2011 novembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para novembro, 2011

Andando sobre cordas

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Das atrações apresentadas em circos a que mais me atraiu, vida afora, foi o número de equilíbrio sobre cordas. Sempre vi algo de realmente mágico na atividade do equilibrista que desafia as alturas e penetra num espaço que se torna só dele para ali jogar com a própria vida.

Há muitos e muitos anos – no tempo em que as minhas crianças, hoje adultas, eram mesmo crianças – fui com eles assistir a uma apresentação do famoso Circo de Moscou no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. O circo era de fato muito bom e a média dos números excelente. Mas, jamais me esqueci de um equilibrista que assomou aos altos do ginásio, circulando com os pés sobre uma corda, sem qualquer proteção abaixo dele. Nenhuma rede, nada, e lá ia ele, desafiando o perigo com a profunda concentração necessária a seu ofício, aparentemente ignorando as centenas de pessoas que de repente se tornaram mudas, como a esperar pelo pior, pela queda do artista.

Daquela tarde de ida ao circo com as crianças ficou-me, nítida, a imagem daquele homem que parecia andar com tanta naturalidade sobre o abismo que tinha sob os seus pés. Voltei para casa pensando em vocações e no treinamento necessário para a execução de um número daqueles. Mais que isso, como seria a vida de um equilibrista, pessoa a enfrentar a cada espetáculo o grande perigo de um erro e a própria morte?

Lembrei-me disso hoje ao ver nos jornais a fotografia do equilibrista Mich Kemeter, andando sobre uma corda de 25 metros colocada a mais de 900 metros de altura. A cena se passou no parque Yosemith, na Califórnia, e é impressionante. Um homem anda, braços abertos, sobre uma corda e tem, abaixo de si, um abismo de 900 metros de profundidade. Ele está absolutamente só e, pode-se dizer, liberto de tudo o que faz parte da vida cotidiana. A fotografia mostra parte do vale, cercado por montanhas, situado abaixo do ponto onde anda o notável equilibrista. Essa é a única referência de existência do mundo na solidão invadida pelo homem que anda 25 metros sobre a corda.

Sempre associei o equilíbrio sobre cordas a um exercício de libertação individual. No momento em que o artista se dirige, pé ante pé, ao seu destino final, totalmente voltado para si e aquilo que está fazendo, ele liberta-se de todas as injunções que normalmente afetam a sua vida. Ali o artista não faz parte de nada e não pertence a nenhum grupo. Sobre a corda ele se torna senhor absoluto de si mesmo, responsável total pelo seu ato e corre riscos por conta própria. Talvez isso explique porque homens como Mich Kemeter se entreguem ao desafio de circular numa corda a 900 metros de altura. Há nisso uma revolta do homem contra todo tipo de injunções que governam as nossas vidas. Ali, na corda, nenhuma crença poderá salvá-lo caso ele cometa algum erro. Talvez seja essa sensação de plenitude absoluta, talvez até mesmo a proximidade com a divindade, que estimule pessoas como Kemeter a enfrentar desafios tão perigosos.

Motorista de ônibus

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Imagine-se um motorista de ônibus no vai-e-vem do dia-a-dia do louco trânsito da cidade de São Paulo. Segue adiante, para no ponto, segue novamente para passar um sinal amarelando e depois parar no ponto seguinte onde descem e sobem passageiros. É assim nas horas todas e diárias do trabalho com direito a uma parada para a refeição. Assim vai, a vida passa diante do para-brisa largo do ônibus através do qual tudo se desenrola como num filme, exigindo atenção. Muita atenção.

Imagine, também, que você é o mesmo motorista, mas num dia em que não acordou bem, não se sentindo bem, mas foi trabalhar assim mesmo, afinal os ônibus não podem parar, o transporte coletivo não pode parar. Então você chega ao trabalho e logo tudo começa tudo de novo, como será amanhã, como foram todos os dias nesses anos de trabalho como motorista.

E lá está você, no trajeto de sempre, parando e seguindo, seguindo e parando, desconhecidos entrando e saindo no ônibus diante do seu olhar indiferente porque é sempre do mesmo jeito, assim mesmo.

 Você está dirigindo, de vez em quando se lembra da família, das despesas da casa, do salário magro que quase não dá, dos filhos que vão à escola, da mulher que faz o café para você antes de sair para o trabalho, para que possa ser um bem comportado e competente motorista de ônibus.

Os dias são iguais, terrivelmente iguais, mas você não dá importância para isso porque as ruas são iguais e a vida é igual. Neste dia está tudo bem, o ônibus segue adiante, não há muitos passageiros tanto que ninguém está em pé. Você olha pelo retrovisor, vê as caras monótonas dos passageiros, todos sentados e quietos, na verdade menos um deles, um cara bem lá atrás que, de vez em quando, fala alguma coisa rápida e que não dá a entender.

Está tudo bem, tudo continua bem até que você sente algo estranho, algo que nunca sentiu e, de repente, você nem sabe onde está e o que está fazendo. Você passa mal e já não percebe, mas continua sendo o motorista que dirige o ônibus só que agora não o está dirigindo. Daí acontece o que tem que acontecer, uma pessoa é atropelada.. O restante é impossível de descrever porque aqueles rapazes do baile funk ouvem o barulho, saem à rua e resolvem fazer justiça eles mesmos porque está ali uma pessoa atropelada e morta. Você mal vê o que acontece, essa turma começa a bater em você, no começo dói muito, depois já nem sente dor e perde, definitivamente, a consciência.

Imagine essa desgraça toda acontecendo justo com você que acabou sendo linchado e chegou morto ao hospital. Os médicos não sabem se você morreu por ter passado mal ou se foi por ter apanhado demais da turma do funk. Talvez não interesse mais a você, agora morto, saber que os rapazes do funk , enfurecidos, depredaram o ônibus e soltaram os freios dele numa ladeira  daí a colisão com dois veículos estacionados.

Imagine uma desgraça dessas que acabou com a sua vida e rompeu as amarras que o prendiam à direção do ônibus.

Se você não quiser imaginar nada disso fique com a realidade: esse fato aconteceu ontem, numa rua de bairro, em São Paulo.

Vida vegetativa

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Acontece em animais e plantas. Nos seres aquáticos denominados esponjas, por exemplo, há uma forma de reprodução  na qual forma-se uma estrutura de resistência chamada gêmula. A gêmula é capaz de resistir a condições ambientais adversas. Quando as condições se tornam novamente favoráveis as gêmulas se desenvolvem e um organismo começa a ser formado  a partir delas

Nos seres humanos  pode ocorrer o chamado  “estado vegetativo”. Ele acontece apenas quando ocorre algum dano cerebral, temporário ou permanente. Pessoas que entram em coma simplesmente “apagam” e muitas vezes, dependendo da causa que os levou a esse estado, podem permanecer assim por tempo indeterminado. Na verdade existem diferentes níveis de consciência após um dano cerebral. Há pessoas que permanecem conscientes, mas não conseguem se mover; existe a morte cerebral para a qual não há remédio dada ser irreversível; e o estado vegetativo no qual a pessoa praticamente não consegue relacionar-se com nada do meio que a cerca.

Ontem, numa dessas rodas de pessoas que falam um pouco sobre tudo, surgiu o assunto “vida vegetativa”. Um dos presentes falou sobre um livro que tinha lido. Trata-se da história de um homem que permaneceu 18 anos em estado vegetativo e subitamente “acordou”. O relato desse homem não deixa de ser interessante: durante os 18 anos - ou em parte deles - ele conseguia ouvir o que as pessoas diziam, mas não conseguia movimentar-se ou fazer qualquer tipo de contato com alguém. Ele foi mantido vivo por recusa da família em desligar aparelhos ou abandonar tratamento. Mas, era bem o caso de alguém perdido para sempre que, sabe-se lá porque, retornou à normalidade.

Esses casos são difíceis. Acompanhei de perto alguns estados comatosos. Num deles estava em coma um presidiário recolhido ao Manicômio Judiciário. Homem de altíssima periculosidade. Em coma no leito do hospital, ainda assim mantinham-se três guardas armados para detê-lo caso viesse a se recuperar. Mas, o grande bandido morreu. Outro caso foi de um jovem, acidentado no trânsito, que ficou dez dias em coma. A família já se desesperava e preparava-se para o pior quando o rapaz, contrariando os prognósticos médicos, abriu os olhos e começou a falar.

Nos estados vegetativos existe sempre a dúvida sobre como conduzir o tratamento e até mesmo em interrompê-lo. Agora divulga-se notícia sobre novos tipos de exame envolvendo imagens cerebrais que dariam conta das possibilidades, ainda que remotas, de recuperação dos doentes. Assim, as imagens, obtidas através e eletroencefalografia, contribuirão para melhora dos procedimentos a serem adotados em casos de estado vegetativo.

Não imagino como seja esse desligamento total. Pessoas acidentadas com ferimentos graves na cabeça que entram em coma relatam não ter memória dos acontecimentos a partir do momento do acidente, às vezes nem mesmo do próprio acidente.

As novas técnicas com o uso de imagens para casos de estado vegetativo são de fato uma excelente notícia dado que contribuirão para que os médicos possam aconselhar com mais precisão aos familiares sobre o que deve ser feito em relação à pessoa doente. Isso é o que afirma o médico Adrian Owen, neuropsicólogo, e um dos autores da pesquisa sobre as imagens cerebrais.

 

Mancha de óleo

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Nessa história de mancha de óleo nas águas marinhas é preciso saber quem sairá mais manchado. De um lado a petroleira Chevron que faz perfurações no Campo de Frade- Bacia de Campos. De outro os brasileiros aqui representados oficialmente pela ANP (Agência Nacional de Petróleo).

A Chevron alega erro de cálculo que teria levado ao vazamento de óleo. A PF (Polícia Federal) investiga a possibilidade de a Chevron ter tentado atingir a camada de pré-sal da região o que é vedado a ela. A suspeita da PF baseia-se em declarações do presidente da Chevron no Brasil realizadas antes do vazamento: o presidente disse que a Chevron estudava a existência de uma estrutura de pré-sal na região.

As reações ao vazamento vieram de todos os lados. Ambientalistas saíram a campo protestando. Criticou-se também a ação da ANP que demorou a punir a Chevron com multa de 50 milhões e proibiu a empresa de fazer perfurações no país. Articulistas escreveram na mídia dizendo que mais uma vez o Brasil foi tratado sem respeito como se ainda fosse um país colonizado, o que definitivamente deixou de ser a bom tempo.

Ontem o presidente da Chevron afirmou ser o acidente inaceitável e pediu desculpas ao governo e ao povo brasileiro, reiterando ter o maior respeito pelo país.

Assim, pessoas e ambiente são prejudicados, mas logo o fato deixará de ser notícia e as coisas se acomodarão. O que nos leva a perguntar sobre o futuro no qual está prevista a exploração do pré-sal. Curioso que enquanto se discute a divisão de royalties do petróleo pouco se fala sobre a possibilidade de acidentes e graves transtornos deles decorrentes. Fauna, flora, populações que vivem junto ao oceano, o que se deve esperar quando a exploração da camada de pré-sal acontecer em grande escala?

O acidente provocado pela Chevron serve como alerta para o que está por vir. Cabe aos legisladores a criação de regras claras e duras que limitem a possibilidade de acidentes e levem os exploradores a respeitar o povo, o ambiente e o próprio país que está a comemorar a boa sorte de possuir o pré-sal, dê no que vier a dar.

As regiões litorâneas continuam muito animadas com a riqueza que se aproxima. Em algumas cidades, Santos, por exemplo, verifica-se um boom imobiliário com construção de prédios. Só o futuro dirá no que realmente tudo isso vai dar. Afinal, como dizia-se ao tempo do governo Getúlio Vargas, “o petróleo é nosso”.

Ícones

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Creio não ser difícil dizer quais são os ícones maiores de nossa época. Para isso, entretanto, é preciso definir o alcance do termo ícone. A palavra ícone tem o significado de imagem de algo/alguém que se torna conhecido ou é tomado como referência para determinado número de pessoas. O Houaiss define ícone como “pessoa ou coisa emblemática”. O ícone é, portanto, uma imagem que tenha alguma relação de semelhança entre a representação e o objeto daí permitir que usemos a representação sem tomar conhecimento do objeto. Ao ligar o computador o usuário encontra na tela que mostra a área de trabalho do Windows uma série de ícones, cada um representando o acesso a um programa ou fone de dados. Entretanto, o texto abaixo pretende referir-se a outra ordem de ícones, como se verá.

Existem ícones de época e ícones de momento. Seguramente poderíamos listar nomes de jogadores de futebol que se tornam ícones num dado momento: Neymar e Messi pertencem a esse grupo dado que são grandes ícones do momento para quem acompanha o futebol.

Para ícones de uma dada época prefiro restringir o conceito ao período da minha vida e posso citar Pelé como, talvez, um dos maiores deles. Entretanto, existem ícones que alcançam visão mundial e suas imagens são utilizadas e conhecidas a todo transe. É sobre esses ícones que o historiador de arte britânico Martin Kemp acaba de publicar um livro recém-lançado na Inglaterra. Nesse livro chamado “Christ to Coke: How Images Become Icone” Kemp elege onze ícones que atingiram um nível de reconhecimento excepcional, de Jesus Cristo à Coca-Cola. Entre outros ícones citados por Kemp estão as imagens de Che Guevara, a do coração, a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, a fórmula de Einstein e o DNA.

Não deixa de ser interessante essa transformação da imagem em ícone conhecido e o alcance que essas mesmas imagens adquirem. Deixando-se de lado os ícones de “nível de reconhecimento excepcional” citados por Kemp poderemos estabelecer uma razoável hierarquia de ícones não nos esquecendo de que as nossas referências marcadamente situam-se no mundo ocidental. O fato é que existem ícones situados em suas áreas respectivas como é o caso de Marylin Monroe no cinema e Mohamed Ali no boxe. Também podem ser citadas, em outro nível, pessoas como Giselle Bündchen na moda e políticos que alcançam renome mundial.

Mas, o fato é que o lançamento do livro de Kemp me levou a ponderar sobre a necessidade que temos da existência de ícones. Em verdade ícones como os apontados por Kemp tornam a vida mais palatável e servem como referência à nossa identidade com as pessoas e o mundo. Esses ícones associam-se a modo de vida e hábitos particulares e relacionam-se com a marcha da civilização no planeta. Basta pensar que a “escadinha” que representa o modelo proposto por Watson e Crick para a molécula do DNA representa a própria vida e todo o conhecimento biológico relacionado à nossa existência no planeta, daí ser utilizada de inúmeras formas. Recentemente vi uma propaganda na TV que utilizava a imagem do DNA para alavancar a venda de produtos. Isso é bastante comum e note-se que não preciso explicar a quem vê a imagem o que ela representa. Tem razão, portanto, Kemp ao colocá-la entre os maiores ícones de “nível de reconhecimento excepcional”.

Compras pela internet

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Não é esta a primeira vez que toco no assunto. O que novamente me move é a espantosa pressão que se faz sobre os consumidores com ofertas e mais ofertas de toda sorte de produtos.

Mensagens chegam a todo instante, como se dizia no passado, por terra, mar e ar. Hoje em dia fala-se muito sobre essa entidade etérea à qual se dá o nome de “nuvem”. A “nuvem” pode ser definida como uma impressionante concentração de dados que estão sobre as nossas cabeças e entram nas nossas vidas através do computador. Pois, boa parte desses dados refere-se a ofertas de produtos patrocinadas por pequenos, médios e grandes conglomerados de negócios.

A sua geladeira está velha? Então, basta entrar num site de um dos grandes provedores da internet para dar de cara com uma lista de empresas que oferecem geladeiras de todos os tipos. Escolha a de sua preferência e que caiba bem no seu orçamento. O negócio será fechado diretamente pela internet. Paga-se em vezes com o cartão de crédito e dias depois eis que entregarão, na sua casa, a geladeira novinha. Assim acontece com qualquer outro produto, de qualquer linha.

O que mais chama a atenção é que esse tipo de comércio que suprime a visita do consumidor às lojas tornou-se “normal”, isso é rotineiro. Compram-se produtos no país ou fora dele. Há sites chineses que trabalham com ofertas que nem de longe podem ser acompanhadas pelas empresas brasileiras. Existe sempre o risco do consumidor não receber o produto, mas na maioria das vezes a transação é bem sucedida: demora, mas, tempos depois, o produto comprado chega, vindo diretamente da China. Pode?

Bem, creio que todo mundo sabe disso e está acostumado a receber e-mails com ofertas de viagens, produtos etc . Entretanto, duas coisas precisam ser ditas. A primeira delas é que tudo isso é muito recente, de pouquíssimos anos para cá, fato que justifica aquele “normal”, entre aspas, escrito acima. A segunda diz respeito à dúvida inquietante sobre como serão as coisas no futuro. De fato, não consigo imaginar o mundo em que viverá uma criança nascida neste ano, por exemplo. Imagine-se  que até a teoria de Einstein anda sendo abalada porque se descobriram neutrinos que viajam mais depressa que a velocidade da luz. Então, como será?

É possível que em poucos anos não existam mais lojas de rua, sendo a quase totalidade das compras feitas pela internet. Também é possível que dentro de 20 ou 30 anos já tenha sido inventado um meio de comunicação diferente e mais eficaz que a internet e as pessoas da nova época se refiram a ela com comentários como “lembra—se do tempo da internet”?

Dirão que não vai ser assim, afinal a internet veio para ficar. Não sei não e apenas me dou ao luxo de lembrar que há pouco tempo não tínhamos celulares e internet. O carro-de-boi ficou muito, muito, para trás e quem sabe o mesmo venha a acontecer com os carros. Enquanto tudo isso não passa de especulação vamos em frente, aproveitando as coisas interessantes que a tecnologia nos oferece.

Às compras!

Memórias apagadas

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O ministro do Trabalho comparece ao Senado e admite falha de memória em relação a declarações que fez há poucos dias, no mesmo lugar e diante das mesmas pessoas. Fato inquietante. Pior impossível, não?

Mas, o ministro continua em seu cargo, no governo, embora a pressão da oposição para que renuncie ou, ainda, seja afastado pela presidente da República.

Interessante observar o compasso da circulação dos fatos. O ministro está a caminho de sua saída e fica cada vez mais sem apoio, sozinho diante das circunstâncias. Ele tenta se defender, contando uma história inacreditável sobre falha de sua memória. No fundo é impossível que alguém seriamente acredite na versão atual dos fatos dada pelo ministro. Existe, sim, um contingente de pessoas que interesseiramente, acredita. Mas, o caminho da demissão está traçado só restando esperar a marcha dos acontecimentos.

A política é assim, plena de entradas e saídas, nem tanto surpreendente. O mais interessante é que as memórias sobre os acontecimentos, mesmo os mais recentes, se apagam com velocidade impressionante. No caso do ministro não é só a falha de memória dele que interessa: depois que ele sair de seu cargo os holofotes o deixarão para trás e também os acontecimentos em que esteve envolvido cairão no esquecimento. Quem duvida que se lembre de casos terríveis envolvendo corrupção cujos autores ainda hoje esperam por punição.

Do que se torna justo afirmar que tudo isso parece mais uma grande encenação. Entra ministro, sai ministro depois acusações sérias, mas é como se nada tivesse acontecido. A lógica de tudo parece ser a de que a vida continua e ponto final.

Política e corrupção

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No Brasil a gente nunca sabe direito no que pensar quando o assunto é política. Vá lá que sejam mais que esperadas idas e vindas de comportamentos quando o que estão em pauta são a Câmara e o Senado Federal, afinal há muita gente lá ligada a fontes que os patrocinaram e eleitores que neles votaram. Mas, como se dizia antigamente, o Brasil espera que cada um cumpra com o seu dever daí ser mais que lógico aguardar-se comportamento e atitudes dignas daqueles que carregam em suas costas os encargos a eles destinados pelo povo.

Entretanto, existe um nível superior, o dos ministros de governo, do qual não se pode duvidar. Ocupam eles cargos não eletivos aos quais são guindados a convite da presidência da República. Cada ministério, cada pasta, conta com verbas realmente colossais e cabe a ele destiná-las com probidade para que o país possa crescer e atender às necessidades da população.

Pois é no nível dos ministérios que ultimamente mais têm espocado os fogos das denúncias comprovadas disso resultando o afastamento de ministros. Dos cinco substituídos até agora, quando ainda não se completou o primeiro ano do novo governo federal, só um não saiu em função de denúncias de corrupção. Agora, avizinha-se a saída do sexto ministro ao qual se atribuem denúncias que pouco a pouco impossibilitam a permanência dele no governo.

Não é possível saber-se se, no passado, dado à maior lentidão das informações, a coisa toda já era assim esmo, só que os deslizes de ministros não transpareciam. Em todo caso a figura de um ministro de Estado sempre foi de grande respeito, sendo que não se pode negar que vem sendo depreciada nos últimos anos. Daí que ao cidadão comum vai-se passando a impressão de que na verdade política e corrupção mantém, entre si, ligação indissolúvel, tornando-se até “normal” que um deslize ou outro aconteça durante a vigência de um mandato em qualquer nível.

Houve tempo em que o exemplo vinha de cima, acreditem. Em épocas republicanas anteriores pessoas entravam na política e não enriqueciam com ela. De vários presidentes da República brasileira e de seus ministros pode-se dizer que permaneceram na mesma posição econômica de antes, isso durante e depois do governo. No caso dos primeiros presidentes a situação econômica de sua vida inteira beirou a pobreza. Em função disso, o que se espera, hoje em dia, é a moralização do trato com a coisa pública. Os brasileiros estão cansados de, a cada mês, receberem notícias que tal e tal ministro de governo está sendo acusado disso ou daquilo porque se envolveu nesse ou naquele assunto ligado a seus correligionários ou destinação de verbas federais.

A República resiste

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Há exatos 122 anos o Marechal  Deodoro da Fonseca proclamava a República no Brasil. Caia docemente o regime monárquico que tinha à testa o pacato Imperador D. Pedro II.

Na noite de 14 de novembro de 1889 Benjamin Constant reuniu-se no Campo de Sant´ Anna, cidade do Rio de Janeiro, com cerca de mil homens do exército. Eles sitiavam o quartel-general onde o Visconde de Ouro Preto reunia-se com seus ministros. Nessa ocasião o Imperador estava em Petrópolis.

Benjamim estivera, horas antes, em casa de Deodoro e encontrara-o doente. Agora, dada a precipitação dos acontecimentos mandara-o buscar. O Ministério Ouro Preto continuava reunido no quartel-general onde também estava Floriano Peixoto, ajudante-general do exército. Floriano era responsável pelo comando das tropas leias ao Imperador, cerca de dois mil homens reunidos no pátio interno do quartel-general.

A certa altura Deodoro enviou o tenente-coronel Telles ao quartel-general com a missão de intimar o Ministério a render-se. A intimação não foi aceita por Ouro-Preto que deu ordens a Floriano para retirar Deodoro.

Nesse momento ocorreu a já famosa decisão de Floriano que tomou por valor mais alto a farda: não atiraria contra seus colegas do exército situados no Campo. A partir daí não houve mais resistência. O primeiro-ministro, Ouro Preto, acompanhado pelo ministério, demitiu-se, sendo a demissão imediatamente comunicada a Petrópolis através de telegrama.

Floriano encarregou-se de dar a Deodoro a boa nova e convidou-o a subir à sala onde estava o ministério demissionário. Já na sala Deodoro deu voz de prisão a Ouro-Preto no que foi dissuadido dessa atitude por Floriano.

O fim do Império deveu-se a alguns fatores, entre eles à Propaganda Republicana executada por vários próceres do Partido Republicano de São Paulo. Os mais importantes fatores que determinaram o desfecho do 15 de novembro de 1889 foram a caducidade das instituições imperiais que já não atendiam às necessidades do país, a questão da substituição de D. Pedro II já velho e próximo da morte e a revolta dos militares. Historiadores de diferentes tendências valorizam mais ora um ou outro desses fatores na determinação da instalação do regime republicando no país.

Do 15 de novembro até hoje muita coisa aconteceu e tem acontecido. Hoje Brasil aproxima-se da sua maioridade embora ainda às voltas com problemas gerais cujas soluções parecem escapar aos políticos de plantão. Atualmente oitava economia do mundo espera-se que, em 2020, o país passe a ser a quarta economia do planeta.

Anos trás foi realizado um plebiscito perguntando-se ao povo sobre a preferência entre os regimes republicano e monárquico. Venceu a República que se mantém como forma de governo. Embora nascida num momento de indecisão no qual as forças em oposição não viam claramente a nova forma de governo a adotar, a República veio, portanto, para ficar. Daquele momento de atividades incruentas restaram os nomes de Deodoro, Floriano e Benjamin que movimentaram tropas e determinaram o início do regime republicano no Brasil.

Sob o comando do tráfico

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Estão aí fotos da ocupação da Favela da Rocinha, Rio de Janeiro. Policiais fortemente armados sobem pelas vielas e galgam, passo a passo, o topo do morro. Não encontram resistência: Nem, o comandante do tráfico, já fora preso durante uma blitz enquanto tentava sair da favela dentro do porta-malas de um carro.

Escrever ou falar sobre o tráfico em si e suas implicações é tarefa para quem estuda ou vive o problema. Correm por aí algumas teorias sobre o modo de acabar com o tráfico, uma delas a de descriminalização do uso de drogas. O fato é que o tráfico vive do vício e existe uma enormidade de pessoas viciadas. São esses consumidores que mantém o tráfico vivo, fazendo-nos suspeitar que se um Nem foi preso outro Nem deve estar em gestação por aí. De todo modo é mais que louvável que as autoridades do Rio de Janeiro estejam levando muito a sério a luta contra o tráfico. A invasão da Rocinha, chamada de pacificação, acontece em boa hora dado que essa favela há décadas está sob o comando de traficantes.

Ora é justamente isso o que não se enquadra bem no raciocínio daqueles que vivem do lado correto da lei. Os morros, favelas ocupadas por traficantes, são dominadas por eles que ali impõem a sua vontade e determinam o modo de ser das coisas. Trata-se, portanto de um Estado dentro do Estado, porque à margem desse último cujas regras, gerais para toda a população, ali não valem. Tanto é verdade que nenhuma força policial isolada se arrisca a entrar num morro sob o domínio de traficantes porque será combatida e com armas muitas vezes superiores em poder do tráfico. Definitivamente, há áreas nas quais inexiste a ação dos poderes públicos que ali não prevalecem. Desse fato decorre a importância das atuais ações pacificadoras que, pela primeira vez, buscam olhar realmente de frente o problema de domínio do tráfico sobre extensas regiões – para que se tenha uma ideia só na Rocinha vivem 80 mil pessoas.

As fotos mostram que o Estado sob o comando do tráfico é, tal como outras sociedades, discrepante em termos de distribuição de benesses sociais. Demonstram isso as diferenças entre as moradias simples da população dos morros e as casas soberbamente equipadas dos comandantes do tráfico. Guardadas as proporções e diferenças com regimes nacionais estabelecidos pode-se pelo menos supor que o tráfico impõe um regime de natureza ditatorial nas favelas. Nem, aquele que tentava escapar dentro de um porta-malas, tinha a seu serviço, na Rocinha, mais de duzentas pessoas. Com esse exército de pessoas ligadas ao tráfico exercia o seu domínio sobre a favela. Além disso, o mesmo Nem declarou, depois de preso, que boa parte de seus ganhos era utilizada para pagar policiais corruptos que o protegiam. Basta dizer que justamente durante a tentativa de fuga de Nem foram presos policiais que tentavam ajudá-lo a sair da Rocinha.

Tudo isso pode ser lido nos jornais e nada há de novo nas linhas anteriores. O que há, de fato, é a indignação pela existência de tal estado de coisas. O tráfico tem rotas de entrada e saída de drogas no país e abrange extensa rede de traficantes que exercem domínio em áreas sob seu comando. Além disso, movimenta fantásticas quantidades de dinheiro oriundo do consumo de usuários de drogas.

O Rio está a combater o tráfico. Aproximam-se competições internacionais importantes a serem realizadas na cidade que deve promover segurança total durante a ocorrência delas. O trabalho, árduo e difícil, está sendo feito para que isso se torne realidade. Resta saber se as atuais medidas serão definitivas. Se olharmos para o passado encontraremos razões para temer que tais ações sejam temporárias. Ataca-se, no momento, um dos eles da cadeia que é o do fornecimento de entorpecentes; é preciso que o outro lado, o dos consumidores seja considerado e isso pode exigir décadas de conscientização.