Arquivo para abril, 2010
Futebol e Mulher
Há quem discorde, mas as duas paixões masculinas no Brasil são futebol e mulher, não necessariamente nessa ordem. Há quem diga que é assim em todo mundo, quem sabe? Encontra-se quem queira incluir a cerveja na lista, mas quanto a essa preferência não existe unanimidade.
Machismo? Chauvinismo? Quem sabe, não? Entretanto, a verdade é que a proposição do binômio futebol e mulher não parece descabida. Quanto ao futebol basta recordar a noite de ontem, quarta-feira, quando foram realizados vários jogos importantes. Grandes torcidas estiveram em ação, mordendo-se desesperadamente pelos seus times. Posso falar pela cidade de Santos onde os jogos da equipe local são acompanhados com grande fervor pelos torcedores. Na hora do jogo perdura um silêncio sepulcral em toda a cidade só interrompido nos momentos de gols do Santos. Inexiste qualquer outro fator de união da população que se compare ao grito em uníssono que de repente se levanta e ecoa pelas ruas semidesertas. Predominam obviamente, os uivos de homens, esses seres eternamente enamorados pelo futebol.
Para quem duvida de que mulher seja paixão masculina nacional ofereço algo que vi hoje de manhã num canal de televisão. Entrevistava-se uma especialista em moda que conduziu a conversa para o efeito que as vestimentas femininas causam nos homens. Para provar o que dizia, a especialista mostrou um vídeo no qual duas modelos passeavam no Viaduto do Chá, em São Paulo. Uma das modelos, mais magra, vestia-se com calça comprida e blusa; a outra usava um vestido curto que, na parte de cima, deixava entrever seios volumosos.
O interessante é que na medida em que as duas passavam os homens invariavelmente se voltavam para vê-las por trás. Sabe-se como é, aquele olhar de predador que mede a presa de cima em baixo e imagina o sabor da refeição. Olhar malandro, aparentemente desinteressado, mas profundo e comprometedor.
Seguiu-se que um repórter passou a parar ao acaso homens, perguntando a eles sobre as suas preferências em relação às duas modelos. A partir daí elas oficialmente passaram a ser vistas como objetos de consumo e possíveis fornecedoras de prazer. O repórter ouviu respostas dadas com a naturalidade e por vezes simplicidade de pessoas surpreendidas com perguntas inusitadas. Um homem declarou que optaria pela mais magra, a de calça; outro disse que preferia a que usava vestido porque encontraria nela mais carnes para pegar; um terceiro achou a de vestido melhor porque ela tinha o jeito da mulher dele, com quem se habituara.
Foi assim. Em nenhum momento se questionou a impropriedade do olhar masculino e o fato das modelos serem vistas como fonte de prazer. Tratava-se, ao vivo e a cores, de conceito estabelecido, da paixão por mulher que tantas vezes aborrece por se tornar até vício.
Como disse no começo, há quem discorde. Há até quem ache que escrever sobre isso não passe de um grande absurdo. A esses remeto ao vídeo a que assisti hoje na televisão. Coisa natural, sem truques, opiniões diretas, simples, espelho da alma masculina que tanta gente procura negar por imprópria.
Futebol e mulher! Você concorda?
Crimes na Baixada Santista
O clima não anda bom nos municípios da Baixada Santista. Não me refiro às condições climáticas que à beira-mar que são muito variáveis: faz muito calor e o impacto das frentes frias, quando chegam, provoca ventanias e mudanças abruptas de temperatura, causando desconforto físico e estragos materiais.
Mas, não se trata disso. Hoje de manhã, vindo pra o trabalho, estranhei a presença de uma viatura da Rota, placa de São Paulo, na frente de uma padaria. Fora da viatura dois policiais, muito armados, vigiavam o movimento.
Pouco depois fui informado de que 200 homens da Tropa de Choque da Polícia Militar foram enviados para reforçar a segurança na Baixada Santista. A intenção é coibir a onda de violência que se abateu sobre a região na semana passada, quando foram verificados 23 homicídios.
Infelizmente a atual onda de crimes repercutiu no exterior. O conselho Assessor de Segurança no Exterior do governo dos Estados Unidos emitiu um comunicado no qual pede aos cidadãos norte-americanos que não viagem para as cidades de Santos, Guarujá, São Vicente e Praia Grande. Como seria de se esperar o comunicado provocou fortes reações de autoridades locais desses municípios que vieram a público garantir que a situação, se não completamente contornada, está sob controle.
O que se fala nas ruas é que o buraco talvez seja maior do que se imagina. Desconfia-se que o número de ocorrências seja mais elevado que o divulgado, atitude que visaria não alarmar a população. Corrobora com essa hipótese o envio da Tropa de Choque. Claro que tudo isso talvez não passe de pura especulação, sem fundamento, mas que se justifica.
Entretanto, para quem anda nas ruas a impressão de que algo de anormal está acontecendo provém, justamente, da presença das viaturas da Rota. Em Santos a vida segue calma como de costume, cai uma garoa que de vez em quando engrossa assumindo ares de chuva e os atletas de sempre se aventuram no mau tempo exercitando-se na praia. O trânsito continua lento, com os tradicionais motoristas sem pressa que passam a impressão de não seguirem para lugar nenhum. As motos, as centenas de motos, continuam desrespeitando todas as regras de trânsito, cortando os carros por todos os lados e não é raro que se encontre um motoqueiro acidentado.
A situação só não é a rotineira nos hospitais e pronto-socorros. São muitos os casos de dengue, embora não se fale muito sobre isso no atacado. Mas, no varejo das relações fica-se sabendo, diariamente, sobre pessoas que contraíram a doença, algumas delas internadas em estado grave. Relatos de pessoas nos dão conta das muitas horas de espera para atendimento de casos suspeitos de dengue e do sofrimento de pessoas carentes de recursos.
No mais o mar vai mandando ondas calmas para a praia, brincando de levar e trazer areia, indiferente ao binômio dengue e violência que está aí, mas cuja magnitude não se conhece.
O guarda do vento
Maio vem aí, mês das noivas, mês de Maria para os devotos da santa cuja fé os remete aos acontecimentos de 13 de maio, na Cova da Iria.
Chove nas igrejas do Brasil. No interior de Minas Gerais os sinos badalam juntos e a vida segue o ritmo dos relógios das matrizes que marcam o tempo mais vagarosamente que quaisquer outros.
Abro uma pasta e encontro fotos de pessoas que já morreram. Elas parecem fortes e seguras em suas poses para fotógrafo. Os sorrisos continuam iguais e atrás das pessoas a paisagem guarda, para sempre, figurações do passado. Pessoas mortas e mundos desfeitos se pertencem, indissoluvelmente.
Breve chegarão aqui os primeiros ventos, anunciando a proximidade do inverno. Não são iguais a esses ventos que têm batido nas nossas janelas, desiguais e agressivos, gerados por descompassos ambientais. Os ventos que hão de vir terão nascido nas paisagens longínquas e geladas do pólo e viajarão com destino certo. Creio que sua chegada se dê na segunda quinzena de maio, talvez, como em outros anos, as primeiras rajadas aportem ao raiar do dia.
Ficarei atento. Estarei na praia, vigiando, esperando os ventos que anunciarão a proximidade do inverno. Desde que nasci a minha missão foi esperá-los.
O complexo de vira-lata
A expressão “complexo de vira-lata” foi cunhada pelo escritor Nelson Rodrigues após a perda da Copa do Mundo de 1950 pelo Brasil. Segundo Nelson Rodrigues a expressão não se limitava ao campo futebolístico, aplicando-se a muitas outras situações. Nas palavras de Nelson:
- por “complexo de vira-lata” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo.
Dias atrás a expressão “complexo de vira-lata” reapareceu na mídia em função de uma declaração do presidente Lula que mais uma vez alfinetou o seu antecessor, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Segundo Lula o país cresceu no concerto das nações durante o seu governo e hoje é respeitado em todo o mundo. Já não acontece o ocorrido com o então chanceler do governo Fernando Henrique, Sr. Celso Lafer, que em visita aos EUA viu-se obrigado a tirar os sapatos no aeroporto durante o processo de imigração. Recorde-se que o fato ocorreu logo após o ato terrorista de 11 de setembro quando os EUA dificultaram ao máximo a entrada de estrangeiros em seu país.
Talvez se possa mesmo dizer que o “complexo de vira-lata” seja mesmo coisa do passado, embora tenha sido usado mais recentemente até no exterior em referência ao Brasil e seu povo. Deixando de lado as antigas hipóteses de inferioridade racial decorrentes da miscigenação - que tanto empolgaram a própria elite cultural do Brasil nas primeiras décadas do século XX - ainda assim o tal complexo fez parte do cotidiano dos brasileiros, muitas vezes traduzindo-se na admiração cega e cópia pura e simples de hábitos e costumes de povos mais avançados. Certa dose de subserviência política e econômica, manifesta pela precariedade das condições do país ao qual não se atribuía seriedade de propósitos, aparentemente justificava um olhar superior e condescendente de outras nações sobre o Brasil.
Entretanto, é importante frisar que essa situação começou a mudar, visceralmente, com a chegada de Juscelino Kubitschek à presidência da República, em 1956. É mesmo o caso de se dizer que “nunca antes na história desse país” se viu coisa igual. Juscelino era alegria, capacidade, ousadia e esperança, tudo isso numa só pessoa. Homem de riso fácil e muitas habilidades ele empreendeu grande reviravolta na então morosa vida brasileira, impondo a si e ao país um ritmo frenético de realizações que se traduziam no tão sonhado desenvolvimento. Seu plano de metas, o chamado “50 anos em 5”, revolucionou a história do país que, da noite para o dia, viu-se envolvido na realização de obras de vulto, como a construção de Brasília no Planalto Central, ora comemorando-se 50 anos desde sua inauguração.
O interessante é que Juscelino colocou o país para correr e todos correram com ele. De repente o estagnado país que se traumatizara no Maracanã em 50 vencia a Copa do Mundo, realizada na Suécia, em 1958; Eder Jofre tornava-se o primeiro brasileiro a ser campeão mundial de boxe, categoria peso galo; ganhava impulso a indústria brasileira; a Volkswagen produzia, em sua fábrica no ABC, o primeiro fusca brasileiro; Maria Ester Bueno vencia e sagrava-se a primeira tenista do mundo no torneio de Wimbledon; a bossa-nova de João Gilberto e Tom Jobim explodia no país e ganhava o mundo; João Guimarães Rosa publicava “Grande Sertão Veredas; Glauber Rocha impulsionava o cinema-novo; e por aí afora.
Não é por acaso que os anos do governo JK ficaram conhecidos como “anos dourados”. Neles o Brasil integrou-se mais solidamente ao mundo, deixando para trás o complexo de vira-lata. Atrás de um presidente jovial e alegre constituía-se um povo maduro e competitivo.
Há quem não acredite ou simplesmente desconheça, mas o Brasil tem História. E nunca é demais lembrar que o país que aí está foi construído por muitas, muitíssimas mãos, que trabalharam e lutaram pelo crescimento e importância da terra em que nasceram.
A força da juventude
O meu vizinho de andar é um rapaz educado a quem às vezes encontro no elevador. Meamos, eu e ele, uma parede que separa os nossos apartamentos. O prédio é uma dessas construções mais recentes nas quais engenheiros e arquitetos sempre acham um jeito de economizar argamassa. Disso decorrem divisões menos espessas que não vedam completamente a passagem de sons.
Sendo assim, entre eu e o meu vizinho vigoram inevitáveis invasões de privacidade determinadas pela livre circulação de sons de um apartamento para outro. Não se pode ouvir tudo e quase sempre o que se quer é evitar o barulho que tanto incomoda. Ainda assim, um pouco do modo de ser de cada um passa a fazer parte do cotidiano do outro lado, ainda que as pessoas envolvidas nessa troca não privem de relações de proximidade.
Suponho que o meu vizinho seja um estudante da escola de Propaganda e Marketing que funciona aqui na nossa vizinhança. Creio que ele mora sozinho embora um rapaz e uma moça sejam presenças frequentes. Ouço quase todos os dias as vozes dessas duas personagens a quem nunca vi, mas que chegam sempre no final da tarde e partem por volta das onze horas da noite. Dos dois, a moça é a que fala mais, daí ser possível conhecer os pontos de vista que ela defende. O rapaz tem voz rouca, quase enfadonha e fala pouco. Sua participação parece limitar-se a colocar panos quentes nas discussões entre o morador e a moça.
Mas é nas noites de sexta-feira que o apartamento do meu vizinho entra em plena função. Nessas ocasiões ele recebe vários colegas da faculdade que se entregam a intermináveis conversas regadas a algum tipo de bebida e montanhas de cigarros. Não se trata propriamente de uma festa. As pessoas não chegam juntas e os últimos retardatários só partem com o dia já claro.
Embora o que se passa no apartamento do lado me incomode – o barulho, o cheiro da fumaça dos cigarros que se espalha pelo andar, etc. – confesso que sinto muita inveja da força e modo de ser desses jovens. Eles me remetem às repúblicas de estudantes em que morei, nas quais era livre a circulação de rapazes e moças e isso a qualquer hora. Não tínhamos outro compromisso que não o de comparecer às aulas e então o mundo apresentava-se a nós como um grande ponto de interrogação a ser desvendado. Ah, quantas teorias, às vezes esdrúxulas, defendidas com as certezas de quem acaba de descobrir verdades aparentemente imutáveis; quantos embates entre temperamentos distantes resolvidos com um bom copo de cerveja de repente capaz de restituir sobriedade e ordem ao mundo; quanta esperança na vida, quanta fé no ser humano, quanto desapego a exterioridades, quanta confiança no futuro.
E dizer que tudo isso foi sendo metodicamente abalado com o passar dos anos, que a esperança e a fé deram lugar ao descrédito e ao ceticismo. Quanto aos amigos inseparáveis que tanto se amavam, onde estão eles? A maioria desapareceu arrastada pelas exigências da vida que põe e dispõe sobre os nossos caminhos. É desse modo que se fazem homens ricos e pobres, felizes e infelizes, bem e mal sucedidos, vivos e mortos; e foram todos jovens, na mesma república, vivendo os mesmos sonhos, discutindo tantas vezes utopias que o futuro teimou em rechaçar.
Às vezes penso que a vida tenha algo de inversão do roteiro proposto na Divina Comédia. Dante vai do inferno ao purgatório e daí ao paraíso. Acho que vivemos primeiro o paraíso para depois passar pelas fases mais difíceis.
Em todo caso, que ninguém desanime: existirão sempre rapazes morando em repúblicas, fornecendo energia boa ao mundo, lembrando-nos de que vale a pena viver. Como disse Machado de Assis em seu leito de morte:
- A vida é boa.
Foram essas as últimas palavras do grande escritor.
Colecionando figurinhas
Dizia um pensador que o mundo não oferece grandes surpresas. Baseava-se ele no fato de que todas as coisas já teriam acontecido em essência, mudando-se apenas a forma de ocorrência que estaria adaptada às circunstâncias de momento. A opinião do pensador – não me lembro o nome dele – está muito próxima da teoria do eterno retorno de Nietzsche para quem as coisas acontecem ciclicamente: estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos esses que se repetiram no passado, ocorrem no presente, e se repetirão no futuro.
Não sei em que teoria devemos inserir o hábito de colecionar figurinhas. O que se pode dizer, sem margem de erro, é que no momento o antigo entretenimento renasceu das cinzas, retornando gloriosamente. De fato, da noite para o dia, adultos e crianças passaram a colecionar as figurinhas do “Álbum da Copa”. Note-se que na frase anterior a palavra “adultos” precedeu “crianças” e não por acaso: diz-se que o maior empenho em obter as figurinhas é o de pessoas adultas.
Dei-me conta disso dias trás quando presenciei uma secretária reclamando de que o marido dela chegaria mais tarde à casa porque iria trocar figurinhas com amigos. Coisa de criança – disse ela – ao que protestei, entrando na conversa sem ser convidado.
O que essa jovem não sabe e nem poderia saber é o quanto amamos as figurinhas. Trata-se de uma febre que fez a diversão de adultos e crianças num passado não tão distante, no qual não existiam computadores nas casas e a televisão engatinhava no país. Naquele mundo as figurinhas destacavam-se pela importância que tinham – conferiam estatus a quem possuía as mais difíceis e carimbadas – e poder de troca. É preciso destacar, para quem desconhece o assunto, que no mundo das figurinhas vigora uma rígida hierarquia de valores que varia das mais difíceis às mais fáceis. Basta lembrar do desespero de algumas pessoas para quem faltavam umas poucas delas para completar o álbum, justamente as mais difíceis, para se ter idéia do que estamos falando.
Assim, não há nenhuma surpresa nesse novo boom de figurinhas que de repente arrasta multidões à prática do velho hábito. Que me perdoem as mulheres, como a secretária a quem ouvi reclamando, mas colecionar figurinhas sempre foi diversão mais masculina que feminina. Trata-se de prática salutar que aproxima pessoas e as une por um laço de grande cordialidade. Se há algo a espantar talvez seja justamente o retorno de uma coisa assim em época aparententemente pouco propícia a ela, dada a existência de formas mais recentes e lúdicas de entretenimento.
Mas, que se saiba: o hábito de colecionar figurinhas está de volta porque faz parte do contingente de coisas que a vida adulta acaba soterrando na alma humana. Entretanto, soterrado e esquecido, o hábito cotinua vivo e pronto para redespertar em adultos as crianças que eles já foram. Mais que isso, o hábito persiste pela sua força inerente de conqusitar de imediato novos adeptos, garantindo a sobrevivênciade uma atividade inocente e sempre benvinda.
Se alguma mácula pode ser lançada à alegria atual de colecionar figurinhas é a que fica por conta da ação desses meliantes que ontem roubaram 135 mil figurinhas da Copa, em Santo André. O crime que esses infelizes perpetraram é muito maior do que o do roubo em si. O que eles ousaram fazer foi interferir na lógica de um procedimento relacionado ao sonho e ao prazer das pessoas. Não tinham eles o direito de alterar as regras de colecionamento, inundando o mercado com figurinhas a menor preço e por aí afora.
Mas, não tem importância: as figurinhas sobreviverão a isso, adaptando-se a um mundo violento que insiste em agredir pessoas e burlar a felicidade.
Jogo no Morumbi
Há algum tempo não vou a estádios para assistir a jogos de futebol. As razões são muitas: trânsito, dificuldades de estacionamento, violência etc. Ontem quebrei o jejum e fui ao Morumbi para ver o embate entre o São Paulo e o Once Caldas, da Colômbia. Jogo sofrido para a torcida são-paulina, vencido pelo tricolor por 1X0.
Não me cabe discutir aspectos inerentes ao jogo em si: seria nada mais que uma opinião de torcedor. Entretanto, alguns aspectos me chamaram a atenção e vale a pena registrá-los como farei a seguir.
É fato mais que conhecido, mas a gente vai se esquecendo do significado do comparecimento de mais de 50 mil pessoas a um evento. Trata-se de imensa multidão vibrando quase toda ela por uma mesma coisa, externando a sua paixão pelo time do coração, cantando, batendo palmas, gritando às vezes enfurecidamente quando algo dá errado e escapa ao controle. Mas, que não se ignore que essa imensa balbúrdia tem lógica e é capaz de responder sincronicamente a estímulos. O que se está a dizer é que a massa age enquanto massa obedecendo a um senso comum nascido da observação. Isso pode ser perfeitamente observado no momento em que o técnico do São Paulo ordenou a substituição de um jogador, desagradando o público. O erro na substituição gerou grande revolta e num instante estava o público em uníssono a bradar: burro, burro, burro!
Não só no momento referido, mas em outros se manifestou a concordância de opiniões da maioria dos presentes que reagiram como se fora combinado, gritando a mesma coisa.
Outro aspecto que me chamou a atenção foi o próprio Estádio do Morumbi, hoje motivo de críticas da CBF e da FIFA que o dizem impróprio para a realização de jogos da Copa do Mundo. O Morumbi precisará, de fato, de alguns rearranjos, mas continua sendo, de longe, o melhor estádio da cidade de São Paulo e um dos melhores do país. Por outro lado é inconcebível que a FIFA determine a construção de um novo estádio visando a realização da Copa. O Estado e a Prefeitura da cidade de São Paulo certamente têm outras prioridades que passam pelas áreas educacional, de saúde pública, habitacional etc. O fato é que motivos políticos e rivalidades regionais têm sido utilizados na tentativa de tirar da cidade de São Paulo um papel que a ela pertence dada a sua grandeza, infra-estrutura turística e pujança econômica. Dentro desse quadro a situação do Morumbi é invejável ainda que campanhas mal-intencionadas busquem negar esse fato.
Por último é revoltante constatar que interesses econômicos de grandes grupos sejam enfiados goela abaixo da população. Refiro-me ao horário noturno dos jogos de futebol. A gente ouve falar e não dá importância, mas é constrangedor ver milhares de pessoas, a altas horas, segregadas a pontos de ônibus à espera de condução que as leve para as suas casas. E dizer que tudo isso é para se obedecer ao horário de programas de televisão exibidos por canal que dita normas às quais os cidadãos vêem-se obrigados a se curvar.
Há muito a se fazer no sentido de corrigir aquilo que pode ser entendido como desfaçatez e pouco caso pela imensa parcela da população que faz uso do precário sistema de transporte público e fica exposta à violência em plena madrugada, isso para poder assistir a um jogo de futebol.
Belo Monte
A construção da usina de Belo Monte, no rio Xingu, está dando o que falar. Os que são favoráveis a ela usam o argumento das necessidades energéticas do país, sempre crescentes. É preciso prover o país para necessidades futuras e isso faz parte de previsões obrigatórias do governo. A isso se soma o fato do custo da produção de energia hidroelétrica ser inferior ao das usinas termoelétricas e a possibilidade de geração de 18 mil empregos diretos e 23 mil indiretos na região onde será construída a usina.
Entretanto, existem argumentos fortes contra a construção. Um deles é o custo altíssimo da obra, ainda não completamente estimado. Os 19 bilhões de custo previstos não incluem, por exemplo, os gastos para o transporte da energia do local de sua produção para o restante do país. Outra razão apontada refere-se ao volume de águas do Xingu que decai muito em certas épocas do ano. Desse fato resulta que a capacidade total instalada de 11.233 megawatts, prevista para quando a obra estiver concluída, na verdade será, em média, de 4.571 megawatts.
Ainda contra existe o parecer dos ambientalistas que variam da possibilidade de redução de vazão do rio numa extensão de 100 Km, afetando populações ribeirinhas e índios.
Tudo o que se leu acima está mais que divulgado e explicado na imprensa cotidiana, acrescendo-se o interesse do atual governo na aprovação da obra que faz parte do chamado PAC 2.
Agora, a um cidadão que paga os pesados tributos a que se vê obrigado pela atual legislação brasileira é lícito perguntar: quanto isso vai custar para o meu bolso? E ainda: a construção da usina de Belo Monte é a melhor opção em termos de produção de energia para o país?
Infelizmente ninguém parece estar interessado em responder a essas perguntas. Como sempre acontece Belo Monte envolve grandes interesses políticos e econômicos nem sempre tão claros aos chamados contribuintes. Para ficar no mínimo basta lembrar que o PAC 2 é uma das alavancas eleitorais do atual governo que a todo custo quer se notabilizar por realizações que dêem continuidade à ideologia atual nos próximos governos.
Não deixa de ser constrangedor que um governo em fim de mandato assuma em nome de governos futuros obra da envergadura de Belo Monte. Esse assunto precisa ser discutido mais a fundo, preferentemente à distância das empolgações de cunho eleitoral. O que se exige é responsabilidade dado que o governo financiará a obra, como não poderia deixar de ser com dinheiro público que, queiram ou não, sai da tributação imposta ao trabalho dos brasileiros (você e eu, por exemplo).
Em tempo de condecorações
D. Marisa Letícia Lula da Silva foi condecorada: recebeu, no último dia 13 de abril, a Grã Cruz da Ordem do Rio Branco, a mais alta condecoração da diplomacia brasileira. A condecoração da primeira-dama foi uma gentileza do vice-presidente da República, José de Alencar, num momento em que exercia temporariamente a presidência.
Também foi condecorada a esposa do chanceler Celso Amorim. Agora o presidente Lula e o chanceler Amorim devolveram a gentileza a José de Alencar, condecorando a esposa dele. As três mulheres receberão hoje, terça-feira, a cruz de quatro braços e oito pontas esmaltadas de branco, tendo no centro uma esfera armilar, em prata dourada, inscrita, num círculo de esmalte azul, a legenda “Ubique Patriae”.
Não se conhecem os serviços prestados à República pelas três senhoras, ora condecoradas. Não se nega a elas a dose de sacrifício inerente à vida pública de seus maridos a quem acompanham, tantas vezes abrindo mão de suas atividades familiares. No mais, certamente as três senhoras devem se enquadrar nos pré-requisitos exigidos para a homenagem com tal alta condecoração: segundo o Decreto nº 51.697, de 05 de fevereiro de 1963, a Ordem do Rio Branco tem “o fim de galardoar as pessoas físicas, jurídicas, corporações militares ou instituições civis, nacionais ou estrangeiras que, pelos seus serviços ou méritos excepcionais, se tenham tornado merecedores dessa distinção”.
Em fase final de governo, a cúpula governista troca gentilezas entre si, homenageando as esposas de altos mandatários. No mais, deve-se lembrar que a distribuição de títulos é coisa antiga no Brasil e muito do agrado dos brasileiros. Um dos instrumentos utilizados por D. Pedro II para manter a estabilidade do Segundo Império era a distribuição de títulos de nobreza. Com eles o imperador amarrava sólidas alianças e conquistava descontentes. É conhecido o fato de o imperador por vezes ressentir-se da fartura de distribuições de títulos concedidos a pessoas importantes, durante suas viagens pelo interior. Acresça-se a isso a verdadeira febre de patentes honoríficas concedidas após a Proclamação da República. Desse modo os membros do Governo Provisório foram “promovidos” a cargos elevados. O interessante é que até pessoas civis repentinamente foram promovidas ao generalato, sem que tivessem em seus currículos qualquer atividade anterior de natureza militar. Um decreto de 1890 distinguiu todo o Ministério com patentes honoríficas. Foi assim que civis como Campos Salles, Quintino Bocaiúva e outros foram honrados com o título de General de Brigada.
Enfim, taí um caso - o das condecorações - sobre o qual não se pode dizer “nunca antes na história deste país”. Talvez o mais certo seja afirmar: “o Brasil é assim”.
Que coisa!
Novos Estados: Carajás e Tapajós
Não sei se as crianças em idade escolar decoram os nomes dos Estados do Brasil. Quando cursei o que hoje se chama Ensino Fundamental I a decoreba era obrigatória, não só dos nomes dos Estados como de suas capitais. Levávamos alguma vantagem em relação às crianças de hoje porque o número de Estados da Federação era menor. Então não se falava em Mato Grosso do Sul, Tocantins e por aí afora.
Pois agora o glorioso Estado do Pará corre o risco de ser dividido em três: o próprio Pará, Carajás e Tocantins. A Câmara Federal votou em regime de urgência para a realização de plebiscitos nos municípios envolvidos. A alegação é a de que o Pará é muito grande – é o segundo Estado em extensão, só ficando atrás do Amazonas - e as distâncias enormes dificultam a administração.
Caso o Pará seja tripartido o Brasil passará a contar com 29 Estados ou Unidades Federativas. Mais dois Estados significará mais deputados federais e senadores em atividade em Brasília.
Faltam-me elementos para opinar sobre o acerto da divisão do Pará. Quem me falou sobre o problema foi um amigo paraense com quem almocei. Ele é natural de Belém e frontalmente contra a divisão do Estado. Explica a sua posição:
- O maior interesse é dos políticos e não da população. O que se quer fazer é uma divisão das desigualdades com repartição da pobreza. Essa opinião não é só minha, pois muita gente comunga da mesma idéia.
O interessante nesse caso é que a decisão passará pelo voto popular, coisa mais que democrática e obrigatória. Entretanto, para o meu amigo o plebiscito é uma faca de dois gumes:
- Veja bem, há que se pensar na condução das informações a respeito dos prós e contras da divisão do Pará. Acontece que populações carentes podem ser muito suscetíveis ao discurso de mudança: se a situação atual não é boa, mudar pode ser a solução.
Para falar a verdade eu não tinha pensado sobre os prós e contras da divisão do Pará. Mas o meu amigo paraense – ele vive em São Paulo há mais de 20 anos – está empolgado com esse assunto que fala a ele diretamente. Contou-me que tem parentes em Belém e no interior de modo que a família está dividida, parte favorável à divisão e parte contrária.
De minha parte fiquei é mais preocupado com o aumento do número de Estados. Diga-se o que quiser, mas o Brasil é um milagre federativo porque logrou - aos trancos e barrancos, é verdade – manter a unidade territorial. Ao tempo do Império e nos primeiros tempos da República temia-se muito pelo esfacelamento. Não faltaram na História do país movimentos separatistas. Vez por outra a idéia retorna como ainda acontece com certos movimentos isolados de gente dos Estados do Sul que sonha com a separação de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. A justificativa é a de que esses quatro Estados juntos se tornariam um dos países mais ricos e prósperos do mundo.
Há ocasiões em que o aspecto federativo sofre abalos, como agora acontece em relação à discussão da divisão dos dinheiros advindos do Pré-sal. É conhecida a posição contrária dos Estados detentores do Pré-Sal a respeito da divisão equitativa dos lucros entre todas as unidades da Federação. Para que se tenha idéia da extensão do problema, a criação de mais dois Estados reduziria ainda mais as parcelas de dinheiro destinadas a cada Estado. E essa seria, se bem entendi, apenas uma das conseqüências da possível divisão do Pará.