Arquivo para abril, 2010
Maternidade
Pessoas. Imprevisíveis. Há o japonês que olha pelo vidro do berçário o filho recém-nascido. Do outro lado uma criança brinca, arrancando pedaços de fotografias pregadas na parede – ela faz isso e os pais, imóveis, apenas observam, sem nada dizer.
A médica passa com seu avental branco, entra num quarto, demora-se, sai e entra noutro quarto. Depois retorna, pára no posto da enfermagem, prescreve nas papeletas e o máximo que se obtém dela é um sorriso amarelo estampado na face cansada.
Há o casal de velhos bem arrumados. Eles acabam de se tornar mais uma vez avós, sentam-se na lanchonete e observam a chuva, quietos, enfastiados com o ciclo da vida que se prepara para descartá-los.
No andar térreo a cada instante está um porteiro junto à catraca. Todos os porteiros usam terno escuro, fazem os mesmos gestos, sorriem pontualmente. São homens genéricos que vigiam o entra e sai de pessoas, sem palavras, mecanicamente dentro de seus ternos escuros.
Há o homem que anda de um lado para outro perto do centro cirúrgico onde sua mulher está para dar à luz. De vez em quando a porta se abre e uma enfermeira põe o rosto para fora, observando o corredor. Então o homem agita-se e pergunta:
- Nasceu?
- Ainda não, não nasceu, mas nascerá, é só esperar.
As visitas enchem os quartos das mães que pariram, saudando a chegada de gente nova ao mundo.
Os casais colocam enfeites nas portas dos quartos com o nome dos recém-nascidos. De quando em vez os enfeites são acompanhados de fotos, nem sempre de bom gosto.
Os corredores são longos, cheios de flores e fotografias de crianças. Junto à porta do último quarto um homem soluça baixinho porque a mulher dele perdeu a criança.
Há a tabela com o número de cesarianas previstas para o dia: serão 47 crianças a nascer.
No meio disso tudo estão os recém-nascidos, protegidos dentro do berçário. São minúsculos e dormem o sono pesado de um mundo que ainda não conhecem. Serão homens, mulheres, médicos com aventais brancos, japoneses que olham os filhos através dos vidros de berçários, mães que deram à luz, avós que observam a chuva, homens nervosos que esperam o parto da mulher, crianças que arrancam pedaços de fotografias das paredes, porteiros vigiando pessoas que passam pelas catracas…
A cada dia uma leva de gente parte enquanto outra chega. Enquanto isso, o mundo gira indiferente.
Malhação de Judas
Quem pode com as manifestações populares? Ninguém: a consciência popular decide entre o bem e o mal, o certo e o errado, o culpado e o inocente e bate naquilo que a ela parece execrável.
Sábado de aleluia no bairro do Cambuci, São Paulo. Como acontece anualmente ali se faz a tradicional malhação de Judas. Bonecos são malhados e o povo faz justiça com as próprias mãos.
Neste sábado também foram malhados bonecos representando Alexandre Nardoni e Anna Jatobá. A ira popular contra o casal condenado pelo assassinato da menina Isabella manifestou-se de forma inequívoca. Existe algo de animalesco cercando a morte da menina daí ser preciso banir e punir sob todas as formas os assassinos, assim se decidiu e realizou.
Vejo a foto dos bonecos e penso nas pessoas reais. Raras vezes criminosos foram tratados com tanta violência pelo público. O veredito popular precedeu o do julgamento e ainda permanece vivo nas memórias. Pessoas se unem para bater com força em bonecos, transferindo a sua indignação ao casal recolhido ao presídio de Tremembé.
Li que pessoas portadoras do sobrenome Nardoni e sem nenhum grau de parentesco com Alexandre têm sido constrangidas. Parece haver necessidade de apagar um acontecimento revoltante, talvez voltar o relógio do tempo para evitar uma tragédia que indigna a população.
O promotor que acusou o casal Nardoni compareceu à missa celebrada em intenção da menina Isabella. Ao chegar caiu nos braços do povo. Tem-se um novo herói andando por ai, visto como uma espécie de justiceiro que colocou as coisas em seus devidos lugares e devolveu o bom sono aos justos.
O caso Isabella está encerrado embora os advogados de defesa tenham pedido um novo júri. Entretanto, inexiste espaço para que a Justiça volte atrás no assunto: seria contrariar o veredito popular e colocar a própria Justiça na berlinda. Enquanto isso, o circo montado em relação à inaceitável e trágica morte de Isabella continua em permanente função.
Darwinismo e religião
O assunto nunca esfria: volta e meia reaparece o antagonismo entre a teoria evolucionista de Darwin e o texto bíblico do Gênesis. De um lado o darwinismo; de outro o criacionismo.
Essa encrenca vem de longe, desde a publicação do livro “A origem das espécies” de Darwin. Para quem não se lembra, Darwin baseia-se na variabilidade das espécies que são selecionadas pelo meio segundo as características adaptativas delas. Grosso modo, sobrevivem os que possuem características capazes de adaptá-los ao ambiente em que vivem; ao longo de inúmeras gerações tantas características adaptativas são selecionadas que surgem novas espécies, diferentes de suas ancestrais. Essa é, em síntese, a teoria da seleção natural proposta por Darwin. Segundo ela os seres vivos que atualmente existem na Terra não são as que sempre existiram, mas resultaram de mudanças de outras espécies que viveram no passado.
Outra é a visão criacionista que vai buscar no Gênesis, primeiro livro da Bíblia, a explicação para a existência dos seres vivos tal como hoje se apresentam. Trata-se do texto bíblico que começa com a presença de Adão e Eva no paraíso. Nesse caso Deus teria criado todos os seres vivos sem a ocorrência de evolução, daí os seres atuais serem os que sempre existiram na Terra. Esse é o criacionismo tal como se ensina nas escolas, chamado de fixismo porque professa a idéia de que as espécies são imutáveis. Entretanto, o criacionismo tem-se desdobrado em termos de interpretação: uma corrente criacionista admite a evolução, mas dirigida por Deus, prevista por ele.
Agora surge uma pesquisa realizada pelo Datafolha cujo resultado aponta para o fato de que 59% dos brasileiros acreditam em Deus e também em Darwin. Trata-se de uma forma de harmonização entre a seleção natural e a religião. Por outro lado, 25% dos brasileiros são fixistas e só 8% darwinistas puros.
Pesquisas são importantes porque revelam, através de amostragens, o perfil da população em relação a determinado assunto. Entretanto, a pesquisa divulgada pelo Datafolha dá o que pensar. O fato é que os resultados se baseiam na opinião dos brasileiros sobre assunto controverso. O que nos cabe perguntar é se as pessoas entrevistadas têm uma clara noção conceitual sobre o assunto em pauta, condição necessária para opinar com consciência.
A pergunta tem sua razão de ser. Professores de Biologia sabem que não é assim tão simples explicar com clareza o darwinismo de modo que os estudantes entendam a teoria com facilidade. Pois se em cursos específicos as coisas se passam desse modo que dizer da população em geral? Pode-se dizer que o darwinismo é bem compreendido por todos os entrevistados pelo Datafolha? Ou será que pelo menos parte da população pensa que Darwin é aquele cara que disse que o homem é descendente do macaco?
Para a Biologia é importante compreender o darwinismo sem a participação de doutrinas religiosas. A vida é um fenômeno complexo e o que interessa, sob o ponto de vista científico, é o estudo dos seres vivos. Nesse sentido a seleção natural proposta por Darwin revela-se indispensável.
O interessante é que não é preciso abjurar crenças religiosas para pesquisar e compreender a existência dos seres vivos em nosso planeta.
Verônica chorando
A liturgia da semana santa parece ter perdido muito do impacto de anos atrás. A sacralidade, o envolvimento dos fiéis e a própria fé cederam lugar a representações que parecem carecer da antiga convicção.
Verdade seja dita, nos interiores do Brasil, em pequenas cidades, a teatralidade que representa o martírio de Jesus mantém-se viva, embora também tenha perdido algo de seu anterior colorido.
Em criança a cena da semana santa que mais me impressionava era a de Verônica desdobrando o véu no qual está impressa a face de Jesus. Como se sabe através do texto bíblico, a Verônica é atribuído o ato de limpar o suor de Jesus durante o seu calvário. Desse fato deriva a presença de Verônica na procissão da semana santa: há um momento em que as pessoas param de andar e Verônica emerge, desdobrando o véu enquanto entoa um canto fúnebre.
Esse canto dolorido e profundo, expressão de uma dor incontida, aterrorizava-me em menino. Creio que essa impressão era ampliada pelo fato de eu conhecer a mulher que assumia o papel de Verônica. Era ela pessoa entristecida, soturna dentro da solteirice que perdurou até a sua morte. Trazia estampada no rosto uma espécie de interrogação sobre a sorte que a ela foi madrasta. Era esse lado trágico da existência dela que transparecia em toda a sua magnitude no momento em que a procissão parava e ela iniciava a sua representação com a face coberta por um véu preto. Naquele momento não se podia vê-la, mas era possível imaginar as contrações dos músculos faciais de um rosto que jamais fora bafejado pela beleza. Era dele que vinha aquela voz aguda e lamentosa que chorava o calvário de Jesus.
Anos mais tarde, voltei à cidade onde morei quando menino justamente durante a semana santa. Na noite de quinta-feira assisti à passagem da procissão e presenciei o momento em que Verônica fazia a sua parte. Era uma Verônica de voz solta, quase alegre, pelo jeito uma moça que se desincumbia do papel apenas como atriz. Na ocasião perguntei a um amigo sobre a antiga Verônica, aquela do canto triste. Ela me contou que ela morrera há alguns anos sem se afastar um só milímetro do perfil que sempre apresentara. Relatou-me o amigo que os que a conheciam sabiam do sofrimento real dela durante a semana santa. Passava ela a quaresma a preparar-se para o dia em que encarnaria a Verônica dos evangelhos. Então chorava muito como que tomando para si toda a dor representada na liturgia.
- Chorava sim. Imagine que chorava enquanto cantava com o rosto protegido pelo véu. Mas, sem dúvida ela foi a melhor das nossas Verônicas.
O meu amigo disse isso e se afastou, deixando-me imerso numa atmosfera nostálgica que sempre retorna na semana santa quando me lembro daquela face triste sob o véu escuro, entoando uma melodia fúnebre que parece não ter fim.
Desaquecimento Global?
A cultura relacionada ao aquecimento global está bem estabelecida e é de conhecimento público: emissão de gases estufa, aquecimento, degelo das calotas polares, elevação do nível dos oceanos, alterações climáticas etc. Contam a favor do aquecimento um sem-número de ocorrências climáticas que podem ser consideradas incomuns dada as suas frequências. Entre elas se alinham os espantosos níveis de pluviosidade atualmente observados, as altas temperaturas de um verão que avança pelo outono, os tsunamis, ciclones, tornados, inundações etc.
O aquecimento global é ensinado nas escolas, faz parte dos materiais didáticos e tem gerado discussões enormes entre as potências do mundo que são responsabilizadas pelas emissões de quantidades excessvas de gás carbônico. Entretanto, vez por outra, surgem vozes dissidentes como a dos geólogos José Reinaldo Bastos da Silva e Celso Dal Ré Carneiro.
Bastos e Carneiro publicaram no jornal “O Estado de São Paulo” de 31 de março um artigo intitulado “Desaquecimento Global”. Segundo os dois geólogos o planeta Terra está, atualmente, numa era interglacial, sendo a temperatura média da Terra igual a 15º C. Inexiste, portanto, aquecimento global. Isso se explica porque a dinâmica climática é controlada por fatores astronômicos, atmosféricos e tectônicos. Embora nem tudo esteja esclarecido o fato é que tanto o aquecimento como o resfriamento global são naturais, embora esses fenômenos possam ser amplificados pela ação devastadora do homem sobre a natureza.
Inexiste, portanto, a necessidade de salvar o planeta de vez que os fenômenos são cíclicos. Na verdade o foco é outro: é preciso salvar a espécie humana que destrói o hábitat onde vive.
Falar em desaquecimento global é navegar contra uma corrente geral que assimilou a idéia de aquecimento. Tempos atrás se divulgaram notícias sobre maquiagem de dados relacionados à elevação da temperatura terrestre. A farsa, se aconteceu, teria motivações políticas, visando influir nas reuniões dos países ricos a respeito da preservação ambiental.
Enfim as coisas estão nesse pé, com a balança pendendo para o lado do aquecimento. Mas, é importante frisar que Bastos e Carneiro não estão sozinhos: há pessoas na comunidade científica que comungam da idéia de desaquecimento global.