Arquivo para fevereiro, 2011
O ocaso dos ídolos do futebol
Na mercearia dois homens conversam. Assunto: o jogador Neymar. O papo gira sobre o quê o rapaz é capaz de fazer com a bola. Um dos homens se declara impressionado com as recentes atuações de Neymar nos jogos da seleção sub20. Acrescenta que nada do que ele faz é resultado de treino, aplicação, determinação ou o que seja: tudo isso é importante, mas o que conta mesmo é o talento.
- O cara nasce assim e pronto. Isso existe em todas as profissões. Há médicos que simplesmente curam; outros sabem muito, mas na hora do vamos ver o resultado não é o mesmo. Também acontece aos advogados e assim por diante. Quanto ao Neymar, em certos momentos ele faz coisas que só vi o Pelé fazer.
É quando o outro homem faz um aparte:
- Bom, Pelé não, Pelé é incomparável. Sofri muito marcando o Pelé quando eu jogava no Corinthians. Ele era demais, completamente imprevisível. Gênio.
A conversa se alonga e agora o assunto é Pelé e suas maravilhas com a bola. Não conheço os dois homens e quase me animo a perguntar quem é o ex-jogador que marcou Pelé. Não chego a fazê-lo porque entra um rapaz que se dirige ao ex-jogador, zoando com ele porque está usando uma camiseta com o distintivo do Corinthians. São pessoas que se conhecem e a conversa segue descontraída.
Pois é. Pelé está fora dos gramados há muito tempo e sua fama só faz crescer. Neymar começa e declara seu espanto ao saber que é famoso no Perú. O grande artífice Romário, gerente geral dos micro espaços da área adversária, conhecedor profundo dos milímetros que levam ao gol, treme ao fazer seu primeiro discurso na Câmara Federal. Enquanto isso se espera para hoje o pronunciamento de Ronaldo no qual ele selará o fim de sua carreira.
Há muito de glória e tristeza na despedida de Ronaldo. Os noticiários da manhã ocuparam-se da trajetória do grande finalizador, não sem justiça chamado de “Fenômeno”. Artilheiro nato, dotado de grande habilidade e visão de jogo, Ronaldo deixa no futebol lacuna difícil de ser preenchida. Entretanto, estava mais que na hora de parar dadas as suas atuais condições físicas.
Imagino o quanto seja difícil o apagar dos holofotes para os ídolos do esporte. A glória, como a vida, passa depressa. Infelizmente Ronaldo não sai de cena com o respeito e o reconhecimento de que é merecedor. Ao atuar fora de condições físicas, vinha ele arrastando a sua própria legenda. Os últimos acontecimentos, envolvendo cobranças da torcida que reclama empenho e desempenho, não estão à altura do ídolo, daí o acerto da despedida.
Há quem não se preocupe com isso, mas a muitos importa o modo como serão lembrados. No caso de grandes ídolos do esporte é preciso cuidado com os últimos momentos da carreira para que não obscureçam feitos do passado. Mas, não creio que o último Ronaldo possa lançar sombras sobre o grande Ronaldo. Nós que amamos futebol sempre nos lembraremos dele em seus melhores momentos quando, participando de lances decisivos, deixava em campo a sua marca de jogador fora de série.
Vida longa ao grande Ronaldo.
A parte que cabe ao Nilo
Um frenesi de vitória da democracia corre solto por aí desde que o ditador Mubarak finalmente renunciou no Egito. As agências internacionais de notícias trabalham em ritmo febril espalhando pelo mundo detalhes sobre a boa nova. Nas ruas do Cairo todo um povo comemora o fato inédito de dezoito dias de protesto terem sido suficientes para acabar com uma ditadura que durou trinta anos.
Quieto e expectante só o Rio Nilo que corta a cidade do Cairo. Águas que já viram de tudo, certamente não hão de se impressionar com um ditador que cai e outro que, de repente, pode subir. A democracia? Ela é frágil, lenta e depende de muitos consensos. É a esperada, a que há de vir, mas não tem data para chegar. Tem ela as suas manias, o seu requinte. A democracia é como uma dama, vestida do branco mais alvo, que gosta de mesa pronta e convivas que a respeitem. Por isso, paira sobre o Egito a indefinição que leva tantos escribas, mundo afora, a todo tipo de considerações. Qual será, a partir de agora o futuro do Egito?
Talvez só o Nilo saiba, ele que já viu tanta coisa. Em Êxodo se contam os prodígios da mão de Deus sobre o Egito. Sete pragas abatem-se sobre o país porque o faraó se recusa a permitir a saída do povo de Deus. Numa delas, rãs sobem das águas e infestam todo o território. Noutra as águas do grande rio transformam-se em sangue; morrem todos os peixes e a água torna-se infecta.
Sempre o Nilo.
Mas, não há como se esconder a simpatia em relação a um acontecimento que muda o rumo das coisas e responde aos anseios de um povo. A respiração do mito da liberdade é algo que enche os pulmões, renova o fôlego e esperanças de um futuro melhor.
Desde criança aprendi a ligar a noção de Egito ao rio Nilo. Fosse eu egípcio a primeira coisa que faria era pedir ao grande rio que fizesse uso de sua força e magnitude para acalmar os ânimos e conduzir o Egito nos dias difíceis que se seguirão. Afinal, um rio que já mandou rãs até para o palácio do faraó e teve as águas transformadas em sangue deve ser capaz de influir em alguma coisa.
Armazenamento de informações
Não faz tanto tempo assim eu escrevia em folhas sem pauta com letra que me obrigava a passar a limpo os textos finalizados. Nunca me dei bem com máquinas de escrever, embora naqueles idos tenha comprado uma Remington que, a bem da verdade, usei muito pouco.
Entrei no mundo dos computadores pessoais com um CP 500 da Prológica, peça que hoje causaria algum espanto se comparada aos computadores que conhecemos. Os disquetes eram grandes, flexíveis e armazenavam muito pouco. Tentei usar o CP 500 para escrever, mas não conseguia acentuar as palavras. Naquele período a Microsoft estava às turras com o Word e o que se tinha por aqui era um processador de textos chamado Wordstar.
Do CP 500 passei a outro computador da Prológica - é preciso lembrar que com a reserva de mercado imposta pelo governo militar computadores importados eram raridade. Em função disso desenvolveu-se um mercado paralelo no qual eram vendidos computadores montados com peças entradas clandestinamente no país. Os XT- depois AT – custavam caro.
Quando passei a usar o Word tive problemas. Comprei uma versão do Word 5.0 para DOS - o Windows era então só uma promessa – e fiquei muito feliz porque via na tela verde do monitor as palavras acentuadas. Entretanto, o mesmo não se via no texto impresso: a Microsoft não providenciara drivers para boa parte das impressoras usadas no Brasil, entre elas a minha.
Do que me lembro bem é que, há não muito tempo, tudo era armazenado em HDs de pequena capacidade e disquetes. Foi por confiar num desses HDs que perdi um livro inteiro, escrito a quatro mãos com um amigo. Tratava-se de uma pesquisa que fiz no interior da Bahia, região de Canudos, sobre a tradição oral em relação a assuntos da guerra acontecida na região, em 1897. Tudo perdido por uma pane do HD e, pior que isso, pela inexistência do backup que o descuido me impediu de fazer.
De disquetes para CDs de 700 K, deles para DVDs com capacidade de armazenamento de 4,7 gigabytes. Os HDs de 500 gigabytes a 1 terabyte tornaram-se comuns. E chegamos ao blu-ray capaz de armazenar 25 gigabytes. Maravilha, não? Dias atrás adquiri um gravador de blu-ray e gravei num só disco quase 25 gigabytes de arquivos. Incrível.
A cada dia são armazenados bytes e mais bytes de informações. Dados de 2007, publicados pela revista Science, mostram que poderiam ser armazenados 295 exabytes - trata-se do número 298 seguido por dezoito zeros, equivalente a 295 bilhões de gigabytes.
Como não poderia deixar de ser esses números foram comparados com o DNA humano. A molécula de DNA possui informações codificadas através de um sistema que envolve a sequência de bases nitrogenadas – adenina, guanina, citosina e timina. A partir dessas quatro bases podem ser formadas quase incontáveis combinações, de todo modo em número muito superior ao que os atuais meios de armazenamento – CDs, livros, DVDs, HDs, blurays etc – são capazes de guardar. Segundo os cientistas o DNA humano armazena cerca de 100 vezes mais informações que todo o sistema de armazenamento ao alcance dos seres humanos.
Mas, a ciência progride e meios de armazenamento mais eficazes e poderosos tendem a surgir no futuro. O que me devolve aos velhos disquetes dobráveis, tão sensíveis e que surgiam como uma novidade impressionante. Obviamente, não viverei o suficiente para ver no que isso tudo vai dar. A nanotecnologia e a física de partículas permitem a construção de meios cada vez mais compactos e poderosos de armazenamento e encontram-se em plena evolução.
Para o mortal comum ficam as sempre benvindas notícias sobre novidades. Pena que tudo custe tão caro, daí que continuo com o meu notebook, um Pentium Core-2-Duo, sonhando com um processador I7. Acontece que fui informado que os processadores I7 são vários, variando em velocidades de processamento. Para piorar – ou melhorar – li que está sendo lançada a segunda geração de processadores I7, daí que percebi que essa coisa toda não tem fim e passei a achar o meu Core-2-Duo muito bom e ponto final.
A máscara do Tiririca
Caro Mano
Olhe aqui, não dá pra dizer com certeza se o carnaval brasileiro é mesmo aquele previsto no calendário ou se dura o ano inteiro. A verdade é que entre nós existe uma estranha compulsão para o que hoje em dia se chama de “junto e misturado” de modo que as coisas ficam muito imprecisas.
O fato é que de vez em quando temos a impressão de que a ordem vai vencendo a desordem e as coisas começam a se separar para que possamos distinguir umas das outras. De um ano para outro promessas de seriedade são feitas, mas, no fim, do que a turma gosta mesmo é de bagunça. Quem discordar que fique aí no seu lugar, no seu quadrado, com a sua discordância, ensimesmado num conjunto de teorias sociológicas que não fazem muito sentido. Aliás, que fique bem claro: o povo brasileiro é resistente a caracterizações; teorias que tentam explicar o modo de ser da nossa gente em geral ficam pela metade porque sempre aparece alguém para cutucar as generalizações. Claro que isso também tem um lado bom, veja aí o surgimento do Pelé, por exemplo, um cara fora das regras que fazia o impossível e levou à loucura os estudiosos que se meteram a explicar o que havia de diferente nele para ser capaz de fazer tanto.
O Brasil é cheio de “esses-uns” que são uns carinhas que troçam das regras, para o bem e para o mal é bom que se diga. Veja aí o Fernandinho Beira-Mar: o cara é o bandido dos bandidos, está preso numa cela de presídio de segurança máxima e consegue ser capa da principal revista semanal brasileira. Olá, estou falando com você, preste atenção Mano: o Fernandinho não é nenhum carinha que deu um golpe astronômico no sistema financeiro e aparece na capa das revistas sendo preso, vestindo terno, gravata e tudo o mais. Nada disso! O Fernandinho é um mal-ajambrado com cara de quase nada, que comanda de dentro da prisão o tráfico em grande parte do país. Não se pergunte como isso é possível: estamos falando do Brasil, lembra-se Mano? É o país de contradição, aliás, põe contradição nisso.
Então. Está aí governando a nova governante, ela que é mulher e tem o jeito dela de governar. Do lado dela, por todo lado, estão os políticos que a gente espera que, a partir de agora, façam tudo na maior seriedade. É aí que entra o “junto e misturado” que confunde a gente. Estou falando desse outro “esse-um”, o Tiririca, que fez o favor de bagunçar a nossa cabeça pela fusão de política com palhaçada. Até aí a gente ia se acostumando, mesmo depois daquela história de que o novo deputado federal é capaz de ler, mas não entende o que esta lendo. Ainda assim o Tiririca foi muito bem recebido em Brasília, notório como ele é, ainda mais tendo por trás dele um montão de votos capaz de fazer inveja a muitos políticos de ofício. Olhe que a coisa ia direito, a gente se habituando, conseguindo separar as coisas, afinal o Tiririca apareceu em Brasília de terno e tudo e vai que ele se torna um bom deputado, por que não, né Mano? Mas, no Brasil, as coisas não parecem ser feitas para durar de modo que a ordem e a desordem mais parecem duas palavras escritas numa placa que o vento muda de lado a toda hora. Então a confusão recomeçou agora que foi lançada a máscara do Tiririca para o carnaval. Olhe que os fabricantes não estão dando conta, tantas máscaras estão sendo vendidas. E sabe o que disse uma fabricante das máscaras do Tiririca? Mano, ela disse que o sucesso do produto era mais que esperado, afinal político e palhaço juntos só pode dar em carnaval.
Depois de ler isso resolvi escrever essas mal traçadas, Mano. Ô cara, não tente entender o Brasil: muita gente queimou as pestanas em cima desse assunto e, cá entre nós, no que deu o palavrório todo deles?
Que Deus abençoe você, Mano, e bom carnaval.
PS: a máscara do Tiririca custa 7 reais.
Golpe pelo telefone
Recebi um telefonema de um cidadão que se identificou como funcionário da Telefônica. Bom papo, o sujeito me disse que a Telefônica me escolhera e a mais alguns assinantes para ser contemplado com um prêmio - uma televisão LCD e 40 polegadas. A razão: eu sou um ótimo cliente da Telefônica, não atraso pagamentos de contas há muitos anos etc.
Bem. Era golpe, mas, antes que eu desligasse, o sujeito foi logo me dizendo que muitos golpes têm sido aplicados por gente inescrupulosa, daí ele fazer questão de se apresentar dando o seu nome e telefone. Acrescentou ser chefe de um setor no qual trabalham cerca de trezentos funcionários e por aí foi.
O que eu quero dizer é que mesmo você sabendo que se trata de um golpe corre o risco de ficar em dúvida tal a lábia do seu interlocutor. E se não for golpe? E se por um desses raios ilógicos que caem sobre a Terra a Telefônica… Não, não é possível, é golpe.
Desliguei sem completar a conversa, não sem antes anotar o número do telefone do cidadão que me ligou. Depois perdi um tempão, tentando falar com alguém graduado da Telefônica para perguntar se algo não poderia ser feito em relação a isso, talvez um aviso pela mídia para que pessoas não caíssem nesse conto do vigário. Como seria de se esperar não foi fácil devido ao atendimento eletrônico. Quando se chega à fase de falar com alguém em geral não é pessoa indicada para o assunto em pauta. A partir daí começa a espera de transferência de ligação para o setor adequado, coisa que pode ser descontinuada por queda da linha etc. Mas, depois de algumas tentativas, consegui ser atendido, contei a minha história e fui informado de que ela seria passada para um conselho etecetera e tal. Quanto ao número do telefone que recebi do golpista a moça que me atendeu localizou sua origem: Fortaleza (o danado me dizia que falava de Osasco).
Pois é. Tenho uma amiga cuja mãe, senhora de idade, foi abordada por dois espertalhões que aplicaram o conhecido golpe do bilhete premiado. A pobre senhora chegou a levar os dois até a sua própria casa para dar a eles o dinheiro em troca do bilhete…
Contei a algumas pessoas o caso do telefonema que recebi e ouvi que seria melhor se eu prestasse mais atenção a coisas desse teor. Alguns riram, dizendo que eu ia sendo levado pela lábia do bandido. Mas, não fiquei muito chateado porque pode acontecer a qualquer pessoa. Semanas atrás a cronista Danuza Leão escreveu contando como foi abordada, na rua, por um cidadão. Penalizada deixou-se levar pela lorota dele só percebendo a tentativa de golpe quando um comparsa do golpista entrou na conversa.
Portanto, cuidado. Pode acontecer a qualquer pessoa, eu não disse?
A vez do Egito
Confesso que me emocionei quando vi cidadãos egípcios de mãos dadas, abraçando o Museu do Cairo para protegê-lo contra intrusos e saqueadores. Homens do povo erguiam-se em meio a desordens e arruaças para proteger um patrimônio cultural da humanidade. Pouco antes, imagens do interior do museu mostravam peças milenares destruídas, fato que tem preocupado pesquisadores e gente de cultura em todo o mundo.
De todo modo assiste-se a uma varredura de sonhos de democracia em países do norte da África. Ditaduras que persistem há décadas ameaçam ruir. O que se busca é liberdade e, até certo ponto, rompimento com o passado para que sociedades mulçumanas entrem no século XXI.
Os paralelos da crise egípcia com a onda que varreu a Europa e pôs fim à Cortina de Ferro têm sido apontados por vários analistas. Nesse sentido a crise de 1989 que culminou com a queda do Muro de Berlim é um marco a ser lembrado. Entretanto, não se consegue identificar com clareza o estopim da crise atual embora se tenha dito que informações publicadas pelo WikiLeaks tenham influído no processo.
Agora se diz, não sem certo espanto, que os jovens egípcios, mesmo tendo nascido sob a ditadura de Mubarak, sabem o que é democracia. De todo modo o futuro político do Egito é incerto e preocupa o mundo. Milhares de pessoas continuam protestando nas ruas e as forças de repressão têm feito vítimas. A internet foi cortada e a imprensa sofre represálias. Mubarak se diz disposto a se afastar do governo, mas crê que sua saída repentina mergulhará o país numa crise ainda pior. Nesse jogo de forças estão envolvidos, além do governo e do povo, o Exército – fiel da balança -, os líderes da oposição, a irmandade mulçumana e seitas radicais do islamismo. Como não poderia deixar de ser os interesses dos EUA contam, e muito, de vez que o país tem praticado a política de apoio a ditadores da região, inclusive o próprio Mubarak.
No fogo que se alastra os EUA já andam às voltas com problemas na Tunísia e o Iêmen. Não custa lembrar o bom entendimento dos EUA com as ditaduras da Arábia Saudita, Jordânia e outros países da região. De todo modo, na crise egípcia, os EUA estão numa sinuca de bico: apoiar Mubarak é fria; é preciso apostar na hipótese mais provável para a sua sucessão. O problema é que, pelo menos por agora, parece não haver hipótese mais provável. Analistas têm ensaiado possibilidades, todas elas partindo da saída de Mubarak. O que se quer no Egito são eleições livres, mas até chegar a elas há um caminho a percorrer. Num ponto todos concordam: caberá ao exército papel primordial no futuro do Egito. Caso o exército venha a se omitir estará aberto o campo para a intervenção de radicais e há quem veja a possibilidade de um governo religioso como aconteceu no Irã. Outra preocupação é com a possibilidade de esfacelamento do Estado como aconteceu ao Iraque devido à intervenção norte-americana naquele país. Não existe democracia sem instituições e há que se preservá-las no Egito se o que se quer são a própria democracia e eleições livres.
Nos primeiros dias as notícias vindas do Egito não chamaram tanto a atenção do cidadão comum. Hoje o assunto está nas ruas e preocupa a opinião. Egito, Tunísia e Iêmen presenciam levantes populares pró-democracia. Estaremos presenciando um efeito dominó que levará ao fim as grandes ditaduras africanas?
O Discurso do Rei
Imagine a situação do rei da Inglaterra no momento em que tem que fazer o mais importante discurso da sua vida e tem, diante de si, o fantasma de uma tartamudez que o acompanha desde os cinco anos de idade.
Toda a grandeza de “o Discurso do Rei” está na brilhante atuação de Colin Firth que faz o papel de George VI, o rei gago. Quando se fala em atuação brilhante é bom explicar que Firth consegue transferir ao espectador toda a angústia de sua condição. Sofremos com ele a cada passo de sua trajetória na qual não faltam indecisão, timidez e, principalmente, uma enorme incapacidade de comunicação. Preso num labirinto de palavras que se recusam a sair de sua garganta o Duque de York, futuro rei, é um homem incompleto: falta a ele a ferramenta vital que o impede de comunicar-se com pessoas e, mais tarde quando já coroado, com seus súditos.
Assim os pronunciamentos que o Duque de York é obrigado a fazer transformam-se em sacrifícios inúteis: ao ver o microfone ele não consegue dizer nenhuma palavra. Aparentemente ninguém pode ajudá-lo de vez que os tratamentos a que se submete não surtem efeito. A situação perdura até que o Duque, conduzido pela sua mulher, submete-se ao tratamento proposto por Lionel Logue, interpretado por Geoffrey Rush que, a cada filme, parece crescer ainda mais em suas atuações. De fato, a relação entre o Duque de York- em família tem o apelido de Bertie – e Logue transforma-se no ponto alto do filme, destacando-se a excepcional atuação dos dois atores em seus respectivos papéis.
“O Discurso do Rei” é daqueles filmes sobre os quais se pode dizer que foram muito bem feitos. Trata-se de uma história bem contada que chega a ser emocionante em alguns momentos. Existe toda uma preocupação com os mínimos detalhes tais como a reconstituição da época e o figurino perfeito. Além disso, a narrativa apoia-se em fatos relacionados à ao Rei George VI que de fato era gago, tímido, muito doente e assumiu o poder quando da renúncia de seu irmão ao trono para casar-se com uma norte-americana divorciada. A trama se passa nos anos que antecedem a Segunda Guerra Mundial e tem como pano de fundo o vai-e-vem dos políticos ingleses durante a ascensão de Hitler na Alemanha. Há, portanto, um contexto histórico a marcar a importância do cargo que o Duque de York chega a ocupar e aquilo que os ingleses dele esperam num momento em a Guerra é iminente.
Como não poderia deixar de ser um filme assim tem por trás do que se vê na tela um diretor extremamente competente, papel que cabe a Tom Hoper. Por esse trabalho ele acaba de receber o DGA Awards, o prêmio dos diretores, fato que o torna praticamente favorito para receber o Oscar de melhor diretor pelo seu trabalho.
Por fim a pergunta: “O Discurso do Rei” é um grande filme? Responder afirmativamente nos obriga a comparar essa produção inglesa com grandes filmes do passado. Se o critério for o da grandiosidade, tão a gosto de muitos críticos, o filme não pode competir com grandes sucessos já vistos nas telas. Entretanto é bastante seguro dizer que “O Discurso do Rei” entra com facilidade na galeria dos filmes inesquecíveis, fato que por si só garante a ele lugar de destaque na história do cinema. É com justeza, pois, que o filme está indicado em doze categorias para o Oscar de 2011.
Para quem gosta de bom cinema “O Discurso do Rei” é opção segura de entretenimento.
A rede social
“A Rede Social” é filme aberto a várias leituras. Há, sim, uma grande preocupação do diretor David Fincher em investigar a natureza das suas personagens, a maioria delas pessoas jovens envolvidas com o processo de criação do Facebook. Talvez à geração pós-internet o que mais atraia seja o lado gauche de hackers superdotados que não encontram lugar no mundo real e tornam-se, eles próprios, máquinas pensantes conectadas a outras máquinas – a ideia de rede desperta a sensação de que pessoas e máquinas interligam-se por uma espécie de miasmas, não sendo possível saber quem está no comando, o homem ou a máquina. Existe também o lado da coisa nova que de repente encontra lugar para se instalar no mundo, abrindo espaço para a adesão de pessoas e suscitando a incrível pergunta: por que não pensei nisso antes? Mas, o que mais impressiona a alguém que veio de um tempo anterior às facilidades de comunicação hoje existentes é a loucura de algo que se expande, fazendo uso de anseios de seres humanos que clamam por atenção e precisam, obstinadamente, integrar-se a algo que faça deles seres comunitários. Um monstro assim, capaz de crescer assustadoramente e, da noite para o dia, chegar a valer 25 bilhões de dólares, simplesmente se instala para subverter a lógica de valores aos quais os mortais comuns estão a habituados. Em síntese, é na curiosidade sobre como uma coisa dessas pode acontecer que reside a grande força e atração de “A Rede Social”.
Não que o filme se reduza a simplesmente curioso. Há que se destacarem outros aspectos, entre eles uma nova ordem de comportamentos ditada por imperiosas necessidades de momento num ramo onde a velocidade dos acontecimentos é vertiginosa. Aliás, é na vertigem de um processo mental alucinante que se apoia a maior parte da trama. Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), o criador do Facebook, mais parece um long-play tocando em setenta e oito rotações. A sequência inicial do filme, na qual ele está num bar com sua namorada, falando numa velocidade espantosa, é atordoante. Ali mesmo, antes dos letreiros, o filme já diz a que veio: o diretor parece querer nos dizer que estamos a adentrar outro mundo no qual as regras são diferentes, outra é a ética - se é que existe - e tudo é possível. Nesse mundo a Universidade de Harvard surge como uma reserva de inteligência pela qual circulam possíveis gênios. É entre as paredes da universidade que Mark se apresenta como um desajustado que não se integra ao dia-a-dia universitário. Tremendamente só Mark tem um único amigo que se tornará seu sócio no FACEBOOK e que, mais tarde será descartado por ele em penoso processo judicial.
Mark é um analista de sistemas graduado em Harvard. Não deixa de ser interessante o fato de que ele, incapaz de relacionamentos reais, justamente se torne o criador de uma rede para contato entre pessoas por via eletrônica. É como se o cérebro do pequeno gênio, que trabalha de modo brilhante e acelerado, tivesse buscado e encontrado uma via alternativa para se entender com o mundo. Mark é um produto do tempo da integração do homem com as máquinas e talvez não fosse nada sem a existência delas.
“A Rede Social” é obra de um diretor experiente que domina com muita eficácia a arte narrativa. O filme nos prende pelo tema que aborda, pela excelente atuação dos atores e a utilização de uma técnica narrativa que plasma o futuro com o passado através de flashbacks muito bem elaborados e dosados. A acusação de que Mark teria roubado a ideia do FACEBOOK de colegas da universidade permeia toda a história e os flashbacks são elaborados em torno de reuniões nas quais Mark se defende durante tentativas de acordo.
Há muito a se falar sobre “A Rede Social” que com justiça está indicado em algumas categorias na a próxima premiação do OSCAR. O filme termina com a figura de Mark, sozinho numa sala, olhando para um notebook. Uma advogada que trata da questão de direitos sobre o FACEBOOK diz a Mark que ele não é um babaca embora faça muita força para sê-lo.
E ficamos sem conhecer direito esse rapaz que aos 29 anos de idade tornou-se um dos homens mais ricos do mundo. Quanto às acusações de roubo de propriedade intelectual o melhor é ficar com a frase emblemática que acompanha o título do filme: você não consegue 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos.
A grande Ella Fitzgerald
Sempre Mariana com o jeito muito dela de dizer as coisas, concordando em parte, discordando de quase tudo para, no fim da conversa, dar uma colher de chá, distribuir um de seus raros sorrisos e dizer que as coisas existem para isso mesmo, para serem observadas de modo diferente pelas pessoas, senão que graça haveria em tudo?
Para Mariana tudo era uma questão de ritmo, de notas apressadas juntando-se numa pauta imaginária com se o mundo fosse regido por maestro pós-moderno, muito além de Stravinsky e de tudo o que se criou depois dele, inclusive a música dodecafônica do Schoenberg.
Mariana se entendia e desentendia comigo musicalmente naquela sua pachorra de ritmar nossos atos como se fizessem parte de uma ópera. Tínhamos similaridade de gosto, poucas é verdade. Ela gostava de jazz como eu embora nossos músicos preferidos fossem diferentes. Ela amava Charlie Parker, eu preferia Coleman Hawkins; para ela Sarah Vaugham era a melhor, para mim ninguém estava acima de Ella Fitzgerald, nem mesmo Billie Holiday. Ambos amávamos Gerswin e esse era um dos raríssimos pontos em que nossas opiniões convergiam. Lembro-me de que certa vez passamos uma tarde inteira ouvindo Rapshody in Blue, os dois em silêncio, meditando sobre a composição de um cara como Gerswin, tão genial que só poderia mesmo ter morrido em razão de um tumor na cabeça.
Do tempo que passamos juntos não há muito a dizer, senão dos longos passeios que fazíamos juntos, errando por ruas que não conhecíamos, muitas vezes procurando um ao outro numa área mais ou menos delimitada de quarteirões. Mariana gostava muito disso, era fetiche dela que nos encontrássemos, inesperadamente, numa rua qualquer e depois disso fôssemos curtir nossos corpos no pequeno apartamento que ela alugara há algum tempo. Naquela época ela acabara de ler “O Jogo da Amarelinha”, do Cortázar, e acho que queria experimentar a liberdade de começar um romance a partir de qualquer ponto, sem antes, nem depois, como costumava dizer.
Sem antes, nem depois. Numa tarde eu estava no apartamento dela, deitado no chão, ouvindo a Ella Fitzgerald cantar “I Could Have Danced All Night”. Mariana chegou de repente e me pediu que desligasse ou colocasse um disco da Sarah Vaugham. Achei o fim do mundo ela interromper algo que me dava tanto prazer, isso para satisfazer a um imperativo qualquer. Além do quê a Sarah não tinha as oitavas da Ella, o negócio da Sarah era o vibrato daí ser melhor ouvir a Ella. A partir daí a discussão tomou pé até cair nessa coisa toda de gosto, de diferenças pessoais e relacionamentos que não podem continuar porque as pessoas são estupidamente diferentes.
Não vou contar todo o resto da discussão, mas saí do apartamento no bairro da Bela Vista para não mais voltar. Não me recordo quantos anos se passaram desde então até hoje quando vi, de longe, a Mariana andando na Avenida Paulista. Confesso que o meu primeiro impulso foi correr atrás dela, mas parei porque afinal somos tão diferentes - ela Sarah Vaugham, eu Ella Fitzgerald. Ainda assim, eu a segui por uns dois ou três quarteirões até que me ocorreu que talvez ela tivesse me visto e por isso andasse depressa na direção do metrô.
De novo em casa liguei o som e coloquei no pick-up o vinil “Ella Sings Broadway” – odeio o som dos CDs. Não demorou e lá veio Ella cantando “I Could Have Danced All Night”, ela com seu corpo grande e voz maravilhosa, tão inocente como se nada tivesse com o fim do meu caso com a Mariana.
Wall Street 2
Você que, como eu, deve conhecer os meandros das bolsas de valores só de ouvir falar, corre o risco de ficar estarrecido com o nível de selvageria praticado no entorno dos negócios que ali se realizam. Trata-se de um mundo a parte, com lógica própria, um tipo de jogo praticado por atletas que têm nos ganhos de investimentos sua razão única de viver. O perde-ganha das ações que sobem e descem, os boatos que destroem empresas – e empregos –, a relação de mão única com o capital, a submissão incondicional do caráter às necessidades especulativas, tudo isso e muito mais é mostrado sem nenhuma piedade em “Wall Street 2, o dinheiro nunca dorme” do diretor Riddley Scott.
Continuação de “Wall Street: Poder e Cobiça”, que deu o Oscar a Michael Douglas no papel de Gordon Gekko, o filme conta a história de ressureição do mesmo Gekko após passar oito anos preso por ter cometido crimes contra o sistema financeiro. Aparentemente regenerado Gekko escreve livros e parece imbuído de um novo caráter. Entretanto, a vida de Gekko se cruza com a de Jack (Shia LaBoef), rapaz que atua em Wall Street. Logo no começo do filme Jack recebe um bônus de U$ 1,5 milhão, dinheiro que obviamente investe em ações justamente num momento de queda da Bolsa. Jack trabalha para o seu mentor e chefe Lois Zabel (Frank Langella), que comete suicídio ao perceber que sua firma afundou devido a boatos e tramas armadas por executivos competidores. A morte de Zabel, jogando-se debaixo de um trem do metrô de Nova York, remete o espectador a situações históricas de desespero coletivo como aquela ocorrida durante a quebra da Bolsa em 1929.
É para vingar a morte de Zabel que Jack se une a Gekko. Da parte de Gekko o maior interesse é aproximar-se de sua filha, Winnie (Carey Mulligan), namorada de Jack. A partir daí a trama se desenvolve simulando verdadeiro xadrez no qual a regra do jogo é a falsidade. Ninguém se salva nessa selva de interesses que colidem e, se alguma justiça se faz contra o especulador que levou Zabel à morte, a balança novamente se desequilibra com vantagens para o sempre mal intencionado Gekko.
O filme investe bastante na relação entre Gekko e Winnie. Ela detesta o pai que a todo custo quer-se aproximar dela como se buscasse se redimir de falhas anteriores. Winnie quer ser o que o pai não é e, para isso, torna-se proprietária de um site de internet sem fins lucrativos. Mas, como sempre acontece em casos dessa natureza, Winnie acaba por se casar justamente com Jack, cópia modificada, mas sempre cópia do pai dela.
O que mais impressiona em “Wall Street 2, o dinheiro nunca dorme” é o jogo que se realiza em torno de interesses que não levam em consideração a existência de cidadãos comuns. Não por acaso o filme de Riddley Scott tem uma cena na qual os prédios de Nova York servem de contorno ao traçado de um gráfico caracterizando as oscilações dos valores de ações. Trata-se de uma desumanização do capital dado que não importam as vidas dentro dos prédios e sim o que representam em termos de investimentos.
A ganância é boa? – é Gekko quem pergunta, explicando que caso seja excessiva pode estragar tudo. Mas, se alguma lição se pode tirar desse filme que busca desnudar o perde-ganha das bolsas de valores é a de que o mais importante é o jogo praticado por homens talhados para jogá-lo. Aliás, é o mesmo Gekko quem, a certa altura, adverte que o importante não é o dinheiro, o que vale é o jogo. Pena que esse jogo cruel, que move trilhões de dólares, leve países inteiros ao desespero e contribua para a desigualdade no mundo. Ao ser tornar absolutamente impessoal o movimento de valores arrasta milhares de pessoas, condenando-as muitas vezes à miséria e desvalorizando marcadamente o trabalho. A riqueza tem o seu modus operandi e isso pode ser visto na suntuosidade da festa à qual Gekko e Jack comparecem, sempre em busca de formas de vingança e bons negócios.
Ninguém se salva, não existe ética e nem o moral da história no filme de Riddley Scott. O mundo é como é; a sociedade não passa de reflexo dos homens que a criaram. O sistema se sustenta dentro de regras ambíguas que se distorcem na medida em que isso se torne necessário para salvar grandes corporações e manter a credibilidade pública. O resto é história da carochinha.