Arquivo para março, 2011
Os vilões de plantão
Meu caro leitor uma coisa deve ficar muito clara desde logo: a vilania não é para qualquer um. Ser vilão requer inteligência, matreirice, queda inata para a prática do mal, ruindade e, principalmente, um tremendo mau caráter. Vilão de primeira linha não se deixa flagrar facilmente, prejudica de verdade as pessoas, não sente remorso e experimenta grande prazer em ver dar certo as suas maquiavélicas armações. Vilão de primeira linha é dissimulado, nem parece vilão; é aquela pessoa em que você é capaz de confiar e por quem jura até o fim tratar-se do melhor tipo do mundo. Há casos em que a perfeição é tanta que o vilão passa por gente boa, amigo entre os amigos e vive assim, como anjo caído do céu, asa quebrada, mas que ninguém percebe.
Até aí cuidamos dos vilões de excelência que, acreditem, não são muitos. Descontados esses, o que se tem são iniciantes, gente capaz de maldades que se revelam, pessoas mal resolvidas que chegam a ter crises pelos seus mal feitos, alguns até acabando na prática religiosa pregada pelos pastores de televisão, certos que de tornaram-se boas pessoas após prejudicar a vida de uma pobre meia dúzia de coitados, em geral seus subalternos.
Pois são esses vilões meia-boca os que mais nos incomodam porque uma coisa é a gente ser ferrado por um profissional, outra cair na lengalenga de um idiota qualquer. É nesse vácuo de ocorrências imponderáveis que habitam os chefetes, os responsáveis por repartições, aquele carinha que fica amigo só para tentar pegar a mulher da gente, a fulana que deda a amiga só para pegar o lugar dela no emprego, o sujeito que aplica pequenos golpes, os que jogam uma pessoa contra a outra contando mentiras, os que inventam coisas só para estragar a vida alheia, os que manipulam pessoas desavisadas e sabe-se lá quantas variantes existem de safadezas de pequeno e médio porte, todas praticadas sem arte sé é que se pode admitir alguma arte no universo das práticas venais e erráticas.
Você deve ter estranhado essa alusão à palavra arte, relacionando-a com práticas condenáveis. Bem, os perfeccionistas reconhecem existência de arte até na prática de certos crimes. O cinema é pródigo em tramas de crimes perfeitos, artísticos como querem alguns. Aliás, nunca é demais lembrar que o escritor Thomas De Quincey escreveu um livro cujo título é “Do assassinato como uma das belas artes”. De Quincey defende a ideia de que ninguém quer que algo de mau aconteça; entretanto, desde que tenha acontecido que possa ser esteticamente apreciado.
Mas, retornando ao tema desta página, nada mais indecente que um péssimo vilão, desses que enterram qualquer trama de ficção. Pior ainda se tal vilão existe na vida real e se locupleta com a prática de maldades calcadas em manobras que não duram mais de 24 horas. Nesses casos o intervalo entre duas luas é mais que suficiente para que o vilão seja pego em falso, desmascarado e, pior, passe a fingir como se nada houvesse acontecido.
Dei com um violãozinho desses tempos atrás. Fez lá das suas, mas a falta de engenho o traiu. Sem habilidade para o ofício, deu-se mal: trabalhava numa construção e foi demitido. Daria pena, não fossem alguns estragos e a repulsa que pessoas assim nos causam.
Sorte ou acaso?
Quantas vezes ficamos com a impressão de que faltou só um pouquinho, muito pouco, para algo de muito bom nos acontecer, algo que talvez viesse a mudar a nossa vida. Guardamos lembranças de momentos estratégicos que poderiam tornar-se definitivos e acabaram não sendo. Isso sem falar nas escolhas que fizemos, umas tantas certas, outras erradas, algumas certamente infelizes e com profundas implicações em nosso futuro.
Muita gente confia na sorte ou, pelo menos, aposta nela. Que o digam os abnegados apostadores das loterias, os que se encantam pelos prêmios acumulados e enfrentam as filas das lotéricas com aquele sorriso malicioso de que “agora vai”. Esse “a minha vez há de chegar” serve como grande estímulo e empresta à rudeza do dia-a-dia uma dimensão superior como se, acima da condição cotidiana e quase sempre irreversível, estivesse reservada a possibilidade de um destino maior, mais amplo e feliz. Em outras palavras, deve existir uma força maior capaz de pinçar da vala comum seres predestinados pela sorte, bastando que certas coordenadas se ajustem, como, aliás, estaria previsto desde o nascimento da pessoa, impresso no mapa do destino dela.
Verdade que o mais provável seja de que tudo isso não passe de imensa bobagem. As coisas acontecem e pronto. O importante é estar no lugar certo, na hora certa. A sorte, se existe mesmo, procura aqueles que estão preparados para ela, os que se empenharam para estar em condições adequadas para aproveitar grandes oportunidades que surgem e assim por diante. Muita gente pensa assim. Trata-se de pessoas que têm o pé no chão, não acreditam em milagres e admitem que o esforço é tudo, nada simplesmente cai na cabeça de uma pessoa, de repente, mudando a vida para muito melhor, assim, vindo do nada.
Feitos esses preâmbulos veja-se o caso concreto desse cidadão do Reino Unido que comprou numa sucata um quadro só porque achou bonita a moldura. Pagou pelo quadro o equivalente a R$ 265,00 e deixou-o, durante seis anos, guardado no sótão da sua casa. Essa situação perdurou até a pouco quando, folheando uma revista, o cidadão notou a semelhança da tela que comprara com um quadro famoso desaparecido. Bem, nem seria preciso dizer que se trata de um quadro do pintor Cezanne cujo valor passa facilmente de 100 milhões de reais.
Simples, não? E há que se reclamar um pouco da sorte que, engenhosa, matreira, demorou seis anos para se revelar.
Aliás, sorte ou acaso?
Rogério Ceni
Não há como não se emocionar com o feito de Rogério Ceni. À carreira do grande goleiro soma-se o ineditismo de completar 100 gols marcados contra as redes adversárias, todos eles vestindo a camisa do São Paulo FC.
Já há alguns anos Rogério vem se distinguindo como caso a parte no mundo do futebol dada a sua dedicação e equilíbrio. Profissional correto, ele encarna um perfil nem sempre imitado pelos atletas da bola, muitos deles seguindo caminhos nada exemplares proporcionados por altos salários e facilidades oriundas da fama. De fato, são muitos os casos de jogadores de futebol que ascendem à condição de celebridades, mas, infelizmente, não se mostram à altura do destaque que alcançam. Salários altíssimos, vida de príncipes e muita tietagem geram comportamentos destoantes, implicando em situações por vezes desconfortáveis, senão perigosas. Não será preciso nomear aqui craques de imenso potencial que precocemente entram na curva descendente de suas carreiras em consequência de comportamentos e posicionamentos inadequados.
É no controverso mundo do futebol, onde em geral o que fala mais alto são as paixões, que Rogério Ceni se destaca, sobressaindo-se a seus pares não apenas por suas conquistas, mas pelo papel de liderança que tem assumido, constituindo-se em exemplo para jovens talentosos que iniciam suas carreiras nos gramados.
Há muitos anos, no tempo em que o rádio era o principal veículo para transmissões futebolísticas, um comentarista dizia que um grande time começa por um grande goleiro. Como se sabe, nos últimos anos o São Paulo vem se destacando como equipe vencedora e não há como dissociar as conquistas tricolores da presença e liderança de Rogério Ceni. Infelizmente, como acontece aos que brilham, a luz excessiva incomoda, fato que tem despertado a ira de outras agremiações contra as hostes tricolores. O fato é em si salutar porque futebol, como se disse, é movido a paixões e numa competição o que vale é desbancar aquele que vence para outro tornar-se vencedor. Entretanto, o que se tem visto são articulações extracampo com a produção de tabelas nas quais o tricolor vê-se em desvantagem, sendo direcionado para horários nos quais é impossível a transmissão de seus jogos pelo Campeonato Brasileiro. Esse fato resultará em prejuízos consideráveis porque, como se sabe, boa parte do dinheiro arrecadado pelas equipes de futebol provém do pagamento pelas transmissões televisivas. A isso se acrescente a enervante descaracterização do Morumbi como estádio apto a sediar o jogo de abertura da Copa do Mundo – assunto finalizado, ainda bem – e mesmo o fato da CBF não escolher o estádio – o maior de São Paulo – para jogo próximo da seleção brasileira.
Foram os fatos anteriormente citados que certamente levaram Rogerio Ceni a comportar-se um tanto passionalmente no momento de sua comemoração pelos 100 gols, alfinetando a CBF e a Globo, adversários do clube na questão de direitos de transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro.
Mas, o que importa é que Rogério Ceni está em festa, merecidamente. Torcedores que gostam realmente de futebol, independentemente de suas preferências clubistas, também estão felizes. Para quem vê no futebol uma arte, presenciar a superação de um atleta é prêmio dos grandes e inesquecíveis.
Vida longa ao goleiro do São Paulo.
Hábitos alimentares
Então apareceu lá em casa o tal Célio, contratado pelo meu pai para pintar paredes internas e externas. Era um sujeito de cerca de 30 anos, moreno, baixo, magro, boa prosa, alegrão, desses que podem passar por muita coisa, inclusive por pintor de paredes.
Quando contratou o Célio meu pai achou que tinha feito ótimo negócio. O pintor ficaria em casa por cerca de um mês com direito a cama e comida, mas a preço mais que razoável pelos seus serviços.
O choque aconteceu n primeira vez que o Célio almoçou em casa: era um glutão, nada o satisfazia. Minha mãe dizia que o rapaz era um saco sem fundo, capaz de ingerir toneladas de comida, sem indícios de que pararia enquanto restasse um único grão de feijão na panela. A coisa era de tal forma impressionante e o prejuízo de tal monta que o Célio não chegou a terminar os serviços para os quais fora contratado: numa brevíssima reunião familiar acertou-se o fim dos trabalhos. A turma da cozinha não dava conta de fazer tanta comida e o que não se pagava ao pintor pelo trabalho dele era em muito superado pelos gastos com a compra de alimentos.
Meu pai dizia que Célio era um gastrônomo. Não creio. Segundo o Houaiss gastrônomo é aquele que aprecia com gosto e conhecimento os prazeres culinários. O Célio comia tudo o que se colocasse à frente dele com voracidade impressionante. Não era exatamente um apreciador de boas comidas, mas um consumidor inveterado e o que mais espantava é que não se sabia para onde ida tudo o que ele comia magro e baixinho que era.
Mais tarde soubemos que o Célio não era qualquer um, tinha fama. Conta-se que quando ia visitar a sogra faziam o almoço só pra ele que comia antes de todos; depois era servido o almoço da família do qual ele não participava. Além disso, o Célio participava de competições do tipo quem come maior número de sanduiches em menos tempo e outras do ramo.
Magreza não é o forte de quem come muito, nisso o Célio era um sortudo. A obesidade é mal crescente em países com economias em crescimento e já as já estilizadas. Gastam-se fortunas em saúde pública com doenças decorrentes da obesidade, daí a preocupação dos governos com campanhas preventivas e esclarecedoras sobre os perigos da doença e cuidados com hábitos alimentares. No segmento da beleza proliferam revistas relacionadas à forma do corpo, quase sempre trazendo opções de regimes milagrosos para emagrecimento. Beleza vende e o público feminino é ávido consumidor de fórmulas para manter a forma e a saúde. Isso sem entrar no campo sempre promissor das cirurgias plásticas que prometem –e também realizam – milagres de rejuvenescimento.
Por outro lado, aos obesos crônicos restam tratamentos que variam entre dietas alimentares, atividades físicas, tratamento de distúrbios de natureza orgânica e cirurgias. Entre os meios atualmente utilizados está o balão intragástrico, uma prótese de silicone preenchida com líquido. Ele é introduzido dentro do estômago e condiciona o paciente à redução da ingestão alimentar porque, ao ocupar espaço, diminui o apetite e proporciona sensação de saciedade.
Pessoas que têm utilizado o balão relatam bons resultados embora devam se cuidar para não retornarem aos antigos hábitos alimentares após emagrecerem. Uma senhora obesa, que de forma alguma pretende fazer cirurgia, está às vésperas de receber o balão com o qual ficará por um período de três ou mais meses. Seus receios relacionam-se aos primeiros quinze dias nos quais estão previstos alguns sintomas indesejáveis. Em todo caso vai valer a pena, ela repete isso muitas vezes, esforçando-se para entrar em sintonia com um sofrimento que será recompensado.
Não sei de quem é a frase, mas popularmente se diz que nessa vida tudo que é bom faz mal ou engorda. Trata-se de exagero, mas que o dito tem as suas implicações, lá isso tem.
Elizabeth Taylor
Não me lembro de quando assisti “Gata em Teto De Zinco Quente” de todo modo filme inesquecível. Filme de atores, sem truques, baseado na peça de Tenessee Willians, com atuações maravilhosas. O ex-jogador bêbado Brick (Paul Newman) não perdoa a mulher com quem é casado, Maggie (Elizabeth Taylor), por um incidente com seu amigo, também jogador, Skipper. O casal faz parte de uma família cujo patriarca é Harvey (Burt Ives), homem rico e pai de Brick seu filho preferido. O outro filho é Cooper (Jack Carson), casado, com filhos, que faz de tudo para agradar o pai. Toda a trama se desenvolve na noite em que se comemora o aniversário de Harvey, o “Big Daddy”, que tem câncer e está para morrer.
A primeira aparição de Maggie acontece durante os preparativos da festa que será realizada para o Big Daddy. Ele voltará para casa e a ideia é comemorar o seu aniversário com a presença da família. Maggie chega dirigindo um carro azul do qual desce apressada para gritar com a sobrinha que está com as mãos enfiadas num balde de sorvtee. É nesse momento que o mundo literalmente vira de ponta cabeça para o espectador: a pessoa que desce do carro e corrige os modos da criança não é uma mulher qualquer: ela é Elizabeth Taylor, então aos 30 anos de idade, no esplendor de toda a sua beleza e enorme capacidade de interpretação. É uma mulher invulgar, ícone de sua época e uma das últimas grandes e verdadeiras estrelas de Hollywood.
Não há que se comentar aqui o filme “Gata em Teto de Zinco Quente”, de resto um “cult movie” cuja grandeza é de fazer inveja a montanhas de produções recentes adubadas com os recursos tecnológicos atualmente disponíveis. O que importa dizer é que o efeito especial do filme, o inimitável e inigualável efeito especial de muitos filmes, morreu hoje: Elizabeth Taylor faleceu deixando atrás de si uma grande e inimitável legenda, além de admiradores em todo o mundo.
Existem hoje em dia grandes atrizes, celebridades, pessoas que tornam públicas suas vidas pessoais, gente que consome e é consumida pela mídia. Elizabeth Taylor esteve à frente do grupo seleto de pessoas que atualmente domina a cena cinematográfica por ser tudo isso e muito mais a um só tempo. A cada casamento dela o mundo via-se obrigado a acompanhá-la em sua nova aventura dado que era simplesmente impossível ignorá-la. Ao tempo de seu relacionamento e casamento com Richard Burton ouviram-se os mais variados tipos de comentários alguns deles de cunho machista dado que uma fêmea tão perfeita teria procurado um mau ator, mas sujeito forte e assim por diante.
Raras pessoas nesse mundo nascem em sintonia com estrelas. Com o passar do tempo a sintonia torna-se tão forte, tão intensa, que elas próprias transformam-se em estrelas. Como estrelas elas vivem e morrem, diz-se até que na morte retornam ao firmamento, de modo que não seria inesperado se no momento em que Elizabeth Taylor morre uma nova estrela apareça nos céu.
Aconteceu a Elizabeth Taylor, acontece a raríssimos seres humanos. Para nós, mortais comuns e adoradores confessos, restam os filmes, as cenas eternas gravadas pela estrela enquanto esteve entre nós. Quanto a mim fico com a “Gata” no momento em que chega dirigindo o carro e desce para chamar a atenção da menina. Não a deixo chegar ao final da cena: paro o filme enquanto ela segue de corpo inteiro na direção do espectador e a deixo ali, braço estendido, dedo em riste, com sua esfuziante beleza e naturalidade, atuando eternamente.
Hugo Cháves e a vida em Marte
Se existe um planeta que povoa a imaginação dos terráqueos é justamente Marte. Na imaginação de escritores, cineastas e toda sorte de ficcionistas Marte é lugar de civilizações avançadas que habitam cidades futuristas e dispõem de formidáveis recursos tecnológicos. Obviamente, um planeta superpovoado, avançado e rico têm, entre suas prioridades, políticas expansionistas visando a conquista senão do sistema solar, do próprio universo. É nesse ponto que entram os terráqueos, pobres terráqueos, de longe observados pelos inescrupulosos marcianos que vivem a arquitetar planos malignos para invadir a Terra e subjugar a humanidade.
De uma coisa estamos certos: com marcianos não existe acordo. A coisa se passa mais ou menos como as relações entre brasileiros e argentinos, hoje muito melhoradas, mas nunca isentas do envio de farpas de lado a lado. Para quem não concordar com o que está escrito acima sobre Marte e marcianos recomenda-se a imersão no vasto continente das histórias em quadrinhos que, melhormente que qualquer outra fonte de informações, colocam os pingos nos ís nessa extensa e mal resolvida questão entre terráqueos e marcianos.
Pois. A novidade é que a todas as hipóteses anteriores sobre Marte veio acrescentar-se uma proposta pelo presidente venezuelano Hugo Cháves. Ferrenho adversário do capitalismo, sistema ao qual atribuiu os males que assolam a humanidade, Cháves acaba de declarar que o imperialismo acabou com a vida no planeta:
“Eu sempre digo, e ouço, que não seria estranho se tivesse existido uma civilização em Marte, mas talvez o capitalismo tenha chegado lá, o imperialismo chegou e acabou com o planeta”.
Cháves disse isso por ocasião da comemoração do “Dia Mundial da Água”, alertando que a água do nosso mundo está acabando.
Tempos atrás escrevi aqui sobre um camarada que acredita que Bush, ex-presidente dos EUA, não é terráqueo. Na verdade Bush é um alienígena que habilmente chegou ao posto de homem mais poderoso do mundo com intenções de confundir e desestabilizar a existência do homem na Terra. A invasão do Iraque teria sido apenas mais uma das manobras para enfraquecimento das forças terrestres que, brigando entre si, estariam desatentas à possibilidade de uma grande invasão alienígena, ainda em fase de preparativos.
O camarada a que me refiro, graças ao bom Deus, governa, e meio mal, somente a vida dele daí poder aplicar-se ao livre exercício de imaginar e acreditar no que quiser. Hugo Cháves é presidente da Venezuela com as responsabilidades inerentes ao cargo que tanto afeta a vida de milhares de venezuelanos. Além disso, vive a palpitar e interferir em problemas internacionais, investido que é como presidente de um país que possui reservas de petróleo. Pois é esse homem que acredita que o capitalismo pode ter acabado com a vida em Marte o que nos faz pensar sobre o restante de suas convicções e o destino reservado ao povo venezuelano sob seu governo.
Memórias que não se apagam
Você que lê jornais revistas deve ter reparado como volta e meia articulistas e cronistas referem-se ao passado em seus escritos. De vez em quando os textos tornam-se confessionais, convidando o leitor a imersões em seu próprio passado.
Há poucos dias li duas referências interessantes a isso em artigos diferentes. Num deles a cronista relatava que fora convidada a se lembrar do melhor momento de sua vida. No outro um articulista referia-se à lembrança de momentos de sua infância.
Não há como isentar de saudosismo as propostas anteriores. O interessante é que ao tentar eleger momentos do passado, com eles retornam pessoas de outros tempos e até épocas soterradas em nossas memórias. Torna-se possível, por exemplo, reerguer casas e prédios que já não existem, refazer em seu aspecto original ruas hoje bastante mudadas e, principalmente, fazer de novo viver mundos desfeitos pelos quais passamos com o todo o séquito de ideias pelas quais nos empenhamos. Aliás, nesse sentido, não deixa de ser interessante reviver personagens que fomos e até rir de posições que assumimos, às vezes vão voluptuosamente.
Tive um companheiro de trabalho de quem me tornei devedor por tantas coisas que me ensinou. Era ele aparentemente um sujeito contido, mas por baixo daquela grande calma escondia-se uma alma em constante conflito e temperamento tempestuoso. Nada disso, entretanto, se revelava nos contatos diários com ele, sempre recluso em seu mundo e afável. Tinha ele um passado nebuloso no qual se sobressaia a participação em movimentos de oposição à ditadura militar. Na verdade o meu amigo nunca me falou abertamente sobre o assunto, mas suas lembranças eram em sua maioria ligadas ao período de resistência e ação no qual se empenhara.
Aconteceu de certa vez eu perguntar ao meu amigo quais seriam a lembranças mais marcantes de sua vida. Respondeu-me ele que, na verdade eram duas. A primeira delas referia-se ao noivado que encetara com uma moça, namorada dele desde a infância. Pois às vésperas do casamento, sem razões plausíveis, desistira de tudo, entregando-se a noiva ao desespero e grande sofrimento. Disse-me ele que mesmo anos mais tarde ainda sentia vergonha daquela situação. Relatou muitas vezes acordar de madrugada com a sensação de que seu tresloucado ato acabara de ocorrer, sentindo em toda a intensidade as consequências do problema que gerara.
A segunda lembrança mais marcante acontecera num hospital, quando da morte da mulher dele em consequência de acidente automobilístico. Na ocasião, em razão de sua atividade política anterior, ele mudara de nome de modo a esconder sua verdadeira identidade. Marcara-o muito o fato de sua mulher, em seus últimos momentos, chamá-lo pelo nome falso com intenção de protegê-lo. Esse ato que sobrepôs a intimidade de uma despedida à necessidade de segurança do marido, naquela altura certamente procurado por algo que teria feito, revestiu-se de grandeza, tornando-se inesquecível.
Lembranças boas? Não, ele tinha poucas e, segundo disse, em nada especiais, excetuando os momentos de alegria pelo nascimento dos filhos.
Lembrei-me desse antigo companheiro ao ler sobre pessoas que se perguntam sobre momentos do passado. Homem de grande inteligência ele morreu, há alguns anos, em trágica circunstância que não vale a pena mencionar.
Trair e coçar
Tem gente pra tudo. Um cara que conheço foi traído pela mulher e, louco da vida, separou-se. Vendeu casa, carro, barco, terrenos, dividiu o dinheiro com a mulher, esconjurou-a e tudo o que queria na vida era nunca mais ver a desgraçada. Era louco por ela, sofreu que nem um cão. Quando me encontrava com ele falava barbaridades sobre aquela “prostituta” que o traíra com um Zé Ninguém, sujeito mal ajambrado, duro, sem nada, além do mais feio e desajeitado. Não se conformava por ser trocado por um cara assim ele, um sujeito elegante, bem de vida, endinheirado, ótimo partido e companhia para qualquer mulher, bonito até com os seus olhos claros e o cabelão bem cuidado, roupas de grife, Montblanc no pulso, Alfa Romeu do ano para andar por aí.
Aconteceu com ele, pode acontecer a qualquer um, mulher é mulher, ainda mais a dele que não era de jogar fora, bonita e com um corpão daquele de se fazer psiu. Pois. Pouco mais de um ano depois encontrei o gajo na porta do banco, saindo todo sorridente. A primeira coisa que fiz foi cumprimentá-lo efusivamente, dizendo que estava na cara que ele havia superado o desastre, o grande trauma, era feliz de novo, por certo encontrara uma grande mulher, a mulher da vida dele, aquela para cujos braços um cara bom como ele nasce predestinado. Mais sorridente ainda ele concordou comigo: disse estar muito feliz porque mulher que a gente ama de verdade é uma só na vida, não tem jeito de amar tanto duas diferentes. Ao que eu disse que então a atual era a definitiva, aquela do passado fora episódica, o amor prega dessas peças na gente, mas a vida é boa porque tudo dá certo, ah como a vida é boa e Deus justo.
Pois é. Depois que falei essa baboseira toda o sorriso dele se fechou um pouco. Ainda era sorriso, mas daqueles contidos de quem vai fazer uma revelação, confissão das grandes. Estaria ele, exigente que era, de caso com alguma beldade conhecida, dessas que aparecem em capas de revista e despertam desejos na massa incauta de machos? Nada disso. Qual não foi o meu espanto quando ele, um tanto divertido como um menino que acaba de fazer uma grande travessura me disse:
- É ela.
- Ela quem?
- Ora, a minha mulher, a única.
Rapaz, fui obrigado a me encostar à parede para não cair. Aquela “prostituta”, a “rampeira” que o traíra com o sujeitinho mal ajambrado, estava de volta ao lar para felicidades dele. Explicou-me que tudo não passara de um engano, mulher passa por crises assim, coisa comum nos trinta anos de idade. Ela pensara que se apaixonara pelo gajo, coisa, aliás, impossível com um camarada daqueles, feio e pobre. Para ser sincero – disse-me ele - a minha mulher jurou que nunca, de jeito nenhum, se deitou com aquele desgraçado que não merece a atenção de um casal tão feliz e inseparável como nós.
Tenho comigo que ao acordarmos de manhã deveríamos ser avisados sobre possíveis grandes surpresas a acontecer nas horas seguintes. Seria muito justo que nos avisassem para que não ficássemos como fiquei ali, na porta do banco, estarrecido, olhando para aquele homem que decidira acreditar no que lhe convinha e era tão feliz, enormemente feliz, por acreditar.
Não vou contar o resto da conversa porque não houve resto da conversa. Desejei felicidades, arranjei uma desculpa qualquer para a minha súbita pressa e entrei no banco convicto de que existe uma ordem superior das coisas que determina que esta vida seja irremediavelmente absurda e ponto final.
Agora leio que um rapaz em Londres traiu a mulher e anda pelas ruas com um cartaz pregado no peito no qual se lê que ele traiu a mulher e pede perdão, quer ser readmitido em casa. Carrega o cartaz para penitenciar-se de uma falha, de um erro grosseiro porque ama a mulher, daí purgar-se publicamente por seu enorme pecado.
Do que concluo que os seres humanos são criaturas irremediáveis.
Filme: Além da Vida
Eu tinha muita curiosidade a respeito do filme “Além da Vida”, dirigido pelo cineasta Clint Eastwood. Como se portaria um grande diretor de cinema ao abordar um tema tão rico em clichês e representações? Qual seria a visão apresentada sobre contatos com o além e, mais que isso, com a própria morte? Seguiria Eastwood a linha comum retratada em tantas obras anteriores, inclusive na recente produção nacional intitulada “Nosso Lar”?
Desde já é preciso deixar claro que “Além da Vida” não pode ser incluído entre os melhores trabalhos de Eastwood. De fato, ao espectador atento não escapam alguns ajustes forçados que visam dar sentido e continuidade à narrativa. Durante todo o tempo o espectador é colocado em posição de estar diante de algo maior, inexplicável, que foge à lógica cotidiana. A cena inicial na qual jornalista Marie Lelay (Cécile de France) afoga-se durante um tsunami e recupera-se após ser dada como morta é emblemática: Eastwood informa ao espectador qual será a regra do jogo daí por diante, cabendo a ele a decisão de seguir em frente ou não. O que se está a dizer é: daqui por diante lidaremos com experiências de quase morte, território visitado por alguns seres humanos cujas narrativas a respeito do assunto apresentam pontos coincidentes. Ou o espectador aceita que, pelo menos em tese, isso é possível ou o melhor é não prosseguir.
O grande problema – na verdade aspecto positivo do filme – é que Eastwood porta-se durante todo o tempo como cético. Sabendo que não cabe a ele dizer nem sim, nem não, não se compromete. A parte que cabe a ele é narrar um tipo de história que corre solta por aí e sobre a qual existem opiniões díspares dada a impossibilidade de confirmação dos fatos. Seguindo essa linha o diretor, em nenhum momento, deixa-se levar por interpretações religiosas de qualquer espécie. O assunto é a morte e o contato com mortos que algumas pessoas dizem ter daí estar a religião completamente fora disso.
É segundo as perspectivas apontadas anteriormente que a trama se desenvolve. Trata-se de três histórias que acontecem paralelamente que, desde logo, sugerem um ponto de encontro no final. A primeira é a de Marie Lelay que se afoga no tsunami; a segunda é a de um operário de usina de açúcar, George Lonegan (Matt Damon) que se recusa a prosseguir com suas atividades mediúnicas embora a insistência de seu irmão; a terceira é a do menino Marcus (o estreante Frankie McLaren) que acaba de perder seu irmão gêmeo e sofre com a separação forçada de sua mãe, internada para livrar-se de vício de drogas.
O que liga essas pessoas é a morte. Mary Lelay nunca mais será a mesma após sua terrível experiência no tsunami e Marcus busca contato com o irmão falecido. George, o médium, recusa-se a novos contatos com mortos porque entende que aquilo que possui e considera-se um dom não passa de uma maldição que o afasta das pessoas e torna impossível uma vida normal. No final como esperado, essas três trajetórias se encontram e pode-se dizer que há um final feliz, embora um tanto forçado.
Como afirmei, “Além da Vida” não está entre os melhores trabalhos de Eastwood. Entretanto, embora não possa ser classificado como um grande filme, não deixa de ser muito interessante. Não é um filme de suspense, mas sim de mistério que envolve uma interrogação que, queiramos ou não, está presente em nossa condição de seres destinados a morrer. Eastwood, octogenário, disse que não fez o filme por sua idade avançada e preocupação pessoal com o que possa existir depois da morte. Simplesmente achou a história interessante e a filmou.
Louve-se a cena do tsunami que abre o filme. Terrível, torturante, magicamente realizada com riqueza de detalhes sobre o avanço devastador das águas. Tão real e impressionante que o filme foi retirado dos cinemas no Japão, país que nesses dias enfrenta tragédia real e semelhante.
Tsunamis e outras catástrofes
Tem chamado atenção de muita gente a alta incidência de desastres naturais nos últimos tempos. Como não poderia deixar de ser compara-se a frequência dos acontecimentos atuais com outras do passado. Esse tipo de análise tem suscitado questionamentos diversos. Pergunta-se, por exemplo, se tudo o que está acontecendo tem ou não a ver com a ação predatória do homem sobre o planeta. Ou fariam as catástrofes parte de um ciclo natural de um planeta que, afinal, existe há bilhões de anos?
Nunca é demais considerar que as mais antigas rochas encontradas na Terra têm idade avaliada em cerca de 4,6 bilhões de anos. A vida surgiu há pouco mais de 570 milhões de anos e evoluiu lentamente até dar origem às espécies que hoje conhecemos. Já o homem é bem mais recente. Os primatas, ordem à qual pertencem o homem e os macacos, surgiram há 70 milhões de anos. O ancestral comum do homem, do gorila e do chimpanzé apareceu no Mioceno há cerca de 25 milhões de anos. Os primeiros hominídeos a surgirem na Terra datam de entre 3 e 1 milhão de anos atrás. Os primeiros representantes do homem atual apareceram na Terra há 200 mil anos, mas apenas há cerca de 12 mil anos o homem transformou-se num agricultor capaz de obter alimentos, fixar-se em determinadas áreas e, mais tarde, iniciar civilizações.
Toda a cultura de que temos notícia não passa de mais de 6 mil anos antes da época em que vivemos. A admirável civilização grega teve início cerca de 600 anos aC. Finalmente, o início da Era Cristã, marco zero da contagem positiva de séculos até nós, iniciou-se há 2 mil anos.
As datas apontadas anteriormente visam dimensionar o curto período de existência da civilização humana em relação à idade da Terra. Trata-se de muito pouco tempo quando se tem em perspectiva o próprio universo e a grande explosão que, acredita-se, deu origem ao nosso sistema solar. Evidentemente, os dados até aqui apresentados não nos conduzem a respostas sobre o que está acontecendo e mesmo em relação ao destino da espécie humana sobre o qual, aliás, existe muita apreensão. Entretanto, os dados fazem pensar. A civilização é construída de forma a progredir, as conquistas humanas tornam-se patrimônio de gerações subsequentes. A vida tem sentido enquanto fenômeno progressivo de algo que permanece e não necessariamente termina com a morte. A ideia de continuidade de um patrimônio, seja ele qual for, contribui para evitar o aniquilamento do homem que se interroga sobre a sua origem e significado de sua existência. Talvez por isso, acontecimentos colossais e incontroláveis como tsunamis nos afetem tanto. Para além da destruição, das mortes inevitáveis e do desconforto da dor fica a interrogação sobre o futuro do homem na Terra.
Há muitos anos foi enterrado, em um lugar dos Estados Unidos, uma cápsula contendo dados e informações sobre a civilização humana. Lembro-me bem de que a voz da cantora Ella Fitzgerald estava entre os dados representativos incluídos na cápsula do tempo. Creio que foi desde essa época que passei a desconfiar da eternidade. Então apenas um rapazote, obviamente não questionava a duração da vida e não me importavam temas relacionados à existência do sistema solar e da Terra. A notícia sobre uma cápsula que continha informações sobre a civilização humana a vir a ser descoberta, talvez, por outra civilização milhares de anos depois foi muito impactante para mim.
Movimentos de placas tectônicas, tsunamis, desvio do eixo de rotação da Terra, explosões de reatores nucleares são fatos que pertencem ao universo das coisas apocalípticas e fazem temer pelo futuro da vida no planeta.