Arquivo para abril, 2011
João Paulo 2º
As imagens sobre os preparativos para a beatificação de João Paulo 2º impressionam. De modo algum pretendo me imiscuir no processo que leva aquele que é considerado um dos maiores papas a ser beatificado. João Paulo 2º construiu, durante o seu papado, imagem sólida de homem correto e integrado ao mundo do tempo em que viveu. Mais que seus imediatos antecessores, dignificou o cargo que ocupou, merecendo o grande respeito dedicado a ele em todo o mundo. Nele a igreja encontrou o papa que fortaleceu os alicerces da religião, adaptando ao limite do possível - sempre freado pelos dogmas - a instituição católica aos novos tempos. Líder inconteste ocupou o trono de São Pedro e, ao morrer, deixou saudades.
Nada demais, portanto, reconhecer nele a possibilidade de santificação, daí a atual beatificação que deverá ocorrer no próximo domingo. Para esse grande evento prepara-se o não só o Vaticano como a cidade de Roma. Grandes cartazes, um deles no Coliseu, imagens e lembranças de João Paulo 2º estão por toda parte. Mas, o que mais chama a atenção é a necessidade da presença do esquife do papa morto no momento da beatificação. Para isso, foi retirado de sua tumba o caixão com os restos mortais do antigo papa. A gravidade do momento em que os operários ergueram o caixão impressionou. A presença de prelados da igreja e dos operários em atitude de profundo respeito sugeria que a cada um deles era patente a certeza de que estavam a lidar com um santo. A cena evocava cerimônias de ressuscitamento, como se da tumba mais uma vez se erguesse para vir ao mundo o antigo comandante, aquele que deixara um interino em seu lugar e, por força maior e incompreensível, retornasse.
É bom lembrar que para os fiéis João Paulo 2º não está morto. Vive espiritualmente e certamente é dotado de grande luz. Essa intensa luz parecia se espalhar no ambiente em que João Paulo 2º era guindado para o mundo dos vivos. Agora seu esquife espera, sobre a tumba de São Pedro, o momento de ser levado ao local da beatificação. Ombros fortes o carregarão, certamente em silêncio. É a um santo que conduzirão e nisso residirá toda a magia da sacralidade do momento.
Para os católicos de todo o mundo a beatificação de João Paulo 2º se constituirá num grande momento de renovação da fé.
Só para lembrar
Renan Calheiros no Conselho de Ética, cúpula petista favorável ao retorno de Delubio Soares ao partido, políticos mudando de sigla a meio caminho de seus mandatos. A política brasileira continua a de sempre e não invejo os comentaristas políticos que diariamente esgrimam nos meios de comunicação, tentando explicar o inexplicável.
Enquanto isso a oposição se esfacela, tropeçando em seus próprios calcanhares. Nenhuma novidade no front, nenhuma proposta nova, tudo como dantes no quartel de Abrantes. As duas frases anteriores espelham a política brasileira atual: um achado de lugares-comuns dos quais se locupleta um público cada vez mais desinteressado.
Existem meias-verdades que podem tornar-se úteis, quem sabe até se converterem em verdades completas. A coisa se passa como naquele poema do Drummond que fala sobre uma porta pela qual só pode passar metade da verdade, nunca uma verdade inteira. No final das contas as duas meias podem depois se juntar e não se sabe bem no que vai dar. A ideia do poema se aplica bem à política: estamos sempre sendo informados de parte de um fato que passa a ser pelo menos metade da verdade sobre ele. A outra metade vem mais tarde, em geral com aval de gente importante. Nesse sentido o caso do Delúbio é exemplar. A primeira meia-verdade era a de que ele estava sendo injustiçado. Assim, com o dedo da Justiça apontado para ele, mas defendido até pelo presidente, ele passou pela porta. A segunda meia-verdade é essa de agora quando líderes do PT decidem colocar fim ao exílio do antigo tesoureiro. Na reunião do partido a acontecer no próximo final da semana Delúbio será reincorporado e a segunda metade atravessará a porta. O que não se sabe é no que vai dar quando as duas meias se juntarem e a impunidade brilhar na escuridão.
Em todo caso não custa lembrar: houve um tempo em que fomos bombardeados por notícias sobre corrupção, políticos renunciaram para não serem cassados e tesoureiros foram afastados de seus cargos. Monumentais acusações fizeram tremer a República e botaram no chinelo aquela outra história de corrupção, a do PC Farias, que derrubou um presidente. Mas, agora a tempestade passou, os que se molharam trocaram de roupa e estão de volta. Caras limpas, como se nada houvera acontecido, página virada, sorrisos largos como convém aos ressuscitados.
Prescrições infelizes
Pouco mais de onze da noite num Pronto-Atendimento em cidade do interior. Uma médica atende criança com histórico de bronquite e reclamação de dor no peito. Realizado o exame físico a médica entende que a criança não tem nada e prescreve uma boa surra, talvez visando o que não passaria de simples manha.
A mãe da criança revolta-se, responde mal à médica e decide divulgar o fato para que não venha a se repetir. Por trás de situação tão inusitada uma longa história de péssimo atendimento à população que sofre com o descaso das autoridades em relação ao setor de saúde.
Não há como se inferir as razões da ocorrência, principalmente o tom de voz utilizado pela médica ao proferir a sua prescrição. Também, em função do relato da mãe, não se pode desconsiderar a leviandade da médica ao dirigir palavras tão inadequadas a uma mãe certamente muito preocupada com a saúde do filho. Nenhum desconto possível nesse caso em função das conhecidas queixas de salários baixos, excesso de plantões, esgotamento físico, enfim toda sorte de problemas que têm despertado tão justas reclamações e revolta de toda a classe médica ciosa ante o aviltamento da profissão. O que se espera é que o fato seja apurado e, confrontadas as versões, a verdade prevaleça.
Entretanto, recomenda-se cuidado com primeiras impressões. Há muitos anos conheci um excelente médico, desses que unem a prática da boa medicina a grau invejável de abnegação. Profissional extremamente dedicado, caridoso, era ele pediatra de renome em toda a região onde atuava. Para os pais era ele verdadeiro porto seguro ao qual buscavam nos momentos em que a doença afetava as crianças. Pois, aconteceu a esse homem certo dia atender, em Posto Saúde, a uma criança cuja mãe parecia não se dispor a seguir suas orientações médicas. Entretanto, tal era a gravidade do caso e o perigo da criança vir a falecer que o médico irritou-se a ponto de escrever no final de sua prescrição o seguinte: “ou isso ou a morte”.
Impossível atitude mais infeliz e despropositada. Não demorou mais que um dia para que a receita do médico saísse estampada em jornal de grande circulação da capital, encimada pelo título: “Médico receita a morte”.
Eis aí o caso de um erro inaceitável que nos coloca frente a um grande dilema sobre o qual até hoje não tenho opinião definida. Se não posso negar o enorme erro do médico não me passa despercebida a revolta dele e o esforço em prol da saúde da criança. Quem conheceu aquele médico sabe, perfeitamente, do que ele seria capaz pela saúde de seus pequenos pacientes. Mas errou, errou demais.
Esse texto não pretende defender ou acusar ninguém. Compete às autoridades a conduta em relação ao episódio acontecido no interior. Aliás, é bom dizer que não se buscou qualquer relação entre os dois casos acima, não servindo um como justificativa de outro, muito pelo contrário. A intenção ao falar sobre eles foi de um lado o memorialismo, de outro abordar temas controversos que nos fazem pensar.
Depressão pós-parto?
Em andamento o caso do bebê deixado numa caçamba de lixo. As imagens gravadas em vídeo têm sido repetidas nos jornais televisivos. O fato, em si inaceitável, desperta reações diversas porque ofende até mesmo ao instinto natural de proteção da prole do qual não se descuidam nem mesmo os animais. Isso para ficar no mínimo porque o tresloucado ato da mãe que abandonou o filho na lixeira envolve complexas situações de natureza social as quais vão se revelando com o passar dos dias.
Que fique bem claro que o ato em si é inaceitável ainda que movido pelo desespero ou qualquer outra razão. Entretanto, há que ser observado o tecido social que sustenta e possibilita o acontecimento de coisa tão hedionda. De fato, atrás das imagens de colocação da criança na caçamba de lixo e seu posterior salvamento existe uma história de situação social inadmissível na qual uma mulher que recebe salário de R$ 600,00 por mês tem a seu cargo seis filhos menores de idade e confessa ter praticado o ato por desespero, por não ter como cuidar da criança. Mais uma vez, para ficar no mínimo, não dá para não se deixar de pensar em programas que estimulem a limitação de filhos e mesmo nos desequilíbrios sociais decorrentes da má distribuição da renda, omissões do Estado, crescimento desordenado da população e ausência de condições mínimas de saúde entendida como um conjunto de fatores capazes de proporcionar o bem-estar das populações.
Agora a mãe está presa, acuada como animal ferido e o advogado dela fala em depressão pós-parto. Talvez, juridicamente, seja uma boa linha de defesa porque na vigência de estados de depressão pós-parto coisas terríveis podem acontecer. Mas, o que tira o sono da gente é assistir às imagens do bebê sendo abandonado numa caçamba de lixo e o modo como a mãe se esgueira, irracionalmente, após deixá-lo ali. Não é tão simples. Não basta afirmar que a mãe é criminosa e aplicar a ela uma punição exemplar. Há nesse triste e medonho episódio muito mais que isso, algo ligado à responsabilidade coletiva, algo que arranha a nossa confortável posição de simples expectadores de vidas que transcorrem em condições subumanas, bem perto de nós e do bem-estar das nossas famílias.
Apagão de combustíveis
Não é preciso ser técnico ou entendido do assunto para perceber que algo está errado no cotidiano do novo Brasil emergente. Veja-se esse feriado da Páscoa pontuado por assombroso êxodo das capitais, com destaque para São Paulo. Grandes congestionamentos em estradas que já não atendem à demanda de usuários, acidentes, mortes, enfim uma loucura que ocupa as headlines dos noticiários. Se alguém está ou esteve nas cidades do litoral próximas a São Paulo conhece bem a dimensão do problema. Em Santos, por exemplo, não se encontram vagas para estacionamento, isso sem falar nos congestionamentos de avenidas próximas à praia. Verdadeiro tumulto gerado por pessoas e veículos transforma aquilo que seria lazer em disputa por melhores condições para aproveitar o feriado.
O fato é que para driblar a crise global o país apostou no estímulo à venda de automóveis. Os então tão benvindos benefícios fiscais e facilidades de crédito trouxeram para as ruas uma enorme frota de veículos que parece já não caber nelas. Pior que isso: na esteira de tantos veículos em circulação veio um grande aumento no consumo de combustíveis. Ora, é bom não se esquecer de que há bem pouco tempo o governo anterior comemorava a autossuficiência do país em petróleo, fato alardeado aos quatro ventos com bons dividendos políticos. E agora?
Agora se fala em apagão de combustíveis. O consumo de derivados de petróleo ultrapassou a produção e o resultado é a importação. Para isso também contribui a entressafra de cana-de-açúcar que proporcionou a elevação do preço do etanol. Todo mundo sabe fazer aquela continha para verificar se vale mais a pena encher o tanque com gasolina ou álcool e o resultado tem sido favorável à gasolina.
Há petróleo, mas faltam refinarias fato que obriga o país a importar derivados do precioso líquido. Existe, portanto, um descompasso entre o crescimento da economia e a demanda de combustíveis. E, por falar em descompasso, vale somar à precariedade de muitas estradas e mesmo falta delas o problema dos aeroportos que já não dão conta do crescente movimento de passageiros. Não está assim tão longe o dia em que o mundo se voltará para o Brasil durante a realização da Copa do Mundo, em 2014. O interessante é que autoridades já admitem que o país não cumprirá as suas metas em termos de modernização e ampliação dos aeroportos. É bom parar por aqui e não entrar no assunto reforma e construção de estádios que muita gente diz estar em atraso.
Junte a tudo isso a violência incontrolável e teremos um retratinho em 3X4, sem cor, do Brasil. Mas nada disso deve importar porque é domingo de Páscoa e, a dizer a verdade, os problemas devem ser deixados para segunda-feira.
Aproveitem o feriado.
Sexta Maior
Há muito não me encontrava com o silêncio desta manhã se sexta-feira santa. Perto das nove pairava atmosfera de recolhimento e mesmo os pássaros estavam calados. Vez ou outra um canto curto, isolado, como a lembrar de que a vida tem suas inflexões e existem horas em que o melhor é meditar.
Tão clara e absoluta manhã devolveu-me outras de tantas sextas santas. Havia mistério e respeito nos rituais religiosos e a figura do Crucificado impunha-se com força nos corações. A morte de Jesus, o cadáver do Senhor velado nas igrejas, a procissão do Senhor morto, acompanhava-se a liturgia sagrada com muita devoção. Não existia melhor momento para se colocar a vida em ordem, arrepender-se dos pecados e enfrentar as culpas. Disso tudo talvez resultasse uma pessoa mais humana e bem intencionada, preparada para o amor a seus semelhantes, desapegada das coisas do mundo. Não importava que, passados os dias santificados, as pessoas tornassem aos costumeiros pecados. Mais importante fora o convite à meditação e a expiação de culpas passadas, às quais outras se somariam, mas que fazer se a vida é assim mesmo e a retidão um sonho impossível?
Não sei se ainda é assim. Certamente as cerimônias religiosas se repetem, mas a atmosfera dos acontecimentos não é a mesma de tempos passados. Persiste, sim, a mesma sintonia em almas piedosas. Mas, os novos tempos, os desacertos da igreja e o crescimento de outras religiões certamente pesam contrariamente à mística que tanto nos impressionava. A fé torna-se maior que a crença e os ritos perdem sua força.
Em todo caso é bom lembrar que a sexta-feira santa continua a ser dia muito especial. Associa-se ao dia a ideia de não se entregar a atividades costumeiras. Sexta-feira santa não é dia para isso, para aquilo etc. Hoje de manhã passei num dos raros depósitos de materiais aberto para comprar uns sacos de entulho. Ao que o vendedor me lembrou da impropriedade de se carregar entulho num dia assim. Vexado, disse a ele que precisaria dos sacos na semana que vem e adiantava-me na compra.
Da imagem do vendedor passo à de uma lendária figura, o Afonso, cuja morte se deu há muitos anos. Esse Afonso era dado à preguiça de modo que o trabalho regular parecia a ele coisa impertinente. Casou-se com professora e nisso deu-se bem até que a falta de compromisso com o trabalho e as bebedeiras regulares o deixaram sozinho. Era um bom sujeito, visitante oportunista da casa dos amigos em horários certos para filar uma boia, ainda assim muito bom camarada, respeitador.
Pois foi desse Afonso que herdei o meu modo de encarar a sexta-feira santa. No dia sagrado, aplicava-me eu a um pequeno trabalho quando encontrei o Afonso. Recriminou-me ele por estar em atividade. Contou-me que não era adepto de nenhuma religião, mas que certa ocasião fora caçar justamente na sexta em que Jesus foi morto. Segundo me disse, por várias vezes teve os seus alvos bem à frente, em posições que nunca antes errara. Pois parecera a ele que as balas de sua espingarda desviavam-se, como de propósito, tanto que logo compreendeu o recado e voltou para casa:
- Era sexta maior, era sexta maior - disse-me o Afonso.
Desde então guardei a impressão de que não é bom fazer coisas num dia assim. Existe o risco de tudo dar , então o melhor é esperar a próxima segunda-feira quando o mundo voltar a girar com a confusão de sempre.
Dirão que é bobagem. Também acho. Mas, não me arrisco.
Agressões ao São Paulo FC
Futebol é paixão. Entretanto, nem tudo se justifica sob a desculpa de paixão. Paixões podem transformar-se em ódio, transbordando em atitudes pueris e inconsequentes. As agressões de dirigentes corintianos ao São Paulo Futebol Clube passaram do limite, são irresponsáveis e podem ter consequências terríveis. Dirigentes de grande visibilidade pública, atrás dos quais existe uma enorme massa de torcedores, não podem alimentar rivalidades extracampo, fomentando possíveis retaliações de ambos os lados. Estivéssemos numa sociedade perfeita, absolutamente controlada e livre de violências, os pronunciamentos dos dirigentes corintianos poderiam até ser tomados como piadas de pessoas menos preparadas para os cargos que ocupam. Não é o caso do Brasil, infelizmente, Brasil violento que os dirigentes parecem desconhecer por completo.
A coisa chegou a um ponto em que o próprio presidente do Corinthians declarou-se culpado, concordando que as provocações passaram do limite. Infelizmente esse tardio reconhecimento não surtiu efeito nos escalões inferiores da administração corintiana. Ontem, durante evento de marketing no Corinthians, um dirigente do clube chamou o Morumbi de “panetone” e os são-paulinos de “torcida de final”. Sobre o Morumbi o dirigente também disse que o “estádio é uma banheira de ofurô ou bolo ou panetone, que depende de ter fruta ou não”. As agressões do dirigente, lamentavelmente, estenderam-se a outros clubes.
É pena. São-paulinos e corintianos são antigos rivais e sempre foi uma delícia alimentar a rivalidade com coisas do futebol. Os grandes clássicos do passado estão vivos nas memórias dos torcedores das duas equipes. O Corinthians campeão do quarto centenário, o São Paulo campeão de 1957 em memorável jogo contra o Corinthians, nomes como os de Zizinho, Canhoteiro, Luisinho – o pequeno polegar corintiano – e inúmeros outros fazem parte de uma galeria maravilhosa para aqueles que amam o verdadeiro futebol.
Seria bom se os atuais dirigentes dos grandes clubes dessem uma olhada no que veio antes deles, nas glórias de suas equipes em várias épocas. Talvez assim agindo repensassem em coisas como respeito e responsabilidade. Não se pode jogar a tradição às feras e assistir sem culpa o embate de novos gladiadores movidos por discursos intolerantes.
A força das palavras
Está na ordem do dia o texto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) no qual propõe novos caminhos para a oposição no Brasil. Tem razão FHC ao pronunciar-se contra o marasmo oposicionista ao qual falta articulação e, mais que isso, discurso que empolgue a grande massa de eleitores. Nas últimas eleições o que vimos foi um PSDB receoso de falar sobre as suas próprias conquistas e escondendo o próprio FHC como se sua sombra pesasse demais ao partido.
Acontece que entre as considerações de FHC está aquela em que propõe um direcionamento para as novas classes ainda não em completa sintonia com a política petista. Entretanto, não foi feliz o ex-presidente ao dizer que ao PSDB não interessa tentar conquistar o chamado “povão” porque esse, ideologicamente ou não, está fortemente ligado ao petismo.
Do que se aproveitou o ex-presidente Lula para um comentário sarcástico no qual alfinetou aquela que é a sua maior diferença com FHC, ou seja, a sua falta de estudo perante a formação universitária do sociólogo. Aliás, o embate entre Lula e FHC - mais decretado por Lula que por FHC, diga-se – baseia-se no desencontro entre a esperteza e o conhecimento. Ao ególatra Lula não desce pela garganta as duas derrotas frente a FHC. Mas, não há como não se considerar a agilidade do comentário de Lula identificando-se com o “povão”. Boa tacada do petista disso não resta dúvida, com bons dividendos ao PT e prejuízo para o PSDB.
O problema do artigo escrito por FHC é que, tendo foros de ensaio, não circulou em meios acadêmicos aos quais mais parece destinado. Ao saírem na mídia as palavras do ex-presidente soaram sob a forma de manifesto e isso, obviamente, conferiu a elas outro valor. Em assim sendo não têm lá grande expressão as tentativas de defesa do texto por partidários do PSDB, dizendo que a parte em que o ex-presidente fala sobre o “povão” está sendo descontextualizada e assim por diante.
Do fato tira-se a velha lição de que é preciso muito cuidado com as palavras. Esse cuidado torna-se imprescindível quando o que dizemos ou escrevemos envolve questões delicadas. O uso de expressões infelizes pode servir a respostas e retaliações indesejadas que comprometem atos futuros. De resto FHC tem um histórico pessoal suficientemente grande para que dele se diga que exclui o “povão” de suas preocupações. Mas, infelizmente nessas horas histórico não conta muito, gravando-se nas memórias o que se escreveu e comentou no calor da hora.
A questão das armas
Na medida em que pormenores do grande crime cometido no Rio nos conduzem aos subterrâneos da mente do assassino erguem-se vozes propondo alternativas e soluções que impeçam pessoas de práticas violentas e absurdas.
Quanto à chacina que tanto comoveu o país parece que tudo já foi dito, sendo clara a importação do “modus operandi” utilizado pelo assassino. De fato, fez ele uso de modelos praticados em outros países, esperando-se que não tenha inaugurado nova forma de “protesto” que venha a ter seguidores.
Por outro lado, surgem os arautos de estratégias de impacto que, segundo eles, solucionariam ou minimizariam o acesso à violência. Entre as propostas destaca-se a da realização de um plebiscito chamando a população a decidir sobre a venda de armas no país. Quanto a esse quesito sempre é bom lembrar que essa consulta já foi feita, sendo que a população decidiu favoravelmente ao comércio de armas. Por essa razão não há como não se ligar a nova proposta a certo grau de oportunismo daqueles que, antes do grave episódio ocorrido no Rio, não se pronunciaram em relação à violência.
Em relação aos partidários da proibição do comércio de armas destacam-se os que se baseiam em estatísticas segundo as quais a maioria dos crimes cometidos são realizados com o uso de armas fabricadas no país. Em contrapartida deve ser citado o crime organizado que possui armas de grande poder destrutivo, parte delas produzidas no exterior e obtidas ilegalmente. Também não há que se olvidar a opinião dos que veem no desarmamento da população uma faca de dois gumes: a bandidagem continua armada e os cidadãos não.
Por fim, nunca é demais lembrar que proibições, quaisquer que sejam elas, sempre têm suas contrapartidas. Nos EUA a chamada “Lei Seca” contribuiu para o fortalecimento do crime organizado, destacando-se as ações da Máfia em várias cidades americanas.
De tudo isso o que e pede são reflexões maduras para que se encontre um caminho adequado para coibir a violência. De forma alguma decisões tão importantes devem ser tomadas no calor da emoção de um crime que abalou o país e que precisa, sim, ser coibido com atitudes maduras e que não coloquem ainda mais em risco a população.
Imagem do Brasil no exterior
Nada como uma voltinha no exterior para entrar em contato com outras paisagens. O Brasil é riquíssimo em biodiversidade, possui diferentes ecossistemas e grandes variedades de ambientes proporcionados pela vasta e diversa geografia de suas dimensões continentais. Entretanto, tanta variedade e riqueza são desconhecidas na maior parte do mundo. A verdade é que o país não consegue se libertar de seus conhecidos estereótipos como samba, carnaval, mulatas rebolando e assim por diante. Veja-se a recente visita do presidente Obama ao país na qual foi levado a uma favela para assistir a uma exibição de capoeira. Nada contra favelas e praticantes de capoeira, esporte que acho sensacional. Mas, até quando vamos mostrar o país por esse ângulo míope tal como aquele violonista que toca um instrumeto de uma corda só?
O Brasil é vasto e profundamente interessante, mas o pessoal do Ministério do Turismo parece não saber disso. É bem provável que se alguém da área ler a afirmação anterior dirá que muito tem sido feito e blá, blá, blá. Mas, na prática, a verdade é que os estrangeiros não conhecem o Brasil e veem o povo brasileiro através das imagens estereotipadas. Que um brasileiro não se espante se um funcionário de imigração de outro país perguntar a ele se trouxe bananas na bagagem. Já aconteceu comigo, acontece com muita gente. E não será demais lembrar que o nosso passaporte não tem, no exterior, o mesmo status de outros emitidos em países europeus, por exemplo.
O que se está a dizer é que há muito a se fazer em termos de divulgação do país no exterior. É verdade que com o crescimento da economia o país já vem sendo visto de outra forma, principalmente no setor dos negócios internacionais. Mas de nada adianta um ex-presidente andar por aí exibindo um rol de vantagens pessoais que de forma alguma são associadas ao povo de seu país de origem. A verdade é que é preciso tomar muito cuidado com imagens ligadas à “coisas e fatos interessantes” que, no final das contas, podem contar negativamente à imagem do país.
Quem viaja logo observa que a imagem de “ser brasileiro” ainda não recebe o respeito devido no exterior. Para isso certamente contribuem as trajetórias de inúmeros imigrantes brasileiros que tentam a sorte no chamado primeiro mundo, quase sempre desempenhando funções subalternas às quais os naturais dos lugares simplesmente declinam. Quem duvida ou acha exagerada essa afirmação que dê uma voltinha ao outro lado do mundo e veja muitos de nossos rapazes fazendo de tudo para ganhar um bom dinheiro, um tanto iludidos com as benesses locais que na verdade não alcançam integralmente.
Não é demais reafirmar: é preciso lapidar a imagem do Brasil no exterior, garantindo aos brasileiros o lugar que não só merecem, mas que a eles é naturalmente destinado. Não dá para trazer na mala imagens estereotipadas de um país “curioso” que está crescendo, mas onde as pessoas se matam nas ruas e não há quase nada de bom exceto mulher, samba e carnaval.