2010 setembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para setembro, 2010

A Bienal e “Inimigos”

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Está na berlinda a obra “Inimigos”, do artista pernambucano Gil Vicente. Da sua obra, a ser exibida na próxima Bienal de São Paulo, constam quadros em que ele, o artista, aparece assassinando algumas personalidades. Fernando Henrique Cardoso vai receber tiro na cabeça; Lula está prestes a ser degolado. Outras personalidades são assassinadas por meios diferentes.

A OAB-SP protesta por entender que os quadros fazem apologia do crime. Para a OAB as obras mostram o desprezo do artista pelas figuras humanas e o desrespeito pelas instituições que elas representam, daí incitarem ao crime. Reconhecendo que não se pode impedir que uma obra seja criada a OAB-SP afirma que deve-se impedir a exposição em espaço público de obra que afronta a paz social.

A Fundação Bienal considerou tentativa de censura a manifestação da OAB-SP e reafirmou a exibição da obra. E Gil Vicente esclarece que sua intenção foi a de descarregar o inconsciente.

Desde que o grande iconoclasta Marcel Duchamp rompeu com todas as convenções estéticas e foi acusado de matar a arte o mundo da pintura e da escultura pode entregar-se a toda sorte de experimentações. Vanguardista à frente da própria vanguarda, Duchamp assombrou espíritos e intelectos com os seus readymades. Trabalhos como “Roda de Bicicleta”, constituído de uma roda de bicicleta sobre uma banqueta branca de cozinha e “Fonte”, nada mais que um mictório de louça virado para baixo, são readymades famosos. “Fonte” chocou até mesmo os mais avançados modernistas que viram obscenidade na obra classificando-a como “não artística”.  Daí por diante Duchamp não refreou sua busca de individualidade, ainda que suas obras pudessem ser entendidas como antiarte.

A citação de Duchamp é feita com o intuito de lembrar que trabalhos aparentemente estranhos podem ter significados maiores, por vezes no futuro. Não há ensaio sobre o modernismo que não se demore na obra de Duchamp, marco de época, por mais bizarra que ainda pareça ser a pessoas que nelas não vejam qualquer significado.

Entretanto, essa não parece ser a sorte dos trabalhos de Gil Vicente. As reproduções de seus quadros da série “Inimigos”, publicadas pela mídia, não diferem muito de cenas de crime que estamos habituados a ver. Copiam a realidade, acrescentando a ela um único ingrediente capaz de chamar a atenção: o fragrante de assassinato envolve personalidades conhecidas. Nada mais atrai a atenção para “Inimigos” do que isso.

E aí? Quem tem razão? De que lado ficamos? Para começar, no caso pouca importam as intenções do artista de vez que obras têm personalidade própria e, quando terminadas, independem de quem as produziu. No mais, a exaustiva polêmica, de um lado sobre censura, de outro de afronta à paz social, talvez careça de sentido. O fato é que Bienal não deveria expor “Inimigos” por uma razão bem mais simples: trata-se do mais puro kitsch. Por isso, e apenas por isso, a obra não vale ser exposta.

Filmes em tela pequena

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Ok, no cinema é sempre melhor. Tela grande, o saudoso escurinho das matinês, todo o encanto que o as salas de projeção têm. Mas, cá entre nós, é preciso sair de casa, enfrentar o trânsito etc. Em São Paulo – não sei se em mais quantas cidades – os ingressos podem ser comprados via internet, pelo menos para alguns cinemas. No interior o jeito é chegar antes e entrar na fila. Estou desinformado? Tá bem, mas que fazer se as minhas atividades de cinéfilo estão restritas a uma única região?

Por outro lado, há que se pensar na comodidade de assistir a filmes em casa. Uma televisão de 52 polegadas e um filme em boa resolução ajudam muito. Para quem tem TV a cabo e paga pelas transmissões em HD torna-se possível ver filmes com imagens perfeitas. Não é igual ao cinema, mas dá para enganar e muito bem.

O problema dos filmes pela TV é que são antigos e repetidos à exaustão. De tempos para cá novos canais HD têm sido acrescentados à programação, mas, infelizmente, a maioria só exibe filmes dublados. Há quem prefira isso às legendas; pessoalmente não gosto e acho que se perde muito da dramaticidade com a dublagem nem sempre bem feita.

Em muitas esquinas existem vendedores de filmes piratas. Trata-se do baixo comércio envolvendo a sétima arte. Deixando de lado o crime – se é que isso é possível – o fato é que os filmes piratas não têm boa qualidade de som e imagem. Numa época em que os avanços tecnológicos têm dado ao cinema grande poder de sedução através da imagem e do som é verdadeiramente um desperdício de prazer assistir a filmes piratas.

Outra coisa a ser considerada é a frequência de lançamento de filmes considerados bons. O que vemos é uma enxurrada de produções menores, algumas delas trazendo como atrativos atores de renome. De olho nas bilheterias os estúdios correm atrás do público, para isso abusando de clichês e efeitos especiais. Em geral, a chamada crítica especializada fecha os olhos para isso e assume o papel do Dr. Pangloss: os críticos tentam ver algo de bom naquilo que não presta.

Tal é a importância do cinema e tantos adeptos tem a sétima arte que não seria demais se as escolas ensinassem aos estudantes a pelo menos separar o trigo do joio. O cinema interfere, sim, na educação, modos de ser e condiciona jovens a situações ilusórias. Nada de mal se os jovens aprendessem a ver um pouco além da trama exibida, tirando conclusões além das ditadas pelos heróis cinematográficos a que tanto admiram.

Por fim, volto ao começo: nada melhor que uma sala de cinema, de preferência com poltronas confortáveis, ótimo som, tela enorme e - ia me esquecendo - público comportado. Nada daquele carinha que conversa o tempo todo bem atrás de você, das pessoas que gritam no escuro só para atrapalhar, dos bobos de sempre que têm prazer em interromper momentos de enleio dos outros.

Vamos ao cinema!

Resistindo às intempéries

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Uma velha senhora, com mais de 100 anos de idade, dotada de invejável poder de resistência. Sólida, altiva, sempre em pé, ela avança contra rajadas de ventos cortantes, tsunamis ou o que vier ao seu encontro. Às vezes chora, mas baixinho: não quer que a vejam temerosa ou simplesmente chocada pelo modo como a tratam, pelo desrespeito a ela que tanto dá de si aos outros.

Essa senhora vetusta já viveu bastante para conhecer os homens e sua incrível capacidade de torcer tudo em acordo com os seus interesses. Mais que centenária ela conviveu com os mais variados tipos de gente e, quando se desesperou, pode conformar-se por saber que o tempo passa e com ele as pessoas que, iludidas com o poder, terminam por desaparecer. Talvez por isso ela goste muito de visitar palácios e museus para olhar faces às quais conheceu de perto e que, agora, não passam de um retrato esquecido dentro de uma moldura. A historia dos homens que tiveram alguma importância termina pendurada em paredes, esse o pensamento que mais conforta à velha senhora quando se defronta com a imagem de alguém que a desprezou ou falsamente agiu em nome dela.

Quem é a velha senhora, de quem estamos falando, afinal? Ela é conhecida por aí como República. Velha e altaneira, respeitável ao limite, a República talvez esteja cansada de singrar em mares cobertos de lama. Quer ela águas límpidas e honestas, muito sol e verde, alegria e acolhimento aos que dela dependem. Entretanto, isso parece impossível no grande país de glórias sempre inconclusas no qual o Estado tem sido meio útil para realizações pessoais, quando não mesquinhas.

Escrevo para avisar que a República do grande país dos brasileiros está doente. Tentei visitá-la hoje de manhã, mas ela não pode me receber. A equipe médica que cuida da doente publicou um boletim informando que o mal é grave porque afeta o coração, naquela parte onde se instala o gabinete da Casa Civil.  Atos indevidos, favorecimentos, tramoias e corrupção, fizeram mal à corrente sanguínea da doente, ela que já vinha abalada por problemas no setor de Receita onde ocorreram quebras de sigilo etc.

Mas, que não nos desesperemos. O boletim médico lembra-nos que a velha senhora é forte e resistirá, como já o fez muitas vezes ao longo de sua vida centenária. A favor dela conta o fato de ser maior que os vírus que a contaminam, daí a cura ser nada mais que uma questão de tempo. Ressaltam, ainda, os médicos que conta a favor da velha senhora o dom de ser muito paciente: ela sabe que, não muito tempo adiante, alguns dos que hoje não a respeitam como deveriam nada mais serão que rostos dentro de molduras. Sabe mais: conhece que a maioria nem ao mesmo será enquadrada, a eles sendo reservado o esquecimento, condição vital para exemplo às novas gerações.

A crise da Igreja

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Aprendi com os militares que o Exército é um corpo orgânico, corda para vibrar em uníssono. Numa instituição dessa natureza a ideia de tempo é relativa: passado e presente se confundem em torno da mesma arma e da defesa dos mesmos princípios. Existe, por detrás da farda, uma ideologia que reveste a cultura particular dos homens que a vestem. O cidadão deixa parte de si e sua crença pessoal para trás quando sob o desígnio da farda que confere a ele o sentido de corporação. O corporativismo fala mais alto, sobrepõe-se à individualidade.

Esse modo de ser é também observado na Igreja. Instituição milenar, a Igreja atravessou períodos difíceis desde que Pedro se tornou o primeiro papa. Foi combatida e perseguida, mas sobreviveu. Penou e fez mártires sob o jugo do Império Romano, escondeu-se, mas não deixou de existir. Sobreviveu aos impérios, ditou regras e perseguiu durante as trevas da Idade Média, exercitou seu grande poder através de concílios e a história do mundo seria totalmente outra caso a Igreja não existisse.

Quando se fala sobre crise na Igreja os que a defendem respondem com segurança: vai passar, como passaram todas as outras. A intuição é maior que os homens e os momentos históricos em que eles atuam. Além disso, tem a seu favor a fé, os mandamentos e a tradição de sacrifício e verdade. Se em algum momento parte seus membros sucumbiram ao pecado, se existem papas no inferno como quis Dante, a instituição não se abalou com isso. Resistiu justamente porque esse foi o caminho previsto por Deus, sacramentado pelas escrituras.

Tudo isso é bem conhecido e soa muito lógico. Entretanto, hoje em dia não é demais perguntar sobre o que se espera do futuro da Igreja. Os muitos escândalos em que têm se envolvido membros do clero realmente constituem-se num desafio à estabilidade de tão antiga instituição. Nos últimos tempos inúmeros casos de pedofilia entre membros do clero tornaram-se públicos, combalindo a confiança dos fiéis. Agora, aos conhecidos escândalos dos Estados Unidos e da Áustria, vêm se somar a descoberta de casos na Irlanda. Um relatório aponta 488 queixas de casos de pedofilia, ocorridos entre 1950 e 1980, com terríveis consequências para as crianças, hoje adultas. Basta dizer que treze das pessoas que sofreram abusos por parte de padres suicidaram-se. Considere-se, ainda, que a pesquisa refere-se a casos passados e envolve pessoas adultas que só agora se dispuseram a falar sobre o seu sofrimento. Isso quer dizer que nada se sabe sobre a situação atual, sendo justas as preocupações de que casos de pedofilia continuem acontecendo.

 São esses fatos lamentáveis que, trazidos à luz, nos fazem ponderar sobre a situação atual da Igreja. Por que a ocorrência de tantos casos de pedofilia no seio da instituição? Só o tempo nos trará respostas para essas e outras indagações sobre fatos que indignam a opinião. Enquanto isso se espera por muita vigilância e punições e não só nos cleros de países até agora declaradamente envolvidos em escândalos sexuais.

Esse é um caso em que orar para que não aconteçam desgraças parece não estar dando muito certo, daí a necessidade de ações rápidas e preventivas por quem de direito e responsabilidade.

Escrito por Ayrton Marcondes

16 setembro, 2010 às 8:29 am

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Tempo seco

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Humidade do ar baixa em várias regiões, ar irrespirável, incêndios em toda parte, o mês do início da primavera vai em frente com tudo. E quanto às notícias boas? Dependem de quem as recebe, boas para uns, péssimas para outros.

Veja-se a política. Para a gente do PT as notícias são mais que boas porque a candidata à presidência a cada dia soma mais pontos sobre o candidato do PSDB. É preciso lembrar que, há pouco tempo, a situação estava invertida e perguntava-se se o presidente da República conseguiria transferir o seu imenso crédito popular à candidata de sua escolha. Pois conseguiu e o fez participando ativamente da campanha dela, participação essa nunca antes vista em tal proporção por meio de um primeiro mandatário da República.

Se as pesquisas estiverem corretas e nenhum fato novo e de grande dramaticidade acontecer, a sorte das próximas eleições presidenciais não só está lançada como definida. Vence o PT e, caso novos ventos não surgirem, esse partido estará à frente do governo por mais doze anos.

Ganhe quem ganhar, a verdade é que não se tem certeza alguma sobre o comportamento futuro daqueles que serão eleitos em todos os níveis hierárquicos em disputa. No caso da presidência da República isso é muito preocupante. Basófias à parte vale dizer que o presidente Lula governou numa época de especial bonança. Nada de grave aconteceu de fato durante o seu governo. Pode ele - e seu Ministério das Relações Exteriores – arriscar políticas externas sofríveis sem que isso tivesse maior repercussão dentro e fora do país. Pode ele interferir, a seu modo, sobre quase tudo sem que isso de fato ameaçasse a estabilidade democrática. Mas, pergunta-se, como teria ele agido se submetido à pressão? Durante uma ameaça de guerra, por exemplo? Na iminência de participar ou não de um conflito como, com alguma frequência, acontece aos EUA? Caso fosse dele exigido o verdadeiro perfil de estadista?

Entendidos do ofício político costumam afirmar que há homens para tempo de paz e outros para tempos de guerra. Em outras palavras, existem dirigentes para tempos de bonança e outros para tempos ruins e traumáticos. Nos EUA o falecido senador Ted Kenedy era tido como excelente parlamentar, mas duvidava-se dele para o cargo de presidente dado que o julgavam fraco para o nível de pressão inerente ao cargo.

Felizmente o Brasil passa bem, viaja em céu de brigadeiro. Não é o caso de se dizer que basta ligar o piloto automático, mas é quase isso. Mas, como se comportaria a classe política que aí está caso graves acontecimentos acontecessem? Meu caro, o melhor é nem perguntar. Somos o país do carnaval e no carnaval viveremos, assim decretaram os deuses. Acredite!

Preocupação de mãe

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Uma mãe, cujo filho está cursando a 3ª série do Ensino Médio, não quer que ele frequente faculdade no ano vindouro. Alega ser o filho jovem demais para escolher profissão. Fala sobre si mesma, da precocidade das escolhas que ela fez, dos compromissos assumidos muito cedo, da vida enfim.

É uma mulher bonita que traz no rosto marcas inconfundíveis de sofrimento. Reclama que tornou-se adulta precocemente e não quer que isso aconteça ao filho. Quer saber a minha opinião, o que acho disso tudo, da vida como ela é.

Repondo que cada um é proprietário de experiência pessoal intransferível. Em geral tentamos evitar que os nossos filhos quebrem a cara onde nós mesmos a partimos em vários pedaços. Entretanto, é impossível gerar um caminho seguro para  aqueles a  quem amamos tanto. Existe, ainda, o fato de que o mundo é sempre outro, renovando-se a cada instante, daí tantas situações novas propostas para as quais experiências anteriores talvez não sirvam.

É uma conversa longa. O que a mãe procura é apoio ao seu modo de pensar,  jeito de talvez driblar a realidade como se fosse possível planejar trajetórias menos traumáticas. Respondo às colocações dela do meu jeito, lutando para não me comprometer muito, afinal não é todo dia que se é intimado a participar de decisões sobre destinos de outras pessoas.

A certa altura a mãe me pergunta se eu teria filhos caso soubesse como é o mundo de hoje. Para que colocar gente nesse mundo louco no qual a vida em sociedade descamba cada vez mais, a violência torna-se incontrolável etc.? Não sei o que dizer a ela, começo por lembrá-la que eu precisaria, talvez, ter cerca de 30 anos agora para pensar com a cabeça dessa idade e tomar uma decisão sobre ter ou não filhos. Em todo caso, acrescento, isso não nos leva a nada, não resolve o problema porque o que está feito está feito e é irreversível.

A mãe vai embora e deixa diante de mim um mundo de interrogações. O que a aflige é a vida como ela é, a certeza de que o filho fará suas escolhas muito cedo e nada poderá evitar que isso aconteça. Ele chegará à universidade com 18 anos, provavelmente aos 25 estará trabalhando em sua profissão e, quem sabe noivo ou casado. Depois dos 30 pode ser que experimente uma crise, aquela em que se descobre que tudo poderia ter sido diferente, mas provavelmente será tarde demais para mudar tudo. Então o homem que ele será encarará a vida como todos nós fomos obrigados a encarar um dia, sem o desvelo da mãe, lidando diretamente com a realidade. E seguirá ele por esse caminho que todos nós andamos, estrada que parece infinita, mas tem prazo, aquele prazo em que a máquina humana começa a dar sinais de cansaço, a falhar, até parar definitivamente.

Eu ia dizer para a mulher que me procurou, afirmar que a vida é uma criação ao mesmo tempo maravilhosa e terrível, alicerçada em contradições, daí que ela não se preocupasse porque, de todo modo, as coisas aconteceriam ao filho dela conforme teriam que acontecer. Mas, eu não disse nada, talvez por covardia, pelo receio de desfazer um sonho e o delírio de que com o filho dela tudo seria muito diferente e fantástico, uma vida estelar, dessas que poucas vezes acontece a alguém. Talvez com o filho dela, por que não?

No calor da hora

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Pessoas voltadas à pesquisa são habituées de velhos documentos. Guardam esses papéis emoções de momentos passados e quase sempre revelam, senão a verdade, pelo menos a visão de pessoas que participaram ou presenciaram acontecimentos marcantes, alguns deles decisivos para a história dos povos. Os velhos documentos ressuscitam cotidianos e são impregnados pelo sabor de fatos vividos no calor da hora. Nada há a se corrigir neles: são o que são e a intromissão em seu conteúdo com olhos e saberes do futuro funciona como uma espécie de vírus fadado a contaminá-los e distorcer aquilo que os homens de uma época viveram e sentiram num dado momento. Mais geral e profunda será a análise histórica, essa sim armada de métodos úteis para a interpretação posterior dos acontecimentos.  Não será a análise histórica baseada num único veículo ou documento, ou na opinião de uma só pessoa que, na época dos acontecimentos, dispôs-se a interpretá-los: é do confronto de fontes e totalização de informações que poderá nascer o texto que dará forma, senão final, pelo menos mais aproximada aos fatos pesquisados.

Faço essas observações após receber a notícia de que o Arquivo Público do Estado de São Paulo disponibilizou o “Fundo Última Hora” composto por 166 mil fotografias, 500 mil negativos, 2.223 ilustrações e uma coleção de edições da Ultima Hora do Rio de Janeiro entre os anos de 1951 e 1970, em  papel ou microfilme. Os interessados devem acessar o site http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uhdigital/index.php no qual estão disponibilizadas, amostragens de edições do jornal ao lado de fotografias e ilustrações. Para que se tenha ideia do valor desse material basta escolher a data de uma das edições disponibilizadas no site, por exemplo, a do dia 14 de dezembro de 1968. No dia anterior o então presidente da República, General Arthur da Costa e Silva, decretou o Ato Institucional nº 5 (AI 5) que teve profundos reflexos sobre a história do país.

A edição de 14/12/68 do jornal “Última Hora” notícia o fato com manchete em primeira página:

ATO-5: O OBJETIVO É MANTER A REVOLUÇÃO

Em letras menores e acima do da manchete principal lê-se:

1. CONGRESSO EM RECESSO POR TEMPO INDETERMINADO
2. HABEAS-CORPUS SUSPENSO PARA DELITOS POLÍTICOS
3. PODER PARA CASSAR, DEMITIR, APOSENTAR E REMOVER

Assim o público leitor recebeu, através da “Última Hora”, a notícia do Ato Institucional sobre o qual ainda hoje se debruçam estudiosos da história do país. Pagava-se, nas bancas,  NCr$ 0,30 pelo jornal. Além das medidas dos governo, ficava-se também sabendo que os últimos atos políticos não haviam influenciado o movimento bancário, as vendas de natal e a frequência de banhistas às praias do Rio de Janeiro.

É desse modo que os fatos cotidianos da última sexta-feira 13 do ano de 1968 nos são devolvidos pela edição do dia seguinte do jornal “Última Hora”: notícias quentinhas, colhidas no calor da hora.

Amigos

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São coisa para se guardar dentro do peito, assim diz a letra da música. São muitos? Poucos? Verdadeiros? Como anda a amizade nesses tempos pós-modernos, loucos, invertidos, desagregadores? Pode-se confiar nela?

No grande isolamento imposto pela vida atual, na reclusão e marginalização dos seres humanos pressionados por fatores diversos e necessidades múltiplas, as pessoas se procuram, buscam pontes de acesso umas às outras, rebelam-se contra o isolamento ou conformam-se com a solidão, não sem protestar.

Pano de fundo de toda a situação, a confiança está na berlinda. Amizade não prescinde de confiança e algum desapego. Mas, como confiar dentro de uma guerra de interesses e colisões quase sempre inevitáveis?

Pois, estas mal traçadas estão aqui para dizer que a amizade tem resistido bravamente aos assédios a que é submetida. Conserva-se ela como valor do qual não prescindem os seres humanos, patrimônio inseparável da felicidade. Haverá quem veja nesses dizeres muito de pieguice e, talvez, tenham razão. Mas, vale o que disse certa vez o poeta Drummond em relação às cartas de amor:

Cartas de amor são ridículas. Mas, ridículos mesmo são os que nunca escreveram cartas de amor.

A afirmação se aplica inteiramente à amizade. Escrevo sobre isso após, em duas semanas seguidas, presenciar e participar de reuniões nas quais pessoas demonstram muita afeição entre si. Habituado à sisudez das relações comerciais e às imposições da etiqueta vigente no mundo dos mercados, não nego que me surpreendi. Na primeira reunião, jovens deram mostras de verdadeira amizade; na segunda, pessoas mais velhas valorizaram as relações desinteressadas e confessaram o prazer de contatos movidos, unicamente, por amizades duradouras.

Não entro em detalhes para preservar a identidade dos participantes das duas reuniões. Mas, não me furto a escrever sobre esse assunto. Quem sabe sirva ele a alguém que já não acredita na verdadeira amizade e a leve a rever seus conceitos. Acreditem: a vida torna-se bem mais fácil quando se tem bons amigos.

Escrito por Ayrton Marcondes

11 setembro, 2010 às 8:56 pm

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Anatomia de um escândalo

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Mantenho um blog no qual publico textos sobre assuntos que considero relevantes e/ou interessantes. Frequentemente evito a política dado o modo como ela é praticada no Brasil. Além disso, escrever sobre política é ficar num chove não molha porque fatos e descalabros se repetem e paira sobre tudo a impunidade. Zomba-se a céu aberto da inteligência dos cidadãos. Moldou-se um discurso genérico para convencimento das massas, discurso certeiro que acaba encontrando aprovação até mesmo em pessoas ilustradas. Isso se explica: a política não é só razão, ela também é paixão, quando não fanatismo e até extremismo.

Imagino como seja a atividade dos jornalistas obrigados, por ofício, a escrever diariamente sobre política. Trabalham eles com fatos novos que se sobrepõem a outros de igual teor. Trata-se de falar sempre sobre uma mesma coisa, abordar atos e opiniões de atores muito conhecidos e repetitivos, políticos que se caracterizam pela previsibilidade de suas ações e declarações. A tarefa consiste em circular num mundo de faces conhecidas, algumas realmente intoleráveis dada a desfaçatez de suas colocações. Mas, que fazer senão criticar o que é errado e divulgar abusos com a intenção de conscientizar os leitores? Não será esse o caminho para mudar as coisas?

Nos últimos dias o escândalo em pauta é o da Receita Federal. Sigilos pessoais têm sido quebrados, ao que se sabe envolvendo pessoas ligadas ao candidato do PSDB à presidência da República. Primeiro foram políticos ligados a ele, depois sua filha e agora o genro dele. Em busca de votos o candidato esperneia na televisão e acusa os adversários do PT. Isso posto, o próprio presidente da República vem a público, no horário eleitoral da sua candidata, para acusar seus opositores de preconceito contra a mulher e de falta de amor ao país.

Nem é preciso comentar o fato em profundidade. Um simples assomo de seriedade e respeito à democracia exigiria explicações, investigações, medidas imediatas e punições. Entretanto, não faz parte do jogo eleitoral insistir no assunto. O candidato do PSDB teme que seus protestos possam afugentar eleitores; o presidente defende sua candidata com apelos ao sentimentalismo.

Volto ao tema escrever sobre política. Todo mundo conhece a anatomia de escândalos como o citado. Todo mundo sabe no que vai dar. É fato patenteado que a nova ocorrência será acrescentada ao bolo de outros escândalos. A apuração? Seguirá nos moldes de sempre, eternizada, com resultados a perder de vista. Passada a eleição, desvinculados os crimes envolvendo sigilo da maratona de busca de votos, o interesse pelo assunto certamente passará a segundo plano.  E continuaremos escrevendo e discutindo, tendo como pauta o Brasil dos nossos sonhos.

O 7 de setembro

com um comentário

O jornal “Folha de São Paulo”, de ontem, trouxe em primeira página uma foto do quadro de Pedro Américo no qual o pintor retrata o momento em que D. Pedro I, espada erguida, proclama a independência do Brasil. Pedro I está lá, onde sempre esteve, montado no seu cavalo, cercado por outros cavaleiros, às margens do Ipiranga, eternizado no gesto que mudaria a história do país.

A cena é por demais conhecida e incorporada ao imaginário dos brasileiros que aprenderam e aprendem nas escolas o significado daquele momento. Entretanto, o jornal não reproduziu a foto para glorificar o momento e aqueles que dele participaram. Ao contrário, a foto veio acompanhada de setas e números com os quais se intencionou apontar erros na pintura de Pedro Américo, erros esses de natureza factual. São eles: no D. Pedro I não estaria montado no momento da proclamação porque sofria de uma desordem de natureza gástrica e intestinal; nem todos os presentes trajavam uniforme de gala como mostra o quadro; na ocasião as montarias que serviam a autoridades e soldados eram mulas e não cavalos; e, finalmente, o chamado “Grito” não aconteceu bem às margens do Ipiranga.

Os quisessem saber mais detalhes sobre o fato eram direcionados pelo jornal ao caderno “Folhateen”. A reportagem foi, portanto, direcionada o público infanto-juvenil o qual precisaria ser alertado sobre a verdade do momento em que o Brasil tornou-se independente de Portugal.

Sempre admirei o fato dos norte-americanos tratarem a história de seu país, em particular a independência em relação à Inglaterra, com muito orgulho. Faz parte da nacionalidade, do espírito cívico do povo, o respeito a um fato que mudou os destinos do país e contribuiu para a formação da grande potência que são os EUA.  Fato diverso ocorre entre nós onde o exercício de desmistificação de valores pátrios parece ser uma diversão. Afinal, que nos importa se Pedro I estaria ou não sentado numa privada no momento em que tornou o Brasil independente de Portugal? Mulas e não cavalos, distância do Rio Ipiranga, uniformes dos soldados, no que tudo isso afeta um fato de grande importância para a história do país? E por que a ânsia de dizer aos jovens que as coisas não aconteceram do jeito que se conta, por que essa fome de verdade, de acerto de contas com o passado?

Não se trata de nacionalismo ingênuo ponderar sobre isso. É preciso parar com essa verdadeira mania de tomar as coisas pelo que elas têm de menor, desmistificando tudo, fazendo pensar que nessas plagas tudo é assim, que um estranho determinismo nos condena à eterna fanfarrice.

 É muito provável que o quadro de Pedro Américo não retrate o momento da independência do Brasil tal como tenha realmente acontecido. Mas, não fosse a tela como é e a ser verdade tudo o que se diz o que deveria ter sido pintado?  Prefiro pensar na importância da independência e no fato de que o quadro de Pedro Américo serve muito bem à nacionalidade brasileira.