2010 novembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para novembro, 2010

Notícias de Manaus

escreva o seu comentário

Um amigo que mora em Manaus reapareceu de repente, cheio de novidades sobre a capital do Amazonas. Ele está aqui só por alguns dias, visitando parentes e amigos. A febre dele em falar sobre “aquele outro mundo” chama a atenção. Em tudo o que relata não dispensa comparações com a região sudeste, essa última incomparavelmente melhor na opinião dele, a começar pelo clima:

- Lá a temperatura média é de 36º. Com essa temperatura e a grande umidade o calor torna-se insuportável. O suor desce pelo pescoço, a camisa fica sempre molhada. Acostumar-se a isso é difícil.

O meu amigo é um homem prático e suas atividades estão ligadas ao setor da construção civil. Reclama do péssimo atendimento no comércio de Manaus que atribui à falta de educação coletiva. Acrescenta que, entretanto, Manaus é uma terra de oportunidades: quem tiver dinheiro para investir e quiser enfrentar o calor que não perca tempo: Manaus é o lugar certo e quem se aventurar, trabalhando bem, ganhará muito dinheiro.

No mais o meu amigo fala sobre a violência que é grande, o custo de vida muito alto e destaca a beleza da Amazônia, o fabuloso encontro das águas, os passeios pela selva e assim por diante. Critica os políticos locais e a falta de estradas. A estrada federal, BR 230, está intransitável e, segundo diz, o transporte de passageiros e cargas só se faz por avião ou barco; além disso, afirma, não há interesse na melhora das estradas porque políticos importantes são donos do sistema de transporte por via aquática.

A referência à BR 230 – a Rodovia Transamazônica - me devolve à época do regime militar, do sonho de Brasil Grande. Obra projetada durante o governo do então presidente Emílio Garrastazu Médici a Transamazônica era mostrada como grande avanço de integração das regiões norte e nordeste com o restante do país. Com todos os percalços da construção a rodovia foi inaugurada em 1972 e até hoje fica intransitável em épocas de chuva nos longos trechos não pavimentados.

Assunto que me leva ao ufanismo de 1970 incrementado pela conquista da Copa do Mundo naquele ano. E ao programa televisivo do Amaral Neto, o Repórter, cuja intenção era mostrar a grandeza e a riqueza do Brasil. Caía bem numa época de repressão em que o governo militar empenhava-se num projeto desenvolvimentista. Hoje seria de uma chatice incomensurável. Amaral fazia apologia das riquezas do Brasil e não se pode negar uma abordagem ecológica do país, embora muito conservadora.

Ao fim da conversa pergunto ao meu amigo por que, com as críticas que faz, ele ainda vive em Manaus. Ele responde que se casou por lá, ganha bom dinheiro e que só sente mesmo falta é de mulher bonita. Para ele aqui no sudeste a gente vê muita mulher bonita em locais públicos. Pela ótica dele as amazonenses são feias.

É um cara interessante esse, desgarrado de sua região e ainda sob o impacto da inevitável diversidade do país. Está-se acostumando no norte e pelo jeito não volta mais. Entretanto, precisa pensar que não está amarrado daí ter o retorno sempre em mente. Mas não volta, não volta mais não.

Finados

escreva o seu comentário

Se bem me recordo foi há cerca de uns quatro anos que deixei de prestar atenção ao dia de finados. Deixo o dia transcorrer normalmente e quanto a ir ao cemitério nem pensar. Não se sabe se há vida após a morte ou se os nossos mortos esperam com alguma ansiedade que visitemos os túmulos deles na data convencionada para isso. Também não se sabe se é verdade que missas realizadas em intenção de pessoas mortas facilitem a existência das almas deles do lado de lá. Outro dia acompanhei a minha mulher a uma missa de sétimo dia e fiquei impressionado com uma família que conversava e ria o tempo todo. Estavam lá pela morte de parente. No momento em que o padre pronunciou o nome do parente, levantaram as mãos como se estivessem em algum show de rock ou coisa que o valha. Existem, verdadeiramente, modos diferentes de encarar a morte.

De minha parte sempre encarei a morte com naturalidade. Como todo mundo, temo por situações como doenças prolongadas e sofrimento para morrer. Entrei no mundo chorando, mas não quero sair dele aos prantos. Uma morte seca e vadia, dessas irreverentes e inesperadas é tudo o que peço. Nada de coisa planejada, com final previsto e data certa: morte e pronto.

Mas, fujo do meu assunto que é o dia de finados. Para mim o problema desse dia começa mais ou menos ao anoitecer. É como se de repente imagens passadas se refizessem com cor e som absolutamente perfeitos. Sabe aquela noite gelada, as ruas desertas, molhadas de chuva e com muito barro, o alto-falante da igreja matriz fazendo ecoar a tristeza enorme da hora do Angelus, sabe aquele mundo perdido da infância em lugarejo do interior onde as lâmpadas dos postes nada mais são que um aviso de que a noite será longa, sabe tudo isso? Pois começa assim, com a imersão nesse mundo, a minha noite de finados.

O sino da igreja que bate pesadamente é o sinal para que os mortos se levantem e desfilem pela minha memória. Não posso evitá-los, nem ignorar o que dizem. De repente estão de novo como eram, bons, maus, lúcidos, obtusos, humanos. Eu os recebo e cai sobre mim o peso da transitoriedade, a sensação de que tudo passa e termina. Revejo pessoas a quem conheci, seus hábitos, enfretamentos, problemas, discussões, paixões, amores e não posso deixar de pensar que tudo isso simplesmente acabou, foi selado por lápides.

Rever mortos nos traz a sensação de que damos valor demais ao que somos e à nossa existência. Levamos por demais a sério os nossos problemas, mesmo os insolúveis que só a morte resolve. Por isso, faço o possível para tornar o dia de finados nada mais que uma data no calendário.

Obviamente, não é bom pensar nisso. A coisa é meio depressiva e não vale a pena errar entre túmulos, ressuscitando mortos. Por isso, o melhor é deixá-los lá, onde viveram: o Jorge, com o bar aberto até de madrugada, vendendo, todas as noites, cerveja para um único cliente; o Onofre tendo ataques epilépticos; o Toninho Maneta, bêbado de cair, batendo na mulher dele; o Hilário, italiano que veio para o Brasil após a segunda guerra, perseguindo gatos que eram o seu prato favorito; o Tião Alfaiate que era capaz de ruindades calmas; enfim, aquela gente toda que viveu lá, gente que anda pelas ruas de pouca luminosidade, enfiando os pés no barro, mortos que usam a memória dos outros para continuar vivendo.

Escrito por Ayrton Marcondes

3 novembro, 2010 às 3:04 pm

escreva o seu comentário

Comentaristas de política

escreva o seu comentário

Não invejo os profissionais que comentam política no Brasil. Basta ler nos jornais ou ouvir pela televisão os comentários que fazem sobre as idas e vindas do poder e a participação de destacados políticos oriundos de várias regiões do país. A mesmice dos temas é chocante e, em geral, trabalha-se com situações cujos resultados são previsíveis. Disso tudo resulta a monotonia provinda do tom monocórdico de vozes que cercam-se de cuidados, afinal nem sempre se verifica a tão propalada liberdade de expressão nos meios de comunicação.

Tome-se como exemplo o dia de hoje. Então Dilma Roussef está eleita e começam as articulações necessárias à transição entre governos. De cara a nova presidente saca do seu álbum de figurinhas o Palocci de sempre, aquele mesmo que saiu do governo acusado de mandar quebrar o sigilo bancário do tal Francenildo, o camarada que fez declarações pouco honrosas sobre as atitudes do então ministro. Palocci retorna com grande força, a partir de agora será o coordenador técnico da transição. Por outro lado, Dilma num primeiro momento, deixa de lado os seus aliados do PMDB que imediatamente protestam, dizendo que ela não conseguirá governar sem eles. Já estão em cena, portanto, os oportunistas fisiológicos que se agregam sempre ao lado com mais possibilidades de vitória, apoio negociado em moeda de altos cargos e favores.

Até aí nada de novo, não? Agora imagine-se comentar isso, falar todo dia sobre esse assunto ou os que derivarão dele, por exemplo, o dedo do presidente Lula que, já dentro do trem de partida, coloca o dedo para fora da janela para apontar pessoas que quer no governo de Dilma. É o balança mas não cai, melhor dizendo, sai mas não sai.

E dizer que não se passaram mais do que dois dias desde a eleição. A roda viva continua a girar do mesmo modo, lembrando as rotações da Terra em torno do seu eixo.

Pobre Terra que há que girar porque esse é o ofício dos planetas, pobres comentaristas de política que se reinventam o tempo todo porque há que se reinventar para sobreviver, pobres de nós depositários de memórias de fatos comuns, insossos, tantas vezes difíceis de engolir.