2010 abril at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para abril, 2010

As inquietações dos jovens

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as-inquietaaaues-dos-jovensNão é possível resumir em meia dúzia de parágrafos as inquietações dos jovens de hoje. Adolescentes iniciam suas vidas num mundo fragmentado e de difícil compreensão. Valores que empolgaram as gerações passadas mostram-se insuficientes para a interpretação do cotidiano. Derivam daí comportamentos anômalos, muitos deles extremados e descambando para a criminalidade. Note-se que isso acontece até mesmo com jovens cujas famílias proporcionam a eles oportunidades educacionais privilegiadas.

Dentro do contexto anteriormente apontado é natural que as inquietações dos jovens atuais difiram das que assolaram seus pais quando adolescentes. Aliás, desse fato resultam muitas vezes incompreensões que podem afetar gravemente o relacionamento entre pais e filhos. Trata-se da conhecida incompatibilidade entre discursos baseados em diferentes visões de mundo.

Por essas razões fiquei muito surpreso com conversa que mantive com duas professoras do Ensino Médio. Falavam elas sobre as inquietações dos jovens e fizeram o milagre de agrupá-las em apenas dois tipos. Nas palavras delas:

- Existem inquietações relacionadas à Justiça e outras ligadas aos sentimentos.

Explicou-me uma das professoras que a noção de Justiça prende-se a coisas estanques como certo e errado. Assim, não importa muito a dimensão de um crime porque, uma vez cometido, é errado. Diante disso as professoras perguntaram aos jovens se um assalto a banco tem a mesma dimensão de roubo de dinheiro para comprar comida. A pergunta despertou várias respostas e opiniões, na verdade embaralhando um pouco a noção de certo e errado porque acrescentou a ela o sentimentalismo que cerca a fome e a pobreza.

No fundo, disseram-me, para os jovens as coisas ligam-se principalmente ao amor, tema de grande complexidade que se agrava pela inexperiência deles. Sobre isso travam-se discussões acaloradas, durante as quais cada um agarra a oportunidade de dizer o que pensa.

Assim, as professoras destacaram o grande interesse dos jovens em manifestar as suas opiniões para o que poucas vezes têm eles oportunidade. O fato é que os adolescentes nem sempre são ouvidos e acabam sendo enquadrados num discurso do tipo “essa fase vai passar, com o amadurecimento tudo se resolve”.

Todos nós passamos pela adolescência e sabemos que as coisas não são tão simples. Período complexo e de grandes descobertas a adolescência é o momento em que o jovem abre as janelas que permitem a ele observar o mundo e inserir-se nele. Se me perguntarem sobre algo que me marcou nesse período direi que foi uma fase despretensiosa, vinda de alguém que a pronunciou talvez por não ter outra coisa a dizer. Estava eu às voltas com as tais definições que muito cedo somos obrigados a tomar, bastante confuso por não saber que caminho escolher. Nessa ocasião um parente sentiu-se na obrigação de me dizer algo. Então disse:

- O problema é que você está querendo colocar a carroça na frente dos bois.

Depois disso, vida afora procurei organizar as minhas atitudes sempre com o cuidado de deixar com que os bois puxassem a carroça. Vez por outra, em situações difíceis, as rodas da carroça ficaram presas, o eixo quase quebrou, mas os bois fizeram a sua parte e a viagem da vida prosseguiu.

Foi assim que chegamos, eu, carroça e bois ao dia de hoje, confiantes de que venceremos os quilômetros que ainda tivermos à frente, sempre seguindo o mesmo e lógico princípio.

Escrito por Ayrton Marcondes

16 abril, 2010 às 12:11 pm

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Dois futuros perdidos

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Pode ser que diante do impacto de tantas desgraças cotidianas fique a impressão de que em passado recente não se tenha visto coisa assim. Talvez em anos anteriores a média de tragédias tenha sido semelhante à de 2010, não sei. Entretanto, é de fato impressionante a frequência de notícias sobre enchentes, terremotos, deslizamentos etc. Quanto aos terremotos o mais recente, ocorrido na China, soma-se ao do Haiti e ao do Chile, todos eles marcados por mortes, destruição e milhares de desabrigados.

Parece estar em ação um grande descontrole ambiental, cujas origens desafiam os especialistas. Há quem defenda o caráter cíclico dos acontecimentos atuais. Entretanto, para a maioria está-se a pagar o alto preço pela devastação ambiental e seus efeitos negativos sobre o planeta, disso se descontando os movimentos das placas tectônicas que geram terremotos.

Sejam quais forem as causas, o que não se engole são as imagens de sofrimento e destruição. Diariamente assistimos, pela televisão, reportagens que mostram pessoas em completo desespero porque perderam entes queridos e todos os seus pertences. As faces nas quais a dor é acompanhada da perda de referência em relação ao mundo em que se vive são marcantes e inesquecíveis. É terrível ver pessoas que, dias depois, vasculham áreas destruídas com a esperança de localizar pelo menos os corpos daqueles que amam.

No caso das enchentes e deslizamentos há sempre o argumento de que as chuvas têm sido desproporcionais à capacidade de evasão das águas, fato verdadeiro, mas que não isenta a parcela de responsabilidade das autoridades. Existe por aí muita gente morando em encostas que não oferecem qualquer segurança e isso passa batido às prefeituras e governos estaduais. O episódio de Niterói onde casas construídas sobre uma área que foi um lixão vieram abaixo é só mais um a somar-se a outros nos quais pereceram muitas pessoas.

Muito se fala sobre esse assunto, ano após ano, sem que existam ações efetivas para pelo menos minorar os efeitos devastadores das grandes tempestades. No fim sobram imagens, como essa que vi hoje de manhã: a de um homem simples com água acima de joelhos numa rua de cidade do interior da Bahia. Abordado pelo repórter e inconsolável pela morte de duas crianças que ele não conseguiu salvar e ainda não encontrou, o homem só soube dizer:

- Foram dois futuros perdidos.

A crise da Igreja

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Nunca pensei viver o suficiente para ver a Igreja ser atacada frontalmente, inclusive com acusações diretas ao Papa. Esse tipo de acontecimento, nas proporções atualmente observadas, seria inimaginável há alguns anos. Discutia-se, sim, a atuação do Papa Pio XII a quem se atribuíam e atribuem omissões quanto ao nazismo. Vez por outra pipocavam acusações a padres, inclusive por casos de pedofilia. Entretanto, esses casos eram entendidos como atos de ovelhas que se afastaram do rebanho e que jamais poderiam manchar uma instituição milenar.

Nesse momento desencadeia-se em todo o mundo onda de protestos contra grande número de casos de pedofilia praticados por padres. A Igreja se encolhe, o Vaticano vê-se obrigado a se pronunciar sobre temas delicados, acusado que é de ter jogado para baixo do tapete casos vergonhosos e que exigiriam ação pronta e firme. Um prelado da Igreja discursa na presença do próprio Papa e incompreensivelmente compara as acusações que se fazem à Igreja às perseguições do nazismo. Pouco depois é obrigado a retratar-se: não é essa a Igreja que conhecemos.

A situação alcança o patamar em que o Vaticano finalmente apressa-se em afirmar que casos de pedofilia praticados por padres devem ser julgados pela Justiça comum.

E agora? Como fica a fé no meio dessa confusão? Difícil responder por que o que está em jogo é a credibilidade dos homens que atualmente dirigem a Igreja. Não se pode negar que a essa altura a figura de Bento XVI não conte com o prestígio – o enorme prestígio e credibilidade – de seu antecessor, o Papa João Paulo II.

a-crise-da-igrejaPrognósticos? Ah, vai passar. Errado, absurdo, intolerável, mas vai passar e é fácil entender por que.  Existem instituições que partem da premissa de que fatos momentâneos não interferem em algo que existe há muito tempo. Aprendi isso com o Exército. Não importa à alma militar que nesse ou naquele momento da História a corporação tenha sido afrontada por fatos que a desmerecessem. Derrotas não passam de abalos circunstanciais. Passa o tempo, novos homens revigoram a corporação e perdura a idéia de unidade que abrange o “desde sempre” que garante o orgulho de pertencer à instituição. Trata-se do amor e respeito à farda que une os homens que a vestiram em todas as épocas.

A Igreja foi perseguida desde os primeiros tempos, sua história é permeada pelo sacrifício de mártires que edificaram templo cujas bases nada têm de pés de barro. A idéia é a de que a Igreja está a sofrer mais um grande ataque de forças que sempre se uniram para destruí-la. Assim, a Igreja passará por mais isso.

A Igreja sobreviverá, ainda que na atual crise alguns dos homens que a dirigem estejam errados e tenham menosprezado a enormidade dos crimes cometidos por membros da instituição.

Simples assim? Nem tanto, mas muito provável.

Não consigo parar de matar…

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Há quem discorde, mas considera-se que desequilibrado é desequilibrado, louco é louco, todos eles sujeitos a períodos de melhora e piora segundo a etiologia e tratamento de seus males.

Pode-se entender a loucura apenas como um discurso diferente do usual, conforme professa determinada escola psiquiátrica. Pode-se também discutir a validade do recolhimento de loucos a hospícios e, no caso de criminosos, a manicômios judiciários. O que não se pode é desprezar o potencial dos desequilíbrios e da loucura.

Quem ensinava isso era um grande mestre de psiquiatria, já falecido. Alertava ele aos seus alunos quando da chegada deles para estágio num hospício da capital, dizendo:

- Lembrem-se de que louco é louco.

E emendava:

- Anos atrás visitou-nos um psiquiatra norte-americano que adotava interpretação diferente sobre a loucura. Estava ele entre os internos do hospício quando viu um rapaz ajoelhado, rezando. Comovido diante de cena ímpar num ambiente como o de um hospício, aproximou-se do rapaz, vindo por trás dele e colocou a mão sobre o seu ombro. A reação do rapaz foi imediata: voltou-se rapidamente e, com o auxílio de uma gilete, atingiu a carótida do médico, ferindo-o de morte.

Após narrar o fato o mestre concluía:

- Todo o cuidado é pouco, meus jovens.

Acaba de ser preso em Luziânia, Goiás, certo Admar de Jesus, acusado de matar seis jovens. Admar relatou ter mantido relações sexuais com todos eles; matou um a um a pauladas, golpes de enxadão e de martelo de pedreiro. Com grande frieza Admar conduziu os policiais ao lugar onde enterrou os corpos e apontou as covas de cada um deles. Em nenhum momento notou-se em sua face qualquer tipo de emoção: matou obedecendo a uma vontade imperiosa que o levou a afirmar:

- Não consigo parar de matar, preciso de ajuda para parar com essas coisas.

O histórico do pedófilo e assassino Admar é de arrepiar. No final de 2009 ele saiu da cadeia após cumprir pena de quatro anos por abuso infantil. Foi beneficiado pela lei brasileira que proporciona progressão de regime por bom comportamento após cumprir 1/3 da pena. De nada valeu um laudo psiquiátrico realizado em julho de 2009 no qual Admar foi classificado como “psicopata perigoso” devendo ser mantido isolado. O laudo foi ignorado, Admar saiu em liberdade condicional e, uma semana depois, matou um menino que cursava a 9ª série do Ensino Fundamental.

Admar relata contrato com quadrilha de traficantes que atua em rede de pornografia na internet. A quadrilha estaria pagando-o parar realizar serviços de cobrança e matar pessoas. Mais importante é a justificativa do serial killer para os crimes que cometeu:

- Recebo uma voz do além, que me manda fazer essas coisas, acho que é o Capeta.

Um desequilibrado é preso, condenado a pena de doze anos por abuso infantil. Tem bom comportamento, sai em liberdade condicional e volta a fazer o que dele se espera. Desgraça realizada é hora dos teóricos se debruçarem sobre o problema, acusando pessoas que devolveram às ruas um serial killer. De um lado os benefícios da lei, de outro o laudo incrivelmente ignorado, atestando a psicopatia de Admar. Mais distantes e apagadas, as famílias de jovens brutalmente desaparecidos que agora passarão pelo horror da identificação de seus filhos.

Não precisava acontecer e é muito possível que não se identifiquem responsáveis. Coisa do Capeta? Inaceitável.

A paternidade das obras públicas

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a-paternidade-das-obras-pablicasAno eleitoral se presta para a divulgação dos feitos dos candidatos que, por esse meio, procuram demonstrar suas eficiências políticas e administrativas. Entre nós não importa muito que obras públicas sejam realizadas com dinheiros arrecadados da população através de uma das maiores tributações cobradas em todo o mundo. Desse modo, obras de interesse comum são entregues à população como se tratasse de uma espécie de favor: o contribuinte recebe algo pelo qual pagou para ser realizado e deve estar agradecido àqueles que tornaram possível a concretização do projeto.

Não se está a desmerecer os méritos dos governantes que mostram visão ao optar por tal ou tal obra que contribui para o bem estar comum. O fato é que, infelizmente, a história do país é rica em desmandos que envolveram gastos enormes aos cofres públicos e não deram em nada. Estradas abandonadas e a Paulipetro são bons exemplos de gastos absurdos e desnecessários. Daí que elogios aos governantes que cuidam da coisa pública com probidade são mais que merecidos.

Atualmente vive-se uma maratona de inaugurações, mesmo de obras ainda incompletas. O governo federal, empenhado na candidatura de Dilma Roussef, anunciou o PAC 2 mesmo enfrentado críticas sobre os resultados do PAC 1. Mas, é preciso mostrar à população que este é um governo que realiza, obviamente visando às urnas de outubro.

Por outro lado, em São Paulo, inauguram-se obras, destacando-se o Rodoanel, ainda que levemente incompleto. É a resposta da candidatura de José Serra ao governo federal.

Existe, portanto, uma disputa a céu aberto. O mais recente episódio dessa disputa está sendo exibido agora na televisão: propaganda do governo federal atribuindo-se parceria nas obras realizadas e São Paulo, com destaque para o Rodoanel.

Mas isso é só o começo porque as campanhas eleitorais estão engatinhando. Há muita coisa por acontecer, inclusive disputas acaloradas sobre a paternidade do que é realizado com o dinheiro público.

Quem viver verá.

Nós não podemos ficar subordinados… à lei

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- Nós não podemos ficar subordinados a cada eleição que um juiz decida o que podemos ou não podemos fazer.

Assim falou o presidente da República, Sr. Luis Inácio Lula da Silva. A declaração subtende que existam pessoas que não estão subordinadas à lei. Em outras palavras todos são iguais, mas há pessoas que são mais iguais que as outras.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, comentou que no Estado de Direito não existem soberanos, daí todos estarem submetidos à lei.

O presidente da Associação dos Magistrados no Brasil (AMB), Mozart Valadares Brito, afirmou: o que o presidente da República precisa saber é que todos os cidadãos, independentemente do cargo que exercem, estão subordinados à legislação brasileira.

Em conjunto as palavras do presidente provocaram grande estranheza, mas não espanto: Lula tem se notabilizado por declarações que, para dizer o mínimo, são ousadas e jamais poderiam vir de alguém que se senta na cadeira da presidência da República.

Os homens são eleitos pela população para cuidar dos interesses coletivos. É missão deles zelar pela ordem e bem-estar público, servindo como exemplo dada a visibilidade dos cargos que transitoriamente ocupam.

Infelizmente o Brasil tem uma tradição de posturas políticas desenfreadas, quando não descambando para a corrupção como hora se verifica em relação ao governo do Distrito Federal.

Quanto ao presidente, tem sido alertado por toda sorte de comentaristas o seu deslumbramento com o poder e o orgulho por sua trajetória magnificamente vitoriosa, mas nem por isso isenta de ressentimentos bastante visíveis.

A essa altura dos acontecimentos o que os brasileiros exigem não é a isenção de subordinação à lei; o que se exige é serenidade de ânimos e respeito à Constituição. Isso faz parte dos deveres de cada um, até do presidente da República cidadão que, nos dizeres do Marechal Deodoro da Fonseca, é o funcionário a quem incumbe ocupar o poder.*

* Ao renunciar à presidência da República, em 23 de novembro de 1891, o Marechal Deodoro da Fonseca divulgou um manifesto no qual se referia ao seu substituto, o vice-presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, nos seguintes termos: “as condições em que nesses últimos dias, porém, se acha o país, a ingratidão daqueles por quem mais me sacrifiquei e o desejo de não deixar atear-se a guerra civil na minha cara pátria, aconselham-me a renunciar o poder nas mãos do funcionário a quem incumbe substituir-me”.

Da utilidade dos segredos

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da-utilidade-dos-segredosA quem confiar um segredo, assunto que pertence a você e a mais ninguém?

Em primeiro lugar há que se ponderar sobre a irresistível necessidade de cumplicidade. Poucas pessoas guardam algo exclusivamente para si, as coisas parecem ficar mais fáceis quando existe um ouvido amigo pronto para compartilhar um segredo. O problema reside justamente na discrição do tal ouvido amigo que, não raramente, conta o que ouviu a alguém de sua extrema confiança.

É assim que os segredos deixam de sê-lo e confidências ultrasecretas caem no domínio de pessoas que se conhecem. Exemplos existem e são muitos. Um bastante conhecido e rotineiro é o que se relaciona ao sexo: dizem que as conquistas masculinas não têm muito sentido se o conquistador não tiver a quem contar as suas façanhas. Aliás, sobre isso existe a velha piada do cidadão que se perde numa ilha com uma mulher famosa e fenomenal. Ele acaba mantendo relações sexuais com ela e descobre que nada tem graça porque não há para quem contar o seu feito.

Existem segredos que são mantidos a sete chaves, muitas vezes atravessando gerações. Nesse caso alguém torna-se guardião do segredo e só o repassa em situações extremas como doença grave.

Isso existe e posso testemunhar: fui agraciado com a confiança de um amigo que me tornou depositário de um segredo envolvendo pessoa morta há cerca e dez anos. Pode-se perguntar sobre a importância de algo que se relaciona a alguém que morreu há tanto tempo. Que reflexo teria hoje em dia o segredo caso fosse revelado?

Essa pergunta fiz ao meu amigo, na ocasião recolhido a leito de hospital com diagnóstico de um câncer que, felizmente, acabou se resolvendo. Foi o medo da morte, portanto, o fator desencadeante da transmissão do segredo a mim. Ao responder o meu amigo lembrou-me de que o falecido deixara bens e as coisas entre os seus descendentes haviam se resolvido satisfatoriamente, sem necessidade de que soubessem de algo que poderia complicar o entendimento entre eles.

Não me cabia nem me cabe decidir sobre o certo e o errado numa situação dessas, mormente em se considerando o meu distanciamento em relação às pessoas envolvidas com o segredo que me foi confiado. Na verdade achei e ainda acho o conteúdo da informação de que agora sou depositário totalmente irrelevante a ponto de supor que o meu amigo está mais para idealizador de uma espécie de confraria que qualquer outra coisa.

Entretanto, algo me preocupa: ultimamente o meu amigo está muito doente e pode acontecer que venha a morrer. Se isso infelizmente vier a acontecer o segredo sobreviverá apenas comigo. A partir daí e para dar continuidade ao processo, caberá a mim o repasse da informação recebida para alguém de extrema confiança. Então…

O que tenho a dizer é o seguinte: por mais curioso que você seja recuse-se a ouvir e tornar-se depositário de segredos. Sei muito bem que existem segredos deliciosos, coisas sobre pessoas insuspeitas, atos cometidos por alguém de quem jamais esperaríamos esse ou aquele procedimento. Também sei das deliciais do mundo paralelo das fofocas, da conversa mole ao pé do ouvido que tanto distrai e torna a vida mais humana. Mas, não vale a pena, acredite.

Quanto a mim vou seguir em frente, guardando o segredo que me foi confiado. Torço para que nunca venha a ser necessário revelá-lo. A minha esperança é a de que, com mais uns poucos anos, ele se torne tão irrelevante que possa ser esquecido e não mais seja necessário repassá-lo a ninguém.

Você deve estar se perguntando: mas que raio de segredo será esse que esse cara está guardando?

Pois é, meu caro, os segredos existem mesmo é para despertar a curiosidade das pessoas.

Escrito por Ayrton Marcondes

9 abril, 2010 às 1:31 pm

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Eleições presidenciais

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Se levarmos em conta os indícios da largada, as estratégias a serem adotadas no embate entre José Serra e Dilma Roussef parecem determinadas.

Serra provavelmente fará uso de uma linha menos agressiva, atuando num plano superior que é o da discussão dos interesses do país. Terá que ralar duro para conter a língua e não reagir enfaticamente a ataques, deixando as respostas para os membros do PSDB. Para isso favorece-o certo ar elitista que na verdade é uma faca de dois gumes: esse é justamente o aspecto que mais o afasta do chamado povão. Isso quer dizer que tornar-se simpático e igual será para Serra um divisor de águas.

Dilma tem contra si o fato de não ter um passado político que dê a ela grande visibilidade, credibilidade e projeção. Todo mundo sabe que ela é achado do presidente, o principal cabo eleitoral dela. As realizações são do presidente e do peso da popularidade dele dependerá o desempenho eleitoral candidata. Trata-se, portanto, de um curioso caso de possibilidade de transferência de crédito que tem muita chance de não dar certo. Sem passado político relevante e pouco simpática resta a Dilma o ataque baseado na comparação entre os governos FHC e Lula. Daí que se lê diariamente por aí que a comparação não leva a nada simplesmente porque FHC não é candidato. Entretanto, pesa a favor de Dilma a idéia de continuidade de algo que vai dando certo, a tal história de que não se mexe em time que está ganhando.

Supérfluo dizer, mas gostaríamos de um embate no qual pudéssemos observar, com clareza, o perfil e as verdadeiras intenções dos candidatos. Mas, sendo a política também a arte de dissimulação, isso dificilmente acontecerá: nesse jogo tudo é possível, até o vale-tudo embasado em radicalismos extremados.

Outro dia ouvi alguém dizer que se trata do duelo entre dois antipáticos. Não creio que se chegue a tanto. Claro que estamos longe do charme das competições entre políticos do porte de Jânio Quadros e Adhemar de Barros, por exemplo. Mas eleição é eleição, surpresas não podem ser descartadas e as campanhas estão apenas começando.

Vamos torcer pelo menos por um jogo limpo e esclarecedor, afinal o que interessa é um país onde possamos viver bem.

Imagens de Guerra

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Guerra é morte, destruição, visão do inconcebível.

Em 2007, helicópteros norte-americanos abateram dois jornalistas iraquianos, funcionários da Reuters, em Bagdá. A morte dos jornalistas e de civis iraquianos foi filmada. Só agora a ONG Wikileaks.org obteve na Justiça a liberação do vídeo que mostra a ação dos militares norte-americanos.

As imagens são impressionantes. São reais, não fazem parte de nenhum filme. Pessoas são abatidas em plena rua numa ação organizada dos helicópteros Apache.

Não é preciso descrever nada: as imagens falam por si. Veja o vídeo no link abaixo:

 http://wikileaks.org/

Queimando o passado

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- Brasileiro não tem memória.

Quem me diz isso é um rapaz que mora no quarto andar. Eu o ajudo, abrindo a porta do elevador de serviço onde me encontro. Ele vem carregado, trazendo duas caixas cheias de papéis. Está sem camisa, exibindo várias tatuagens no tórax e nos braços.

O rapaz coloca as caixas no chão e eu aproveito para cutucar:

- Então, brasileiro não tem memória?

- Ah, não tem, não. O senhor se lembra do Collor? Pois todo mundo se esqueceu dele. Fez o que fez e está aí, o homem é senador e vai voltar ao governo de Alagoas.

A minha intenção é jogar conversa fora. Digo:

- Mas não existe o perdão? Um cara erra e o erro é para sempre? Não existe regeneração?

- Ah, professor, que nada. Malandro é malandro.

Chegamos ao térreo, abro a porta do elevador e o rapaz sai com as duas caixas. Mostro interesse:

- Quanto lixo, hein?

- São documentos, professor. Tudo o que se refere à gente vira documento. Por isso vou por fogo em tudo. Vou queimar o passado, entende?

queimando-o-passado1Queimar o passado! Eis aí uma idéia interessante. Passar o apagador em coisas que detestamos nos lembrar. Sabe aquela coisinha feia que você fez meio sem querer e ainda hoje tem vergonha de ter feito? Pois é só queimar algo relacionado a ela e ficar com a ficha limpa. Trata-se de uma lobotomia por via indireta, sem lesar o cérebro.

Enquanto reflito sobre isso o rapaz se afasta, carregando o seu passado que, pelo visto, cabe dentro de duas caixas pouco maiores que as de sapatos. Que lembranças e provas estará ele queimando?

Na verdade pouco importa o conteúdo das caixas. O que vale é a certeza cega de que é possível zerar a vida num dado momento e isso está ao alcance de todos: basta reunir tudo o que possa servir como prova de que você existiu antes do dia de hoje. Vale tudo: contas com o seu nome, escrituras, intimações, cartões postais, certidões, documentos, coisas que escreveu etc.  E não se preocupe com o testemunho de pessoas que o conhecem porque, como diz o rapaz, brasileiro não tem memória.

Queime tudo o que diz respeito a você! Eis aí um meio simples de renascer, novinho em folha e pronto para novas aventuras.