Arquivo para junho, 2010
Inundações
Você vê as imagens das chuvas no Nordeste e se pergunta por que tem que ser assim, se não é possível pelo menos minorar os grandes estragos e perdas de vidas. As imagens são as de sempre, iguais a tantas outras de tantos lugares, as pessoas pobres que perdem tudo circulando de um lado para outro sem ter para onde ir. Aqui alguém que se mete no barro atrás de um parente desaparecido, mais à frente pessoas que recolhem restos de pertences que na verdade se transformaram em puro lixo.
Em seguida entra uma propaganda, as férias de julho vêm aí, trata-se de um resort com cabanas defronte o mar e aquela morena sorridente que promete prazeres incomensuráveis porque todo mundo merece momentos assim nas suas vidas. Segue o reclame do carro de último tipo, modelo 2011, cheio de controles digitais, deslizando numa estrada maravilhosa, fazendo você se sentir um super-homem desde que tenha um desses.
Os minutos passam, você se esquece depressa daquela gente desesperada, das águas dos rios que inundam tudo, das pessoas sobre os telhados das casas esperando socorro, o importante é estar na direção de um belo carro numa estrada de sonhos, indo para um resort chique que o fará muito feliz.
Futebol e política
A seleção francesa deu vexame na Copa do Mundo e o presidente Sarkozy decidiu interferir. Sobre esse assunto o jornalista Gilles Lapouge escreveu em matéria publicada na edição do último sábado, em “O Estado de São Paulo”:
“O presidente sabe que os resultados de uma Copa do Mundo de futebol têm influência na política. Em 1998, quando a França derrotou o Brasil, a taxa de popularidade do então presidente Jacques Chirac subiu 15%. A Copa também influi na economia. Ruben van Léeuwen e Charles Kalshoven já provaram que um país cuja equipe conquista a Copa do Mundo contabiliza um aumento de 0,70% do seu Produto Interno Bruto (PIB)”.
Esses dados não são nada desprezíveis. No Brasil, o presidente da República conta com um índice de aprovação de cerca de 80%. A vitória da seleção brasileira na Copa que está se realizando na África do Sul é de interesse imediato do governo. Considere-se, ainda, que o presidente tirou da manga uma candidata à sua sucessão e as pesquisas atuais demonstram que ele está conseguindo transferir a sua imensa popularidade a ela. Do que se conclui que a vitória da seleção na Copa poderá influir – e muito- no resultado das próximas eleições.
Mas, tudo isso são hipóteses o que não significa que venham a se realizar. Em todo caso, a candidata do presidente já está à frente nas pesquisas e a oposição anda perdida quanto às estratégias a adotar para inverter o rumo das coisas.
Seria o caso de dizer que os eleitores de José Serra deveriam torcer contra a seleção brasileira na Copa do Mundo?
Michael Jackson, um ano depois
As circunstâncias da morte de Michael Jackson talvez nunca venham a ser esclarecidas. O segredo sobre os últimos momentos do pop star pertence a poucas pessoas que o acompanharam, destacando-se o médico Conrad Murray, formalmente acusado de homicídio culposo.
Um ano não é tempo suficiente para estimar com certeza a sobrevida de Jackson no mundo pop. Entretanto, pelo que se tem observado, o cantor continua mais que vivo na mídia e faturando alto. Por ocasião do primeiro aniversário de sua morte os seus passos mágicos de dança são exibidos em vários canais de televisão e suas músicas são tocadas no rádio. Como se suspeitava a morte física de Michael parece não ter influído na permanência do pop star. Existia, portanto, uma separação tênue entre o ídolo e o homem, de tal modo que não seria tão absurdo esperar-se que um dia desses ele se levantasse de sua tumba e voltasse a dançar.
Será talvez exagerado afirmar que o fenômeno da sobrevida da obra a quem a produziu seja condição intrínseca a uns poucos mortais que se destacaram pela grandiosidade das suas produções. O fato é que aqueles que muito se destacam tornam-se inseparáveis da obra que produziram daí sobreviverem através dela. Trata-se de uma forma de imortalidade que prescinde da presença física do artista. Quando se observa, por exemplo, um quadro de Andy Warhow é quase impossível dissociá-lo do artista que o produziu: o rosto de Warhow parece sempre estar por detrás da tela, olhando-nos, medindo as nossas reações à sua arte.
Talvez tenha citado justamente Warhow porque o mundo pop possua encanto e ligação mais direta com as nossas emoções. A desconstrução obstinada de modos de ser que dialoga com a busca da perfeição, gerando mensagens contraditórias e destoantes, empresta-nos permanente sensação de rebelião e novidade. É assim que se realiza o nosso ajuste de contas com o cotidiano sufocante em que vivemos. A arte pode ser entendida de vários modos, talvez o mais importante deles seja o de transporte do espírito da realidade objetiva a um patamar que nos faça sentir superiores à nossa própria condição.
Michael Jackson foi um desses seres enviados para fazer-nos suportar o grave peso da mesmice dos dias. Ser contraditório, indefinido, passeou alegremente entre os estereótipos de homem e mulher, de ser real e imaginário. É justamente essa indefinição que garante a sua sobrevida porque Michael terá sido um desses poucos seres que afrontaram a barreira da morte, fazendo dela simples passaporte para continuar mais vivo do que nunca.
“Cala a boca Galvão”
Termina o jogo entre as seleções do Brasil e de Portugal. Jogo fraco, sem emoções, entediante, sonolento. Alguém ao meu lado fala em acordo entre compadres. Outra pessoa corrige: acordo de comadres.
Alguns jogadores do Brasil saem de campo com aspecto triunfante: o que importa é o resultado, a classificação em primeiro lugar no grupo. Os comentaristas das redes de televisão batem na mesma tecla: não havia porque se arriscar se o empate favorecia o Brasil. Ninguém nega a falta de criatividade dos jogadores e o futebol burocrático da seleção. Mas existe uma desculpa: é Copa do Mundo, o que vale é a classificação.
Na TV Globo, o narrador Galvão Bueno lembra que o Brasil pode não ter jogado bem, mas que, no próximo jogo, venha quem vier, haveremos de vencer. Afinal é o Brasil. O ufanismo verde-amarelo parece ser constitucional no narrador.
A frase “Cala a boca Galvão” tornou-se um dos tops da internet. Seria interessante conhecer o perfil econômico das pessoas que concordam com ela. Sendo o veículo a internet é de imaginar que maioria dos adeptos do “Cala a boca Galvão” pertença a classes de melhor formação. Se assim for o fato se justifica: é às pessoas mais bem informadas que incomoda o ufanismo de Galvão Bueno. Brasileiros capazes de enxergar a realidade do país, encoberta pela nuvem de grande progresso que se propaga por aí, são os mais descontentes com a tal “pátria de chuteiras” ou o “sou brasileiro” inscrito nas bandeirinhas pregadas nos carros.
É significativo o número de pessoas que não está torcendo pelo Brasil. O desencanto tem a ver com fatores como o ufanismo, a confusão entre patriotismo e feitos da seleção, o fato dos jogadores serem desconhecidos por atuarem no exterior e o técnico Dunga, em cujo bloco ninguém quer desfilar.
Dentro desse contexto, o ufanismo fácil de Galvão Bueno surge como piada de mau gosto. Galvão faz lembrar aquele Dr. Pangloss para quem se vive no melhor mundo possível. Talvez por essa posição utópica o narrador esportivo venha sendo tão lembrado através da campanha “Cala a boca Galvão”.
Uma coisa não se pode negar: o Galvão é proprietário de um otimismo invejável.
O estigma da violência
Em hospital do Distrito Federal um travesti aidético, irritado com a demora para o atendimento de um colega, apropriou-se de uma seringa e retirou seu próprio sangue. Em seguida gritou no corredor, picou com a seringa a enfermeira-chefe e mordeu uma funcionária. As duas mulheres receberam o coquetel de medicamentos contra AIDS e não correm o risco de ser infectadas.
A notícia se perde entre outras notícias policiais, crimes violentos e terríveis como esse, ainda não esclarecido, da advogada que foi jogada com seu carro numa represa em Nazaré Paulista. De tal forma nos habituamos à ocorrência de atos violentos que eles passaram a fazer parte do cotidiano como algo que nos revolta, mas sem remédio.
Entretanto, é de se imaginar o horror de um homem armado com uma seringa na qual existe um vírus causador de doença ainda sem cura. As causas que levaram esse homem ao ato extremo, sua história pregressa e a descabida ação por ele praticada fogem ao espectro das ações esperadas para seres humanos. Talvez o desvario sirva para amenizar um pouco o ato do aidético que em determinado momento insurgiu-se contra pessoas inocentes, tentando inoculá-las com um mal que as faria sofrer durante o resto de suas vidas.
Nenhuma pena que ao travesti seja aplicada – aliás, necessária e impositiva - reduzirá a miséria da situação em que ele e outras pessoas se envolveram.
Religião, futebol, comunicação, esoterismo
O Brasil não vai ganhar a Copa 2010. Quem diz isso? O oráculo. Mas, baseia-se em que o grande oráculo? Terá visto nas cartas, nos búzios, na configuração desfavorável das estrelas? E o Cruzeiro do Sul, a cruz brasileira pregada no céu, não vai ajudar em nada?
As respostas a essas e outras perguntas ficam por conta do oráculo. Do pouco que obtivemos, através de fontes privilegiadas, pode-se apenas dizer que o oráculo apoiou-se, em sua previsão, na confusão reinante na seleção brasileira e fora dela. Veja-se o caso do jogador Kaká que desabafou dizendo-se discriminado por conta de sua fé religiosa. E que dizer do pau que está comendo entre o Dunga e a Rede Globo? E o pessoal que investiu grana alta no patrocínio da seleção e agora reclama dos treinos fechados nos quais é vedado o acesso da imprensa?
Como se observa até a religião está metida na confusão. E a FIFA não está dizendo amém, daí proibir comemorações em nome de Jesus ou de quem quer que seja. Enquanto isso o Dunga faz pé firme na sua obstinada cruzada pelo silêncio e reclusão dos jogadores: o que importa é a concentração, estar vidrado no jogo, entregar-se de corpo e alma aos 90 minutos que trarão glória ao Brasil.
O que o Dunga não sabe é que existem outros meios de chamar a turma aos brios. Lembram-se? Depois da participação vexaminosa da seleção na Copa de 66 estávamos em frangalhos. O João Saldanha, jornalista e técnico da seleção durante as eliminatórias para a Copa de 70, conseguiu unir o grupo criando uma história na qual os jogadores surgiam como feras. Eram “as feras” pra cá, “as feras” pra lá. Esse mote logrou incendiar a alma nacional, de repente éramos todos, jogadores e torcida, feras, raçudos, imbatíveis. E o Brasil foi o que foi na Copa de 70.
Talvez o oráculo esteja certo e o Brasil não venha a ser campeão. Quem pode com os astros se não estiverem favoráveis? Mas de uma coisa estejam todos certos: se o hexacampeonato mundial não vier, a decepção não será grande. Isso fica patente quando se observa o envolvimento do povo por ocasião dos jogos da seleção. Há, sim, grande interesse, mas nada parecido com aqueles 90 milhões em ação. Aquela febre de fanatismo que a televisão mostra depois das vitórias não está tão difundida assim. Então, não há como negar: o fato é que Dunga e seus pupilos não empolgam. Pode até ser que dependendo dos resultados dos próximos jogos a situação mude e todo o país passe a vibrar com a seleção. Mas não sei não, talvez só o oráculo tenha resposta para isso, ele que é tão bom em fazer previsões.
O peso da convicção
Os regimes autoritários sugerem inúmeras interrogações. Afinal, durante a vigência deles estabelecem-se regras de exceção às quais são submetidas populações inteiras. Existem, sim, dissidências que não raramente apelam para a violência como forma de reação ao poder estabelecido. Os vários movimentos terroristas em geral nascem da revolta contra um Estado estabelecido, mas nem sempre de Direito.
O assunto é pertinente. Em várias partes do mundo vigoram governos autoritários que, através do uso da força, abafam resistências incômodas. Por uso da força entenda-se a repressão em todos os graus, em geral pautada pelo assassinato puro e simples daqueles que divergem dos governos.
Os exemplos são muitos e, para ficar apenas na vizinhança, aí estão os regimes ditatoriais latino-americanos de triste memória. Ontem mesmo um canal de televisão exibia a entrevista de uma dissidente argentina que afirmava não saber explicar como sobreviveu numa época em que seus companheiros eram anestesiados e jogados de aviões nas águas do Rio da Prata.
Uma das questões mais intrigantes sobre os regimes ditatoriais diz respeito ao modo como um pequeno grupo de pessoas que chega ao poder impõe a sua vontade, apoiando-se em escalões inferiores que obedecem, às vezes cegamente, as suas ordens. É verdade que em meio a tais escalões existem pessoas que encontram nos regimes de exceção oportunidade para o exercício da própria bestialidade: trata-se de torturadores cujo perfil parece ser talhado para períodos em que a democracia não passa de utopia e anseio reprimido da população. Mas, e os que não torturam? Como se dá a adesão aos regimes de força que imperam em várias partes do mundo ao custo de martírio de seres humanos?
Certamente existem várias respostas. Recentemente ouvi algumas durante entrevista de um dissidente iraniano, radicado em Londres, que faz uso de todos os meios a ele disponíveis para combater o governo de Abadinejad. Segundo o dissidente o governo iraniano não se sustenta por convicção, mas pelo dinheiro: os vários escalões do governo e seus subalternos pertencem a uma estrutura no qual a adesão à ideologia na verdade não importa, valem os salários e benefícios. Outra razão seria a de que os meios de protesto da oposição iraniana (internet etc.) estão sob o controle do governo.
As ditaduras latino-americanas impressionavam pelo poder de repressão e manutenção da ordem imposta pela força. No caso do Brasil foi de fato marcante o modo como os movimentos terroristas não prosperaram dada a eficiência com que foram combatidos. A questão do longo domínio ditatorial certamente terá várias explicações, entre as quais se sobressaem as características do momento histórico em que ocorreu. Se as forças que apoiaram os governos de então o fizeram mais por convicções ideológicas que outros aspectos talvez seja difícil avaliar. Entretanto, impressionava-nos o zelo com que mesmo funcionários e militares dos escalões mais baixos executavam as determinações superiores. Acreditavam no regime ou eram apenas beneficiários?
Retratos Pintados
O homem era alto e muito magro, ombros encurvados, voz grave. Tinha um jeito estranho de olhar, de cima para baixo, mas com a cabeça sempre rebaixada. Trajava-se sempre com terno surrado, morava com a mulher em pensões baratas e, sobre o seu passado, sabia-se apenas que era carioca. O mal de sua vida fora o cigarro que largara, embora retendo nos dentes e nos dedos traços permanentes de tons amarelados. No conjunto ele tinha o aspecto de tuberculoso, perfil esse denunciado pela tosse sempre acompanhada de ressonâncias oriundas da caixa toráxica.
Chamava-se Coelho. Profissão: vendedor de quadros pintados. Coelho visitava cidadelas do interior, de casa em casa, atrás de fotografias de famílias, em branco e preto, para colorizá-las e devolvê-las emolduradas. Os clientes, gente muito simples, pagavam valores muito módicos pelo serviço e confiavam uma foto, por vezes a única que possuíam, ao vendedor. A parte do Coelho era enviar as fotos para uma firma do Rio de Janeiro e, cerca de um mês depois, devolver o quadro ao cliente que o pendurava na parede, num dos cômodos da casa, à vista de todos. Quem já viu esse tipo de quadro conhece os percalços artísticos que condicionam uma produção de péssima qualidade. Mas os quadros são de gosto popular e isso é o que realmente interessa.
Conheci o Coelho numa viagem de bonde, serra acima, na direção de Campos do Jordão. Teria eu uns doze anos de idade e, para encurtar a história, tornei-me um vendedor de quadros pintados. Fui treinado pelo Coelho, recebi o material para venda, e lá fui eu, de porta em porta, casebre por casebre, vendendo o sonho de imagens familiares colorizadas dentro de uma moldura. A algumas pessoas vendi, outras recusaram, mas a maior parte dos que visitei ficou na vontade: gostariam, queriam muito ter um daqueles, mas o dinheiro simplesmente não dava. Houve o caso de uma velhinha cujo sonho era ter na sala de sua casa de pau-a-pique o quadro dela com o marido, já falecido. Mas não podia, não tinha posses para tanto. A situação dela me incomodou a acabei abrindo mão das minhas muito pequenas comissões para dar a ela, de presente, a realização de seu sonho.
Na época não achava, mas os quadros eram terríveis. Disso bem me lembro porque meus pais, talvez enternecidos com o meu esforço e para me agradar, compraram de mim um quadro. O Coelho mandou a foto deles para o Rio e, um mês depois, levei para casa o serviço encomendado. Talvez por brincadeira meu pai pendurou o quadro na parede. Anos depois revi o quadro e pareceu-me que meus pais haviam sido fotografados depois de mortos, tal o aspecto que tinham em suas fotos colorizadas.
Não trabalhei muito tempo para o Coelho. Na última vez que o vi foi para entregar a ele o material de venda. Na ocasião almocei com ele e sua mulher no amplo salão de uma velha casa onde temporariamente se abrigavam, fazendo um hiato em suas residências em pensões. O ambiente era de dolorosa simplicidade e, certamente, me serviram algo muito especial que não fazia parte de sua pobre rotina alimentar.
Lembrei-me do Coelho e seus quadros pintados ao ler hoje, no jornal “O Estado de São Paulo” que o alemão Titus Riedl e o britânico Martin Parr lançam livro e mostram em galeria de Nova York a arte dos bonequeiros do Nordeste, que percorrem a região colorizando fotos de pessoas simples – vivas e mortas. A matéria é assinada pelo jornalista Antônio Gonçalves Filho que destaca a transformação do negativo da vida de pessoas simples em imagens que as ajudam a suportar a própria história. O livro dos dois autores se chama “Retratos Pintados” e foi editado pela Nasraeli Press. Em inglês, ao custo de U$ 60.
Duas observações: jamais me passou pela cabeça que o Coelho fosse um “bonequeiro”; ao meu tempo de “bonequeiro auxiliar” - e mesmo mais tarde – não atinei que estaria prestando um serviço às pessoas simples, “ajudando-as a suportar a própria história”. Isso me conforta e, de certa forma, funciona como ajuste de contas com minha tardia impressão de que, ao invés de ajuda, o que havia era a exploração de gente simples com obras da pior qualidade.
Vida de eleitor
Lavagem de roupa suja é uma das atividades mais marcantes do atual Congresso Nacional. A convite ou sob a ação de Comissões Parlamentares de Inquérito pessoas comparecem ao Congresso para depoimentos tantas vezes terríveis para a classe política do país e adjacências.
O interessante é que as sessões assim realizadas têm caráter verdadeiramente orgástico: a temperatura das discussões entre os parlamentares se eleva, ânimos se exaltam, graves acusações e ameaças são trocadas. O resultado? Em geral nada porque das discussões passa-se à fase de apurações e o processo é lento dadas as características do sistema judiciário do país. A meio caminho explode outra grande falcatrua que afasta do primeiro plano a anterior e tudo fica como dantes, no quartel de Abrantes. É quando presenciamos a participação na vida pública de pessoas sob as quais pesam graves acusações que, com o tempo, são mais ou menos ignoradas e olvidadas. Vai daí que continuam livrinhas por aí, às vezes sendo lembradas ou indicadas para cargos de alta relevância.
É assim que os brasileiros aprendem a rir do Brasil, coisa que parece fazer parte do espírito da nacionalidade. De escândalo em escândalo vai-se vivendo até que ocorram novas eleições e, teoricamente, os brasileiros tenham oportunidade de punir pelo voto aqueles que maltratam a República. Teoricamente porque a manipulação de grande parte do eleitorado é efetiva, os dinheiros públicos são investidos em campanhas de candidatos escolhidos e o voto de cabresto continua a ser uma aviltante realidade no país.
No meio disso tudo fica o eleitor consciente à espera de programas dos candidatos e discussões de alto nível que o ajudem a optar pelo que for melhor para o país. Ao invés disso, o que recebe são notícias sobre corrupção, dossiês, inverdades de lado a lado e muita conversa mole jamais relacionada com os interesses maiores da população.
Não é simples a vida de eleitor no Brasil, exceto quando o voto é trocado por algum benefício.
O Rambo norte-americano
Gary Faulkner, 51 anos, é na vida real o Rambo norte-americano. Ele foi detido no Paquistão portando uma espada, uma pistola e óculos de visão noturna. Sua intenção era caçar sozinho Osama Bin Laden. A detenção de Faulkner aconteceu numa floresta próxima à fronteira do Paquistão com a província afegã do Nuristão. É o que se lê no noticiário.
A suposição de que Bin Laden viva na fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão levou o Rambo norte-americano a agir na região. É de se imaginar se sua missão não está ligada àquele coronel dos filmes, o amigo do Rambo a quem treinou. É o coronel que sempre adverte aos cinéfilos sobre o potencial de Rambo, ex-soldado capaz de sobreviver em condições inumanas e destruir exércitos inteiros.
Infelizmente a foto de Gary Faulkner, publicada nos jornais, não sugere que ele tenha as aptidões do Rambo do cinema. É um sujeito de cabelos longos e barba grisalha, com óculos de aro fino que dá a ele jeito de intelectual ou sonhador. Não se vê o aspecto físico, mas Faulkner não parece ser do tipo musculoso, apto a aventurar-se numa floresta sozinho, ainda mais à caça de Bin Laden.
Seria muito interessante se Faulkner capturasse Bin Laden: um só homem teria sucesso onde estrategistas e militares americanos falharam redondamente. Mais que isso, a prisão de Bin Laden por Faulkner serviria para dar credibilidade aos filmes de ação cujas cenas se mostram cada vez mais inverossímeis.
Estamos no século XXI, é preciso acreditar em algo e talvez uma missão bem sucedida do Rambo real viesse a contribuir muito para isso.