2011 novembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para novembro, 2011

As histórias que inventamos

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A linha que separa a realidade da ficção nem sempre é precisa e facilmente detectável. Sendo a ficção reprodução nem sempre confiável da realidade entre as duas estabelecem-se códigos que muitas vezes as aproximam, mas, que, também, podem separá-las.

No livro “Como funciona a ficção” James Wood nos remete ao ensaio “Um enforcamento”, escrito por George Orwell. Nesse ensaio Orwell observa que o condenado, no momento em que se dirige ao cadafalso, desvia-se de uma poça d’ água. Essa preocupação em não sujar os sapatos, gesto irrelevante para quem vai morrer em seguida, é considerada por Orwell como “mistério” da vida. Em relação a isso Wood nos propõe a hipótese de que o texto de Orwell não seja um ensaio – fato – e sim obra literária – ficção. Nesse caso, a poça d’ água passaria à condição de detalhe soberbo que o escritor poderia ter criado. Esse detalhe - acrescenta Wood - denota exatamente o inexplicável. Enfim, em sendo verídico que condenado desvia-se da poça, esse fato representa, nada mais, nada menos, a irrelevância da própria realidade – em itálico como no texto de James Wood.

A conclusão de Wood nos conduz à realidade do cotidiano de nossas vidas no qual significativa parte do que pensamos e executamos pode ser considerado irrelevante. Talvez alguns detalhes do que fazemos e aos quais não damos importância porque considerados “atitudes óbvias” tivessem outro significado saindo-se do fato em si e passando-os ao terreno da ficção. De fato, a um condenado que vai morrer em seguida pouco importaria se seus sapatos devem continuar limpos; mas é, justamente, a noção da vida que ainda não acabou e o hábito de cuidar dos sapatos que explicam a atitude do condenado ao desviar-se da poça d’ água. Trata-se do tal “mistério” da vida.

Não terá passado despercebido ao leitor que muitas histórias que contamos a respeito de nós mesmos ou de fatos que presenciamos no passado nem sempre guardam relação perfeita com a realidade acontecida. Pode-se dizer que é até mesmo comum que à custa de repetir tendenciosamente um fato acabemos por nos habituar à versão imaginada a ponto de, a certa altura, a tomarmos por verdadeira. Pessoas simplesmente criam explicações favoráveis a elas sobre certos acontecimentos. É muito possível que a princípio tenham a noção de que estão se distanciando do fato em si em termos de verdade. Mas, com o passar do tempo, a explicação engendrada converte-se em verdade para elas, para isso contribuindo a já citada repetição ao longo do tempo.

O que se quer aqui é afirmar que dentro da realidade em que se vive, acopla-se um universo de histórias que inventamos muitas delas com detalhes irrelevantes que se tornam importantes dado que agora se trata de ficções criadas. Obviamente, com a pressa e os compromissos diários pouco nos damos conta disso. E prosseguimos, seguindo em frente, desviando-nos, transformando parte dos fatos que nos acontecem em detalhes irrelevantes, de preferência tendenciosamente modificados.

Olhar sobre o Brasil

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Estive no Uruguai e pensei no Brasil. Foi preciso sair do país para olhá-lo de fora, aliás, descobrir um novo olhar.

Venho lá de mais atrás. A minha mocidade vivi nos anos 60 e 70, épocas um tanto constrangedoras para os brasileiros de então. Não só pela ditadura e os comemorativos que a acompanhavam, mas pela posição de inferioridade econômica e atraso do Brasil em relação a outras nações. Fazíamos parte do terceiro mundo e ninguém tinha dúvidas sobre isso. Existia sempre a negatividade da inflação alta, a dívida externa impagável, o FMI, a falência do tal “Milagre Brasileiro” cujas contas a pagar aos credores internacionais emergiram na passagem para os anos 80. Foi assim, não foi? Se bem me lembro… Não foi, então, na passagem de 79 para 80 que houve aquele arrocho e a ilusão do “Milagre” desapareceu?

Nesse tempo todo, até meados dos anos 90, a impressão do brasileiro sobre o Brasil não era boa. Éramos grandes, fortes, imensos, mas vivíamos sobre a pressão da inflação, do descontrole. Fiscais do Sarney, você se lembra deles? Eram pessoas que tentavam auxiliar o país conferindo remarcações de preços nos mercados. O presidente era o Sarney, o mesmo, o eterno.

Mas, agora… Eis aí a Europa metida numa encrenca de estourar os miolos. A coisa é tão grande que existe o perigo de fragmentação da zona do euro. No fundo do poço a Grécia cujo primeiro-ministro acaba de se demitir, cedendo lugar a um ex-vice-presidente do Banco Central Europeu. Na Itália, oitava economia do mundo, a crise é assustadora, levando Berlusconi a prometer sua demissão nas próximas horas. Será ele substituído por algum homem da área de dinheiro, como aconteceu na Grécia. E os EUA? Ainda não resolveram os seus problemas econômicos embora se mantenham como primeira potência do mundo.

Enquanto isso ventos alísios sopram nas terras brasileiras. O presidente uruguaio visita o brasil e conclama o país a não colonizar os seus vizinhos. O Brasil de hoje não é só grande, forte e imenso territorialmente: o país tem economia forte e está bem parado diante da crise mundial que deve afetá-lo, mas não com a intensidade do passado.

Olhando o Brasil de fora, o brasileiro pode sentir com mais transparência o orgulho pelo seu país. Não mais olhamos para outros povos e nos sentimos atropelados pela falta de controle e até de sorte.

O país cresce a passos firmes e decididos. Talvez pareça estranho aos mais novos, mas o que hoje se verifica aqui não é pouco, não é pouco não, acreditem.

A reforma da Lei Seca

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Tanto se fala sobre a fragilidade da atual Lei Seca que se decidiu reformá-la, aumentando o rigor das penalidades para quem dirigir após ter consumido álcool. Nesse sentido acaba de ser aprovada pelo Senado projeto sobre o assunto. Segundo o projeto motorista que beber qualquer quantidade de álcool poderá ser punido.

Atualmente, considera-se crime dirigir com mais de seis decigramas de álcool por litro de sangue. Valores inferiores a esse são punidos com multa e suspensão da carteira de habilitação. Mas, quanto é preciso beber para atingir os tais seis decigramas? Não muito: uma lata de cerveja ou um copo de vinho.

O que muda com o novo projeto? Agora torna-se crime dirigir com qualquer nível de álcool no sangue. Além disso, dá-se um passo além do teste do bafômetro: a embriaguez passa a poder ser confirmada através de testemunhos, vídeos e imagens. No tocante às penas a serem aplicadas em caso de acidentes nos quais o motorista consumiu álcool a coisa se complica e muito: caso exista lesão corporal gravíssima a pena pode variar entre 6 e 12 anos de reclusão; em casos de morte o motorista bêbado pode ser condenado a até 16 anos de prisão.

O projeto aprovado pelo Senado ainda poderá sofrer mudanças antes de ir para a Câmara. Chama-se a atenção para o fato de que a nova Lei Seca, se aprovada, conferirá punição mais pesada ao infrator embriagado que provoca morte em acidente do que por homicídio simples.

E agora? Certo ou errado? O fato é que com o aumento do número de carros nas ruas e estradas a situação tornou-se perigosa demais. Verifica-se, hoje em dia, excesso de trânsito mesmo em lugares onde antes as coisas fluíam normalmente. Basta que se pegue uma das estradas que ligam São Paulo a outras localidades, qualquer uma delas, a Dutra, a Bandeirantes, a Imigrantes, a Fernão Dias… De fato, é impressionante o volume de trânsito que se verifica nessas rodovias e espantosa a soma do número de acidentes que ocorrem em cada uma delas. Importa também lembrar que o número de acidentes ocorridos nas cidades também é grande, muitos deles, como acontece nas rodovias, com vítimas fatais ou em estado grave.

Se olharmos para o novo projeto, tendo em vista a óptica do que vem acontecendo com o trânsito em geral, pode-se dizer que ele é benvindo. Por outro lado é preciso que juristas e outros especialistas estudem melhor as punições previstas para os casos de embriaguez ao volante. O problema maior não está na redução da embriaguez ou simples consumo de um copo de vinho através do medo de ser punido. Mais que isso, faz-se necessária uma permanente campanha educativa da população, a começar nos bancos escolares. Digamos que em curto prazo a Lei Seca toma o problema em sua parte final porque aplica-se a adultos no volante. O que se recomenda é que a Lei una à parte punitiva outra de natureza educativa.

O Brasil tem crescido e abrem-se oportunidades para todos. As possibilidades de obtenção de crédito trazem até mesmo para camadas sociais mais simples a possibilidade de terem os seus carros para locomoção pessoal e familiar. É preciso que esse benefício venha acompanhado da educação que disciplina o comportamento dos motoristas no trânsito. As autoridades têm um trabalho árduo pela frente, mas não se pode fugir à responsabilidade de encará-lo para que deixemos de receber, diariamente, notícias trágicas relacionadas à embriaguez e acidentes de trânsito.

Joe Frazier

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Joe Frazier faz parte da memória do boxe. Ele foi um grande campeão dos pesos pesados e notabilizou-se por infringir a primeira derrota a Cassius Clay, outro eterno campeão que mudou o nome para Mohamed Ali.

Frazier era um sujeito fortíssimo e atarracado. Seu estilo de luta não tinha a elegância de Cassius Clay sobre o tablado. Entretanto, Frazier distinguia-se pela força, eficiência dos golpes e a busca permanente de confronto com seus adversários. Era desses que não retrocedem nunca e buscam bater sempre, atingindo com muito “punch” os seus adversários.

De Frazier sempre nos lembramos da sua memorável luta contra Cassius Clay a quem derrotou sem conseguir o nocaute, mas derrubando o seu adversário por duas vezes. Clay se vingaria dessa derrota algo humilhante vencendo, mais tarde, Frazier por duas vezes. Mas, aquela cena de Clay, o imbatível Clay, no chão é das mais majestosas de toda a história do boxe. Do outro lado, em pé, o grande campeão Frazier, vencedor da luta por pontos.

Joe Frazier morreu ontem, segunda-feira, vitimado por um tumor no fígado. Passou-se apenas um mês entre o diagnóstico do câncer e a morte do ex-pugilista que foi recebida com grande pesar.

Para quem não gosta e não admira o boxe a morte de Smoking Joe Frazier nada representa. Para quem o viu em atividade nos ringues e acompanhou a trajetória dele a notícia da morte traz grande tristeza. Frazier fez parte de uma determinada época em que a categoria dos pesos-pesados era frequentada por grandes nomes do pugilismo.

Aí se vai o grande Joe Frazier. Deixa saudades

Montevidéu

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Você não sabe o que o espera lá, quando chegar. Escolheu essa viagem entre tantas possíveis porque o preço estava melhor, também porque disseram a você que a cidade é calma e você precisava de descanso – e muita calma como a de um campo imenso, verdíssimo e só lá, muito longe, uma pequena árvore de caule impreciso, talvez até retorcido. Entretanto, nada mais que uma só árvore num campo enorme, longo de se perder de vista.

Do avião nada que valha a pena se lembrar, exceto esse trajeto de mais de 20 Km após sair do aeroporto, dentro de um táxi, até os primeiros prédios, aqueles pequenos que vão ficando cada vez maiores, até a chegada ao centro, esse delicado demais para a capital de um país. O motorista do táxi viaja em silêncio até que avisa que pretende sair da Rambla para cortar caminho até o hotel. Você entende metade do que ele diz em tom apressado, mas diz que sim, que concorda, assim seja, que siga pelo caminho que ele conhece e que diminui a distância.

Depois da hospedagem a noite de sono, a manhã que começa com a inevitável pergunta de para onde ir, fazer o quê, coisas que acontecem a quem não se preparou para a viagem, só queria sair um pouco, fugir dos mesmos compromissos de mais de 30 anos, das coisas iguais de todo santo dia nos últimos 30 anos. Então o caso é sair à rua, andar pelo centro a esmo, sem bem saber para onde está indo, até o cansaço jogar você num bar para que a meia cerveja gelada tente colocar as coisas nos trilhos.

Não há muito que se dizer da cidade que é banhada pelo rio enorme que quase a engole inteira. Entre um conjunto de avenidas costeiras, as Ramblas, ergue-se a cidade que tem na praça principal um enorme portal para separar o passado do presente, a cidade antiga da cidade nova. Os que moram na cidade falam sobre o portal com orgulho porque ele separa épocas distintas - num lado que dizem ser o novo existe outro tempo, mais dinâmico, parte da história que se abre para a frente, carregando as esperanças do povo junto. Para lá do portal é o passado, as cabeças que pensaram e foram enterradas e agora não têm olhos para ver o outro lado, moderno e pleno de futuro.

Então o que mais me impressionou na cidade foi a existência da divisão entre o velho e o novo, o antigo e o moderno, tudo isso representado pela simplicidade de um portal enorme de pedra num dos cantos da praça principal. Dá as costas para o portal o General Artigas, montado em seu cavalo e olhando para a cidade nova, confiante no futuro da nação. O cavalo de Artigas, o Libertador do país, deslancha em disparada para a frente, deixando às suas costas o passado.

E isso é o que há de mais monumental em Montevideu. Para quem vai à cidade recomendam-se os restaurantes onde se come da melhor carne das Américas, talvez do mundo. Os preços são bem razoáveis e mesmo você que chega apenas com a intenção de deixar de lado um pouco os problemas de sempre acabará gostando. Não no primeiro, talvez também não no segundo, mas a partir do terceiro dia na cidade você começa a gostar dela, das ruas algo simples, do povo muito simpático, dos bares, do Teatro Solis, da praia. E se o que move você é a possibilidade de deixar coisas para trás, o portal – chamado de Porta da Cidade - poderá surgir como uma grande sugestão

O câncer de Lula

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A possível má evolução de um câncer não deve envolver torcida de ninguém para que venha a acontecer. Câncer é doença séria, grave e o que se quer para qualquer pessoa, independentemente de quem seja, é a solução do problema, enfim a cura.

Entretanto, as coisas não se passam tão pacificamente quando o câncer afeta personalidade pública de grande presença midiática. Esse é o caso do ex-presidente Lula, figura dominante da política nacional nos últimos anos. Sobre a atuação política dele existe uma enormidade de coisas ditas e escritas de modo que, estando doente, o que mais interessa é a doença e nada mais.

O ex-presidente sofre de câncer na laringe, tumor maligno que os médicos afirmam ser e média agressividade. Também dizem ser grande a possibilidade de cura, para isso tendo já se iniciado a quimioterapia. Ao ex-presidente, homem que fala pelos cotovelos, impõe-se período de silêncio, economia de voz e repouso. O ex-presidente está doente, no momento em tratamento, isso é tudo. Desejamos que se recupere e ponto final.

Mas, assim não pensa um grande número de pessoas que faz uso de redes sociais e outros meios para desejar o pior ao ex-presidente. Essas pessoas veem no câncer uma ótima possibilidade de Lula se afastar de vez da política, talvez até perdendo a voz, quem sabe morrendo. Daí essas tais pessoas que não engolem o ex-presidente de jeito nenhum saborearem o câncer que o afeta, achando-o muito benvindo. Dessa posição contrária à cura total do ex-presidente resultam textos e textos publicados, todos eles mostrando indignação contra as pessoas que não querem nem ouvir falar na superação de Lula em relação ao câncer que o afeta.

E agora? São más as pessoas que torcem para que o câncer de Lula não evolua bem? A resposta a essa pergunta parece óbvia, mas, se pensarmos bem, não é tão simples assim. Em primeiro lugar existe o fato de que o ex-presidente, mesmo com sua inegável aprovação pelo povo brasileiro manifesta em várias pesquisas, seguramente conta com significativa parcela popular que de fato não o quer bem. Aliás, para isso contribuiu muito ele mesmo, justamente pelo seu perfil atirado e inegável prática do populismo.  Existe, sim, não há porque negar, expressivo contingente de brasileiros que adorariam ver o ex-presidente fora da política. Dentre esses não é nem um pouco demais esperar-se que uma parcela menor odeie o ex-presidente e deseje a ele as piores coisas, entre as quais uma péssima evolução do câncer que afeta a sua laringe.

Não será esse o ponto de vista da maioria do povo brasileiro que gosta muito de Lula. Então, lembrando-se sempre de que a internet tem servido à exposição de revoltas e ódios em relação ao que quer que seja, não há que se ficar condenando aos que querem mal a Lula. Na verdade a pergunta que se impõe é justamente a que se refere à importância que jornais e outros meios de divulgação estão dando a esse ódio, algo esperado e que não poderia mesmo ser de outra forma.

O ex-presidente está doente e em tratamento e isso é tudo. Como dito anteriormente, torcemos pela recuperação dele. O mais não passa de conversa, pura conversa que deve ser ignorada.

Escrito por Ayrton Marcondes

3 novembro, 2011 às 12:22 pm

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O dia de finados

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“O trânsito engarrafado nas ruas próximas a cemitérios e a exploração dos comerciantes de flores, que cobravam preços muito acima da tabela fixada pela SUNAB, foram as maiores dificuldades que os cariocas enfrentaram ontem para reverenciar os mortos. A frequência foi maior nos cemitérios da Zona Norte, nos quais, entretanto, era mais reduzido o número de flores levadas aos túmulos e sepulturas. Na Zona Sul, muita gente preferiu aproveitar o dia de calor intenso para ir ao banho de mar.”

A notícia acima, que poderia perfeitamente adaptar-se ao dia de hoje, foi publicada na edição do dia 03/11/1967 do extinto jornal “Última Hora”. As pessoas iam aos cemitérios como vão hoje e certamente continuarão a ir, no futuro. Passados 44 anos desde o dia da publicação da notícia acima o mundo continua redondo e girando do mesmo modo. O Brasil já não é o mesmo daquela época, a ditadura militar então vigente duraria até meados dos anos 80 e a democracia republicana seria instalada para sobreviver, mal e bem, até os dias atuais.

A diferença marcante entre os finados de 1967 e o de hoje está gravada nas lápides de túmulos e sepulturas:  grande parte das pessoas que foram homenagear aos mortos no ano de 1967 hoje estão enterradas, merecendo a visita e lembrança de pessoas queridas. Do que se conclui que os homens passam, a vida passa e o mundo segue em sua linha irreversível de noção de eternidade.

Finados é um bom dia para não se pensar na morte propriamente dita, mas na vida e a duração dela. De repente - e surpreendentemente – observa-se que o tempo passou e toda aquela juventude acompanhada de seus arrivismos cedeu lugar a movimentos mais lentos e estudados, nascidos da abdicação muscular à força que desfrutavam antes. Envelhece-se devagar e maciamente, irreversivelmente. A cada dia deixa-se para trás algo que foi muito importante ao seu tempo, mas que agora torna-se distante apesar de suas prováveis e duradouras consequências. De repente - é sempre importante frisar esse “de repente” – está-se envelhecendo e, finalmente, velho. Aquele vaso de plantas que se levantava com facilidade, as malas de viagem carregadas até com desdém, o movimento febril das pernas que impulsionavam balanços estapafúrdios ao corpo, para onde foi a espontaneidade da juventude que em algum ponto da trajetória foi perdida irreversivelmente?

Então, está certo: finados é mesmo um bom dia para se pensar na vida e na duração dela. Não é data para que passemos a nos preocupar com o fim, mas sim de como viver bem o tempo que nos falta até chegar a ele.  Nada de olhar para as lápides dos nossos ancestrais e nos imaginarmos mais perto ou mesmo em meio a eles, transformados em nada mais que um nome inscrito numa pedra com datas de começo e fim da vida. Na verdade a lápide com o nosso nome inscrito não nos interessa porque então teremos deixado de ser e sabe-se lá o que há depois da vida, se é que realmente existe algo nos esperando depois.

Minha mulher tem uma amiga que diz que no dia de finados os espíritos estão livres e em festa. Não sigo o mesmo credo da amiga da minha mulher, mas gostaria muito que as coisas se passassem bem do jeito que ela diz: espíritos livres e em festa. Quem sabe, assim, meus pais e irmãos já mortos poderiam passar esse dia contentes e em ambiente festivo, possuídos pela alegria de quem já não precisa da vida para existir. Não sei dizer como isso seria possível, mas se o credo da amiga de minha mulher garante que é assim, por que duvidar?

E volto ao trânsito do dia de finados, em 1967. Imagino o calor no Rio, as pessoas paradas nas ruas ou em cemitérios, outras dando as costas ao dia e preferindo o sol e o mar. Muitas daquelas pessoas estão vivas, muitas outras já morreram e não me dói nada constatar que a mesma coisa esteja a se repetir no dia de hoje, enquanto me sinto eterno e olho para a cidade silenciosa que desperta para mais um dia de finados.

O perigo do trânsito

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Hoje em dia ninguém sai de carro por aí com a certeza de que nada lhe acontecerá. De um simples esbarrão a acidente mais grave, até com perda de vidas, tudo pode acontecer. A loucura no trânsito é generalizada: todo mundo precisa chegar o mais rápido possível a lugar de interesse de cada pessoa e as rotas de ir e vir convergem de tal modo que muitas ruas ficam paralisadas com filas intermináveis de carros.

Mas, o trânsito tornou-se problema desde quando? Há quem diga que desde o momento em que as pessoas precisaram e puderam utilizar veículos como meio de transporte. De ruas lamacentas e com menos veículos à situação que hoje presenciamos o problema que tem atravessado décadas não sendo possível encontrar-se solução a contento.

O fato é que as estatísticas relacionadas a acidentes de trânsito são impressionantes, senão aterradoras. Mortes e mais mortes acontecem diariamente. Segundo dados do Ministério da Saúde em 2010 ocorreram 40.610 mortes provocadas por acidentes de trânsito no país, média de 111 por dia. Esses números de fato impressionantes representam um acréscimo de 8% em relação ao número de mortes pela mesma causa ocorridos durante o ano de 2009.

Embora a fiscalização seja importante a verdade é que nenhuma nova lei proposta nos últimos tempos mostrou-se efetiva para reduzir o número de acidentes e mortes. Veja-se, por exemplo, no que se transformou a questão da pontuação dada às carteiras de habilitação em função de infrações do código de trânsito. A somatória de multas transformou-se numa muito rentável forma de arrecadação para empresas concessionárias e municípios e nada mais que isso.

Problema grave o trânsito gera medidas que procuram regulamentar a direção de veículos. Uma delas é a chamada “Lei Seca” que vem sendo tratada como espécie de balela dado que, pela Constituição do país, ninguém é obrigado a criar provas contra si mesmo. Entretanto, nos últimos tempos o número de mortes por atropelamento tem crescido muito. Quase que diariamente circulam notícias sobre acidentes horríveis nos quais os motoristas envolvidos estão alcoolizados e figuram pedestres como vítimas fatais. Decorre da pressão em torno desses acontecimentos uma revitalização de blitz em busca de motoristas alcoolizados. Não é possível saber a eficiência geral dessa medida, mas, em todo caso, algo precisa ser feito.

A questão do trânsito é desafio que precisa ser domado e vencido pelas autoridades. A grande produção de veículos pela indústria e as facilidades para compra a prazo têm trazido para as ruas um enorme contingente de veículos. Já não se dispõe de lugares fáceis para estacionar e o trânsito piora muito nas horas de pico, mesmo em cidades menores.

É importante sempre se manter em perspectiva a contribuição da educação básica para minorar o problema do trânsito. Educação alia-se à responsabilidade individual, ao cumprimento dos deveres do cidadão. Daí campanhas educacionais relacionadas ao trânsito serem sempre benvindas e muito necessárias. A conscientização de crianças, ainda nos bancos escolares, em relação ao trânsito seguramente terá frutos quando esses menores se tornarem motoristas. Quem sabe, então, deixaremos de assistir a tantas mortes de jovens colhidos de surpresa durante investidas em alta velocidade nas ruas de nossas cidades.