2010 março at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para março, 2010

O Dia da Mulher

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Acabo de cumprimentar uma amiga pela passagem do Dia Internacional da Mulher. Ela sorriu, olhou meio desconfiada e disse:

- O Dia da Mulher é todo dia.

Todo mundo sabe ao que ela se referia. É comum que mulheres olhem para nós, homens, como tarefas a cumprir. Em suma: homem é um tipo útil para muita coisa, mas dá trabalho.

Isso vem de longe, de um acerto hierárquico anterior, convenção que dizia que mulher deve se encarregar de tarefas caseiras, ficando para o homem os cuidados com a sobrevivência da família etc.

Imagino o horror das feministas ao ouvirem uma coisa como a escrita no parágrafo anterior. O mundo mudou faz tempo, a mulher é outra e a histórica dependência do homem vem sendo revertida. Hoje muitas mulheres comandam o seu próprio destino, inúmeras ocupam postos de chefia no mercado de trabalho e há de chegar o dia em que existirá de fato uma equiparação salarial com os homens.

De que o perfil das mulheres mudou muito nas últimas décadas – e para melhor – não restam dúvidas. Infelizmente, porém, não se trata de uma verdade universal. Quando se toma o Brasil, por exemplo, em seu aspecto integral, verifica-se que para uma imensa maioria de mulheres os bons tempos ainda não chegaram. Elas continuam muito próximas da condição anterior, dependentes de seus maridos e enfrentado a barra por conta da segurança dos filhos. Vigora a dominação masculina que muitas vezes se torna opressiva, segundo informam várias pesquisas e artigos frequentemente publicados na mídia. Note-se que os problemas tornam-se mais dramáticos quando se verifica diminuição da renda. Além disso, não há que se ignorar o fato da existência de alguns milhões de domicílios chefiados por mulheres a quem cabe a educação dos filhos e o direcionamento deles na vida.

Por essas e muitas, muitas outras, o Dia Internacional da Mulher é muito bem-vindo. Trata-se de uma data especial criada para homenagear pessoas que realmente merecem.

Também é um bom dia para nos lembrarmos das gerações de mulheres das nossas famílias, muitas delas já ausentes, mas que marcaram fecundamente sua presença em nossas vidas. Breves momentos de recordação nos devolverão avós, tias, mães, irmãs, cunhadas, sobrinhas, um verdadeiro exército de saias que povoou e povoa o universo dos nossos dias.

Às mulheres que já se foram, saudades, muitas saudades; às que continuam conosco um abraço forte, muito forte e parabéns pelo dia que as homenageia.

Escrito por Ayrton Marcondes

8 março, 2010 às 7:59 pm

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Bullying

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Bullying é um nome pomposo, sinal dos tempos para indicar algo que sempre aconteceu entre seres humanos. A palavra é de origem inglesa e pode ser traduzida por intimidação através de atos repetidos de violência de uma pessoa, ou grupo de pessoas, sobre outra(s).

O bullying não tinha esse nome, mas era no passado, como ainda é hoje, muito comum em escolas. No mundo escolar não é incomum o aparecimento de um valentão, carinha em geral maior e mais forte que os demais. Creio que todo mundo tenha passado por isso ou pelo menos presenciado situações decorrentes desse tipo de intimidações.

Não podendo falar pelos outros, falo por mim. A minha vida no território das intimidações começou no curso primário, atualmente conhecido como Fundamental I. Eu e um primo estudávamos na mesma escola. Ele era um tipo mirrado, pequeno demais e, talvez por isso, eu mantivesse umas superioridades infantis em relação a ele. Tais superioridades não raramente se exteriorizavam numas pancadas aplicadas nele sem outro motivo que não o de impor algum tipo de hierarquia e respeito. Creio que a situação durou cerca de um ano: eu batendo, ele apanhando.

Aí vieram as férias e eu deixei de me encontrar com o meu saco de pancadas. Entretanto, durante as férias, algo terrível deve ter acontecido porque, no retorno às aulas, eis que o meu primo reapareceu crescido e forte. Na nova condição a primeira providência dele foi encher-me de umas boas pancadas, revertendo-se de imediato a antiga hierarquia.

Apanhei do meu primo cerca de um ano, sem chances de revide porque ele tornara-se mais forte. Eu tinha verdadeiro horror de encontrá-lo e sabia que ele estaria me esperando na saída da escola para me devolver as surras que recebera no passado. Bullying, é assim que estão chamando a isso agora, não?

O que aconteceu depois de um ano apanhando? Ora, eu também cresci e, quando ficamos pareados em tamanho e força, achamos melhor nos lembrarmos de que éramos parentes e, a partir daí, nos unimos contra os perigos do mundo que incluiam crianças maiores cheias de agressividade. Nem por isso, nem em nome das aventuras de meninos, nós dois nos tornamos pessoas agressivas e briguentas. No fim viramos dois sujeitos pacíficos, desses para quem a violência não passa de uma grosseira falha dentro do universo das virtudes.

Acaba de ser noticiado que uma personagem importante está sento vítima de bullying. Quem? Ora, nada menos que a princesa Aiko, de 8 anos, filha única do herdeiro do trono do Japão. Pois a menina-princesa não quer mais ir à escola porque está se sentindo ameaçada. Bullying puro, sem mistura, portanto. Em face disso, a família imperial pediu providências à escola que se apressou em descaracterizar a pressão dos meninos sobre a princesa, dizendo que ela sofreu um encontrão fortuito com os garotos correndo, por isso está com medo.

E agora? Ah, as coisas se resolverão, afinal trata-se de uma princesa. Já pessoas como eu, gente sem lastros imperiais, sempre estarão à mercê de bullyings. Aliás, hoje em dia existe nas ruas um imenso bullying que nos causa medo, dores de estômago e noites de insônia. Ele é provocado por crianças que cresceram na marginalidade e se tornaram homens e mulheres violentíssimos, capazes de atos terríveis. Há quem os chame de marginais, bandidos, meliantes etc. Eu prefiro alcunhá-los como desumanos.

As cinzas de Marlon Brando

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Vi pela televisão um dos capítulos de uma série sobre a vida de Marlon Brando. Ô gente, estou falando de Marlon Brando, não de qualquer um que anda por aí. Marlon foi desses caras que contribuiu para que certos estereótipos tenham se consolidado, incorporando-se ao imaginário popular.

Marlon foi mitificado em vida, situando-se em patamar onde a realidade e a ilusão se confundem. A esse estado especial foi levado pelo seu carisma sem limites e dotes especiais de representação. Nos filmes ele sempre esteve acima dos demais atores, roubando cenas e conferindo grandeza à arte de representar. Marlon foi o cowboy Rio no filme “A Face Oculta”: nenhuma outra possibilidade de presença física e psicológica haveria para a personagem Rio, senão aquela que a ela foi dada por Marlon. O mesmo aconteceu em relação às personagens vividas por Marlon em “Sindicato de Ladrões”, “O Poderoso Chefão”, “Queimada” e tantos outros filmes.

A um homem assim não se permite vida própria isenta de encantamento. Daí não ser preciso mostrá-lo dentro de sua realidade pessoal, vivenciando os problemas dos quais nenhum mortal escapa. Torna-se desnecessário apresentá-lo velho e gordo, cercado de depoimentos de pessoas próximas sobre os seus últimos e tristes dias. Esse desmascaramento, o esforço de desmistificação, o desnudamento proposital de um ícone de gerações torna-se gratuito, indesejável, espécie de lavagem de roupa suja em público como se a intenção fosse a de dizer a todos que amaram e amam Marlon Brando: eis o homem, eis aí o vosso ídolo, olhem bem para os seus pés de barro.

Foi exatamente isso que a série sobre Marlon Brando logrou consumar, conduzindo-o da glória à decrepitude e desta à morte através de cenas e depoimentos que nada acrescentam à trajetória do ídolo. Que o deixassem em plena glória, nada mais que isso.

Talvez o melhor da série tenha ficado para as cenas finais quando amigos se empenham em jogar as cinzas do ator no deserto, satisfazendo seu último pedido. Era um dia de muito vento de modo que as cinzas de Marlon foram jogadas através da janela de um jipe, misturando-se à grande nuvem de grãos de areia.

Essa última imagem de Marlon, a do homem convertido em cinzas levadas pelo vento, o seu desaparecimento silencioso e irremediável num lugar ermo e rústico, sem epitáfio, certamente representa a melhor saída de cena para aquele que foi um ator entre os atores: o homem Marlon deixa de existir, some no deserto, já não podemos encontrá-lo em nenhum lugar exceto atuando nos filmes, no apartamento juntamente com Mia Farrow em “O último tango em Paris”,  provocando uma revolução em “Queimada”  ou chefiando a Máfia em “O Poderoso Chefão”.

É assim que Marlon Brando deve permanecer para todos nós que o amamos e continuamos com a ilusão de que talvez as cinzas lançadas no deserto não sejam as dele, talvez tudo não passe de mais um truque de cinema porque Marlon pode bem estar escondido por aí, afinal um ídolo de verdade simplesmente não morre, ele apenas se disfarça e nos engana para não ser reconhecido.

Subindo a Serra

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Não é a toa que Minas Gerais é conhecida como “Terra das Alterosas”. Quem sai de São Paulo em direção a Minas, viajando de carro, percebe que tem que subir para chegar ao coração daquele Estado.

Subir sempre foi mais difícil que descer. Essa verdade banal pode ser constatada ontem pelo governador de São Paulo, José Serra, na festa do centenário de Tancredo Neves. Festa mineira das boas, com aquelas que são feitas ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em São João Del Rei. Aliás, é em São João Del Rei, no cemitério da Igreja de São Francisco de Assis, que está enterrado Tancredo Neves, um dos maiores protótipos do jeito de ser mineiro.

A “mineiridade” é um enigma de muitas faces, daí ser impossível saber-se quando ela está em plena função ou não. Ontem José Serra e Aécio Neves estiveram juntos na homenagem a Tancredo. Serra está para ser o candidato do PSDB à presidência da República e o ideal é que Aécio venha a ser o seu candidato a vice. Mas, Aécio não se decide, continua naquele devagar bem mineiro, o devagar que não diz dizendo, sem dar certeza de nada. É como navegar e ter a direção do barco, mas fazendo com que os passageiros pensem que a embarcação está à deriva.

Na festa mineira chega a hora de Aécio falar e o público explode naquele grito que ecoou em todo o Brasil: “Aécio presidente”. Isso na presença de José Serra. Aí o Aécio faz o que tem a fazer: gesticula, pedindo ao público que se contenha em sua manifestação.

Quem assistiu à cena haverá de interpretá-la a seu modo. Tem gente falando sobre a indefinição do PSDB e suas conseqüências eleitorais; há quem destaque a divisão dentro do partido. Prefiro ficar com a mineiridade de Aécio e sua ambição velada de vir a ser presidente da República. Isso está no sangue, faz parte da tradição mineira, que ninguém se engane porque mineiro dos bons não precisa dizer, ele simplesmente estampa.

Por fim, sai o Brasil prejudicado porque, a essa altura precisaríamos de definições que dessem início a um debate produtivo para o país. Mas, que não se atribuam culpas aos dois governadores que não conseguem chegar a um entendimento. Culpa, se existe, pertence ao sistema eleitoral que permite reeleições ou aos homens que o implantaram. Não fosse assim, os tratos seriam mais fáceis: Serra é mais velho, iria agora; na próxima eleição seria a vez de Aécio.

Afinal, foi assim durante muito tempo, não? Voltaríamos à política café-com-leite com os naturais revezamentos entre São Paulo e Minas Gerais na presidência da República.

Nada disso sendo possível, resta-nos esperar para ver no que vai dar.  Isso, evidentemente, dependendo do chamado “fator Lula”.

Atearam fogo ao ônibus

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Um dos problemas relacionados à passagem dos anos é o de que, a certa altura, ousamos ter a impressão de que já vimos de tudo e nada mais poderá nos surpreender. O cotidiano é de fato repetitivo, temos os nossos horários, lemos os jornais mais ou menos à mesma hora, almoçamos, jantamos etc. Os problemas que nos afetam podem se apresentar com pequenas variantes, mas exceto por uma enorme quebra em nossa rotina, podemos dizer que as coisas se passam segundo uma lógica esperada.

Não se está a dizer que inexistem surpresas. O recente terremoto do Chile nos surpreendeu, catalisou as nossas atenções e, ainda agora, acompanhamos de perto os desdobramentos dos infortúnios que assolam o povo chileno. Hoje mesmo comenta-se sobre o erro da marinha chilena ao retirar o alerta de tsunami, fato que pegou de surpresa as populações litorâneas com terríveis consequências.  A isso se acrescenta a recente tragédia acontecida no Haiti que tanto nos consternou, justamente causada por um terremoto.

Outra desgraça que nos aflige é o crime que, por ter-se tornado cotidiano, banalizou-se. Se você toma café de manhã com a televisão ligada em algum noticiário, diga lá se as imagens sobre algum assassinato pioram a sua digestão ou o fazem parar de comer. Se você chega a casa no início da noite e está tomando uma taça de um bom vinho após um dia e tanto, conte aí se as barbaridades exibidas por um desses programas policiais televisivos interfere no seu paladar a ponto de fazê-lo deixar de lado o precioso líquido.

Com esses e outros arrazoados nem tanto sólidos o que se quer demonstrar é que nos habituamos até mesmo com acontecimentos em geral inaceitáveis. De repente – e para tristeza geral – passa-se ao estágio de entendimento de que o mundo é assim e se eu levar a sério tudo o que se passa por aí o jeito é me submeter a uma lobotomia ou deixar de viver no planeta.

Entretanto, o horror não tem limites. As imagens de destruição causadas por um terremoto nos atingem num plano superior, aquele que nos dá conta da fragilidade de nossa espécie diante de forças incontroláveis. Acontecimentos de tal ordem nos falam sobre a possibilidade do fim da vida no planeta e o grande medo de que, afinal, a história da humanidade nada mais seja do que um breve capítulo nessa grande orgia de tempo que envolve bilhões de anos. Isso nos traz o sentimento de não passarmos de grãos de poeira, apesar de toda a nossa empáfia e pretensões.

Vá lá que seja assim. Entretanto, em relação ao crime as coisas se passam de modo diferente porque os atos criminosos simplesmente não precisam, nem devem acontecer, embora estejamos habituados à ocorrência deles. Fica, portanto, o nosso asco represado, numa espécie de estado de latência que nos leva a “aceitar o mundo como é” porque o desânimo nos induz à errada compreensão de que pouco ou nada pode ser feito para deter a marcha da criminalidade.

Ocorre que o nosso estado de latência, esse ver sem sentir, essa disposição para ignorar o óbvio como meio de sobreviver, tudo isso tem limites. De fato, algo tão medonho pode vir a acontecer, despertando-nos do estado de letargia voluntária que nos impomos. Quando isso acontece, ocorre uma quebra de rotina e, finalmente, a nossa repulsa aflora em toda a sua intensidade.

Exemplo? Ora, a Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, já foi tema de filme e consta que está sendo protegida por força policial. Ontem, na Cidade de Deus, foi preso um rapaz, traficante de drogas – papelotes de cocaína. Em protesto, os comparsas do rapaz pararam, aleatoriamente, um micro-ônibus, atirando pedras e explosivos contra ele. No momento em que a porta foi aberta, um dos meliantes jogou gasolina para dentro e ateou fogo. O micro-ônibus estava com passageiros em seu interior; uma mulher tentou descer, caiu entre as chamas e foi pisoteada, sendo salva por outro passageiro. Quinze pessoas sofreram queimaduras em mais de 30% de seus corpos e estão internadas.

É preciso repetir que a escolha do micro-ônibus foi aleatória. Poderia ser qualquer outro. O que importava aos bandidos era o “protesto” sob a forma de aviso para que novas prisões não se repitam. Note-se que o motorista e os passageiros nada tinham a ver com o caso da prisão do traficante. Eles simplesmente passavam por ali naquele momento, deram o azar de serem escolhidos, ao acaso, para morrer queimados.

Agora imagine-se tomando o café da manhã antes de sair para trabalhar. O noticiário da manhã que você está assistindo, meio distraído, pela televisão, apresenta as desgraças de rotina. De repente são exibidas imagens de um micro-ônibus queimado e de um homem, numa maca, narrando , entre lágrimas, a brutalidade de que foi vítima. Ele chora, agradecendo por ter escapado e dizendo que tudo o que quer é viver para cuidar do filho.

Então, você sai do estado de letargia em que se encontra: não existe catarse possível para um horror assim. Você para de comer, levanta-se, é preciso fazer algo, alguém tem que impedir que coisas assim aconteçam, passou da hora de decidir entre o que é humano e o que não é; daqui para frente tem que ser olho por olho, dente por dente, assim se expressa a sua revolta.

No fim resta o vácuo, a sensação de impotência, a certeza de que é preciso acabar como crime e condenar bestas a viverem como bestas. Fatos como o ocorrido ontem, na Cidade de Deus, não podem mais acontecer.

A questão dos horários do futebol

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Está na ordem do dia a discussão sobre os horários de realização dos jogos de futebol. Como se sabe, os horários são determinados pelas redes de televisão: os jogos noturnos só começam depois do fim das novelas. Na prática isso quer dizer que os juízes só apitam dando início às partidas perto das dez horas da noite.

Para os torcedores trata-se de um horário infame pelas dificuldades em relação a meios de transporte, situações de perigo ligadas à violência e o fato de trabalharem no dia seguinte. Entretanto, a situação já perdura desde longo tempo o que leva os críticos mais inflamados a falarem em ditadura dos canais de televisão.

Ditadura ou não, a raiz do problema é o patrocínio da TV aos jogos de campeonato. Os clubes de futebol precisam do dinheiro oriundo do patrocínio e, por isso, se submetem às exigências dos canais de televisão. O mesmo acontece com as federações às quais os clubes se filiam. No fim tem-se um negócio com a participação de vários interessados no qual só existe um prejudicado: o torcedor.

Acontece que a imposição de horários prejudica os cidadãos. Considerando-se que canais de televisão dependem de concessões governamentais, tem-se aí um quebra-cabeças a ser resolvido pelas chamadas autoridades competentes.

É dever do Estado zelar pelo interesse comum da população e espera-se que alguma coisa seja feita, se possível de consenso e sem prejuízo para o futebol. Nos últimos dias políticos tem-se manifestado sobre o assunto, criticando a televisão e colocando-se ao lado dos torcedores. De modo geral, estima-se que o limite máximo para o início das partidas noturnas seja o de 21 horas. Além disso, as críticas têm sido reforçadas citando-se as exigências feitas pelos canais de televisão no último carnaval. O que se diz é que por conta dos interesses da televisão em relação a anúncios comerciais verificaram-se grandes atrasos, prejudicando as escolas de samba e o público que assistia aos desfiles.

É sobre esse assunto que se espera atitude dos órgãos governamentais de modo a que o equilíbrio de interesses, particularmente o da população, seja preservado. Enquanto isso, teremos que esperar o fim da novela para torcer pelo time de nosso coração. Para quem sai de casa muito cedo isso é, de fato, uma tortura.

Abraços Partidos

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“Abraços Partidos”, o mais recente filme do cineasta Pedro Almodóvar não pode ser incluído entre as suas produções mais iluminadas. De fato, a história de um roteirista/diretor de cinema cego – Harry Caine - em muitos momentos descamba para um artificialismo desnecessário.

Harry Caine é um diretor de cinema que logo de começo avisa-nos de que, no passado, foi Mateo Blanco. Essa divisão entre duas personalidades do protagonista sinaliza dois planos de narrativa. No primeiro deles, que transcorre no passado, Mateo Blanco dirige uma comédia, chamada “Garotas e Malas”. Para estrelar “Garotas e Malas” Mateo escolhe Lena (Penelope Cruz), mulher de um rico industrial que se torna o produtor do filme. No segundo plano narrativo está Harry Caine, o roteirista cego, cuja ação se passa no presente. Assim, a trama se desenvolve nos dois planos: é do presente que Harry Caine nos informa, por meio de vários flashbacks,  o que aconteceu a Mateo Blanco e a razão de sua morte. A isso se acrescenta o conhecido recurso “filme dentro de um filme” que abre inúmeras perspectivas narrativas.

A intenção primeira de Almodóvar é a celebração de sua paixão pelo cinema, o que, aliás, faz através de várias referências a filmes e cineastas. Não por acaso Lena assume ares de Audrey Hepburn e Harry Caine tem esse nome provavelmente numa homenagem ao ator Michel Caine.

Pedro Almodóvar é antes de tudo um grande contador de histórias. Sua lente é sempre poderosa ao flagrar personagens em suas circunstâncias imediatas, adensando-se o drama vivido por elas em seu cotidiano. A habilidade de Almodóvar em expor, em toda intensidade e expressão, a tragédia vivida pelas personagens está definida com grande precisão em “Abraços Partidos”. É através de um verdadeiro meandro de pequenas histórias que chegamos ao fulcro de toda a trama, ou seja, a paixão de Mateo Blanco por Lena, paixão esta que embasa toda a ação do filme e confere sentido a ela. Aliás, diga-se, Penelope Cuz está exuberante no papel de Lena, vivendo intensamente o que pode ser definido como a desdita da personagem.

Colocadas as premissas anteriores é hora de justificar a afirmação de que “Abraços Partidos” não é das produções mais iluminadas de Almodóvar. Na verdade não se trata só de certo grau do artificialismo inicialmente apontado. Talvez seja o caso de dizer que se trata de uma história bem contada demais. De fato, existe no filme uma necessidade imperiosa de explicação de todos os detalhes. Desse modo, não se dá ao espectador muita chance de especular, isso quando certas conclusões não se antecipam por óbvias demais. A cena em que Harry Caine se reúne num bar, no dia do seu aniversário, com sua secretária e agente Judit (Blanca Portillo) e o filho dela, Diego (Tamar Novas) é emblemática: é preciso explicar tudo, esclarecer as razões de tantos acontecimentos do passado e não se pode dizer que isso seja feito com naturalidade. De repente é como se abrissem as comportas de uma verdade duramente represada e que vem à luz de uma só vez para definir o que será a vida dos protagonistas daí por diante. Tudo bem que seja assim, mas ressalte-se a referida falta de naturalidade. No fundo a cena nos lembra certas histórias policiais nas quais o final consiste numa reunião entre policiais, bandidos e o detetive protagonista que acaba esclarecendo o crime.

Mas, que não se retire de “Abraços Partidos” o fato de ser um filme acima da média. É preciso reconhecer que caso não fosse um filme de Almodóvar, talvez não se procurasse na trama os defeitos que apresenta. Entretanto, essa é a sina com a qual são obrigados a conviver os grandes cineastas: deles sempre exigimos mais e mais, exagerando um pouco quando não os vemos em plena forma.

Talvez também seja o caso de dizer que Pedro Almodóvar nos acostumou mal, daí cobrarmos tanto desse formidável cineasta.

José Mindlin

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Tudo o que sei sobre o José Mindlin chegou até mim através de noticiários. Há cerca de dois anos assisti a uma entrevista dele concedida a um canal de televisão. Era, então, um homem de muita idade falando sobre livros com ardor juvenil.

De Mindlin sei que era membro da Academia Brasileira de Letras, advogado, empresário e jornalista. Mas, todas as vezes que li ou ouvi referências a ele não foi em relação a esses títulos: Mindlin era mesmo conhecido como bibliófilo.

Soa estranho ouvir falar sobre um grande bibliófilo no Brasil, país que não tem lá grande tradição em termos de bibliotecas. Frequentar bibliotecas não é habito comum a brasileiros, embora se encontrem muitas pessoas que as procurem para pesquisas ou simples leitura. Por outro lado, todo mundo sabe da carência de bibliotecas no país a isso se podendo acrescentar a desorganização de muitas das existentes. Recentemente procurei por uma biblioteca que já havia visitado no passado, em Santos.  Soube que ela tinha sido transferida para outra e fiquei pasmo ao saber que a parte do acervo que eu procurava ainda não fora catalogada ou simplesmente desaparecera. Se apenas isso não é o bastante, que os paulistanos nos contem há quanto tempo está fechada a nossa querida e essencial Biblioteca Mário de Andrade que passa por um interminável período de reformas.

Livros antigos é uma paixão da qual jamais nos livramos. Existe um prazer misterioso em folhear páginas de obras antigas as quais não raramente nos surpreendem pelo seu conteúdo. Além disso, obras esgotadas quase sempre são essenciais para pesquisas, servindo àquilo que se chama construção do conhecimento a partir do conhecimento acumulado.

Disso tudo se depreende que as pessoas que gostam de ler em geral mantêm em suas casas bibliotecas, pequenas, mas essenciais. E elas crescem em atração e gosto quanto se tem a rara oportunidade de adquirir essa ou aquela obra, rara ou esgotada, mas fundamental sob o ponto de vista de seu possuidor.

Foi esse amor aos livros e o prazer da leitura que José Mindlin elevou a grau superlativo. Desde muito cedo ele colecionou livros, chegando a possuir uma biblioteca com quase 40 mil títulos. Trabalho hercúleo, obra de amante inveterado e incurável. Não bastasse isso, Mindlin doou a sua esplêndida biblioteca à Universidade de São Paulo, para isso enfrentando e vencendo todas as dificuldades burocráticas que se interpõem ao que seria uma simples doação. Assim, a USP recebe uma formidável biblioteca da qual fazem parte obras raríssimas, várias delas primeiras edições.

Note-se que as dificuldades relacionadas a doações, quando não o descaso pelos livros recebidos, têm levado algumas pessoas a doarem suas bibliotecas a outros países. Exemplo clássico é o de Oliveira Lima que doou a sua biblioteca, formada durante o século XIX, à Biblioteca do Congresso Norte-americano, em Washington.

José Mindlin, cujo falecimento acaba de ocorrer, deixa uma lacuna irreparável. Seu interesse pela cultura em nosso país e o exemplo de amor aos livros deve e precisa ser transferido aos mais jovens, hoje na iminência de passarem ao uso de livros eletrônicos.

Aliás, nada contra os livros eletrônicos; acontece que livros em papel envolvem uma questão de tato, de odor, de sensibilidade. José Mindlin sabia muito sobre isso e fez o que pode para preservar a memória cultural do país.