Arquivo para junho, 2010
A dor de dente dos jogadores
O pau comeu no bar da esquina, perto de casa: um cidadão comemorou o gol da Coréia em meio a fanáticos torcedores do Brasil que assistiam ao jogo pela televisão. O rapaz do quarto andar do prédio onde moro, aquele que anda sem camisa para mostrar a enorme tatuagem no braço, estava lá e me contou que deram uns sopapos no tal cidadão. Não aconteceria não fosse a cervejada - disse-me o rapaz.
Talvez, talvez. Certa vez fui assistir a um jogo no Morumbi entre São Paulo e o Botafogo de Ribeirão Preto. Na época o anel superior do estádio era identificado como arquibancada – hoje me parece que é geral. Pois comprei uma “bancada” de um cambista e lá fui eu para o anel superior, sentando-me no meio da torcida tricolor. Acontece que fui para o estádio sem pensar no assunto e, na ocasião, vestia uma camisa verde. Foi o que bastou para o pessoal da torcida organizada determinar que eu fosse um palmeirense infiltrado. Depois de muita discussão, não tive outro remédio: tirei a camisa verde e me arranjei com uma do São Paulo que os organizados me deram. Tive sorte: os caras ainda estavam sóbrios, a cervejada veio depois e aí eu já estava integrado.
O rapaz da tatuagem no braço me disse que o cidadão que apanhou não tinha jeito de torcedor da Coréia. Nem olho puxado ele tinha - disse o rapaz. De minha parte, não sei não. Hoje em dia não se pode confiar em ninguém. Não vi o cidadão, mas pode bem ser que ele seja algum estrangeiro que esteve na Coréia ou coisa assim e se apaixonou pelo lugar. O mais provável, porém, é que seja alguém que se irritou com o jeito de jogar do Brasil e tomou a arriscada decisão de torcer contra, bem ali, dentro do bar.
É possível. Leio nos jornais que há gente torcendo contra porque tem arrepios só em pensar que, se o Brasil for campeão, o Dunga poderá ser eternizado no cargo de técnico da seleção. Aliás, escrevem que essa seleção é a cara do técnico: burocrática, laboriosa, empenhada e nada criativa. Isso equivale mais ou menos a dizer que os onze do Brasil jogaram com dores nos dentes, daí que queriam que a coisa terminasse logo para ir ao dentista. Ou coisa parecida. Mas, que os dentes atrapalharam, isso atrapalharam como se viu, tal o desapego dos valentes rapazes com a bola durante o jogo.
E os coreanos? Rapaz, sobre os coreanos o melhor é apenas dizer que são coreanos, embora eu não seja capaz de distingui-los de outros povos orientais. No fim, como se diz por aí, é tudo japonês e pronto. Agora, quanto a chutar bola pode-se dizer, sem medo de errar, que os coreanos não são do ramo. Não faria diferença se a bola fosse só um pouquinho mais achatada ou coisa que o valha. Ainda assim, um daqueles caras de uniforme vermelho de repente arrancou e meteu a bola nas redes brasileiras. Foi quando o tal cidadão comemorou ali no bar da esquina e foi agraciado com uns sopapos em nome na nacionalidade brasileira ultrajada.
O rapaz do quarto andar não vestiu a camisa para entrar no elevador. Entramos no de serviço e, notando que ele estava arrepiado, perguntei se não estava com frio. A resposta dele foi estranha:
- Pô, os nossos jogadores aguentaram sensação térmica de 5º abaixo de zero.
Não compreendi bem a relação de solidariedade e não dissemos mais nada.
Depois do jogo, na televisão só se falava da seleção. Vi jogadores dando entrevistas e pensei em dentes cariados. Jogar com dor de dente é duro, tolhe a criatividade, a coisa não anda e até a Coréia vira ameaça. Só uma coisa assim pode explicar a atuação dos brasileiros.
Abaixo as vuvuzelas
Imagino o que seja atravessar boa parte o mundo para assistir aos jogos da Copa do Mundo sob o ininterrupto ruído das vuvuzelas. A coisa é brava. Aquele som de fundo, constante, que se ouve durante a transmissão dos jogos pela televisão já é irritante. Ao vivo, então, como será?
Um amigo me responde: não queira saber. O que me deixa perplexo é o fato de um camarada pagar ingresso caro para ver um jogo e passar todo o tempo soprando uma vuvuzela. Vá lá que seja gostoso uma vuvuzelada ou outra; mas, o tempo todo? E o jogo?
Noticiou-se que a FIFA está decidindo sobre a proibição das vuvuzelas. São muitas as reclamações e existem os direitos daqueles que não querem ser atormentados com tanto barulho. Entretanto, o mal está feito: o novo instrumento existe e corre-se o risco de que seu uso se espalhe pelo mundo.
Aqui perto de casa tem um palmeirense proprietário de uma corneta. Cada vez que acontecia um gol do Palmeiras, ele saía à janela e nos agraciava com um solo longo e profundo. Depois o Palmeiras foi caindo, gols rareando e o torcedor decidiu vingar-se de todo mundo, cornetando até nos gols dos adversários. Foi o jeito que ele escolheu para protestar, há que se entender uma alma palmeirense ferida.
Mas, a coisa não parou por aí. O fato é que esse meu vizinho, torcedor do “Verdão”, tomou gosto pela sua corneta e passou a tocá-la toda vez que acontece um gol, em qualquer jogo. Ele não perde oportunidades para soprar o seu malvado instrumento cujo som entra nas nossas casas em tom de desafio do tipo “eu posso, ninguém me impede”.
É assim que agora, durante a Copa, estamos sendo duplamente prendados com o som das vuvuzelas e o da corneta do palmeirense, simultâneos.
Segundo meu amigo a minha bronca com as vuvuzelas está ligada à minha pregressa irritação com a corneta do meu vizinho. Não sei não, pode até ser. Na verdade eu gostaria que este texto pudesse ser acompanhado do som da corneta que agora pouco soou aqui, ao lado da minha casa. Tenho certeza de que, então, você entenderia melhor o que estou dizendo.
Finalmente, rogo a atenção das autoridades brasileiras para que mandem vigiar aeroportos, portos e as nossas fronteiras no sentido de impedir a entrada de vuvuzelas no país. Que sejam criadas leis terríveis e aplicadas penas máximas aos empresários que produzirem vuvuzelas em território nacional. A vuvuzela é uma praga que se espalha, daí a obrigação do governo em impedir a sua disseminação. Além disso, já temos cornetas comuns, para que vuvuzelas?
Espero que me ouçam antes que todos fiquem surdos de tanto ouvir o barulho provocado pelas tais vuvuzelas.
Muito obrigado pela atenção.
Colapso nervoso
O The New York Times traz um artigo, assinado por Benedict Carey, sobre o colapso nervoso. Benedict lembra que a maioria dos médicos sempre achou a expressão inexata, embora muito usada em meados do século XX e aplicada a situações diversas desde simples esgotamentos até transtornos mentais graves como depressões severas, psicoses e delírios indicando esquizofrenia.
Creio que posso falar um pouco e retrospectivamente sobre os colapsos nervosos. De fato, presenciei casos assim rotulados, todos eles ligados a situações de stress, esgotamentos, desequilíbrios mentais passageiros ou permanentes, enfim qualquer sinal ou sintoma que apontasse para distúrbios de natureza psiquiátrica.
O fato é que nas famílias sempre houve muita tolerância com esquisitices de parentes, em geral explicadas com “ele(a) é assim mesmo”. De todo modo, aceitava-se e ainda se aceita que o ponteiro da balança cujo ponto médio é a normalidade possa oscilar em boa margem sem que desvios até significativos sejam tomados como indícios de doença mental ou loucura. Obviamente, não está se falar sobre diagnósticos de especialistas, mas de um entendimento popular baseado em juízos puramente empíricos.
Creio que é a esse universo alternativo da verdadeira psiquiatria que mais se aplica popularmente a terminologia colapso nervoso, em nosso meio muito ligado aos chamados peripaques. A coisa toda se passa como uma perda de estabilidade nervosa gerada por esgotamento, nervosismo excessivo, trauma recente e outras causas que desencadeiam, em dado momento, aquilo que considera um colapso nervoso.
Insisto que estamos a abordar o terreno do empirismo, deixando propositalmente de lado toda a investigação científica que cerca o assunto. Na verdade os psiquiatras usam mais a designação genérica “Síndrome da Combustão” para designar as diversas categorias de colapsos emocionais.
O uso generalizado da expressão colapso nervoso estendeu-se a uma vasta gama de distúrbios emocionais e psiquiátricos. Ao ler a reportagem do The New York Times veio-me à lembrança um caso acontecido ao tempo da minha infância e que muito me impressionou, logicamente identificado como colapso nervoso. Trata-se da aventura vivida por um senhor idoso, então vizinho da casa de meus pais. Esse senhor, marceneiro de ofício, a certa altura começou a apresentar sintomas de desequilíbrio mental. A idéia de que fossem colapsos baseava-se no fato de que ele se comportava normalmente na maior parte do tempo até que, de repente, fazia algo inusitado. Exemplifico: homem sempre muito calmo tinha ele repentes passageiros de violência, quebrando objetos ao seu alcance, após o que retomava o comportamento habitual como se nada houvera acontecido; certa noite entrou em sua casa com sapos nos bolsos e os introduziu sobre a cobertas enquanto sua mulher dormia, deitando-se com ela em seguida.
Durante bom tempo as crises ocorriam a longos intervalos. Quando se acentuaram, o marceneiro foi levado a um psiquiatra que recomendou a internação em manicônio. Três meses depois, sem diagnóstico conclusivo, voltou ele para casa e ao ofício de marceneiro, dando-se o desfrute de esquisitices ocasionais. Passou a ser aquilo que se chama de “louco manso”, capaz de praticar, nos dizeres de Guimarães Rosa, “ruindades calmas”.
Jamais o marceneiro deixou de sofrer os seus “colapsos”. O último lance de sua trajetória aconteceu quando, estranhamente, uniu-se a um corvo que veio pousar sobre o telhado da casa onde ele morava. Conta-se que o corvo o seguiu durante todo o dia; quando alçou vôo e desapareceu, o marceneiro deitou-se e morreu.
Minha tia falava sobre o estranho destino do marceneiro com muita naturalidade. Destacava o capricho da sorte que entregara o pobre homem a colapsos nervosos e, finalmente, ao estranho aviso da morte através da vinda de um corvo.
Não posso garantir que tudo isso seja verdade. Mas, se alguém duvidava do que a minha tia contava, ela parodiava Gonçalves Dias e dizia:
- Meninos, eu vi.
A colher de cada um
Não adianta: Copa em andamento, não se fala noutra coisa, o assunto é futebol. De repente a bola governa os interesses, resultados de jogos calam fundo na opinião. Ninguém está livre, mesmo os que detestam futebol tal a pressão do tema em todos os meios de comunicação.
A Copa do Mundo desperta toda sorte de análises e comentários. Existe o caso – específico – dos profissionais que ganham a vida escrevendo ou narrando coisas do esporte. São jornalistas esportivos de ofício e todo mundo sabe o que deles se espera, alguns mais lúcidos, outros menos dotados e uns poucos até obtusos. Isso sem falar nos narradores de jogos pela televisão e pelo rádio, alguns deles bastante criticados. Ao titular da Globo, Galvão Bueno, os críticos não perdoam os excessos de ufanismo. Mas o Galvão parece não ligar: ele é do jeito que todo mundo sabe, mudar seria bobagem.
O mais impressionante fica por conta de gente subitamente convertida em analista esportivo. Trata-se de pessoas que normalmente não trabalham na área, mas que na época de Copas se arvoram entendidos. Meu amigo, se duvida, abra os jornais deste domingo: encontrará análises variadas sobre o futebol em si, as circunstâncias que o cercam, a importância do esporte, o esporte como traço de identidade nacional, as relações entre o futebol e o samba como expressões culturais, o papel da mestiçagem na formação dos craques nacionais, o complexo de vira-lata, a inesquecível tragédia de 1950 e por aí afora.
Nada demais nisso tudo, não fossem as impropriedades publicadas no calor da hora, no afã de participar de uma imensa cobertura que cubra todos os aspectos da competição. Entre as impropriedades talvez a pior seja a relacionada com a atual situação da África do Sul, país sede da Copa e nem por isso livre de grandes problemas e tensões internas. Não faltam na imprensa sociólogos de última hora interessados em retratar a realidade sul-africana, dimensionando-a em acordo com as necessidades de suas reportagens..
Meu amigo, a Copa do Mundo é um vendaval de impressões e notícias. As fantásticas ferramentas tecnológicas utilizadas para a cobertura do evento abrem um leque praticamente infinito de possibilidades para apresentações. Disso tudo o melhor fica por conta das mais de trinta câmeras utilizadas para a transmissão dos jogos. As imagens, tomadas de diferentes ângulos e em alta resolução, são realmente espetaculares. Olhe que ficam bem melhores quando se tira o som da televisão para escapar de algumas narrações e do chatíssimo e insuportável barulho de fundo provocado pelas vuvuzelas.
Esse pequeno artigo não pretende isentar-se das críticas nele contidas. Ele não passa de mais um escrito “no afã de participar da imensa cobertura”.
O dia dos namorados e a Copa
Provavelmente não exista situação mais esclarecedora das diferenças entre os gostos de homens e mulheres que o período de realização da Copa do Mundo. Ninguém é louco de dizer que mulheres não gostam de futebol, mas o interesse da maioria delas está longe do dos homens. Quem discorda que acompanhe a rotina nas casas brasileiras neste fim de semana em que se realizam vários jogos pela Copa do Mundo. Agora olhem para a lente da verdade e respondam: quem são os loucos que acordaram cedo, num sábado muito frio, para assistir ao terrível embate entre as seleções da Coréia do Sul e a da Grécia?
Pois é. Mas, para dar força à argumentação, pelo amor de Deus imaginem que hoje, dia dos namorados, o Brasil tivesse um jogo contra a Argentina, pela Copa do Mundo, justamente às 21h30. Como ficaria a situação dos casais, o movimento dos restaurantes, as baladas, os encontros marcados e tudo o mais? Já pensaram em quantas relações desfeitas poderia resultar um joguinho desses, bem nesta noite, contra os hermanos?
Há quem discorde, há quem discorde. Existe a turma do deixa disso para quem o brasileiro é um tipo inventivo e ajeitaria as coisas. Mas um joguinho desses, Brasil X Argentina, justamente na noite do dia dos namorados, convenhamos que fica difícil, muito difícil.
Por essas e outras devemos muito comemorar esta noite do dia dos namorados. Rapazes, vocês estão livres de qualquer pressão, não serão obrigados a fingir que o jogo é secundário, que em nenhuma hipótese vocês dividiriam a atenção para com as pessoas amadas, ainda mais por uma besteira como um jogo de futebol. Nem precisarão estar em algum lugar com elas, olhando para todo lado atrás de uma telinha com a transmissão do jogo. Portanto, comemorem porque o mundo é bom, a justiça existe e cada coisa tem a sua hora e está em seu lugar.
E não se esqueçam de amanhã de manhã, exatamente às 8h30, de perguntar a elas - caso estejam acordadas - se não querem ficar aos seus lados assistindo ao grande jogo entre a Argélia e a Eslovênia.
Perguntem. Será uma grande demonstração de amor se elas toparem.
Morumbi na berlinda: basta!
São-paulinos e são-paulinas uni-vos: é hora de defender o Morumbi das aviltantes críticas que diariamente recebe da FIFA e interessados em deslocar o jogo de abertura da Copa 2014 de São Paulo.
Internamente isso já está virando uma nova Revolução de 1932: todo mundo contra São Paulo, encabeçados pela CBF. Deixando de lado as paixões, o fato é que a FIFA exige a execução de um projeto de mais de R$ 632 mi. Todo esse dinheiro saindo das costas do tricolor, com alguns apoios já garantidos. Concordem que é muita grana para um clube particular que, entre outras glórias, é proprietário do maior estádio de futebol do Estado. Daí que o São Paulo se dispõe a encarar um projeto de R$ 250 mi, anteriormente aprovado pela FIFA. É quando o Comitê Organizador da Copa vem a público para dizer que o Estado mais rico do país corre o risco e ficar sem nenhum jogo da Copa 14.
Olhem não se trata de nacionalismo barato, nem de amor exagerado ao Estado de São Paulo, muito menos de simples paixão tricolor. Afinal, quem são esses caras que entram na casa dos outros dando ordens, ditando regras e ameaçando? Fora com eles.
Nessa história de realização de Copa do Mundo o que assusta é a premissa de que a FIFA está fazendo um grande favor ao país por deixá-lo sediar a Copa. É bem isso, não se enganem. Vá lá que a FIFA tem que zelar pela qualidade da competição, pela organização, segurança e tudo o mais, afinal a Copa é um evento mundial assistido por quase todos os terráqueos. Entretanto, isso não dá direito a excessos, regras absolutas e esse ar europeu de superioridade, justamente sobre a nação tricolor e o Morumbi.
E que se calem esses traidores do Estado que querem, a todo custo, um estadiozinho em Pirituba pela balela de R$ 1 bi de custo, isso quando exsitem outras prioridades para o emprego do dinheiro público.
Que me perdoem se não sou bom de contas, mas se para fazer um estádio novo o custo é de R$1 bi, uma reforma de R$ 632 mi representa quase um desmanche do Morumbi. Do que se conclui que com mais uns R$ 300 mi o negócio seria derrubar o Morumbi e fazer um estádio novo, lá mesmo. Absurdo, absurdo!
São-paulinos e são-paulinas é hora de dizer aos diretores do tricolor que mandem esse negócio de Copa às favas. Amamos futebol, adoramos Copa do Mundo, mas em primeiro lugar estão os interesses tricolores.
Assim seja!
Passamento
O gordo da esquina morreu. D. Diva, que vem de manhã e prepara o meu café, disse que foi de repente:
- Ontem mesmo ele estava bonzinho, na janela, com o olho dele, de sapo.
A vida é assim, assim - disse eu para D. Diva, deixando pra lá o que mais ela falou sobre o gordo. Esse gordo – o da esquina que morreu – foi meu colega no grupo escolar. Os olhos de sapo ele sempre teve, empapuçados, como se tivessem sido untados com óleos encorpados e pouco fluídos. Daí que era só ele aparecer para a molecada gritar:
- Sapo, sapo, sapoooo.
O sapo abaixava a cabeça e sorria. Meninas se afastavam dele, jurando que ele comia insetos. Uma tal Mariinha – nunca me esqueci dela – dizia que o sapo tinha preferência por vagalumes. Ainda hoje acho que a Mariinha ficou impressionada com aquela poesia do João Ribeiro cujo título é “O vagalume e o sapo”. A poesia constava da cartilha que usávamos na escola. É dessas que tem o moral da história porque, no final, um “feio sapo repelente, sai do córrego lodoso, cospe e baba de repente, sobre o inseto luminoso”. Ao que o vagalume pergunta:
- Porque me vens maltratar?
- Porque estás sempre a brilhar – responde o sapo.
Foi assim que aprendemos porque o brilho pessoal incomoda tanta gente…
Mas, deixa prá lá. O tempo passou, o gordo cresceu, eu também. Saí da minha terra natal e me aventurei pelo mundo, dando-me mal e bem, mais bem que mal. Até que um dia, cansado de tertúlias inúteis e explicações insatisfatórias sobre o sentido da vida, li que os elefantes voltam ao lugar onde nasceram para morrer. Na falta de outra justificativa essa me pareceu muito razoável para vender um pequeno negócio, juntar uns dinheirinhos e voltar para a minha terra, esperando não sei bem o quê.
Foi nessa ocasião, há uns pares de anos, que vim morar nesta casa, na mesma rua que o gordo. Tempos depois da minha chegada estranhei que o gordo ficasse, sempre no fim da tarde, na janela da casa dele, observando a rua. Com ele nunca troquei mais que um aceno de cabeça: eu passando, ele na janela.
Mais uma vez foi D. Diva quem matou minha curiosidade sobre os hábitos, digamos pouco usuais, do gordo. Contou-me a fofoqueira que há alguns anos o gordo se casara com a mulher de seus sonhos, sabe quem? Acreditem: justamente a Mariinha. Se foram felizes juntos , ou não, ninguém sabe, mas é certo que pelo menos o gordo era feliz. O casamento durou até que a Mariinha desapareceu. Os esforços do marido para localizá-la resultaram inúteis até que se soube, por meio de um parente, que ela fugira com um sargento de polícia.
A notícia chegou ao gordo que, a partir desse dia, nunca mais saiu à rua, reduzindo seu contato com o mundo aos breves períodos na janela, pouco antes do anoitecer.
Devo dizer que a morte do gordo me entristece e alegra. O aparente paradoxo se explica: entristece porque afinal é um ex-colega, o sapo, que partiu desta para a melhor; alegra porque ele finalmente livrou-se de sua prisão voluntária, utilizando a única saída que lhe era possível.
É lugar-comum dizer que a morte é uma fazedora de vazios. Mas que outra coisa dizer se é bem isso o que acontece? O fato é que há dois dias não saio de casa: não sei como vou me sentir ao passar pela esquina e ter certeza de que o gordo não mais sairá à janela.
Lá se foi o gordo. Enquanto isso, o elefante que vive na mesma rua aguarda a sua vez.
Por fim, resta citar Drummond:
- A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
Embriaguez de jovens
Nos últimos tempos tem-se acentuado os comentários sobre a embriaguez de jovens. Informe publicado pelo Cebrid (Centro de Informações sobre Drogas da Unifesp - Universidade Federal de São Paulo), publicado hoje pela “Folha de São Paulo”, revela que um em cada três estudantes do ensino médio se embriagou pelo menos uma vez no mês anterior à realização da pesquisa. O problema também existe entre estudantes do ensino fundamental, porém em menor intensidade. O levantamento foi realizado em escolas particulares da cidade de São Paulo.
Quem milita na área da educação sabe que o problema do consumo de álcool – eventualmente de drogas – é mais que preocupante, sugerindo estar em fase crescente. De fato, qualquer reunião serve como motivo para bebedeiras. Não se pode dizer que tudo seja feito de modo consciente. É possível relatar casos e casos de jovens que nunca beberam e se embriagam de repente, muitas vezes perdendo a consciência de si mesmos. As consequências variam de simples mal-estar ao coma alcoólico, isso quando estados de semiconsciência não servem a abusos sexuais com repercussões quase sempre dramáticas.
Por que os jovens bebem? Há que se considerar o fato de que, num primeiro momento, o álcool age como estimulante, disso resultando a falta de autocrítica e mesmo comportamentos violentos. Mas, a resposta não é simples e envolve aspectos como condições familiares e sociais, auto-afirmação, necessidade de aceitação em grupo, fuga da realidade, busca de prazeres fáceis, mergulho no desconhecido, insatisfação, liberação do superego etc. Deixando de lado o terreno das hipóteses sobre as causas da embriaguez, vale lembrar que os jovens desde sempre beberam e bastante. Olhar para os jovens de hoje e pretender represá-los numa comporta de novidade quanto à embriaguez é negar um passado com o qual os pais e avós da atual geração têm suas cotas de débito. Bebemos durante o ensino médio, muito durante o curso superior, lembram-se? As festinhas, os churrascos da faculdade, os finais de jogos de futebol…
Então, qual é o problema? Você está a dizer que sempre foi assim daí que a bebedeira da turma de hoje não preocupa? Ora, nada disso. Em primeiro lugar o mundo tem mudado depressa demais, os anseios e sonhos das novas gerações são outros e mais difíceis de serem alcançados, a impessoalidade tornou-se maior, a sociedade atingiu complexidade tal que desconvida à participação pessoal, as relações familiares esgarçaram-se muito, os exemplos que vêm de cima são péssimos, campeia a violência, o número de veículos e acidentes nas ruas e estradas é realmente fantástico e assim por diante. Nessas condições, a soma de todos os medos e a necessidade de fuga de uma realidade desagradável pode servir como motor ao consumo precoce e exagerado de álcool. Além disso, existe a agravante da freqüência de consumo dadas as características das relações sociais entre os jovens de hoje: mais próximos uns dos outros, permanentemente interligados via internet, comunitários etc. Se a isso somarmos o constante apelo publicitário ao consumo de álcool verificado nos meios de comunicação teremos aberta, à nossa frente, a via expressa que conduz ao alcoolismo crônico.
Os dados da pesquisa realizada pelo Cebrid sugerem a necessidade de trabalho eficiente junto aos jovens, alertando-os quanto aos perigos do alcoolismo. Apoio e acompanhamento familiar, campanhas publicitárias, palestras em escolas, cumprimento da proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores e um sem número de atitudes fazem-se necessárias. É preciso conscientizar a juventude de que as baladas não precisam necessariamente ser acompanhadas de tentativas de despersonalização, que o prazer pode ser também ser alcançado com comedimento.
É o que se quer e precisa ser feito.
Gilberto Freyre
Talvez não seja correto falar-se sobre um “revival” de Gilberto Freyre (1900-1987) de vez que o sociólogo e antropólogo pernambucano é presença permanente toda vez que se elege como tema o Brasil e a história das idéias no país. É do professor Antônio Cândido a afirmação de que, entre 1932 e 1942, três grandes livros estimularam a imaginação e a reflexão dos jovens brasileiros sobre o país: Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado Júnior. Além disso, vale lembrar que nas várias coletâneas publicadas sob o título Intérpretes do Brasil, Giberto Freyre sempre aparece, havendo mais concordâncias que divergências entre os ensaístas que se ocupam da sua obra. Na verdade, dada a vastidão dos escritos publicados por Freyre, o que em geral acontece é a valorização de aspectos diferentes de sua obra que, em determinados momentos, melhor se casam aos acontecimentos que cercam o cotidiano do país.
Em todo caso passa-se, agora, por um momento de revivescência de Gilberto Freyre e sua obra. A Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que está para começar, promete discussões sobre a obra de Freyre. Está, também, previsto, para março de 2011, um colóquio de especialistas internacionais na obra de Freyre, a realizar-se em Portugal. Além disso, obras do sociólogo estão sendo relançadas, assim como livros sobre ele.
A Editora Pespectiva anuncia o lançamento de um livro de autoria da historiadora Silvia Cortez Silva, cujo título é Tempos da Casa-Grande. Segundo notícia publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, na edição de 05/06, a historiadora acusa o escritor de racista e anti-semita, além de criador de um “mito político que oferecia uma solução para o problema racial”.
Como se sabe, em Casa-Grande & Senzala Gilberto Freyre refuta a idéia de que no Brasil existiria uma raça inferior resultante da miscigenação. Tal teoria, derivada de mitos eugênicos defendidos por europeus, impregnou o pensamento da inteligência brasileira, particularmente nos anos 20, estendendo-se em boa parte do séclo XX. Além disso a idéia de raça inferior teria servido como justificativa aos países europeus em sua política de dominação empregada nas jovens nações sul-americanas. Note-se que mesmo a noção de política de dominação é polêmica, encontrando-se pensadores brasileiros que a negam com veemência.
Dada a natureza de Casa-Grande & Senzala não deixa de ser curiosa a acusão de racismo e anti-semitismo atribuída a Gilberto Freyre. A isso se acresça o fato de que, em 1942, Freyre foi preso em Recife por artigo que escreveu e publicou, no Rio de Janiero, no qual justamente acusava a existência de racismo e anti-semitismo no Brasil.
Mas, não será este o espaço para se discutir em maior profundidade esse assunto. O que há de bom em tudo isso é a presença de Gilberto Freyre que deve e precisa ser lido pelas novas gerações, concorde-se ou não com ele. Importa notar que não se pode discutir o Brasil ou mesmo escrever sobre o país sem ter passado pela verdadeiramente monumental obra de Gilberto Freyre. Não só Casa-Grande & Senzala é leitura obrigatória: Ordem e Progresso é um trabalho exaustivo de pesquisa e compilação de opiniões sobre o Brasil de uma época, obtida através de entrevistas de pessoas de proeminência em seu tempo; existem os maravilhosos ensaios de literatura de Freyre, sendo memoráveis as suas análises das obras de Euclides da Cunha e Machado de Assis; e assim por diante.
A verdade é que todo mundo bebe e bebeu na fonte chamada Gilberto Freyre que, como se vê, continua bem viva, com muita água e plena de sugestões para repensarmos o Brasil.
Os novos heróis nacionais
Noite de domingo. A frente fria que fez cair temperaturas nos Estados do Sul chegou à região Sudeste. Ontem choveu, hoje tivemos tempo bom e frio.
Não só porque é noite de domingo – amanhã, bem cedo, a rotina nos espera – mas, também, porque faz frio, não saímos de casa e o jeito é ligar a televisão e dar uma olhada no que está acontecendo.
O grande assunto é a Copa do Mundo que está para ser iniciada. Reportagens transmitidas diretamente da África do Sul caracterizam-se pelo esforço em apresentar o país sede da Copa aos brasileiros. Como não poderia deixar de ser o apartheid é a toda hora lembrado e as notícias giram em torno do contraste entre a minoria bem de vida e a maioria que vive em extrema pobreza. É sempre citado o esforço do governo sul-africano para melhorar as condições de vida da população. Brancos de ascendência inglesa mostram-se céticos quando entrevistados; negros dizem que o apartheid continua vivo.
Por vezes o assunto é a natureza, com ênfase para a fauna da África do Sul rica em animais como elefantes, girafas, rinocerontes etc. Entretanto, o grande destaque das reportagens transmitidas da África do Sul resume-se aos acontecimentos relacionados ao dia-a-dia da seleção brasileira. Mais que isso, engendrou-se na mídia uma forma de endeusamento dos jogadores que são apresentados como modelos de sucesso e verdadeiros heróis nacionais.
Sendo a maioria, senão a quase totalidade, dos jogadores oriundos de famílias pobres ou no máximo remediadas, não é difícil compor a trajetória de ascensão dos ídolos populares que defenderão a honra verde-amarela dentro das quatro linhas. Isso é feito com a participação das famílias dos jogadores, pessoas do povo, chamados a relatar a luta e o esforço de seus filhos ou parentes para chegar a jogar na seleção. Também importa a escalada a um status financeiro invejável: pessoas pobres e boas de bola que saíram de condições quase miseráveis para hoje jogar em grandes clubes da Europa, sendo pagos a peso de ouro pelos seus chutes ou defesas.
Nada haveria contra esse tipo de reportagem não fosse ela a exploração banal de sucessos merecidos, mas que não servem como exemplo aos milhões de deserdados que nenhuma oportunidade têm - ou talvez nunca terão - de modificar, ainda que minimamente, suas situações financeiras.
Afinal, a quem interessa a história pessoal desse ou daquele jogador que hoje ganha rios de dinheiro e transitoriamente foi convocado para jogar pela seleção nacional? O que se está a ver, não passa da exploração da imagem de ídolos populares que, por mais que se queira, continuam sendo jogadores de futebol, excelentes em suas profissões, mas jogadores.
O Brasil passa por fase de ufanismo excessivo e perigoso, fato verificado em várias áreas. É como se tudo estivesse se ajeitando depressa e problemas tão conhecidos deixassem de existir. Uma corrente de ufanismo é sempre boa quando nascida de expectativas naturais; entretanto, esse movimento goela abaixo, a forma descabida de apresentar o que se faz em prol do país como realizações espetaculares nada têm de sério e produtivo.
Por fim, o futebol nada tem a ver com isso tudo. Resumindo: jogador joga; nós torcemos. O resto é figuração ou exploração pura e simples da paciência dos espectadores.