Arquivo para outubro, 2010
Chico Xavier, o filme
Assisti ao filme “Chico Xavier” e confesso que encontrei alguma dificuldade em caracterizá-lo como bom cinema. Em dúvida, fiz o que não se deve fazer: antes de escrever dei uma olhada nas críticas publicadas sobre o filme. Constatei o tom elogioso de todas elas, fato que me despertou a seguinte dúvida: focavam mais a personagem real ou o filme do diretor Daniel Filho?
“Chico Xavier” é a biografia cinematográfica do conhecido médium brasileiro. Daniel Filho tinha em mãos material rico, instigante, que tem despertado a curiosidade e atenção dos brasileiros. De fato, o fenômeno Chico Xavier continua aberto à investigação dado que envolve a crença na vida após a morte e, em grande parte, nos fundamentos da doutrina de Alan Kardec.
Em assunto tão controverso é fundamental a escolha do foco narrativo. O diretor Daniel Filho optou por uma linha de reportagem, baseando-se numa entrevista concedida pelo médium ao programa Pinga Fogo. Apoiando-se nas palavras de Chico Xavier - na ocasião respondendo a perguntas de entrevistadores - o diretor trabalhou com flashbacks com os quais remontou a trajetória do médium desde a infância até a morte dele.
Não é o caso de aqui se discutir se essa seria a melhor abordagem. O fato é que o diretor defrontou-se com uma enorme dificuldade, qual seja a de manter-se ou não isento em sua narração. Apresentar os fatos e deixar por conta dos espectadores a decisão sobre o real significado das atividades de Chico Xavier?
Talvez o diretor tenha partido da premissa de isenção. Entretanto, torna-se impossível negar que o diretor e sua equipe foram simpáticos a Chico Xavier, pendendo mais para o lado dele que para o de seus críticos. Creio que justamente aí reside o maior problema do filme: tratando de assunto controverso, que envolve questões de fé, fica difícil não tomar algum partido; nesse caso a proposta de isenção resulta na contenção daquilo que daria real beleza ao filme.
Talvez por essa razão se possa dizer que falta maior emoção a “Chico Xavier”. A história do médium é contada sem a intenção de julgá-lo, mas, ainda assim, pendendo para uma aprovação sempre contida.
Chico Xavier é filme que se assiste com interesse. Se não acrescenta nada ao que sabemos sobre o médium, leva-nos a refletir sobre algo que permanece sem explicação. Visualmente o filme agrada contando com as excelentes atuações de Nelson Xavier, Ângelo Antônio, Tony Ramos, Christiane Torloni e muitos outros . Por fim, há que se elogiar o diretor Daniel Filho: é preciso coragem para trazer às telas tema tão controverso, com grande risco de obra tendenciosa, quando não engajada a preceitos religiosos ou simplesmente piegas.
Segundo turno
O assunto tomará conta dos noticiários nos próximos dias. Cada passo dos dois candidatos à presidência da República será acompanhado por um batalhão de repórteres. Os brasileiros terão uma segunda oportunidade de ponderar sobre os candidatos e seus programas para escolher quem governará o país nos próximos quatro anos.
Durante a campanha o presidente Lula deixou de lado a imagem de paz e amor e atacou a imprensa à qual acusou de partidarismo. Nas hostes do PT um clima de “já ganhou” acrescido da divulgação de escândalos que não puderam ser represados influíram no resultado das eleições. Cansamos de ouvir dizer da imprensa que o presidente não aceita qualquer tipo de crítica que venha a atrapalhar o seu plano sucessório.
Mas, a imprensa foi parcial? O que se viu foi a imprensa se defender acusando o governo de intenções autoritárias e propensão à censura. A preocupação pareceu justa diante de tantas acusações que, afinal, são normais na vigência de regime democrático. Não se pode negar a truculência do governo e mesmo a produção marqueteira de uma candidata que ainda não disse a que veio ou virá. Por outro lado, também não se pode negar o fato de que ao candidato do PSBD faltou clareza de intenções. A campanha de Serra mais pareceu um traçado feito para evitar melindres, como se não se quisesse atordoar o eleitor com dúvidas. Não deu certo e não foram os próprios erros do PT e a eleição já estaria decidida.
Tudo isso é bem sabido por todos, mas não custa repetir. O que não surpreendeu, mas chamou a atenção na noite de ontem, foi a incontida satisfação dos comentaristas políticos em relação ao resultado da eleição para presidente. Não se pode generalizar, mas havia um sorriso maroto no canto dos lábios dos comentaristas, espécie de desforra contra os ataques do governo à imprensa. A imagem de Dilma decepcionada ao lado de um lívido Temer foram objeto de comentários aparentemente isentos, mas carregados de sarcasmo.
Esse é o preço que se paga pelos exageros e desrespeito à inteligência dos brasileiros. Se Dilma quiser mesmo ganhar as eleições terá que se lembrar de que nem todos os brasileiros pararam seus estudos no primeiro grau e que a inteligência é algo a se respeitar. Do lado de Serra é preciso que, com urgência, mude a sua campanha e traga de volta ao primeiro plano realizações incontestes de seu partido como o Plano Real. Não há que se esconder o passado ou temer comparações. É hora de abrir o jogo, jogar o jogo como dizia o antigo técnico de futebol, Oswaldo Brandão.
Véspera de eleição
Agora que todos os pronunciamentos foram feitos e nada mais se pode dizer, resta esperar pelo veredito do povo. Cada eleitor se levantará amanhã de manhã com a obrigação de ir às urnas depositar o seu voto que terá grande peso em relação aos destinos do país.
Se o que for melhor para o país depender do nível de escolaridade dos eleitores pode-se dizer que se está diante de situação bastante complexa, senão inquietante. Veja-se, por exemplo, o caso do Ceará. Nesse estado votam cerca de 6 milhões de eleitores, sendo que o nível de escolaridade de 80% deles não ultrapassa o primeiro grau.
O Brasil é o país dos contrastes, isso já foi dito à exaustão. Não se nega ao país a vocação natural para o crescimento, fundada nos soberbos recursos naturais e prodigiosa extensão territorial. Entretanto, o crescimento e bem-estar populacional dependem dos governos, da atuação dos homens públicos do país.
Infelizmente, a classe política do país não tem se caracterizado por atuação condizente à confiança nela depositada. Embora as exceções notórias os interesses pessoais, quando não a corrupção, têm sido a marca mais visível da atuação de políticos eleitos para zelar pelos bens públicos.
No Brasil as eleições constituem-se sempre em momento de inquietação. Agora mesmo, um repórter de televisão inquiria nas ruas pessoas do povo sobre funções de políticos eleitos. O que faz um deputado? Um senador? Em geral as pessoas não sabem.
Quanto mais baixa a faixa de renda dos eleitores mais afeitos e gratos às benesses recebidas dos governos. Políticas assistencialistas, promessas de reajustes salariais e incremento do número de empregos, tudo isso rende votos o que leva governantes a tratar de seus interesses eleitorais em detrimento de medidas reais de interesse coletivo.
O Brasil vai às urnas comprometido com o seu passado de atraso que acaba refletindo nas escolhas de seu povo. Que a madrugada dos brasileiros seja longa e produtiva para que amanhã possam votar com acerto. O futuro do país depende disso.
O final de “A origem”
Darling, eu não ia dizer nada sobre o filme “A origem” porque você gostou tanto, classificou a película como cult e tudo o mais de quem se apaixona por algo que fala diretamente à sua alma.
Darling, eu fiquei bem quieto enquanto ouvia você dizer tanta coisa, com entusiasmo incomum em você. A aproximação de “A origem” com “Matrix” - você defendeu isso, lembra-se? – era mais que óbvia. Daí que você estabeleceu pontes entre os dois filmes e receio que tenha notado o meu jeito desconfiado, aquele jeitão de quem ouve e faz força para não contradizer alguém de quem se gosta e que chega, de repente, com tantos argumentos.
O problema é que ontem apareceu o Michel Caine, dando uma explicação sobre o final do filme, definindo se afinal a situação era real ou não – aquela coisa do pião rodando, você se lembra bem – e então eu me vi obrigado, sabe Darling, a escrever essas mal traçadas.
Acontece que o diretor do filme, o Christopher Nolan – o mesmo do Batman – trabalhou em cima de uma trama comum, qual seja a do roubo de algo precioso, mas vestiu sobre o enredo o projeto dos ladrões atuarem no nível dos sonhos, em níveis hierárquicos diferentes, graduados de cima para baixo, sendo o mais baixo o das profundezas de onde ninguém pode voltar porque, mesmo que acorde, terá perdido a consciência.
Então a ação se passa nesses lugares, no mundo dos sonhos. Uma quadrilha que adormece sob o comando de uma máquina passa a agir em ambientes previamente construídos por engenheiros especializados em cenários de sonhos. Dan Cobb e seus auxiliares entram nesse mundo com a missão de plantar na cabeça do herdeiro de uma grande fortuna a ideia de dividir o seu império.
Darling, eu concordo com você, o Leonardo Di Caprio está ótimo como Dan Cobb, o cara que se arrisca no mundo dos sonhos no qual vive a mulher dele que, aliás, já morreu. Mas, Darling, o problema é que a aparente complexidade do filme, não passa de complicação, talvez excesso de zelo do diretor para que tudo pareça estranho demais e diferente da realidade. O que se vê é o uso de muitos clichês que nem sempre funcionam, assim como uma espécie de intenção prévia e deixar certas coisas desamarradas para que o espectador desconfie do seu próprio entendimento da trama. Mas, o que há de pior são aquelas personagens que se alternam explicando coisas, como num romance em que é preciso dar conta ao leitor sobre o que está acontecendo dado que ele - o leitor – não recebe dados suficientes do enredo em si para entender tudo.
Apesar disso o filme é interessante e deve receber prêmios porque não importam muito as falhas desde que o público goste e se sinta - me perdoe por dizer isso – fazendo parte da galera que entendeu, de certa reserva de inteligência que consome coisas como essa.
Em todo caso o filme é o que é e tudo estava bem, mesmo aquela duvida entre realidade e sonho do fim, até que hoje o Michel Caine abriu a boca e esclareceu tudo. Então me deu vontade de dizer isso a você, Darling, a você que gosta tanto de cinema e adora ver o mundo fazer reverência ao cult.
O mundo precisa de ícones, também nisso concordo com você Darling. Mas aí vem o Michael Caine… Você sabe o que ele disse, Darling, sobre o retorno do Cobb ao mundo real, sobre aquele pião que fica girando e girando?