumes, equipamentos de informática e outras coisas faziam parte da bagagem dos viajantes em seu retorno ao Brasil, não raramente gerando problemas alfandegários aos que não declaravam os bens que traziam consigo.
Mas o que chamava muita atenção dos viajantes era a estabilidade dos preços, resultante de uma economia sólida e que ditava as normas da economia do mundo. Comparativamente, vivíamos num período de inflação galopante com as suas inevitáveis consequências, destacando-se o ganho fácil com aplicações (dinheiro fazendo dinheiro), a deterioração dos salários e o empobrecimento progressivo da população.
De lá para cá as coisas mudaram substancialmente. A arrojada política do Plano Real que colocou fim à inflação e estabilizou os preços, permitiu o crescimento sólido da economia brasileira, tendo-se chegado ao tão sonhado patamar em que oferta e procura equilibram-se razoavelmente. Na prática a estabilidade e o crescimento da economia tornaram possível o acesso das classes menos favorecidas a bens de consumo inimagináveis a elas em passado recente.
Dessa enorme abertura resultou uma prosperidade acentuada pelas facilidades do crédito disponibilizado aos cidadãos. Carros e eletrodomésticos, por exemplo, deixaram de ser objeto de consumo das classes médias e alta estendendo-se as suas posses a camadas sociais anteriormente alijadas das possibilidades de adquiri-los.
Interessante termômetro da atual situação econômica hoje é dado pelo movimento dos negócios no setor de viagens e turismo. Tornou-se bastante comum, por exemplo, a utilização de aviões por pessoas que anteriormente no máximo poderiam pagar uma passagem de ônibus. Há casos de viagens de longas distâncias nas quais as ofertas das companhias aéreas tornam os preços dos bilhetes de avião competitivos em relação às passagens de viagens por terra.
Outro setor que tem conhecido crescimento é o dos cruzeiros marítimos. De fato a atual temporada de cruzeiros no Brasil já começa com grande movimento, de modo que o mais seguro é que as reservas sejam feitas com muita antecedência. Viagens mais baratas e planos de pagamento a perder de vista têm possibilitado verdadeira invasão de navios por brasileiros que anteriormente nem poderiam sonhar com tal privilégio.
O país vai bem. Não é demais insistir que a situação atual é obra de muita gente, nascida do esforço comum da população e obra pública de muitas mãos em anos subsequentes. E convém lembrar que a obra não está completa: é mais que hora de investir maciçamente em educação e saúde para que todos os bens ora disponilizados possam ser fruídos integralmente pelos brasileiros.
A face oculta das nádegas
Deu no “Le Monde” de 09/12: está sendo lançado na França o livro “La Face Cacheé des Fesses” (A Face Oculta das Nádegas)”, de autoria da documentarista Caroline Pochon e do jornalista Allan Rothschild. O lançamento é precedido de um documentário com o mesmo título do livro, exibido no canal Arte de televisão.
Livro e documentário resultaram de uma investigação que durou 18 meses, realizada pelos autores. O “Le Monde” informa que “os autores propõem uma viagem mutidisciplinar pelas diferentes representações do traseiro na história da humanidade, emprestando conceitos de história da arte, psicanálise, sociologia e semiótica”.
Lembra ainda o jornal a afirmação do filósofo Jean Paul Sartre: “A pátria, a honra, a liberdade, nada existe: o universo gira em torno de um par de nádegas”.
Se você digitar no Google algo como “brasileiros e a bunda” receberá boa quantidade de referências sobre o assunto com demonstrações claras de que se trata de uma preferência nacional. Uma dessas referências o levará a um ensaio chamado “Bunda – Paixão Nacional” do sociólogo Gilberto Freyre, o autor do grande livro que é “Casagrande e Senzala”.
No ensaio Freyre rastreia as origens do gosto nacional pelos traseiros. Partindo do século XVI destaca o autor a preferência das índias nativas do Brasil pelos portugueses dado eles revelarem maior potência sexual. Entretanto, afirma Freyre, as índias não se faziam notar tanto como as mulheres de origem afronegra, essas pelas suas protuberâncias realmente notáveis e bundas salientemente grandes. Destaca ainda Freyre que em muitos casos mulheres de origem ibérica, principalmente as portuguesas da época, rivalizavam com as de origem afronegra. E por aí vai o ensaio de Gilberto Freyre cuja leitura recomenda-se aos interessados.
De que os traseiros femininos constituem-se numa das principais referências nacionais, não restam dúvidas. De fato é impressionante a utilização da imagem da mulher, preferencialmente as tais popozudas, em campanhas publicitárias. Belas mulheres tornam-se colírio para os olhos da massa masculina ensandecida e servem muito bem ao comércio dos produtos associados às suas imagens.
Torna-se quase desnecessário salientar as múltiplas utilizações do símbolo feminino transformado em preferência nacional. Só para constar, basta parar diante de uma banca de jornal para observar revistas e constatar a verdadeira enxurrada de capas cujos destaques são mulheres com traseiros exuberantes. E que dizer dessa bonita moça que passa na rua, tão distraída, roubando olhares gananciosos dos homens que encontra pelo caminho? E ainda daquela outra que passa diante de uma obra em construção atraindo assovios, interrompendo as atividades do operariado?
Não sei dizer se as representações do traseiro na história da humanidade, conforme entendidas pelos autores de “La Face Cacheé des Fesses”, se aplicam corretamente à história do Brasil. Acontece que “este país” costuma ser diferente em tudo, consequência talvez da tropicalidade conforme acenavam as abomináveis teorias racistas em voga no século XIX e início do século XX.
Corre por aí a idéia de que a grande miscigenação que deu origem à atual população brasileira seria a responsável pela geração de mulheres com corpos esculturais e capazes de trejeitos de grande sexualidade. Infelizmente essa imagem das brasileiras, tidas como mulheres bonitas e de belos físicos, tem servido a comentários negativos, quando não ofensivos, por parte de outros povos. Acresça-se a isso o lamentável turismo sexual em nosso país e a exportação da prostituição para terras distantes. Por tais razões não são tão raros os episódios em que mulheres brasileiras tornam-se alvo de piadas e atitudes desrespeitosas quando em passagem pelo exterior.
Não sei se “La Face Cacheé des Fesses” será editado no Brasil. Seria interessante conhecer a visão dos franceses sobre assunto tão presente no imaginário das coisas do Brasil.
O menino Lula
Está em andamento no país um processo de mitificação pessoal com consequências imprevisíveis. Trata-se do movimento de que visa emprestar cores míticas ao homem que atualmente ocupa o cargo de presidente da República do Brasil. Fazem parte do movimento o filme “Lula, o filho do Brasil” e dois livros com o mesmo título. A tudo isso se acrescenta agora o livro “O Menino Lula”, escrito pelo jornalista Audálio Dantas e publicado pela Ediouro.
As resenhas de apresentação do livro afirmam que o texto foge ao espectro infanto-juvenil dado contar a história (triste) de um menino retirante que chegou à presidência da República. Audálio Dantas traduziu em texto a narrativa feita pelo próprio presidente sobre a infância que ele próprio diz não ter tido.
A história contada pelo presidente em nada difere da acontecida com milhares de outros retirantes que no passado empreenderam a viagem ao sul do país a bordo de um pau-de-arara. De fato, fugindo ao ciclo da fome e da miséria, Dona Lindu (a mãe de Lula) empreendeu com os sete filhos a incerta aventura de tentar a sorte em região mais próspera.
O livro consiste, portanto, de um memorial sobre a vida de uma criança cuja mãe, a certa altura, declarou: “esse menino vai longe”.
E ele foi. Daí que não há que se negarem a ele os méritos de sua trajetória realmente invejável, nem interpor qualquer mau juízo à sua força e determinação. O homem venceu, é adorado pelas multidões, louve-se o fato. Mas é justamente por isso que o atual presidente da República não precisa que à sua biografia sejam acrescentadas coisas como esse livro piegas cujo intuito, ainda que negado veemente pelo autor, é construir uma imagem de superação que sirva de exemplo aos jovens deste país e atenda a fins políticos bastante claros. Convenhamos que esse tipo de coisa – da forma que foi feita - fica bem aos homens públicos já falecidos cujas personagens passam a servir muito bem a roteiros de exaltação. E este não é, definitivamente, o caso do atual presidente da República.
Como sempre acontece nessas circunstâncias, ao depois do livro publicado pouco importam as opiniões do autor e, no caso presente, a da personagem apresentada por ele. Os livros, como se sabe, adquirem vida própria e desgarram-se de quem os escreveu, comportando-se como esses filhos que se afastam dos pais e passam a seguir o seu próprio destino.
É desse modo que o livro “O Menino Lula” passa a figurar na biografia do presidente como no mínimo desnecessário dado que relata uma história muito conhecida de retirantes, acontecida com tantas outras pessoas, muitas delas alcançando sucesso em seus empreendimentos futuros. Fará talvez algum sucesso no seio das famílias que buscam apegar-se até mesmo a fios remotos de esperança; não será impossível que venha a ser utilizado em escolas públicas seguindo a políticas que visem fazer a cabeça de crianças e jovens; mas jamais poderá ser considerada como obra necessária e despida de intuitos de auto-exaltação, fato que decididamente a compromete e aos homens que participaram da sua elaboração.
Por fim, vale lembrar que já vimos filmes como esse antes, nos quais o culto à personalidade determinou consequências de triste lembrança.
Os hackers e o aquecimento global
Por favor, alguém mais esclarecido explique-me sobre a utilidade dos hackers. Isso digo porque pelo que sei eles são apenas os caras que invadem o espaço alheio causando enormes prejuízos a pessoas, corporações, governos etc.
Os hackers são o Grande Irmão do mundo atual. Seus olhos nos vigiam através de longos dedos conectados a fibras invisíveis que transportam impunemente os comandos nascidos nos seus teclados. Hackers bonzinhos só aqueles dos filmes de ação nos quais um deles, quase sempre caracterizado como um sujeito meio louco, com custo decide ajudar algum detetive a desvendar tramas que arrasariam todo o universo.
Na vida real os hackers não são bonzinhos: invadem sistemas como o do Pentágono, de governos, de bancos, roubam senhas pessoais etc. Se alguma utilidade têm é pelo fato de estarem sempre de plantão para que a eles se atribuam acontecimentos cuja responsabilidade ninguém quer assumir.
Não concorda? Então você se esqueceu de que no último apagão a primeira coisa que se disse foi que faltou energia por ação de hackers. A internet saiu do ar causando prejuízo a milhares de pessoas? Ora, os hackers burlaram o sistema de segurança dos provedores e nada pode ser feito contra a sua maldosa ação.
Mas, decido falar sobre os hackers porque eles mais uma vez estão no topo de uma grande confusão. Eles, sempre eles, interceptaram emails de cientistas dando conta daquilo que seria um truque para convencer o mundo sobre o aquecimento global. Ou seja, não haveria perigo algum de aquecimento, os dados teriam sido manipulados e os governos que estão reunidos em Copenhaque para decidir sobre a redução da emissão de gases estufa estão sendo manipulados e enganados.
A ação dos hackers serviu como estopim para que os rebeldes sem causa encontrassem assunto no qual se empenhar. O fato é que imediatamente gerou-se uma onda de protestos contra ambientalistas e toda essa gente que estaria mentindo sobre os destinos do planeta. Nada de degelo das calotas polares e elevação do nível dos oceanos, portanto. Tudo obra de mentes perigosas e mal intencionadas com o intuito de mobilizar toda a espécie no sentido de preservar o mundo em que vivemos.
Depois disso, peço a alguma boa e piedosa alma que, por favor, fale claramente sobre a real utilidade dos hackers, se é que eles existem para terem qualquer utilidade.
Aguardo a resposta e juro que vou passá-la para muita gente que comunga da minha dúvida.
Aos amigos de Campina Grande
Abraço forte aos amigos de Campina Grande, majestosa cidade do muito querido Estado da Paraíba.
Campina Grande é de fato uma enorme surpresa para aqueles que a ela chegam pela primeira vez. Localizada na região do agreste paraibano a cidade goza de clima aprazível dada a sua posição geográfica em plena serra da Borborema. Mais que isso, Campina Grande cativa pela cortesia de seu povo sempre empenhado em tratar bem e fazer sentir ao visitante como se estivesse em sua própria casa.
Campina Grande tem atualmente população fixa de cerca de 400 mil habitantes. Entretanto, esse número varia considerando-se a população flutuante, chegando-se aos 600 mil.
Esse acréscimo de população deve-se à presença de estudantes na cidade. Campina Grande é, nos dias de hoje, um importante pólo educacional do nordeste, contando com universidades (federal e estadual), além de faculdades particulares. Completam o quadro várias escolas de ensinos médio e fundamental, particulares e públicas.
Vale ainda lembrar que Campina Grande é importante pólo informática sendo também conhecida por realizar, no mês de junho, “O Maior São João do Mundo”.
Justifica-se, assim, a euforia das pessoas de Campina Grande ao falarem da sua cidade. Foram algumas dessas pessoas que me acolheram com enorme cortesia e simpatia, daí fazer uso deste espaço para os meus agradecimentos
Abraço grande aos amigos professores Lucicláudio e Elder, aos amigos Josemar e Israel - esses dois da Escala Educacional – e ao amigo Hugo, proprietário da Livraria do Nordeste. Cumprimentos às esposas dos amigos, tão cordiais e excelentes pessoas. Carinho especial aos formandos do Curso de Biologia da UNAVIDA com quem tive o prazer de trocar alguns miúdos sobre a matéria que ensinamos durante o grande evento que foi a III ENCOBA (mandem as fotos, por favor, e em breve estarei disponibilizando na internet o material que me pediram).
Boa gente, bons dias passados em Campina Grande. Saudades.
Os filhos do Brasil
A crítica especializada que diariamente se ocupa do que acontece no Brasil parece habitar um oásis de civilização. Acomodados nos grandes centros e protegidos pelas benesses culturais próprias de seu meio, os homens que se interessam pelos fenômenos sociais brasileiros ignoram, talvez propositadamente, a visão de conjunto, a grande diversidade de homens e coisas abrigadas pela vasta extensão territorial do país. Isso é o que se depreende da leitura diária dos jornais e do noticiário que se chega até nós através de outros meios de comunicação.
Note-se que não se está a dizer que falta aos emissores de opiniões conhecimento sobre a realidade do país. Ocorre que os seus olhos voltam-se mais para a modernidade decorrente de avanços verificados em todas as áreas do conhecimento. Olhar para cima e não para baixo, olhar para fora e não para dentro, medir-se com os mais avançados, igualar-se, superar as crônicas visões de inferioridade do país em relação aos mais desenvolvidos. É desse modo que uma classe alta de investigadores do cotidiano comunica-se com uma classe alta de consumidores de notícias e comentários sobre o país. Acontece que Brasil simplesmente não é aquele que retratam: o país figura nas análises que lemos e ouvimos como, no máximo, parte do que realmente é.
O outro Brasil todo mundo conhece, sabe-se sobre a sua existência. Entretanto, esse outro país parece ser observado a sob lente de um microscópio. Trata-se de uma investigação em moldes laboratoriais, através da qual se separa uma pequena parcela do todo, trazendo-a para um ambiente seguro no qual se procede a uma análise fria em busca de resultados práticos que expliquem e dêem sentido aos acontecimentos.
Eis que aí algo aparece para quebrar a rotina, invertendo as regras do jogo. Fenômenos de popularidade emergem da massa informe e sem nome, galgando altas posições. Nessas novas condições espera-se dos emergentes posicionamentos e comportamentos que correspondam aos padrões a que os analistas estão habituados. Mas, os novos homens que chegam ao poder não podem agir segundo o figurino cultural estabelecido. É simples explicar por que: falta-lhes a formação esperada para tanto, outra foi a escola prática que frequentaram, outros os obstáculos que superaram e até, em alguns casos, suas atitudes passam a ser inconscientemente moldadas pela necessidade de compensação da anterior inferioridade.
O ciclo se fecha com as desabridas críticas a modos de ser considerados intoleráveis. Ofendem-se os críticos por serem taxados como elite. Um abismo se instala entre a inteligência de formação universitária e a inteligência natural lapidada fora das escolas.
O Brasil é um país imenso, muitas vezes maior que os redutos dos grandes centros nos quais vivem os homens que ditam normas e comportamentos. É preciso lembrar que o Brasil é muito, muito mesmo, mais periferia do que centro. Fora dos centros vivem milhões de pessoas cujas vidas se passam em ambientes de grande simplicidade, senão pobreza. Essas pessoas estão nas ruas, amontoam-se aos milhares em feiras livres de pobreza inacreditável e vivem à margem das vantagens do capitalismo. Vez por outra algumas dessas pessoas ganham destaque, dado que inteligência é o que não falta aos brasileiros.
Hoje em dia as populações despossuídas e as classes menos abastadas mostram-se mais esperançosas. Não importa que na prática pouco ou quase nada de melhora aconteça nas suas vidas. Uma vasta e inteligente propaganda faz uso de uma linguagem inteligível a essas pessoas, tendo implícita a promessa de dias melhores. E não há porque não acreditar nos emissores das novas mensagens porque alguns deles surgiram do coração da massa desvalida. Uma dessas pessoas, em particular, tornou-se prova viva de que todas as barreiras podem ser superadas. Por isso, converteu-se num grande fenômeno de popularidade.
É com esses fatos que a crítica especializada deve e precisa dialogar, se possível despida de preconceitos.
O inolvidável Hitler
Se há um serviço que Hitler prestou a escritores e editoras foi o de fornecer assunto para intermináveis publicações. Hitler vende. Basta visitar qualquer livraria e dar uma olhada geral nas bancas: você certamente encontrará vários livros que trazem o nome do genocida na capa.
Ontem fui a uma livraria e dei com livros relacionados ao ditador nazista. O primeiro deles não é novidade, mas creio que seja edição recente, publicada pela Zahar. Trata-se do conhecido texto escrito pelo escritor Thomas Mann. O livro se chama “Ouvintes alemães”, “Discurso contra Hitler”. Nesse texto de 1940 Mann fala sobre a sua convicção de que Hitler não ganharia a guerra. Baseava-se ele em razões morais e metafísicas, mais que militares.
Outro livro publicado pela Zahar chama-se “Guerreiros de Hitler”, de autoria de Guido Knopp. O autor analisa a atuação de seis nazistas, mostrando que, em alguns casos, houve arrependimento por terem acreditado no Fürer. Duas das personagens analisadas são o marechal-de-campo Erwin Rommer e o estrategista Eric Von Manstein.
“Os órfãos de Hitler” é um romance de Paul Doswell que conta a história de um menino polonês de origem judaica cujos pais foram mortos pelos nazistas. Graças ao seu aspecto físico, o menino chamado Piotr Bruck é adotado por nazistas e assiste a cenas terríveis que o colocam em crise.
“A Biblioteca Esquecida de Hitler”, publicado pela “Companhia das Letras”, resulta da pesquisa feita por Thimothy W. Ryback. A intenção do autor é a de catalogar e mostrar os livros que moldaram a vida do Fürer.
Esses são os livros que trazem o nome do homem na capa. Ao lado deles existem outros sobre a Segunda Guerra, o genocídio e assuntos relacionados aos graves eventos iniciados em 1939.
Se fizermos bem as contas veremos que os leitores brasileiros são – e sempre foram – muito bem servidos em relação ao assunto nazismo. Bem até demais. Que a Alemanha viva em permanente crise em relação à sua participação histórica vá lá. Mas o Brasil? Por que se publicam tantos títulos sobre o assunto em nosso país?
Obviamente, em se considerando que o ramo dos livros é um negócio, as publicações justificam-se porque existe um público leitor para elas. Ou seja: há investimento e existe retorno, fato que nos leva a outra pergunta: por que os brasileiros consomem tanto o hitlerismo?
Não me meto a responder embora me passem pela cabeça algumas razões para essa forma de atração fatal. Aos que possam alegar fins educativos e formas de conscientização digo que isso pode até ser correto, mas não se trata do principal.
Bem, os livros que vi são esses. Se você estiver interessado, fique à vontade. Confesso que à exceção do texto de Thomas Mann – que li no passado – os outros não me interessam agora.
Essa história de nazismo é importante, mas também cansa. Basta lembrar do cinema que não dá folga em relação a isso.
Um caso chato
Um amigo me pergunta qual a coisa mais chata do mundo. Repondo que isso depende de cada um: o que é chato para uma pessoa pode não ser para outra. Ele insiste, questionando sobre as coisas que acho muito, muitíssimo chatas. Eu me coloco na defensiva. Não quero responder, não estou com vontade de pensar no caso, na verdade gostaria de ouvir um pouco o silêncio e hibernar em plena tarde de calor intenso.
No fim, olho para o meu amigo e tenho vontade de dizer que ele é um cara chato, chatíssimo. Não digo nada. Esse cidadão passa por crises periódicas desde que foi abandonado pela mulher. Ela, como é de conhecimento público, amasiou-se com um personal trainer que vinha à casa dela para ajudá-la a manter a forma. Enquanto isso, o cioso e apaixonado marido dava duro no emprego abusando da vocação masculina de trazer dinheiro para casa e garantir segurança à família. O homem da família é tudo, não é? Não é ele que deve pagar as contas? Não é ele o exterminador de baratas, ratos e outros seres que ousam invadir o lar? Mas, cuidado, muito cuidado, isso é o que se recomenda aos heróis que de repente sentem o chão faltar sob os seus pés, passam a ter crises de taquicardia e sofrem o diabo pela perda do ente amado.
Confesso que esse meu amigo não era tão chato em seus tempos de casado e chefe da sua trupe. Depois que ficou sozinho ele deu para se lamentar e isso foi se agravando, até que ele se tornou homem de um papo só. Religioso que sempre foi, chegou a desentender-se com Deus acusando a Ele de insensibilidade diante do sofrimento. Pareceu a esse pobre sofredor que sua vida pregressa não poderia, jamais, ser coroada com tão severa punição. A desgraça que sobre ele se abatera, pondo fim a mais de uma década de felicidade, era injusta e irracional, desafiando toda a lógica e entendimento. Mais que isso: por que ela o trocara por aquele instrutorzinho, homem de músculos, mas feio, grosseiro e de escassa inteligência? Por que ela que gostava tanto de ouvir o marido a recitar os poemas de William Carlos Willians, em inglês, de repente preferira a selvageria do pequeno símio que vinha à sua casa para as sessões de ginástica? Seriam sinais dos tempos? Seriam verdadeiras as histórias contadas por aí dando conta de que este país está se desintegrando intelectualmente dada a pertinaz campanha de que qualquer pessoa pode chegar lá?
Tudo isso e muito mais tenho ouvido do meu amigo nas visitas que me faz. Ele sempre chega ao final da tarde e já pensei em não atender o interfone. Mas, não tive coragem. A meu modo quero bem a esse cara que, no passado, me prestou alguns favores. Espera aí, eu não o recebo para pagar nenhum débito: ele é um bom sujeito, dos tais probos que não se acham mais hoje, daí que me sinto bem em partilhar um pouco a dor dele.
Das longas conversas com esse homem abandonado resta uma certeza: ele acredita piamente que, mais cedo, mais tarde, a mulher vai voltar. A pior parte é que ele garante que no dia em que ela vier procurá-lo baterá com a porta na cara dela. Que ela fique com o carinha musculoso, tesão não é tudo, tesão passa, sexo em estado puro só é bom enquanto dura porque acaba enjoando. Quando repete essas coisas, deixando escapar uma lágrima bem disfarçada, penso que ele jamais baterá a porta na cara dela: vai mandá-la entrar, fará um enorme charme, imporá condições. Mas, vai se deitar com ela no mesmo dia, porque paixão é paixão e tesão é tesão, não tem jeito não.
A mulher? Ah, ela me ligou dias atrás. Estava radiante, rindo muito, com aquele tom brejeiro que as mulheres assumem quando acreditam ter-se livrado de um fardo. Não perguntei, mas ela me disse que o Henrique – esse o nome do personal – é um cara ótimo, muito alegre etc. Disse mais: faz questão de que eu o conheça, vai combinar um dia para virem à minha casa.
Quando ela desligou pensei na necessidade de comprar um aparelho qualquer de ginástica para manter o personal ocupado - caso venha aqui – enquanto eu e ela conversamos.
Pelo amor de Deus, não tenho nada contra personal trainers. É que o meu amigo jura conhecer bem esse que está com a mulher dele e garante que o cara é uma pequena anta.
A mulher do meu amigo é muito bonita, fina e educada. Pode até ser que se canse do personal e acabe por deixá-lo. Mas não voltará de modo nenhum com o antigo marido. Acontece que o meu amigo é um cara chato, metódico, bem comportado demais, daqueles que usam camisa de manga curta com o colarinho abotoado, mesmo em dias de muito calor. Uma figura.
Ah, e o meu amigo não tem os tais músculos do outro. É magrinho e está agora mais magro ainda de tanto que anda sofrendo.
A sobrevida de Marylin Monroe
Taí: os mitos não morrem. Do que dá para pensar que Marylin Monroe nunca descansará em paz. Não me refiro apenas aos seus filmes que com frequência são exibidos na televisão. De vez em quando alguém descobre algo novo ligado à vida da estrela do cinema e o mito renasce. A mais recente notícia sobre Marylin é um vídeo no qual ela aparece fumando. Segundo a pessoa que fez o filme trata-se de maconha.
Marylin aparece descontraída e ao lado de pessoas aparentemente amigas. A certa altura ela recebe um cigarro e traga, mas não inala profundamente. Instantes depois cheira a própria axila e sorri.
O filme, mudo e a cores, foi feito numa casa em Nova Jersey, provavelmente no fim dos anos 50. Um colecionador o adquiriu e permitiu que fosse divulgado digitalmente.
Marylin parece feliz, do jeito que gostamos de nos lembrar dela. Nada a ver com a atriz fora das telas cuja vida tumultuada rendeu e rende assunto até hoje. No vídeo ela surge num ambiente de simplicidade que nada tem a ver com o glamour das produções cinematográficas que fizeram dela um dos maiores ícones do século XX.
Marylin foi um desses fenômenos que se convertem em verdadeira religião para legiões de admiradores. Nasceu para preencher o enorme vazio que existe nas vidas comuns, presas às obrigações impostas pelo cotidiano. Não importa que na verdade estivesse bem longe da liberdade e felicidade que publicamente esforçava-se por ostentar: exercia à perfeição a função mítica que a tornava parte integrante dos sonhos das multidões.
A mulher do jogador Joe DiMaggio e do escritor Arthur Miller, a mulher que se relacionou com o presidente John Kennedy, a atriz de “Os homens preferem as loiras” e “Como agarrar um milionário” não aparece no vídeo caseiro gravado em Nova Jersey. Nesse filme, curto e revelador, pode-se ver o mito despido de toda celebridade, longe dos olhos de seu público.
Não é Marylin Monroe a mulher que vemos na tela do computador: é Norma Jean Baker, uma norte-americana nascida em Los Angeles e transformada em mito pela indústria do cinema com o nome de Marylin Monroe.
Norma morreu em 1962. Tinha 36 anos de idade e consta que faleceu devido a uma overdose de barbitúricos. Marylin continua por aí, eternamente viva, ressurgindo das cinzas de Norma.