Arquivo para janeiro, 2011
Verão muito quente
Estão quebrando o pau no Egito onde o ditador Hosni Mubarak está em maus lençóis. O povo egípcio saiu às ruas, exigindo a saída de Mubarak que se sustenta no cargo graças ao apoio de militares. A violência corre solta no país das pirâmides com direito a tanques nas ruas, intimidações, mortes e toda a repressão que consta da cartilha de ditadores ameaçados. A crise aumenta e preocupa os demais países. Os EUA pedem o fim da ditadura no Egito enquanto caças e helicópteros fazem voos rasantes sobre a multidão para intimidá-la.
Mubarak tem 82 anos de idade e está no poder a 30 anos. Não quer largar o osso de jeito nenhum. Enquanto isso, turistas lotam o aeroporto do Cairo, tentando sair do país e saqueadores se aproveitam da confusão. Notícias recentes nos dão conta de que saqueadores invadiram o Museu Egípcio do Cairo, local onde se encontram tesouros dos tempos dos faraós.
E assim caminha a humanidade, dando-nos a impressão de que a história é perversa porque fatos como os de agora no Egito se repetem e nada muda de verdade. Mais hora, menos hora, um ditador é deposto, correndo-se o risco de que outro usurpador de direitos se assenhore dos governos e prepare lentamente a cama para novas revoltas no futuro.
Ninguém que pare só por um minuto para observar os fatos que acontecem no Egito deixará de notar que já viu muitas vezes o mesmo filme antes, podendo jurar que voltará a vê-lo em futuro não distante. E as coisas correrão mais ou menos do mesmo modo, em alguns casos com a destituição do ditador e uma tremenda crise posterior caracterizada pela luta entre facções interessadas em assumir o poder.
De todo modo, a crise no Egito chegou para preencher um espaço vazio de notícias impactantes de vez que as chuvas deram uma trégua e as atenções já se desviaram dos trágicos acontecimentos ocorridos em Teresópolis e cidades próximas.
Ao que parece nos dias que correm a imprensa está fazendo força para se adaptar a uma nova realidade política no Brasil: acaba de se instalar uma espécie de vazio pela ausência de um presidente que falava pelos cotovelos, coisa que dava muito pano para manga nos noticiários. A nova presidente vem se esmerando em silêncios e enfrenta problemas gravíssimos como esse da necessidade de cortes no orçamento de vez que seu antecessor gastou mais do que devia, mormente no último ano de seu governo.
No mais há que se relatar o forte calor deste verão. Nas regiões praianas do sudeste a coisa está muito brava, chegando-se ao insuportável. O fato é que, nessas condições, fica muito difícil produzir alguma coisa que valha a pena o que me faz lembrar aquelas teorias deterministas do século XIX segundo as quais o clima seria um dos fatores a afetar diretamente o crescimento dos países. No caso do Brasil, de um lado o clima, de outro a miscigenação, concorreriam para que o país não fosse em frente. Justificavam-se os defensores dessas teorias comparando o desenvolvimento dos países de clima temperado e frios com os localizados nas regiões equatoriais e quentes: absurdo que infelizmente contava com a concordância de boa parte da elite cultural brasileira da época citada.
Já que toquei no assunto, existe um texto do crítico José Veríssimo, datado do início do século XX, no qual ele reclama do calor excessivo no Rio, dizendo que o clima atrapalha qualquer forma de produção inteligente. Racismo a parte – Deus me livre – o fato é que sob esse calor as coisas ficam mais difíceis.
Formas de violência
Li um artigo no qual se destacam as diferentes formas de violência. O articulista diz que, em geral, nos preocupamos com a violência cometida por marginais, em atentados etc. Entretanto – adverte-nos – a pior forma de violência é aquela cometida por pessoas que de repente tornam-se agressivas e agem irracionalmente. E isso é muito comum hoje em dia.
Existe um desenho antigo da Disney muito ilustrativo: um homem calmo e educado sai de casa e encontra um inseto em seu trajeto; bondoso ele ajuda o inseto a transpor um obstáculo e segue feliz, de bem com a vida. Isso dura até o momento em que ele se senta defronte o volante do seu carro. Nesse instante a fisionomia do homem se altera e, daí por diante, ele se comportará como um louco no trânsito, extremamente agressivo e vingativo.
Dias atrás foi noticiado que um delegado de polícia teria agredido a um cadeirante. O delegado foi afastado de seu cargo e a ocorrência está sendo apurada. Caso a versão que circula sobre o fato seja verdadeira é de se perguntar o que leva uma pessoa a uma agressão tão impensada. Há, sim, pessoas com problemas físicos que fazem uso de sua condição, às vezes indevidamente. Num dos cruzamentos que fazem parte da minha rota para o trabalho fica um deficiente que faz questão de atrapalhar o trânsito. Numa rua onde passam no máximo dois carros, posta-se ele numa das mãos, obrigando todo mundo a se desviar dele. Isso pode até irritar a algumas pessoas, mas daí a uma represália ou agressão existe um espaço mais ou menos igual à distância da Terra à Via Láctea.
De fato, a violência pode ser cometida de várias formas, sendo que os que a praticam parecem não se dar conta da hediondez de seus atos. Há poucos dias foi preso um homem de 64 anos de idade que mantinha, há dezesseis anos, a mulher dele em cativeiro. O cárcere privado localizava-se no porão da casa onde o homem vive com outra mulher. A polícia, chamada por vizinhos, encontrou a mulher trancafiada num cômodo escuro; estava nua e dormia sobre uma cama de alvenaria. Interrogado sobre a razão de manter a própria esposa presa o homem explicou tratar-se de doente mental que não poderia ficar livre. Por várias vezes tentara interná-la: não conseguindo apelara para o cárcere privado.
Uma mulher vive presa num porão em condições sub-humanas. Agora se sabe que os filhos dela tinham conhecimento do fato e concordavam com a atitude do pai. Aliás, por essa razão estão sendo indiciados. O fato, em si aterrador, leva-nos a muitos questionamentos. Afinal, a partir de que momento os envolvidos passaram a achar “normal” o procedimento adotado para “resolver o caso”?
A gama de temperamentos humanos é vastíssima. Conheci e conheço pessoas ponderadas e muito educadas capazes de se transformarem em verdadeiras feras quando contrariadas. Assisti e assisto a momentos de explosão de pessoas de temperamento muito quente, em geral movidas por razões de pouca importância. Diariamente observo, no trânsito, ao embate de mentalidades dispostas a não ceder um só milímetro do espaço que julgam de seu direito. Trata-se de formas de violência que geralmente não valorizamos, mas que podem ter consequências imprevisíveis.
Está preso, em Curitiba, um coronel aposentado que chefiou o Corpo de Bombeiros daquela capital. Há poucos meses o coronel perdeu um filho, assassinado por traficantes quando estava na direção de seu carro. Depois disso, nove pessoas ligadas ao tráfico foram assassinadas e o coronel está sendo acusado por essas mortes. Ele nega, mas testemunhas afirmam que não há dúvidas quanto à autoria dos crimes.
Os crimes do coronel, caso confirmados, inscrevem-se na galeria de ocorrências inesperadas. Um homem de reputação ilibada de repente decide fazer justiça com as próprias mãos. Foi o que disse o delegado que cuida do caso, embora afirmando que ainda se está em fase de inquérito.
Os casos citados anteriormente reforçam o princípio de que a violência é injustificável. Entretanto, há que se ter cuidado para que o estresse diário não nos leve a agir irracionalmente.
O povo mais legal do mundo
Recentemente uma pesquisa realizada pelo site da CNN elegeu o povo brasileiro como o mais legal do mundo. As razões? Segundo a pesquisa entre os fatores que fazem dos brasileiros os mais legais está a beleza das pessoas que desfilam nas areias de Copacabana, o futebol de Pelé e Ronaldo, a beleza do carnaval e do samba e a grande simpatia do povo.
Não há como não reconhecer que isso tudo representa um avanço, embora os estereótipos futebol, mulher e carnaval continuem mandando ver. Mas a imagem do povo melhora: pesquisa realizada pela EMBRATUR entre turistas que visitam o Brasil revelam que para os gringos o povo brasileiro é muito amigável.
Não é este o espaço para rememorar detalhes históricos sobre o olhar dos estrangeiros sobre o Brasil e os brasileiros. Todo mundo sabe que em passado não tão distante não gozávamos de tanto respeito assim no exterior dada a, digamos, excentricidade de comportamentos dos nossos nativos em visita a plagas distantes e mesmo dentro do próprio país. Para ficar num exemplo bem próximo, hoje em dia as nossas tradicionais rusgas com os Hermanos argentinos estão muito atenuadas. Perdeu o bom povo irmão muito de sua conhecida arrogância e desprezo pelos brasileiros que agora despejam muitos e muitos reais - bastante sólidos, aliás - na economia argentina. Mas, não era assim, não era assim. No início da década de 90, quando o governo argentino praticava aquela falsa paridade do peso com o dólar norte-americano, os argentinos postavam o queixo um pouco acima da posição normal. Naqueles anos fui a Los Angeles e a sorte madrasta me colocou num ônibus de city tour no qual viajavam apenas argentinos. Quando entrei todos os passageiros já estavam acomodados e o meu aspecto inconfundível de brasileiro despertou olhares de desconforto. Antes de chegar a um assento livre passei por um senhor acompanhado de um menino de cerca de 10 anos de idade. Ao me ver o menino perguntou ao senhor:
- É brasileiro?
A pergunta seria normal não fosse o tom de curiosidade de quem se defronta com um ser de outra espécie e já ouviu falar muito mal da gente daquele país infernal chamado Brasil. Os grunhidos de resposta do senhor ao menino foram igualmente intoleráveis, mas que fazer se a imagem do brasileiro ficara impregnada por estereótipos tão depreciativos? Mas, isso são águas passadas. Além do mais um fato isolado não pode ser generalizado. Demais amo Buenos Aires e me dou muito bem com argentinos, gente boa e amiga.
De todo modo o Brasil evoluiu. Hoje o país é reconhecido como importante economia emergente e atrai enormes investimentos estrangeiros. Para que se tenha ideia da magnitude desse fato basta lembrar que o déficit externo do país dobrou em 2010, atingindo a cifra de US$ 47,5 bi, a maior desde 1947. Foram investimentos estrangeiros de US$ 48 bi que compensaram o grande rombo verificado no último ano do governo Lula.
Na esteira dos avanços econômicos segue, também, um olhar mais amigável em relação aos brasileiros, povo cordial, simpático, criativo e receptivo a novas ideias, ou seja, bom parceiro de negócios. A isso tudo se junta uma visão estrangeira sobre a crescente seriedade do país em seus compromissos e a estabilidade do regime democrático.
Estamos melhorando, pois. Entretanto, há muito por fazer. Mais que ninguém nós que vivemos nesse caldeirão de contrastes conhecemos as nossas mazelas, tanto, tanto, que não raro nos desesperamos delas. Ninguém aguenta mais tanta violência, corrupção, descaso em setores prioritários como educação e saúde e, mais que isso, discursos vazios sobre esses assuntos nos quais se destacam promessas vagas e planos nem sempre calcados na realidade.
Já se disse que o Brasil era um país doente. Houve tempo em que esteve na UTI, correndo risco de morte. Depois se recuperou e bem, passou a convalescente e saiu dessa condição há bom tempo. Hoje o país é um sujeito forte, musculoso, com entranhas cheias de riquezas, à espera de que o conduzamos bem, isso para a felicidade geral da nação.
Roubando comida
Meninos e meninas eu vi, pela internet, uma mulher roubando comida. Trata-se de uma enfermeira inglesa que passou a mão – a colher - na comida de uma paciente. A cena foi flagrada por meio de uma filmadora escondida pelos filhos da paciente e o vídeo agora corre o mundo.
Não sei do que os filhos da paciente estavam desconfiados; se era de maus tratos calo a minha boca. Mas, se fosse só de roubo comida creio que deveriam ter despedido a enfermeira, poupando-a de tornar-se conhecida mundialmente de forma tão grosseira.
O que se vê no filme é uma senhora de idade, sentada junto ao leito de uma paciente, comendo desonestamente a comida que não lhe pertence. Ela usa óculos, tem cabelos brancos, veste blusa vermelha e calça preta. Comporta-se comedidamente e joga no lixo o resto da comida. O vídeo mostra apenas cena que seria comum caso um acompanhante de hospital comesse os alimentos recusados por um paciente.
Mas, como não conheço as circunstâncias desse caso que se tornou de polícia, é possível que algo de muito errado, que não se mostra no vídeo, tenha ocorrido. Entretanto, se ficarmos só com o filme, a verdade é que a cena é capaz de provocar pena. O que se vê é uma senhora idosa simplesmente comendo, saciando a fome em hora e lugar errados. Há alfo de primitivo nesse ato tão simples que nos iguala a outros animais, algo de compulsivo, talvez irresistível. Por essa razão uma mulher com a cabeça enfiada num prato foi levada à polícia e está na primeira página de um dos maiores sites brasileiros.
Ok, pode não ser nada disso, posso estar fantasiando, que me perdoem. Quem sabe a enfermeira é uma grande criminosa como aquela Debbie que se casou com o Fester Addams no segundo filme da família Addams. Ela veio para ser babá dos filhos do casal Addams e deu no que deu. Aquela Debbie era de amargar, quem sabe essa enfermeira também seja. Mas, se ficarmos só no que mostra o videozinho da internet…
Meninos e meninas eu vi, pela internet, uma mulher roubando comida. Mas, não foi isso o que realmente me chocou. Para ser franco o que me atarantou a cabeça foi a importância dada a um fato como esse, exibido em escala mundial. O que realmente importa notar não é o roubo de comida, mas o vídeo de um flagrante curioso. Também pouco importam as circunstâncias do acontecimento dado que o vídeo é acompanhado de um texto mínimo no qual apenas se diz que a enfermeira flagrada roubando comida foi levada à polícia.
Meninos e meninas, estamos, cada vez mais, nos tornando escravos do vídeo, de mensagens incompletas e tantas vezes comprometedoras. O importante é postar depressa, antes dos outros e fazer sucesso.
Você sabe qual é, no momento em que escrevo, o primeiro lugar no TOP 5 dos usuários do FACEBOOK? Não? Então, é um vídeo de uma mulher que, em Buenos Aires, caiu do 23º sobre um táxi. Ela tem 30 anos de idade e não morreu. O segundo é…
Cuidado, vocês podem ser flagrados e parar no TOP 5. Acautelem-se: as redes sociais podem engolir vocês a qualquer momento.
São Paulo, 457 anos
Creio não haverá cidade que mais amei que São Paulo. Contraditória, múltipla, tantas vezes incoerente e mesmo absurda. Quem diz amei já não ama? Não, pelo amor de Deus. Como se diz por aí, briga de namorados são amores renovados. A verdade é que o meu amor por São Paulo está em fase madura, aquela em que se colocam virtudes e defeitos na balança, a tal fase em que a convivência a dois exige muitos cuidados de lado a lado. Para manter a toada dos ditos populares fica assim: quem ama não fere.
Ao pensar sobre São Paulo é preciso destacar que população, ruas, casas, prédios, tubulações, redes elétrica e telefônica, carros, rios, córregos e tudo o mais fazem parte de um mesmo todo e é dele que estamos falando. De nada vale uma cidade como essa que hoje está estampada nos jornais através de algumas fotos comparativas “de ontem” e “de hoje”, quase sugerindo que entre o “era assim” e o “ficou assim” não existisse um vasto processo de transformações feitas pela mão do homem, sob a injunção de necessidades e mudanças sociais de momentos diferentes. Embora isso seja óbvio o fato é que observamos nessas fotos os aspectos físicos das transformações, destituindo-as do calor de momento de homens e mulheres que ali viveram, muitos deles com poder decisório sobre mudanças que hoje observamos. Muito sangue, suor e cerveja correram soltos desde a fotografia que o Militão tirou da Praça da Sé até aquela que hoje podemos obter através de um simples click em câmaras digitais.
Conheci São Paulo ainda menino, trazido pelos meus pais em visita a parentes nossos na capital. Eram os anos 50. Então os bondes ainda circulavam, meio de transporte que só seria extinto em 1968, durante a gestão de Faria Lima como prefeito da capital. Lembro-me bem da elegância do velho centro com suas lojas chiques, cinemas e restaurantes. Os melhores cinemas ficavam nas avenidas Ipiranga e São João, sobretudo entre o Largo do Paissandu e a Praça Júlio Mesquita. Não foi ali, no Cine Art Palácio da Av. São João, que me levaram para assistir ao filme “Os Brutos Também Amam”, estrelado pelo Allan Ladd? Pois é, o tempo passa, o tempo voa, só os meus cabelos… Saindo do largo do Paissandu e seguindo pela Av. São João em direção à Av. Ipiranga, havia, lado direito, um restaurante de cujo nome não me recordo. Certa noite fui jantar ali, levado pelo meu irmão, e lá estava, jovem e forte, o cantor Agostinho dos Santos, ele que morreria no fatídico acidente aéreo ocorrido, em 1973, nas imediações do aeroporto de Orly, na França.
Pois desde muito cedo aprendi a amar o centro de São Paulo. Anos depois, quando vim residir e estudar na cidade sempre passeava no centro cujos trajetos me são muitos familiares. Já então o centro entrava em deterioração e a Av. Paulista começava atrair escritórios, consultórios, até tornar-se o que é hoje. Um golpe senão fatal, mas muito duro ao centro foi a degradação da Av. São João, decorrente da construção do Minhocão.
Hoje São Paulo já não é a cidade que conheci. Parafraseando Machado de Assis, mudei eu ou mudou a cidade? Os dois, não? A São Paulo dos meus tempos de estudante gozava da febre de oportunidades e não era tão complexo crescer dentro dela desde que arrojo, competência e muito esforço não faltassem. Derivava daí o meu entusiasmo, aquele sentimento que tantos tiveram e ainda certamente têm, qual seja o de vencer na cidade grande.
A cidade? Ah, ela mudou e muito. Hoje é uma metrópole incrível, mas que se excedeu naquele famoso jargão que lhe impingiram: o de não parar nunca. A cidade ganhou em tamanho, verticalização, população e perdeu em qualidade de vida e humanidade. Veja-se o centro, no que se transformou. Fala-se tanto na revitalização do centro coisa que, na verdade, não detectamos.
São Paulo já não é a mesma. Entretanto, não é hora para saudosismos e sim muita ação. Nós que amamos São Paulo torcemos para isso e não há como não dar a ela os nossos parabéns por ocasião de seu aniversário.
O Turista
De vez em quando dá vontade de assistir a um filme só para conferir. Esse é o caso de “O Turista” dirigido por Florian Henckel von Donnersmarc e que conta, nos papéis principais, com Angelina Jolie e Johnny Deep. Frank ( Deep) é um turista americano que é abordado, durante uma viagem de trem, por Elise (Jolie). Entre os dois desenvolve-se uma relação amorosa cheia de complicações que tem por pano de fundo a maravilhosa paisagem de Veneza. Não faltam situações de perigo, tiros, perseguições nos canais de Veneza e muito glamour evidenciado pela beleza de Jolie e um figurino de matar as mulheres de inveja.
O filme não recebeu aprovação da crítica, tendo sido execrado por alguns críticos mais exigentes. Além disso, tornou-se um fracasso de bilheteria nos EUA fato que ensejou piadas de mau gosto de um dos apresentadores do Globo de Ouro, realizado na semana passada. Aqui no Brasil, li algumas críticas sobre o filme que não foram nada condescendentes. E como quem já está deitado sempre leva mais paulada, aproveitou-se a oportunidade para lembrar os problemas ocorridos durante a realização do filme desde a troca de diretor até o abandono da produção pelos atores Tom Cruise e Sam Worthington. Muito citado foi o fato de o diretor von Donnersmarc ser um estreante em Hollywood e, segundo os críticos, ainda não ter se ambientado com os grandes estúdios.
“O Turista” é um remake de um elogiado filme francês – “Anthony Zimmer: A Caçada”. O que se diz por aí é que a formula não deu certo embora a presença de grandes atores. Será? Creio que os críticos de plantão tropeçaram justamente na expectativa de um grande filme que, afinal, foi fraudada. Em todo caso, se não se trata de um grande filme, nem por isso deixa de ser bom cinema quando o que se busca é pura diversão. De fato, o filme peca por uma trama que está longe de ser intrigante e que, a certa altura, fornece ao expectador pistas seguras para desvendar o mistério. Há momentos em que, por assim dizer, o filme dá voltas desnecessárias, mas que não chegam a ser puro enchimento de linguiça. Entretanto, há que se valorizar a presença de Angelina Jolie, realmente de beleza deslumbrante e a atuação de Depp que, se não chega a ser brilhante, preenche as necessidades de um filme leve e que não pretende ser mais que isso.
Se você for ao cinema esperando um filme intrincado, cheio de mistério ou capaz de fazê-lo pensar sobre alguma coisa importante, não vá assistir a “O Turista”. Entretanto, se o que procura é uma diversão simples, marcada pela beleza de Angelina Jolie e tendo como pano de fundo a sempre sensacional Veneza então “O Turista” é uma boa opção.
Existem filmes marcantes dos quais não nos esquecemos. “O Turista” não pertence a essa categoria, mas daí a malhá-lo como se nada nele prestasse é outra coisa, isso são outros quinhentos.
Simplesmente vivendo
Numa das últimas conversas que tive com uma senhora a quem conheci disse-me ela:
- Passei a maior parte da minha vida simplesmente vivendo.
Na ocasião a doença que a levaria estava em fase avançada. Otimista incorrigível a senhora falava-me de planos para o futuro em tom de débito para com um passado pobre de realizações. Ela precisava porque precisava colocar em prática coisas importantes que negligenciara, talvez por falta de estímulo e oportunidade, talvez por descaso ou, ainda, pura acomodação.
Impressionou-me que a dívida com o passado se apresentasse a ela com tal força na altura da vida em que estava. Mas, afinal, que dívida? Perguntei isso e, de novo, não obtive uma resposta clara, como se o delicado equilíbrio entre realizações e coisas deixadas por fazer tivesse se rompido nalgum ponto, a partir daí com imensa vantagem do que não foi feito. O fato é que à senhora pesava uma vida exatamente comum, daquelas em que uma jovem bonita sai das mãos dos pais para a do marido e o restante se confunde numa sucessão de dias mais ou menos enevoados e iguais, nos quais os cuidados com os filhos e a casa tomaram quase todo o tempo.
Entretanto, essa senhora não tinha razões para reclamar. Jamais conhecera a pobreza e recebera excelente formação em bom colégio da capital. Chegara a cursar faculdade em uma área que não lhe dizia respeito, erro talvez imperdoável, mas admissível. Terminara o curso superior por insistência do pai que se negava a vê-la sem o recurso de um diploma que, afinal, poderia vir a ter utilidade no futuro. Depois disso casara-se com um colega da faculdade com quem tivera filhos e uma vida, senão rica, pontuada por fartura, viagens ocasionais etc. Mas, pelo visto, não fora feliz, anulara-se no cuidado aos outros, entregara-se ao mundo das obrigações e acompanhara o sucesso do marido, bom companheiro e excelente pai.
Pelo que entendi a senhora de quem falo passou a vida simplesmente vivendo, fazendo coisas, cumprindo a rotina determinada pelas circunstâncias de um mundo possível. Mas, que não se atribua a ela rancor ou a insatisfação dos inconformados. Ao contrário, era ela grata à vida que teve embora ciente de que outro poderia ter sido o seu caminho. Enfim, ela não foi, de modo algum, uma mulher infeliz. Gostava de arte, o cinema era uma de suas maiores preferências e foi leitora de Jane Austen com cuja obra muito se identificava talvez porque visse em si mesma uma personagem que adquirira talentos para utilizá-los em ambiente doméstico.
A senhora de quem falo morreu na semana passada. Deixa saudades.
As contas que pagamos
Muita gente não se dá ao trabalho de vincular os impostos que paga ao dinheiro público empregado de mais variadas formas. Quando lemos, por exemplo, que o governo anunciou empréstimo de quase 4 bilhões, via BNDES, à empresa petroleira estatal venezuelana PDVSA, com vantagem de que não gozam as empresas brasileiras, dificilmente associamos esse ato a um patrimônio público. O mesmo acontece quando estão em pauta enormes desvios de verbas públicas em atos de corrupção que levam anos para serem apurados, ficando impunes os envolvidos. Exemplo maior é o do mensalão que devagar e sempre vai sendo negado, a tal ponto que elementos-chave do processo de corrupção estão sendo novamente abrigados em seus partidos de origem. Nada como um povo ordeiro e portador de boa vontade para, senão perdoar, dar por vencidas as faturas morais e pecuniárias não saldadas pelos bandidos de plantão.
Agora estão em pauta os salários pagos a pessoas que ocuparam o cargo de govenador nos estados. Revela-se que muitas delas exerceram a governança transitoriamente, muitas vezes por não mais que trinta dias. Apesar desse fato, todas essas pessoas passaram a ter direito a pensões vitalícias da ordem de 15 mil reais ao mês. Existe muita gente nessa condição, mamando nas tetas do Estado, beneficiando-se com o dinheiro arrecadado pelo governo. Temos, pois, enquanto cidadãos contribuintes, parte nesse latifúndio, sendo o meu e o seu rico dinheirinho utilizado para pagá-los.
Pode parecer bobagem dizer isso, afinal quanto do meu dinheiro está envolvido numa transação dessa natureza? Mas, não é não. A justa indignação dos cidadãos diante do descalabro que vem sendo noticiado pela imprensa prende-se justamente ao fato de se trata de dinheiro público e, mais que isso, as benesses absurdas que alguns recebem não são extensivas à população - o que seria também outro absurdo.
Claro que, em contrapartida, existe a questão de direitos adquiridos segundo a legislação vigente. Também não é desprezível o fato de que alguns homens públicos ocupam cargos durante muitos anos em detrimento de seus interesses pessoais. Mas, diga-se tudo e ainda será pouco para encobrir o descalabro das pensões vitalícias a ex-governadores.
Isso tudo me faz pensar nos primeiros mandatários da República brasileira cuja probidade estava acima de tudo. O Marechal Floriano Peixoto, segundo presidente da República governou o país com mão de ferro num período turbulento, marcado por revoltas. Jamais morou em palácio e fazia uso do transporte público para o trajeto entre sua casa e a sede do governo. Quando morreu estava pobre e suas filhas precisaram da ajuda de amigos da família para sobreviver. O presidente Campos Salles recebeu o país praticamente falido e fez um duro governo de contenção de gastos, sendo muito criticado por isso. Entretanto, Campos Salles logrou sanear as finanças de modo que seu sucessor, Rodrigues Alves, pode fazer um bom governo no qual a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, foi modernizada.
Quando Campos Salles saiu do governo estava pobre. Ofereceram a ele serviço em banco, mas não pode aceitar porque entendia que, recém-saído do governo, era detentor de informações privilegiadas. Algum tempo depois, veio visitá-lo, em sua casa em São Paulo, o ex-presidente da Argentina, Julio Roca. Aconteceu a Roca penalizar-se com a condição em que vivia o amigo, uma casa pequena e muito simples, ele que há tão pouco tempo fora chefe de estado da nação brasileira.
Mas, agora, a época e os homens são outros.
Idosos e Alzheimer
Há quem ignore, mas o número de casos de mal de Alzheimer está aumentando no mundo, consequência natural do envelhecimento da população. No Brasil não existem estatísticas que revelem o número de pessoas com a doença. Estima-se que cerca de 5% da população brasileira com mais de 65 anos de idade sofre de Alzheimer, percentual dentro da média mundial. O problema é que inexiste nas famílias – e mesmo entre muitos profissionais da área de saúde – a conscientização sobre o quadro clínico e evolução da doença.
O doente com Alzheimer apresenta distúrbios de memória e fala, comprometimento da noção de espaço e tempo, tudo isso decorrente de degeneração neurológica. Perda da memória para fatos recentes, distúrbios da fala, apatia, comportamento agressivo e delírios. Conhecer os passos iniciais da doença é muito importante: embora Alzheimer não tenha cura, o diagnóstico precoce é importante para retardar a progressão da doença. Assim, alterações de memória, episódios de desorientação espacial em lugares desconhecidos devem ser observados e valorizados, tomando-se o cuidado de diferenciá-los de acontecimentos normais.
De modo breve pode-se dizer que o Alzheimer evolui para um estágio de alteração da personalidade, variando de apatia a quadros irritação e agressividade. Distúrbios crescentes da fala, alterações motoras, tremores e perda da capacidade de reconhecer coisas e pessoas estão entre os sintomas de pacientes em fase avançada da doença.
Notícia publicada pelo jornal New York Times informa que na China o governo está começando a educar a população em relação a casos de Alzheimer e demência. A previsão é a de que, em três décadas, existam naquele país cerca de 400 milhões de pessoas com mais de 60 anos, fato que obviamente concorrerá para elevação do número de casos de Alzheimer. Aliás, na China o problema torna-se ainda maior em relação aos cuidados com idosos devido à política de só um filho por casal que resulta em número menor de pessoas mais jovens para cuidar de seus familiares.
O número de idosos está crescendo em todo o mundo e isso representa um aumento significativo de gastos para os Estados com meios para atendimento a eles. É por isso que previsões baseadas em dados estatísticos confiáveis e políticas que visem atender às necessidades atuais e futuras fazem-se necessárias. Afinal, o futuro não está tão distante assim, décadas passam como em um surto e realidades distantes de repente caem sobre nós queiramos ou não.
Na terra dos gurus
Não posso dizer a respeito de outros povos, mas entre nós os gurus estão com a bola toda. Final e começo de ano são épocas nas quais gurus são chamados para predizer os nossos destinos, conjeturar sobre sucessos e derrotas, enfim, executar um ensaio de futurologia que atrai a atenção de muita gente. Neymar poderá virar baladeiro e perder o foco da carreira; já Ronaldo sofrerá uma lesão: são previsões de uma astróloga para 2011 que somam-se a muitas outras. No fim das contas não sei se as pessoas perdem tempo em verificar, mais tarde, se as previsões se confirmaram. Convenhamos que previsões geram expectativas e são muito mais interessantes que ocorrências confirmadas, isso quando está em jogo o delicado equilíbrio da astrologia.
Conheço pessoas que pautam muitas de suas ações pelos conselhos de gurus espirituais. O fato é que entre o consulente e o guru estabelece-se uma relação de confiança da qual fazem parte muitas confidências. O resultado é que o guru pode adquirir um conhecimento amplo da vida daquele que o procura com frequência. É nesse ponto que as coisas se confundem, porque muitas previsões são comprometidas pela própria previsibilidade natural dos fatos. De todo modo, ou o guru manipula o consulente ou é este a manipular – talvez inconscientemente – o guru fornecendo a ele dados que conduzem a previsões muito desejadas.
Dirão que existem gurus altamente dotados de capacidade de previsão. Há quem ajude a polícia a desvendar crimes e a paranormalidade existe. Ok. Talvez por isso mesmo a futurologia seja um ramo de negócios rentável, sendo grande o número de pessoas que buscam soluções para os seus problemas através da previsão de gurus.
Machado de Assis escreveu um maravilhoso conto envolvendo a busca de conselhos junto a uma cartomante. No enredo um homem que tem por amante a mulher de um amigo de infância é descoberto e procura a cartomante para aconselhar-se sobre a atitude a tomar. Move-o o receio de represália, talvez de vir a ser assinado. A cartomante lança mão de meios de previsão ao seu alcance e lá vai o homem encontrar-se com o amigo, certo de que nada lhe acontecerá. O desfecho? O leitor conhecerá toda a história lendo este delicioso conto de Machado cujo título é “A Cartomante”.
Ontem, em São Paulo, uma moça foi assassinada. Foram três tiros no momento em que ela saía de casa. O acusado é um ex-namorado. Segundo testemunha o ex-namorado praticou o crime após consultar um guru espiritual e receber dele a informação de que o relacionamento com a moça não teria mais volta. O ex-namorado nega o crime e a polícia está investigando.
Quase não se usa mais a expressão, mas ela continua existindo: o futuro a Deus pertence. Para os que não acreditam em Deus existem outras formas de dizer que o futuro é insondável.
Às vezes me coça a vontade de saber o que ainda tenho pela frente. Como será o futuro, quantos anos ainda viverei? Na verdade não quero saber. Melhor deixar tudo como está, um dia depois do outro, mantendo intacta a sensação de que governo a minha vida e posso, a qualquer momento, mudar o rumo das coisas.