2010 setembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para setembro, 2010

Tony Curtis

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Parem tudo: Tony Curtis morreu. O dia deveria ser de luto em todos os cinemas do mundo: nenhuma projeção de filmes.

Tony Curtis fez parte da cultura de uma geração. Há quem diga que não pertenceu à galeria dos grandes atores. É possível. Em todo caso sua simpatia e beleza física fizeram dele presença sempre marcante. Foi assim em seus filmes, mesmo nos piores. Quem não se lembra dele, ao lado de Jack Lemon e Marylin Monroe em “Quanto mais quente melhor”? Nas comédias? E de sua participação em “Spartacus”, ao lado de Kirk Douglas?

A morte de Tony Curtis lembra-nos de que os ídolos, por mais que permaneçam jovens e bonitos nas telas, envelhecem e morrem. Traz também a inquietante sensação de passagem do tempo, de irreversibilidade e mundos desfeitos. Com Curtis parte a atmosfera de uma época vivida, bem mais glamorosa, talvez até mais inocente. Curtis se vai como foram os velhos cinemas dos centros das cidades onde sua imagem fazia sucesso e atraia multidões.

Tony Curtis pertence ao mundo da magia no qual a realidade é sempre intrusa. Talvez por isso a notícia de sua morte surja como algo fora de lugar. O homem de 82 anos que acaba de morrer deixa-nos, como legado, imagens inesquecíveis que jamais serão olvidadas e enterradas.  Deriva daí a sensação de que, afinal de contas, nem tudo é finito.

Asta la vista Tony Curtis.  Até o nosso próximo encontro, provavelmente num filme exibido pela televisão.

Somerset Maugham

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Há alguns anos um amigo comentava que já não se lia Somerset Maugham no Brasil. E acrescentava:

- Como se leu Somerset Maugham por aqui.

William Somerset Maugham (1874-1965), romancista e dramaturgo, teve grande sucesso em sua carreira, sendo conhecido em quase todo o mundo. Órfão de pai e mãe quando ainda muito jovem teve por tutor um tio que o travava com excessiva severidade. Depois de trabalhar por curto período num escritório de contabilidade frequentou, durante cinco anos, o curso de medicina, não chegando a se formar.

Maugham produziu vasta obra. Suas peças tiveram grande sucesso e seus romances foram traduzidos para várias línguas. Além disso, alguns de seus romances foram adaptados para o cinema. Escreveu, também, contos, alguns deles de grande sucesso. Maugham foi, essencialmente, um contador de histórias, muitas delas extraídas de situações reais. O sofrimento presenciado durante os anos em que estudou medicina e as inúmeras viagens que fez aos confins do Império Britânico permitiram a ele contato com costumes e realidades diferentes que aparecem em seus livros. Mordaz, Maugham utilizava linguagem que muitos críticos consideravam pobre. Estilo direto, raciocínio claro e pouco lirismo davam aos seus livros aquilo que levou Gore Vidal a classificar como grande envolvimento dos leitores a par com uso de clichês e incapacidade de contar qualquer cosia de modo original.

A minha geração leu muito Somerset  Maugham. Com frequência as obras do escritor eram traduzidas para o português, daí a oportunidade do público brasileiro em tomar contato com romances e contos quem marcaram época. Em particular, lembro-me bem de livros como “O Fio da Navalha”, “Servidão Humana” e “O Pecado de Liza”. Também me eram caros um romance chamado “A Carta”, verdadeiro exercício narrativo e as coletâneas de contos “As três mulheres de Antibes” e “Histórias dos Mares do Sul”.

Posso dizer que li esses livros há muito tempo, com grande interesse e sem preocupações críticas. São histórias fortes das quais não me esqueci, daí poder dizer que tiveram grande participação na formação do meu interesse pela literatura. A bem da verdade não sei que efeito teria sobre mim hoje em dia a prosa de Somerset Maugham. Mas, não custa averiguar e farei isso assim quem tiver oportunidade.

Como me lembrei de Somerset Maugham? Ah, li nos jornais que ele, assim como outros escritores, foi espião do Serviço Secreto Britânico durante o primeiro conflito mundial.  De sua experiência como espião surgiram contos, três deles utilizado em filmes por Alfred Hitchcock.

A segurança da democracia

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A democracia se assemelha a um tipo de dique, construído para evitar grandes inundações. O dique não suporta apenas as pressões costumeiras: ele está preparado para conter volumes de água maiores, preservando as regiões em que se localiza.

Nos últimos dias a estabilidade da democracia no Brasil tem chamado a atenção de muita gente. Segundo se diz a forma como o poder vem sendo exercido no Brasil ameaça o regime por ferir pilares da democracia como é o caso de ameaça à liberdade de imprensa. Surgem editoriais em jornais advertindo o próprio presidente da República e sua provável sucessora; juristas de renome assinam abaixo-assinado em defesa da democracia, acusando o governo de autoritarismo hipócrita.

De outro lado estão aqueles que veem excesso nessas manifestações. Deixando de lado a profissão de fé pelos partidos e o fanatismo das militâncias, opiniões ponderadas destacam não existir no país clima para quebra do regime democrático e retorno do autoritarismo. Destaca-se o personalismo exagerado do presidente e suas basófias; entretanto, lembram que partiu dele mesmo a negação a um terceiro mandato.

Em quem acreditar? O brasileiro que trabalha assiste a esse debate com alguma indiferença. Pessoas que já vivenciaram oscilações de regime no país sabem dos riscos, mas preferem ignorá-los. A surda movimentação de bastidores aonde a corrupção vez por outra vem à tona assusta, mas parece não ser dotada de grandeza suficiente para romper a democracia. Existe sim, o receio de que velhos extremistas, diga-se que ainda não definitivamente ultrapassados, assenhorem-se de cargos importantes e façam valer o radicalismo de seus antigos credos. Mas, será?

O Brasil parece forte. O dique parece firme. Opiniões de relevo como a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, desmistificam a possibilidade de retorno ao autoritarismo. Contrapõem a esse ponto de vista os que já apontam sinais claros de autoritarismo no modo de ser do governo atual. Aliás, não só o identificam como preveem piora do quadro no governo que há de vir.

Estamos no meio disso. Faltam-nos informações detalhadas para avaliar o mal, se é que ele existe e tem as dimensões propaladas. Vamos às urnas com alguma inconsciência sobre perigos que dizem ser iminentes.

Voto obrigatório?

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Se há coisa difícil de entender são os tais meandros da lei. Para o mortal comum existe uma verdade cristalina: pessoas que têm débito com a Justiça não podem se candidatar. Ponto. Entretanto, não é assim que funcionam as coisas: é preciso discutir a constitucionalidade da Ficha Limpa; se as fases de tramitação foram obedecidas; se a lei aprovada é válida para as próximas eleições ou não; e assim por diante.

É aí que entra a figura do Supremo Tribunal Federal (STF), composto por altos magistrados, descontadas eventuais indicações guiadas por interesses políticos que talvez interfiram.  Espera-se do STF decisão rápida e moralizante, mas os juízes esbarram em mil e uma dificuldades, afinal legislação é legislação e há que se obedecê-la. Então acontece um empate e a lei fica no limbo esperando algum tipo de solução. Logicamente, os candidatos que devem à Justiça vibram porque favorecidos; a imprensa se revolta e cobra ação do STF; a população dá de ombros porque “neste país” tudo é possível e ninguém já não estranha nada.

Que pensar? Certamente juristas teriam uma longa lista de prós e contras à aprovação da lei. Está em questão o Direito e não há que se tomar atitude que fira os códigos que sustentam o Estado. Tudo bem, mas seria de se perguntar: caso o assunto fosse considerado em época distante de eleições, os magistrados estariam discutindo tanto?

A política no Brasil só não chega à barbárie porque os envolvidos usam terno e gravata. Senão veja-se: o STF não consegue se decidir sobre a Ficha Limpa; O PT entra na Justiça contra a exigência dos eleitores apresentarem documentos de identidade pessoal por ocasião das eleições; um promotor quer submeter o palhaço e candidato Tiririca a um teste de leitura e escrita por desconfiar que ele é analfabeto; a imprensa publica notícias de que um cantor, candidato a senador, é habituée em espancar mulheres; o presidente da República entra em todos os lares brasileiros para garantir, aos eleitores, que o cantor merece o voto de deles.

Imprensa defendendo-se de acusações de partidarismo, escândalo monumental na Casa Civil, promessas da oposição que jamais seriam cumpridas… Por essas e outras está mais que na hora de se fazer um plebiscito no país sobre a questão do voto obrigatório. Já que existe democracia e os cidadãos têm o direito de opinar, por que não em relação à obrigação de votar?

Senhoras e senhores, inúmeras pessoas não querem votar nessa balbúrdia que lhes é apresentada diariamente. Essas pessoas irão às urnas como se fossem conduzidas ao pelourinho porque estão cansadas de tanta desfaçatez e desrespeito às suas inteligências.

O Brasil não merece isso que está aí, não. Os brasileiros também não.

O sobrenatural no Triângulo das Bermudas

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Tempo ruim, garoa que convida a ficar na cama vendo filmes na TV. A reclamação de sempre me leva a sair de casa: a TV paga repete filmes, a maioria deles dublados e mal dublados. Você usa o controle para passear entre canais, vendo o que não interessa.

A vida é assim: você trabalha como um doido a semana inteira e sonha com a folga de sábado e domingo. Na manhã de sábado acorda tarde e corre o risco de sentir um grande vazio. Falta alguma coisa, quem sabe o trabalho no qual você está irremediavelmente viciado.

Entro no elevador e aperto o botão que me levará ao térreo. A curta viagem é interrompida no terceiro andar quando entra na cabine aquele meu vizinho que gosta de conversar. Nem estou afim, mas ele não me dá tempo. Trás uma folha de papel impresso e me olha como se tivesse acabado de sair de outra dimensão. Ao mesmo tempo dispara a perguntar:

- Você já viu isso? Você sabia disso?

Penso em tragédias, quem sabe no rompimento dos cabos que seguram o elevador fato que nos levaria, juntos, para a eternidade. Mas, não.  Afoito, o meu vizinho passa a me dizer que acabou de imprimir, de um site da internet, informações sobre estranhos acontecimentos ocorridos no Triângulo das Bermudas. Segundo ele, no Triângulo têm ocorrido desaparecimentos de aviões, navios e barcos. Ao que se tem notícia isso tem acontecido desde 1800 quando uma nave sumiu no local com seus 90 tripulantes. Pergunto que tipo de nave. Ele não responde, mas acrescenta, consultando a folha que tem nas mãos:

- Rapaz, é demais. Veja só: em 1840 foi encontrado na região um barco francês desaparecido sem nenhum tripulante. Note que o barco estava intacto, velas recolhidas e carga intocada.

Chegamos ao térreo, tendo me despedir, mas o meu vizinho continua, febrilmente:

- Trata-se de uma longa lista de sumiços, todos no mesmo lugar. Não é normal, não pode ser normal.  Há relatos de cerca de cinquenta casos. Veja: em 1945 um avião Superconstellation da marinha americana desapareceu com 42 pessoas a bordo; em 1963 desapareceram o cargueiro Martine Sulphur Queen, o pesqueiro Sno’Boy, dois aviões das forças armadas dos EUA, Stratotankers KC-135 e o avião Cargomaster C-132. Está tudo aqui.

Ouço com atenção. Olhos esbugalhados o meu vizinho me pergunta o que acho disso tudo. Repondo que, sinceramente, não tenho a menor ideia, talvez tudo não passe de coincidência.

- Ah, não é. Para mim isso cheira abdução. Extraterrestres de civilizações mais avançadas que vez por outra abduzem pessoas para estudar os seres humanos.

Depois disso, o vizinho fala sobre outros casos de intervenção de seres do espaço. Lembra-me ele de que, recentemente, o governo do Brasil abriu para consulta documentos secretos sobre OVNIS avistados nos céus do país.

Quando a conversa começa a ir longe demais, dou um jeito de me safar, dizendo que preciso correr à padaria, o café está servido e espera-se pelo pão. De novo em casa faço uma rápida pesquisa sobre o Triângulo das Bermudas. Trata-se de região do Oceano Atlântico, de cerca de 3,95 milhões de Km2, localizada entre as ilhas Bermudas, Porto Rico, Fort Lauderdale (Flórida) e as Bahamas. Fico sabendo que a região é também conhecida como Triângulo do Diabo justamente pelos desaparecimentos que são mais ou menos comuns por ali. Há quem atribua os estranhos fenômenos ao fato da região passar pelo polo magnético da Terra. Será por isso? Em todo caso, afirma-se que os desaparecimentos remontam à época em que viveu Cristóvão Colombo ou mesmo antes.

Campos magnéticos estranhos, ação de extraterrestres, resíduos de cristais da Atlântida, sejam quais forem as causas, os desaparecimentos de fato ocorreram e daqui por diante vão assombrar a imaginação do  não menos estranho vizinho do terceiro andar. 

Em todo caso, absurdo ou não, eis aí como a vida é imprevisível e um vazio de sábado pode ser rapidamente preenchido: do nada se entra na atmosfera de fatos inexplicáveis ocorridos no Triângulo do Diabo e as mentes tornam-se efervescentes.

Triângulo do Diabo?

Perigo de duas rodas

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O perigo está nas ruas. Trata-se das motocicletas, quase sempre dirigidas por pessoas apressadas para quem qualquer atraso parece ser questão de vida ou morte. Entende-se: entregadores de pizza, motoboys que prestam os mais variados serviços, pessoas em trânsito para casa ou trabalho, o veículo é rápido, não fica preso no trânsito e não se pode negar que seja muito útil. Reclamamos dos motoqueiros, mas não prescindimos dos seus serviços: um documento que precisa ser enviado com urgência a algum lugar - os motoboys são meio seguro e barato para que a encomenda chegue ao destino.

Tudo isso se entende; o que não dá para aceitar é a indisciplina no trânsito, as situações de risco proporcionadas por motoqueiros, os acidentes tantas vezes fatais provocados por pura inconsequência.

Hoje em dia as cidades estão sitiadas por nações de motoqueiros. Dirão que há mais tempo existem nações de motoristas de automóvel. É verdade. Existe, contudo, uma diferença ligada à maior mobilidade das motos. Na prática o que se vê é a movimentação desordenada das motocicletas surpreendendo, perigosamente, outros veículos e, principalmente, pedestres.

É sempre bom lembrar que em muitas avenidas os sinais de trânsito não ficam fechados com tempo suficiente para a travessia de pessoas mais lentas como idosos. Entretanto, é frequente que observemos motocicletas projetando-se além da faixa de pedestres antes que o sinal verde apareça. A situação se complica quando a motocicleta vem de trás, portanto em movimento, e não chega a parar.

Escrevo sobre esse assunto após receber a notícia da perda de ente querido por uma família cujos membros são de minha afeição. Notícia trágica, dor incomensurável provocada por atropelamento de motocicleta. Desconheço as circunstâncias do acidente e não há que se culpar o motoqueiro antes que a perícia esclareça os detalhes. Mas, baseando-se no que acontece diariamente, não é demais ponderar sobre mais um desses lamentáveis episódios nos quais a imprudência e o desrespeito à vida resultam em tragédias.

As novas e crescentes facilidades de crédito têm trazido para as ruas grande quantidade de novos veículos. Muitos são os fatores a exigir atenção redobrada das autoridades no sentido de regulamentar o trânsito para evitar que acidentes aconteçam. Afinal, de ambos os lados existem seres humanos, bastando lembrar o número de motoqueiros hoje inválidos em consequência de acidentes.

Estamos em plena Semana Nacional do Trânsito. Vi na TV um vídeo que mostra rapazes felizes pouco antes de acidente que tirará as suas vidas. Imagens duras, mas necessárias. De fato, a responsabilidade deve ser de todos para que tragédias, como essa de hoje que tanto me comove, deixem de acontecer.

Primavera

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Começou, na madrugada, a primavera. Acordei, às três horas da manhã, despertado pelo ruído de fortes ventos. Abri os olhos no escuro e me lembrei dos versos de Alberto Caieiro:

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Depois me vieram imagens de flores, aquelas que tínhamos nos canteiros do fundo do quintal.  Da velha roseira que minha mãe cuidava como a um filho, que restou? Nem a roseira, nem minha mãe, nem as vozes da gente daquele tempo, as pessoas tão altas e graves que eu via de baixo, do meu patamar de menino.

A realidade não precisa de ninguém para continuar acontecendo. Talvez por isso o primeiro noticiário ignorasse a magia da manhã e relatasse a morte de quinze pessoas em dois acidentes nas estradas. Morreram antes da nova manhã, não viram o início da primavera, mas ela começou, imperiosa, sem eles.

Houve um tempo, nas aldeias do Brasil, em que os sinos badalavam forte, anunciando a estação das flores. Então havia mais alegria, menos sofrimento e a dor tinha recato, não se expondo tanto como hoje. Ventava, sim, nas madrugadas, mas as pessoas não se incomodavam porque tinham histórias a contar, sentadas na cozinha, em torno do bule com café. Mas, os tempos são outros. Um amigo me disse, ainda nesta mesma semana, que os contadores de histórias estão desaparecendo. Já quase não existem cozinhas com fogões de lenha, gente perdida nas madrugadas contando histórias, amplos quintais com roseiras e velhinhas cuidando de flores. O mundo mudou.

A primavera começa num dia claro, sem alarde. Ninguém passa pela minha porta carregando flores, festejando o início da nova estação. Só na minha memória a realidade desfeita persiste, mundo colorido no qual minha mãe está debruçada sobre um canteiro e pessoas correm, felizes, num infinito campo de flores.

O caso Neymar

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Pelo simples fato de existir o craque Neymar atira pesadas farpas em conceitos e preconceitos ligados à educação. Falta a ele amadurecimento, estamos criando um monstro e por aí vão as inúmeras opiniões sobre o jogador do Santos.  Há quem o defenda, dizendo que está-se a exigir demais de pessoa tão jovem, que a educação dele pertence apenas ao pai e a ninguém mais.

O caso Neymar vende. Existem bonecos Neymar, crianças cortam o cabelo “a la Neymar” e os noticiários cedem, diariamente, grande espaço ao jogador. É quando os sociólogos e pedagogos de plantão entram em cena para confrontar a celebridade precoce de Neymar como o fato de ele não estar preparado para tanta badalação. Existe, também, o salário de Neymar que informa-se ser de 1 milhão por mês, livre de impostos. E, ainda, o fato de Neymar não ter ido jogar num clube inglês, sob a desculpa de dirigentes e familiares de que tudo tem o seu tempo, melhor ficar por aqui até amadurecer, crescer no seu ambiente, etecetera e tal.

Mas, não é só isso. Neymar está cercado por muitas problematizações, a maioria relacionada com a sua juventude e sucesso precoce. Os adversários em campo o culpam pela irreverência despropositada como o caso de um chapéu dado em momento de bola parada. Por seu turno, Neymar reclama que batem muito nele, isso sob a complacência dos juízes que o deixam apanhar para valer sem fazer nada.

Por último – veja-se que está muito longe de qualquer último nessa história – Neymar se desentendeu com o técnico, revoltou-se porque foi impedido de bater um pênalti, bateu boca no vestiário - dizem que até atirou uma garrafa - vai-se lá saber o que de fato aconteceu. O técnico exigiu punição, a diretoria achou demais e o técnico foi demitido.

Se todos esses fatos forem colocados num liquidificador e, depois, batidos com boa velocidade, creio que teremos um estrato do que se passa na cabeça do Neymar. Jovem demais e dotado de prodigiosa familiaridade com a pelota, está ele agora naquela parte inicial do estrelismo, na qual a estrela pesa demais sobre a cabeça. Não dão a ele folga e todo mundo acha – inclusive eu – que se pode dizer alguma coisa a respeito, quem sabe interpretar tudo e achar uma explicação ou caminho que ponha as coisas em seus devidos lugares.

Neymar é, no momento, só um menino com acesso de rebeldia, de grau maior que a prevista para a idade por conta da fama de que goza. É ídolo de pés de barro, mas não adianta avisá-lo sobre isso porque, nesse caso, o aprendizado não se faz por via oral, fica por conta da vida. É bom lembrar que tudo o que Neymar sabe é chutar bola, aliás é bem isso que todo mundo espera dele. Então, se queremos de fato ajudá-lo, vamos deixar o rapaz em paz, parar com toda essa badalação, diminuir o espaço no noticiário, parar de correr tanto atrás dele, fazendo estardalhaço sobre tudo o que se relaciona a ele. Quem sabe tratando o rapaz como um ser humano normal ele possa descer das nuvens e jogar, jogar muito, fazer à perfeição o que ele sabe.

Simples assim? Pode não ser, mas pode ajudar.

O descrédito do saber

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Os antibióticos são eficientes para matar bactérias e vírus; civilizações antigas foram visitadas por ETs; e a astrologia é uma ciência. Essas e outras afirmações errôneas partiram de alunos de graduação do EUA. Para que se tenha ideia 65% de 10000 entrevistados acreditam que ETs tenham ajudado na construção das pirâmides do Egito.

Outro dia um amigo, professor de curso superior de História, reclamava que seus alunos nunca tinham ouvido falar de Getúlio Vargas. Queixas sobre falta de conhecimento são gerais entre professores. Redações de alunos cursando diferentes níveis escolares variam desde o quase analfabetismo de alguns à ausência de lógica das colocações de outros. Não se trata apenas de falta de ideias ou dificuldades de expressão: na base do problema está a ausência de conhecimentos. Existem, é verdade, grandes e honrosas exceções.

Há alguns anos vigorava entre os jovens certo compromisso com o saber. Era no mínimo desagradável conversar com alguém e não participar de um assunto proposto durante a conversação. Falava-se muito em Darwin e Marx, por exemplo. Obviamente não se conheciam em profundidade as teorias propostas por esses e outros pensadores. Mas, tinha-se algum conhecimento sobre elas, o suficiente para, como se dizia então, não fazer feio.

Em família sempre me diziam que era preciso ler para não dar o vexame de ficar calado durante um papo com amigos, só por falta de conhecimentos. Não sei se isso terá influenciado alguma coisa em minhas escolhas e vida de leitor. Em todo caso, na época não dispúnhamos de tantos atrativos como internet, TV Digital, celulares e toda a parafernália eletrônica que permite contatos instantâneos entre pessoas. Daí que se lia de tudo, desde gibis, romances exageradamente românticos, às deliciosas perversões de Carlos Zéfiro. Era um caminho que atraia para a leitura posterior de obras mais consistentes. Começava-se com os quadrinhos do Capitão Marvel, passava-se às coletâneas de contos policiais do Ellery Queen e chegava-se a Dostoievski. Era, sim, um ótimo caminho.

Não sei bem o que dizer sobre isso. Quem dá aulas ou faz palestras assusta-se com o grau de desinteresse da maioria dos presentes. O mundo é rápido demais, talvez não valha a pena pensar, talvez inconscientemente isso se passe na cabeça dos jovens. O prazer da conversação foi substituído por uma linguagem pobre, quase em código, na qual modismos e expressões sincréticas substituem frases inteiras. O intimismo está afetado pelos watts das baladas ensurdecedoras onde o ponto de contato é a linguagem dos corpos que se entendem às maravilhas.

Mas, que não haja desânimo. O homem é uma criação surpreendente. Ele é capaz de dar voltas em torno de si mesmo e renovar-se. Os modismos e apelos passam, já o homem não. De repente é possível o retorno aos trilhos, a cultura recupera seu valor intrínseco e as pessoas tornam a discutir temas de bons livros, por que não?

Repito: o homem é uma criação surpreendente.

Serapião Filogônio

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“O quase fim de Serapião Filogônio” é romance do escritor mineiro Jonas Rosa. No texto da contracapa somos avisados de que Jonas Rosa é natural da região da Zona da Mata. É o espaço geográfico do Estado de Minas Gerais que faz divisa com os Estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro.

É dentro desse contexto geográfico que se passam as aventuras de Serapião Filogônio, conduzidas pela verve poética de Jonas Rosa. Verve de quem domina o território tantas vezes agreste em que situa a sua narrativa para a qual atrai o leitor como aranha que, devagar e precisamente, arma sua teia de pequenas narrativas interligadas, envolvendo-o.

Serapião Filogônio é herói às avessas cujo destino é seguir uma trajetória acidentada na qual seres humanas e animais se entrecruzam, como a demonstrar que nada pode impedir a ação do acaso. Serapião, pai de família endividado, deixa mulher e filhos na imprecisa localidade de Pavanópolis para deslocar-se em direção ao Rio de Janeiro. Misto de vaqueiro e homem ilustrado segue em busca de emprego e ressarcimento de dívidas que darão dias melhores aos seus. Entretanto, é da lei da vida que os caminhos sejam plenos em percalços, o primeiro deles o afundamento do ônibus de viagem num atoleiro. Trata-se de um aviso: a vida de Serapião não passa de um grande atoleiro do qual só a sorte e o acaso poderão livrá-lo porque, com frequência, sua vontade sucumbirá a múltiplos apelos de ocasião.

Conhecedor profundo do modo de vida das gentes do interior, hábitos e, mais que isso, das inflexões que atormentam a alma humana, Jonas Rosa faz uso da terceira pessoa para narrar os descaminhos que se opõem ao deslocamento de Serapião. É através da sua pena que adentramos o mundo contraditório no qual Serapião circula, desgarrado de tudo, mas, ainda assim, amarrado às circunstâncias de momento. De fato, Serapião goza de uma teórica liberdade de ir e vir, fazer o que der na sua telha. Pode, por exemplo, seguir hoje ou amanhã para o Rio, completando a sua viagem. Entretanto, existe sempre um fator a atraí-lo, espécie de garra que o prende como se própria vida se dispusesse a brincar com o destino do homem, surpreendendo-o, nem sempre positivamente. Aqui a falta de dinheiro, mais à frente o amor impossível por uma mulher, a possibilidade de suicídio nas águas de um rio, tudo parece conspirar contra Serapíão, impedindo-o de prosseguir.

A referência anterior a narrativas interligadas ilustra, com alguma precisão, o pulso da obra de Jonas Rosa. De fato, o modo de narrar do autor lembra muito a ideia de “mar de histórias”, de novelo narrativo. Por detrás de Serapião Filogônio existe, também, um hábil “contador de causos” que utiliza os descaminhos da sua personagem para contar a história das vidas de pessoas com as quais ela se encontra: um fazendeiro rico que gosta da noite e da orgia, uma negra que nasceu escrava, um homem que matou a mulher e o amante dela; Serapião surge como fio condutor de vidas reveladas, relatos talvez vinculados à tradição oral da região onde a trama se passa.

Por fim, há que se falar do próprio Sebastião Filogônio. Personagem rica e elaborada em bases consistentes, sobre ela repousam inúmeras possibilidades narrativas. Jonas Rosa explora a sua criação ao limite, fazendo uso de linguagem poderosa e tantas vezes poética. Através de Serapião, o Autor deixa emanar o seu amor por um mundo que tão bem conhece e os saberes que a vida simples, mas tão rica do interior, proporciona. O texto é agradável, preciso e dotado da magia que nos faz prosseguir ao final de cada página. E não importa que o título do livro nos alerte, desde o princípio, para o fato de que Serapião Filogônio não morrerá, afinal trata-se de um “Quase fim”.

 “O quase fim de Sebastião Filogônio”, do escritor Jonas Rosa, é livro que se lê com prazer, boa literatura que, infelizmente, não recebeu da crítica atuante a devida atenção. A obra foi publicada pela Ateliê Editorial. Vale a pena ler.