Arquivo para outubro, 2011
Axé e preconceito
No prédio onde moro há um rapaz que presta serviços de manutenção. Ele passa os dias nos corredores dos andares dedicando-se aos mais variados tipos de tarefas. Nas longas horas de trabalho, em todas elas, faz-se ele acompanhar de um radio de pilhas no qual ouve músicas de axé. Ele ama o axé. Aliás, conhece de cor a letra de todas as músicas, fato que permite a ele cantar junto. Não canta alto demais, mas canta em nível suficiente para que o ouçamos. Para esse rapaz não existe outro mundo que não o do ritmo das músicas interpretadas por Ivete Sangalo, Chiclete com Banana e muitos outros. Não sei dizer se o rapaz alguma vez presta atenção ao que está fazendo. Posso afirmar, sem erro, que ele parece feliz: nenhuma barreira se interpõe entre ele e o som das músicas que o elevam da materialidade banal a um estado de permanente transe.
Tem, portanto, o axé a funcionalidade de falar de perto a uma vasta gama de espíritos conclamando-os ao enlevo e à dança. A agitação incansável dos corpos que se entregam aos trejeitos estereotipados que o ritmo desperta é de conhecimento geral. As apresentações ao vivo dos ícones do axé provocam o delírio das multidões, sendo notável o encolhimento das individualidades que passam a reagir em uníssono. É o que se vê, é o que se constata.
Até ai tudo bem. Mas, existe preconceito contra o axé? Seria esse gênero musical apanágio das camadas sociais incultas que por ele são magnetizadas? Representaria o axé uma subcultura musical direcionada a espíritos mais grosseiros e cerceados culturalmente a fruições de melhor nível?
As perguntas anteriores podem carecer de sentido, mas tornam-se pertinentes a partir das declarações feitas por uma cantora de axé. Segundo ela existe um desprezo em relação ao axé por gente que se acha superior só porque conhece John Coltrane. E assim da noite para o dia, o falecido músico de jazz, John Coltrane, vê-se confrontado com um ritmo popular brasileiro em ascensão, sendo tomado – ele, Coltrane – como parte integrante da cultura de poucos privilegiados que o admiram e ouvem e que, por conseguinte, não aceitam o axé.
Em primeiro lugar torna-se necessário esclarecer que John Coltrane não pode ser tomado como paradigma de determinado nível cultural seja ele qual for. A música de Coltrane pode não ser de fácil consumo, sendo mais afeita aos aficionados do jazz. Nem por isso o próprio jazz pode ser definido como gênero musical restrito à intelectualidade, conforme demostram os mais variados festivais desse gênero musical aos quais comparecem os mais díspares tipos de público. De que o jazz tem cracterísticas próprias e oferece maior convite à introspecção que um gênero como o axé não se discute. Mas, daí a se imaginar uma separação estanque entre os que ouvem jazz e os que ouvem axé há um Rio Nilo a se abrir milagrosamente. Posso gostar de jazz e de axé sem que isso comprometa a minha definição de intelectualidade.
Não creio que exista preconceito em relação ao axé. Se algum preconceito existir não será em relação ao gênero musical, mas ao leque explosivo de camadas sociais que o consomem. Na verdade é a rapidez da mobilidade social e a percepção de que ninguém sabe no que tudo isso vai dar que pode assustar aos espíritos mais cautelosos. É bom lembrar que, assim como o jazz, o axé não pode ser usado como instrumento de caracterização de camadas sociais.
Retorno ao rapaz que canta nos corredores. Nutro contra ele - e em relação a toda a nação de pessoas que acham que todo mundo deve ouvir música o tempo todo - a mais justa indignação. O axé me irrita na medida em que o cidadão encosta o carro em lugares públicos e abre o porta-malas para dividir com o mundo o seu prazer em ouvir música com o som nas alturas. Detesto ouvir axé durante as compras em supermercados, odeio a bebedeira de domingo no terreno próximo à minha casa quando a turma come e dança ao som do axé. Nessas horas preferiria o John Coltrane, de preferência solando My Favorite Things , isso se for de todo impossível realizar os meus afazeres dentro do mais absoluto silêncio.
Para terminar não custa lembrar que qualquer gênero musical torna-se mais palatável quando executado dentro do contexto que a ele é mais apropriado. Não há como não dançar com o Chiclete com Banana durante um show em que eles se apresentam. É uma loucura, alegria contagiante, conforme constatei e adorei certa ocasião durante um FORTAL que, para quem não sabe, é um carnaval fora de época em Fortaleza.
Lançamento de anões
Você é a favor ou contra o lançamento de anões na parede? Pois na Flórida um deputado tem uma proposta para combater o desemprego na região: lançar anões na parede. Bem dizendo, o deputado quer recuperar o “direito” de lançamento de anões que foi permitido até 1990. Essa atividade era do gosto de frequentadores de bares noturnos em Miami e foi proibida pelo governo. A tentativa de recuperar esse “direito” é explicada pelo deputado que vê nela uma ação contra o governo que tudo determina. Entende ele que a recuperação do “direito” é um passo importante para combater medidas do governo que provocam o desemprego na Flórida.
E o que dizem os anões? Embora os anões anteriormente fossem lançados com capacete, como acontece em circos, existe grande risco de sofrerem traumatismos. Quem diz isso é um representante de uma sociedade de anões, acrescentado que servir como objeto de diversão para outras pessoas é degradante. Por essas e outras razões a volta do “esporte” não foi bem recebida pelos anões.
Entretanto, desde já me declaro favorável à aprovação de uma lei que permita o lançamento de “certos” anões na parede em nosso país. Lembram-se dos “Anões do Orçamento”? Trata-se daquela turma de congressistas que se envolveram em fraudes com recursos do Orçamento da União. Dezoito parlamentares foram acusados e instalou-se uma CPI para investigar o caso. O resultado foi a cassação de seis deputados enquanto quatro renunciaram para não se tornar inelegíveis. Os oito restantes foram absolvidos.
O nome “Anões do Orçamento” foi dado porque alguns dos congressistas acusados tinham baixa estatura. Pena que na época ninguém teve a ideia de atirar na parede os fraudulentos. Parede neles! Aliás, que se condenem ao lançamento em parede todos os que fraudarem e praticarem corrupção. Quem sabe uma medida como essa, esdrúxula é verdade, sensibilize espíritos mais audaciosos que, brecados pelo medo, deixem em paz o erário público.
Steve Jobs
Steve Jobs morreu e o mundo parou para reverenciá-lo. Aqui e ali uma ou outra voz discordante, afirmando que incensou-se demais o grande inovador da Apple. O interessante é que a morte de Jobs despertou reminiscências envolvendo o espetacular avanço dos computadores nos últimos anos. Muita gente parou para contar a sua história, daí me animar a algumas linhas sobre as minhas incursões no terreno das máquinas.
Melhor começar dizendo que jamais consegui ser um datilógrafo. Meus dedos sempre foram rebeldes a trabalhar em conjunto. Essa coisa de datilografar, cada dedo por si, um omitindo do outro aquilo que está fazendo, definitivamente revelou-se impossível para mim. Assim mesmo comprei uma Remington que deve ter se arrependido de me ter como proprietário dela. Deu no que deu: jamais consegui uma página sem erro, limpa, sem borrão.
Da máquina de escrever ao computador. Quando ouvi falar sobre computadores e editores de texto fiquei animado. Cansara-me de escrever páginas e páginas com a minha adorada Parker 51 e pareceu-me que um computador seria a solução. Mas, nessa época os computadores pessoais estavam apenas nos seus primórdios. Ei, não faz tanto tempo assim! Estávamos na segunda metade da década de 80 do século passado. Essa turma nova que usa IPods simplesmente não é capaz de imaginar que há menos de 30 anos o mundo passava muito bem sem bons computadores, internet e tudo o mais. Vai daí que comprei um CP500 que rodava com disquetes enormes e de muito baixa capacidade de armazenamento. Como não sabia bem o que fazer com o CP500 entrei num curso de programação em BASIC que, na verdade, não me serviu para nada. Nessa época o editor de texto mais popular chamava-se WORDSTAR o qual, obviamente, não tinha versão adaptada para o português. Era possível, sim, acentuar as palavras na tela, para isso utilizando-se alguns comandos que exigiam a ação conjunta de vários dedos. Se bem me lembro, o acento agudo era obtido digitando-se CTRL+P+H. O cedilha, então, conseguia-se através de uma nebulosa combinação de teclas. Mas, o pior não era isso: o mais terrível era a impossibilidade de imprimir o texto acentuado nas impressoras matriciais. As impressoras à Laser ainda estavam por vir.
Dois fatos importantes: a reserva de mercado do Brasil que durou até os anos 90, impedindo a importação de componentes de computadores; e a entrada da Microsoft na parada. Eu já possuía uma PC XT quando a Microsoft lançou o WORD para DOS – a plataforma WINDOWS não passava, nessa época, de um embrião. O WORD foi comercializado no Brasil e já era possível acentuar as palavras em português. O problema era que, para imprimir, faziam-se necessários drivers que compatibilizassem o produto com as impressoras matriciais. Para variar a Microsoft não disponibilizou drivers para a maioria das impressoras em uso no país. Mais uma vez eu podia escrever, mas, não imprimia nada do que escrevia.
Para encurtar a história, demorou muito para que as coisas se resolvessem. Quando apareceram os computadores com a plataforma Windows deixamos para trás os programinhas em DOS e as coisas começaram a ser o que são hoje.
Uma das versões do WORD para DOS que funcionava bem era a versão 5. Escrevi muita coisa com o WORD 5 e salvei tudo em disquetes. Com o tempo as novas versões do WORD deixaram de ler a antiga versão. Quando me apercebi disso não tinha mais como recuperar os antigos trabalhos, aprisionados em disquetes que, por fim, se deterioraram.
Muita gente perdeu textos, eu perdi uma montanha deles. Na verdade acho que a perda foi providencial: os computadores engoliram algo que não me serviria para nada, melhor pensar assim.
As linhas anteriores são apenas um resumo da minha persistência com computadores. Tenho certeza de que isso tudo aconteceu a muita gente daí nenhuma novidade existir no meu relato. Entretanto, vale dizer que a soma de todas as experiências pessoais serve como testemunho de uma história. Incomoda-me que as gerações mais recentes aceitem os avanços tecnológicos como algo que sempre existiu, algo “muito normal que já nasceu pronto”. É aí que entra um cara como o Steve Jobs que maquinou na cabeça dele toda essa coisa e interferiu diretamente no modo como trabalhamos e processamos a informação. Do que se depreende que são muitas justas as homenagens que fazem a ele no momento em que se mandou desta para a melhor.
O “Mercado” de Paul Gauguin
Quando estudante em São Paulo eu morava, como toda gente, em república. Quartinho pequeno localizado em sótão algo sombrio, imerso num inverno muito frio daqueles tempos em que São Paulo ainda era da garoa. Uma cama que atrapalhava abrir a porta, mesinha com cadeira e uma reprodução do “Mercado”, de Gauguin, presa por um prego na parede. Ambiente propício para grandes criações que não vieram porque só os gênios adormecidos são capazes de despertar em lugares assim e produzir coisas que prestem. De modo que daquele tempo restaram umas páginas garatujadas à mão em folhas de embrulho. Os textos, ah os textos, todos sem começo e fim, procura incansável de nexo numa vida de todo sem nexo.
Naquele lugar o Gauguin figurava como vínculo com a arte, significando que nem tudo ali era o que era de modo que a qualquer momento algo de bom poderia emergir do lugar. Vez ou outra, durante as horas de estudo, eu erguia os olhos e dava com as mulheres sentadas em banco no mercado. Admirava os traços egípcios com que o pintor as caracterizara, combinando-as em posições laterais e frontais dentro de uma atmosfera na qual sobressaiam seus gestos rígidos, os vestidos longos, a profusão de cores que decresce da direita para a esquerda e os dedos longos. O quadro funcionava como uma porta aberta para outro mundo no qual eu, com frequência, perambulava, levando ao extremo a minha capacidade de abstração. Era a arte a serviço da fuga do cotidiano, do desespero e da imposição do presente. Arte funcional, portanto, tingindo de formas impressionistas um quarto que por si só apresentava contornos impressionistas. Dentro dessa perspectiva não seria impossível imaginar um quadro – o de Gauguin – dentro de outro – o quarto. Parte integrante da composição um rapaz sentado diante da mesa de estudo, vaga impressão do que ele poderia vir a ser no futuro caso aquelas leituras algum dia resultassem em alguma coisa.
Um ano depois, quando me mudei do quarto, não tive coragem de levar o quadro. Pareceu-me que a reprodução do Gauguin fazia parte da estética do cubículo e o transformava em algo que, sem ele, jamais poderia ser. Demais, sempre haveria novos moradores, estudantes vindos do interior e era possível que pelo menos um deles algum dia pudesse fugir da miséria dos dias usando o mesmo canal que eu, através do mergulho nas tintas de Gauguin.
Foi assim que deixei para trás “Mercado” e me distanciei dele. O quadro esteve esquecido por mim até que, muitos anos mais tarde, eu o reencontrei, agora no original, no Museu D’ orsay, em Paris. Acabara de ver obras de pintores impressionistas quando dei de cara com o “Mercado”. Foi uma grande comoção. Instantaneamente a ampla sala do museu sofreu um processo de redução de espaço, as paredes vieram sobre mim e, de repente, estava eu no antigo quarto, perdido na visão da reprodução do quadro de Gauguin. Magicamente, tornei ao rapaz sentado diante da mesa de estudo, observando as mulheres de vestido longo, sentadas num banco. Então me foi possível recuperar as sensações epidérmicas do meu tato sobre a mesa e compreender que talvez eu jamais tivesse saído dali, sendo toda a experiência posterior que supus ter vivido nada mais que um sonho. De algum modo a visão do quadro me aprisionara permitindo-me a alucinação sobre o que eu seria no futuro. Fui jovem novamente, talvez melhor dizer que era de fato e ainda jovem, imaginando-me no futuro, em Paris, num museu, observando a obra original de Gauguin.
Não sei dizer quanto tempo terá demorado a minha alucinação. Houve um momento em que me senti cansado e tive vontade de me levantar e ir até a cama para me deitar. Depois as paredes começaram a se afastar, ouvi vozes e vi que um segurança do museu segurava-me pelo braço, perguntando-me se estava tudo bem, convidando-me a sentar só um pouco para que o mal-estar passasse logo.
A saga dos humoristas
Nessa história toda de reprovação e punição ao humorista que disse uma bobagem fenomenal sobre uma celebridade grávida e o filho dela em gestação é preciso não confundir alhos com bugalhos. Na melhor das hipóteses o humorista foi infeliz, na pior uma cavalgadura ambulante que infringiu os códigos de respeito. O que não desfaz o seu valor enquanto profissional do riso, mas arranha terrivelmente a imagem pública dele. A pior coisa que pode afetar uma personalidade pública é uma marca impressa em sua biografia. No caso do humorista que ofendeu a senhora grávida tatuou-se na pele dele um sinal que vai ser difícil de apagar. Ele sempre poderá continuar a fazer piadas, mas não se livrará daquela coisa que brota na memória do espectador quando, de repente, se vê perguntando: mas, não foi esse o cara que…?
Ocorrido o fato o que não se pode é taxar toda a comunidade de humoristas em ação como profissionais do desrespeito. É verdade que nos últimos tempos parte do humorismo descambou para o escracho que cede lugar a ofensas e constrangimentos. De fato, estabeleceu-se uma irmandade de humoristas que comungam de um mesmo jeito de trabalhar no qual o constrangimento de pessoas que se veem em situações delicadas serve como mote para o riso. Em grande parte dos casos inexiste bom gosto nessas ações provocadas intencionalmente para conduzir pessoas ao ridículo. Os entrevistadores caracterizados como personagens que ficam na porta de festas de gente importante são um bom exemplo de prática de constrangimento ao ar livre. Mas, mesmo aí é preciso cuidado porque do outro lado também existem os entrevistados que gostam do jogo e aí as coisas se passam com naturalidade. O que constrange é a abordagem, por exemplo, de senhoras idosas que imploram para serem ignoradas e sofrem o assédio dos repórteres. Ou de pessoas simples do povo tomadas ao acaso nas ruas para sofrerem a imposição de situações ridículas.
Mas, nem tudo é luxo, nem tudo é lixo. Demais existe a questão que envolve a tríade circunstância, local e momento. O problema de piadas feitas em meios de comunicação é que elas entram nos lares e são consumidas por variada gama de públicos. Da criança ao idoso, do rico ao pobre, do homem à mulher, todos ouvem a mesma coisa e atribuem a ela valor e significados diferentes. O mesmo não acontece quando o “stand up” se faz num teatro ou casa de shows. Nesses lugares o cidadão comparece por vontade própria e livre escolha para assistir ao espetáculo proporcionado por esse ou aquele humorista. O cidadão sabe de antemão pelo que está pagando e certamente não se sentirá ofendido se a natureza das piadas resvalar no baixo calão. Logicamente, se o assunto é riso tudo pode acontecer. Recentemente um espectador que foi gozado por um humorista subiu ao palco e atingiu-o com um murro. Ossos do ofício de vez que faz parte da empatia do espetáculo os humoristas aliciarem pessoas do público.
Nunca é demais lembrar que os brasileiros são um povo condenado à extroversão, daí sermos afeito às boas piadas. Quanto a mim, declaro-me fã incondicional do gênero. Nos meus tempos de menino morava no interior e ouvia pelo rádio, diariamente, as transmissões de programas humorísticos. Humoristas do quilate de Zé Trindade, quadros cômicos até hoje utilizados em emissoras de televisão são criações da era do rádio. Vários dos humoristas que fizeram e fazem parte de programas cômicos atualmente veiculados na televisão vieram lá de trás. Muitos já morreram, mas personagens que encarnaram encontram novos atores que levam adiante as legendas.
Humor liga-se a rapidez e inteligência em sacar o óbvio e transformá-lo em piada. Gente como Chico Anísio, Ronald Golias, Costinha, José de Vasconcelos e tantos outros fizeram a alegria do povo, fazendo-nos rir de nós mesmos e de situações inusitadas.
A nova trupe de humoristas brasileiros promete. Insinuantes, capazes de sacadas muito rápidas, atentos ao momento do país e visando divertir o público aos poucos se impõem. Não há que se obstruir o trabalho deles, nem projetar em seus espíritos alegres o fantasma da autocensura. Não há, ainda, que se falar em limites numa profissão em que a regra é a liberdade de expressão. Não há que se fazer uma campanha nacional movida pelo lamentável deslize de um humorista, taxando toda a classe como arrivista e irresponsável. Se algo se pode pedir aos novos humoristas é que mantenham intacto o bom senso. Enquanto homens e atores todos eles conhecem muito bem a linha divisória entre a piada e a ofensa gratuita e desnecessária. O que vale mesmo é a piada inteligente que nos retira da rotina de um dia difícil e nos faz rir.
Campo de batalha
Há quem diga que em alguns países as relações humanas são mais pacíficas. O respeito ás pessoas e ao espaço alheio está na base de comportamentos amistosos nos quais, antes da agressão, impõe-se o benefício da tentativa de entendimento entre as partes. Fora disso é a batalha, a guerra.
Batalha entre pessoas é ao que se assiste diariamente nas ruas. Razões existem e muitas, algumas delas até mesmo justificáveis. Não há que se negar que certas disputas servem como embrião a desentendimentos nos quais interesses conflitantes tornam impossível o consenso entre as partes. Entretanto, o que não se aceita e não se justifica é essa predisposição ao confronto que faz dos motivos mais fúteis pressupostos para agressões.
Acontece no trânsito, no trabalho, no condomínio, no campo de futebol, enfim em toda parte. Pelo motivo mais banal ofensas são trocadas muitas vezes evoluindo para ações inesperadas e perigosas. Todo mundo sabe disso, faz parte do senso comum que um pouco de paciência ajuda muito, mas na hora H a reação contra algo tomado como ofensa dita o tom das respostas. Muita gente morre por causa de um simples esbarrão. Ontem mesmo um homem foi morto a tiros numa agência bancária. A razão? Ora, três dias antes, na sexta-feira, esse homem foi ao banco e teve dificuldade em passar pela porta giratória. Esse fato gerou discussão com o segurança do banco e ficaria por isso mesmo se, na segunda-feira, o homem não voltasse ao banco para tirar satisfações com o segurança. O resultado dessa ação tresloucada foi que o segurança acabou atingindo-o com tiros pelas costas, pelo que veio a falecer.
Não creio que alguém possa encontrar algum nexo nessa história, algo que justifique a perda de uma vida. Aconteceu e pronto. Trata-se do tipo de fato no qual um pouquinho de bom-senso teria evitado a tragédia.
O fato é que as pessoas estão cada vez mais se afastando umas das outras, estabelecendo-se entre elas um muro de incompreensões. Parece andar solto por ai um estado latente de ódio, granada pronta para explodir ao menor toque. Falta urbanidade e amizade, talvez uma campanha que faça as pessoas se lembrarem de que, afinal, somos humanos daí pelo menos alguma solidariedade dever existir entre nós.
Tudo isso pode soar como bobagem, palavras ao vento etc. Tudo bem. Então que alguém arranje um jeito diferente de dizer que urbanidade traz felicidade e que os dias são bem melhores quando não se sofre algum tipo de agressão verbal ou física. O que não pode acontecer é uma coisa como essa do camarada morto a tiros porque se desentendeu com o segurança. Se você viu na televisão as imagens da execução do homem com tiros dados pelas costas certamente se terá se perguntado como uma discussão banal pode resultar em cenas tão grotescas e absurdas. Não custa também lembrar que, consumado o crime, a tragédia continua para as famílias que perdem entes queridos, um morto, outro recolhido à prisão.
Einstein na Berlinda
Assisti pela TV a um filme deveras irritante. Não vou dizer o nome, nem citar atores para não atrapalhar a fruição de possíveis cinéfilos. O filme brinca com o tempo. Idas e vindas entre passado e presente tornam-se possíveis, contrariando a lógica que conhecemos e à qual estamos habituados. Na trama um assassino volta no tempo e elimina pessoas para acertar o passado dele mesmo. A coisa pega porque o assassino quer limpar a própria barra enquanto criança. A ideia é a de que ao tirar do caminho pessoas que influenciariam o futuro de um menino que mora num orfanato a vida dessa criança seria melhor. Obviamente, o menino e o assassino são uma mesma pessoa. O restante fica por conta dos incautos que se aventurarem a essa história de todo inconvincente.
Por que perdi tempo assistindo ao filme até o fim? A história é de tal modo impossível que desperta a vontade de saber como as coisas se resolverão. Tenho como premissa da minha condição de espectador a recusa em aceitar que se gaste tanto dinheiro numa produção que careça de sentido. Foi a esperança de que no final existisse um ajuste que colocasse as coisas em seus devidos lugares que me fez ir até o fim. Esperança baldada, aliás, mas o melhor é deixar para lá.
Entretanto, mal acabei de ver o filme e eis que leio notícias e comentários sobre uma experiência cujo resultado contraria as teorias de Einstein. Como se sabe Einstein demonstrou a relação entre matéria e energia cuja correspondência entre si é dada pela velocidade da luz. Essa relação é expressa pela fórmula E=mc2 na qual c é a velocidade da luz (cerca de 300 mil Km por segundo). A Teoria da Relatividade proposta por Einstein pressupõe que nenhum objeto, independentemente de seu tamanho, pode se mover com velocidade maior que a da luz. Essa teoria é o pilar que sustenta a física moderna, tendo muitas aplicações. Entre as mais comuns estão os GPS, os DVDs e CDs, as câmeras de vídeo etc. No mais a velocidade da luz é usada para avaliar a extensão do universo e a energia produzida por reatores nucleares.
Bem. Acontece que cientistas que trabalham nos laboratórios Cern, em Genebra, anunciaram ter detectado, num gigantesco acelerador de partículas, o movimento de partículas chamadas neutrinos com velocidade maior que a da luz. Esse fato colide com a Teoria de Einstein. Obviamente, é muito cedo para um diagnóstico conclusivo sobre o assunto, lembrando que essa não é a primeira vez que o físico alemão tem seus trabalhos contestados. Entretanto, no caso de se confirmar que Einstein está errado as coisas mudariam de figura, a começar pelo fato de que viajantes em velocidade maior que a da luz poderiam voltar no tempo. Seria possível, por exemplo, viajar entre dois países durante o período de uma noite e retornar no dia anterior.
Pelo que volto ao meu filme, agora com uma pulga atrás da orelha. A trama a que assisti é totalmente inverossímil num mundo regido pela teoria da relatividade. Não sou capaz de dizer se toda a trama seria factível caso a teoria de Einstein venha a ser negada. De todo modo talvez eu deva algumas desculpas ao diretor do filme que bem pode ser um visionário. Mas, não sei não. O mundo tem rodado direitinho em seu eixo e órbita e as explicações que até agora temos são mais que satisfatórias. Daí que me declaro resistente a qualquer mudança de conceitos porque coisas muito estranhas poderão advir disso. Enfim, trata-se do tipo de conservadorismo que garante o meu sono sem o risco de ser atropelado pelo desconhecido. Do que se conclui que a trama do filme é mesmo absurda e ponto final.