2012 fevereiro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para fevereiro, 2012

Medo de raios

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Quando menino soube do caso de um homem que morreu ao abrir a porteira de entrada do sítio onde morava. Chovia muito e ele foi atingido por um raio que caíra na cerca de arame farpado. Ficou ali, no chão, debaixo de uma chuva tremenda, o cavalo, solidário, em pé ao lado dele, guardando-o. Foi assim que o acharam. Eu conhecia o homem que era freguês do negócio de meu pai. Até hoje me lembro do enterro dele: passou pela frente de minha casa um caixão de madeira, levado por algumas pessoas, seguido por um punhado de gente circunspecta. Naquele tempo os velórios aconteciam nas casas das famílias dos mortos.

Bem defronte à cozinha de nossa casa, na rua, havia um enorme transformador da Companhia Sul-Mineira de Eletricidade. As tempestades eram frequentes e raios caiam no transformador que os atraia. Aquilo virava um espantoso centro de faíscas e estrondos repetidos. Meu irmão e um primo adoravam ver a cena do transformador exaurindo-se e resistindo à tormenta. Eu, pequeno infante, me escondia com medo de algo fantástico demais para o meu modo de ver as coisas.

Cresci com essa ideia de que as tempestades são perigosas, os raios piores ainda. Depois, fui me esquecendo dos raios quem sabe por que nas cidades existam tantos pára-raios que os engolem. Até que, ultimamente, voltou-se a falar em grande número de raios. No mês de janeiro, por exemplo, durante uma tempestade em nossa cidade, contaram-se mais de 100 raios.

O problema é que as pessoas não se preocupam com raios, daí as notícias sobre mortes de gente atingida por eles. Raio é coisa que cai na cabeça dos outros, nunca na gente porque seria azar demais – esse o modo de pensar. Recentemente, aqui no litoral, um rapaz foi morto por um deles. Chovia e o rapaz andava junto com o pai dele na orla da praia quando foi atingido. Morte instantânea, tal a força da descarga elétrica que o subjugou. Há pessoas atingidas enquanto tomam banho de mar durante tempestades etc.

Bem, para quem não sabe o Brasil é o país onde mais caem raios em todo o mundo, o dobro do número verificado nos EUA, por exemplo. A média de mortes por raios em nosso país é de cerca de 130 ao ano, sendo que 30% desses acidentes ocorrem na região Sudeste. Segundo informa o INPE/ELAT no Brasil cerca de 70% dos desligamentos na transmissão elétrica e 40% na distribuição são provocados por raios.

Mas, falo sobre raios porque me tornou à memória aquele João que vinha lá dos confins do Mato Grosso, matador de aluguel, daí ser mais conhecido como João Serpente. O que os mais velhos de minha família contavam é que esse tal Serpente fora contratado por um homem para matar o irmão dele devido a disputa por herança de muito dinheiro e posses. E o Serpente veio pelos caminhos do mundo até aproximar-se do lugar onde cometeria o crime para o qual se dispusera. Chegou ele num dia de chuva e acocorou-se no mato, bem na curva por onde passaria o irmão que ele mandaria para o outro mudo. E eis que a chuva apertou, trovões soaram e relâmpagos cortaram o céu. Ainda assim, aquele que seria morto apareceu no caminho. Era fim de tarde, chovia muito e vinha aquele que ia morrer sentado em seu cavalo. No que o viu o Serpente engatilhou a arma e, ao tê-lo sob mira, preparou-se para disparar. Mas, não o fez porque nesse exato momento um raio que se acredita mandado pelo próprio Deus atingiu-o em cheio, matando-o. Foi esse o fim do famoso João Serpente que cruzou vasta distância para vir morrer em ação.

Menino eu ouvia sobre o fato de que existem raios justiceiros, enviados para punir aqueles que praticam o mal. Mas, nem isso lograva me tornar admirador de raios, coisa que até hoje não sou. E para quem não teme raios recomendo uma visita ao site do INPE/ELAP. Nele o interessado ficará sabendo que ontem, 09/02, um homem morreu ao ser atingido quando estava na varanda de casa dele, em Cuiabá, um rapaz morreu atingido na Zona Leste de São Paulo, no dia 31 do mês passado 22 vacas morreram pela mesma razão…

Eu tenho medo de raios.

Passado vivo

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Não há como, o passado muitas vezes se recusa a morrer. Bem guardado em caixa forte, trancado a sete chaves, ainda assim certos acontecimentos deixam rastros, ligações que não permitem a eles repousar para sempre no silêncio e esquecimento.

Nos últimos dias um desses casos cuja memória sobre eles não se apaga retornou às manchetes: o fotógrafo que tirou a foto de Herzog enforcado numa corda foi entrevistado e declarou que o suicídio então divulgado não passou de armação. De que Herzog não havia se suicidado não existiam dúvidas embora não se pudesse provar que fora morto pelas forças de repressão. Agora, o fotógrafo entra em cena, anos depois, e sai de seu isolamento nos EUA para contar sobre o dia em que foi levado para fotografar Herzog morto.

Outro caso atravessado na garganta dos brasileiros e jamais esquecido é o acontecido no famoso jogo entre as seleções da Argentina e do Peru na Copa de 1978. A vitória da Argentina por 6 a 0 deixou o Brasil fora da final. Como se sabe a Argentina terminou a Copa como campeã mundial ao vencer a Holanda, fato que serviu como instrumento de promoção à ditadura do país então sob o comando do ditador Jorge Videla. As suspeitas sobre o arranjo sempre existiram, sendo que, em 1998, o goleiro do time peruano, Quiroga, admitiu a farsa.

Agora vem a público o depoimento de um ex-senador peruano, Genaro Ledesma Isquierda, no qual ele afirma que a partida de futebol foi ligada a um acordo político entre as ditaduras da Argentina e do Peru. Tratava-se a chamada “Operação Condor”, acerto entre as ditaduras militares sul-americanas no sentido de eliminar opositores. Videla teria recebido 13 opositores peruanos que passaram à condição de prisioneiros de guerra na Argentina. Em troca o ditador argentino exigiu de seu colega peruano a vitória de sua seleção no jogo contra o selecionado do Peru. Isquierda era um dos prisioneiros e relata que o destino dele e dos demais seria o de ser morto, lançado de um avião nas águas do mar. Entretanto, isso não aconteceu devido à pressão das organizações de direitos humanos que pressionaram a Argentina no sentido de libertá-los. Foi assim que os peruanos foram tirados de Buenos Aires, com passagens pagas pelo governo francês.

Quanto ao futebol em si o fato é inesquecível. A Argentina e o Brasil chegaram à mesma fase da Copa empatadas em número de pontos. O Brasil jogou com a Polônia e venceu por 3 a 1. Para se classificar a Argentina deveria vencer o jogo com o Peru, alcançando um saldo maior de gols. E veio o 6 a 0 para desconforto e tristeza dos torcedores brasileiros.

Ouvi os dois jogos pelo rádio. Os gols da Argentina e a incapacidade de reação do Peru davam-nos nos nervos. O quarto gol argentino foi um martírio. Ninguém entendia como uma equipe, seleção nacional peruana, podia dar-se ao luxo de um vexame daqueles. Mas, quem viveu aquele momento não esquece. Assim, como é impossível esquecer a absurda morte de Vladimir Herzog e as consequências que acabou tendo.

Crise na Bahia

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Ah, Salvador! Inesquecível o dia em que vi a cidade pela primeira vez. Emocionante. Desembarquei no aeroporto e peguei um táxi até a estação rodoviária. Minha missão era viajar para o interior, região de Canudos, o sertão. Aconteceu que na rodoviária fui informado de que o próximo ônibus sairia só às sete da noite. E estávamos num tarde de sol, dia e tanto de muito calor…

Deixei a maleta num guarda-volumes e decidi dar uma volta pela cidade. Pensei num táxi, desisti e tomei um circular. Foi demais. Desci na Praça Castro Alves, maravilhado com a beleza do mar lá embaixo. Andei pelo centro, passei pelo Terreiro de Jesus, conheci o Pelourinho e, depois, fui à Cidade Baixa pelo elevador Lacerda. Internei-me no Mercado Modelo e já ia me perdendo da hora quando reparei que, em meu enlevo pela cidade, ia me esquecendo das 7 horas da noite em que o meu ônibus partiria da rodoviária em direção ao sertão.

Isso foi há muito tempo. Achei Salvador um lugar lindo, de múltiplas culturas, apaixonei-me instantaneamente pela cidade e guardei, daquele dia, funda e agradável impressão em meu espírito. Depois disso voltei outras vezes a Salvador, a última há cerca de dois anos quando encontrei a cidade metida em ares de abandono, particularmente o centro, o adorável Pelourinho e região próxima a ele.

Salvador, primeira capital do Brasil, Salvador governada por Tomé de Souza, Salvador invadida pelos holandeses, Salvador de tantas revoltas e muita história! Eis que vejo a cidade nos noticiários que já correm o mundo, criminalidade em alta, greve de policiais militares que toma contornos de absurdo e passa a exigir rápida solução. Os policiais invadem o prédio da Assembleia Legislativa que é cercado por militares do exército. Há confrontos, bombas de efeito moral e balas de borracha são atiradas. Multidão de repórteres em plantão permanente, o governador a chamar de bandidos aos grevistas o que causa estranheza à opinião.

Vejo imagens da Salvador convulsa na televisão. Lojistas reclamam dos prejuízos, ainda mais nessa época do ano, dias antes do carnaval: há que se dizer que a Bahia é carnaval, é festa é trio elétrico, é gente rodando na pipoca. Dá tristeza ver essa Salvador insegura, estremecida, ameaçada.

Fecho os olhos, estou de novo seguindo em direção ao elevador Lacerda, vejo lá embaixo o mar banhando pelo sol de fim de tarde no qual repousam inúmeras embarcações e deixo de me interessar por essa greve que desencanta, faz-nos perder a confiança nos homens que nos governam e tanto nos entristece.

Viagem espacial

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A NASA acaba de divulgar as fotografias mais nítidas da Terra tiradas do espaço. Numa delas vê-se continentes e o oceano azul com manchas brancas. O registro é um mosaico de fotos feitas em seis órbitas do satélite Suomi NPP.

Outro dia assisti à entrevista de um astronauta que esteve na Lua. Ele falava com emoção de sua viagem ao espaço e, embora já idoso, dizia-se apto a retornar ao satélite. Segundo ele a Lua é um lugar muito lindo e que merece ser visitado.

Não sei se o leitor já foi acossado pelo desejo de ver a Terra (ver-nos) do espaço. Lembro-me de que quando Neil Armstrong pisou pela primeira vez o solo lunar muita gente não acreditou, achando que se tratava de mais uma armação dos norte-americanos. Mas, ficamos diante da televisão preto-e-branco, assistindo àquele que foi definido pelo astronauta com um grande passo para a humanidade.

Depois vieram outras viagens espaciais, alguns acidentes e agora a notícia da suspensão temporária dos voos patrocinados pelo governo norte-americano. Entretanto, muita gente não perde a esperança de um dia participar de uma viagem espacial para poder observar a Terra do espaço. E isso está para acontecer, talvez em dezembro deste ano: uma companhia comercial está vendendo passagens para um voo no qual, inclusive, os passageiros poderão experimentar a ausência de gravidade. Existe uma fila de mais de 450 pessoas interessadas na viagem espacial. A passagem está sendo vendida por R$ 400 mil e não há vagas para o voo previsto para dezembro.

Não sei se teria coragem para tanto, isso sem falar no custo do passeio. Recentemente num voo entre os EUA e o Brasil o avião passou por zona de trepidação muito forte e pessoas ficaram feridas. Os passageiros falaram depois sobre o horror dos momentos em que acharam que poderiam morrer. Agora, imagine você uma pane qualquer, por menor que seja, numa nave em viagem espacial…

Por outro lado, quão fantástica e desafiante a oportunidade de sairmos do planeta e ver a nossa Terra de fora. A vida vale por certos momentos, alguns deles muito raros e inesquecíveis. Certamente uma viagem especial está entre esses momentos.

Quanto ao dinheiro da passagem, que não se percam as esperanças. Os promotores da viagem esclarecem que a coisa está só começando, daí o preço elevado. Entretanto, calculam que em poucos anos viagens desse tipo se tornarão rotineiras e o preço das passagens cairá bastante. Portanto, ao espaço.

Sósias e afins

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O escritor norte-americano Ernest Hemingway (1889-1961) recebeu o prêmio Nobel de literatura em 1954, após a publicação do livro “O velho e o mar”, em 1952. Hemingway é sempre lembrado por seu espírito aventureiro, tendo vivido em Paris nos anos 20 quando fez parte da “Geração Perdida” – alcunha dada por Gertrud Stein – e participado como correspondente da Guerra Civil Espanhola, em 1937. “O velho e o mar” deu a Hemingway o prêmio Pulitzer, em 1953, mas o escritor tem outros livros importantes como “O Sol também se levanta” e “Por quem os sinos dobram”.

Hemingway suicidou-se em 1961. Estava doente e deprimido. Sofria de hipertensão, diabetes e acusava perda de memória. Repetiu o ato de seu pai, que também se suicidara. Hemingway atirou contra si mesmo utilizando um fuzil de caça. Mas, deixou atrás de si uma enorme legenda da qual faz parte o festival anual “Hemingway Day” no qual se celebra a memória dele. O festival é realizado na cidade de Kay West, na Florida, local em que escritor viveu na década de 30 e onde escreveu algumas de suas obras. Entre as festividades que fazem parte do festival está o famoso concurso de sósias de Hemingway que, anualmente, tem um vencedor. As fotos dos concorrentes sempre impressionam pela semelhança com o festejado escritor.

Personalidades públicas que se tornaram muito famosas não raramente despertam legiões de seguidores, muitos deles dedicando-se a assemelhar-se cada vez mais àqueles que idolatram. No caso de Hemingway é realmente espantoso o número de participantes que, ano após ano, aparecem em Key West para concorrer ao título de sósia. Enfim, existem sósias de muita gente, bastando-nos lembrar dos que apresentam alguma semelhança física com o falecido cantor Elvis Presley, vestindo-se como ele, imitando-o, e por aí vai.

Deixando de lado as razões pela qual uma pessoa, pelo menos temporariamente, busca a emoção de parecer-se integralmente com alguém a quem admira, observam-se casos em que a idolatria ultrapassa a personagem do ídolo e abarca, por vezes, toda uma atmosfera ficcional. Esse é ocaso do norte-americano Tony Alleyne, um fanático por ”Star Trek”. Tony reformou seu apartamento transformando-o num similar da Voyager, com todos o detalhes da nave utilizada pelos personagens de “Jornada nas Estrelas”. Para isso, Tony gastou US$ 150 mil, quantia bastante respeitável.

As coisas foram bem até a pouco tempo para o Tony. O problema é que o dinheiro para a criação da Voyager foi da mulher dele, de quem se divorciou em 1994. Desde então corria processo na Jjustiça que terminou agora, sendo decidido que a ex-esposa passou a ter direito à venda do apartamento. A vingança da ex-mulher foi terrível para Tony: ela destruiu a réplica da nave Voyager que o ex-marido tanto adorava.

Assim, colocou-se um ponto final na trajetória do fanático que, segundo se informa, morava num lar nerd, com móveis futuristas, sistema de luz com comando de voz e um quarto que lembrava um transportador. Assim, Tony Alleyne perdeu o seu bem mais valioso do qual só pode, a partir de agora, lembrar-se através de fotografias.

 

Roubo de medicamentos

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Numa sociedade em que o crime integra majoritariamente o cotidiano impõe-se o estabelecimento de uma hierarquia moral de delitos. Não se fala de graus de crimes e penas previstas para cada um deles. Está-se ponderando sobre ações criminosas cuja extensão desafia os já esgarçados limites do bom senso.

Ontem foi preso, em São Paulo, um bando de criminosos cuja prática consiste em roubar medicamentos de hospitais públicos e particulares, desviando-os para vendê-los a preços inferiores aos praticados no mercado.  Trata-se de medicamentos utilizados para tratamento de câncer, subtraídos de hospitais. Ocorre que tais medicamentos têm preços elevados, um deles custando R$ 8000,00.  Estabelece-se, assim, uma rede que se inicia com a participação de criminosos que trabalham em hospitais e os receptadores que repassam os produtos a interessados que os adquirem em operações sem nota fiscal.

Eis aí um tipo de ação tanto e talvez mais inaceitável que outras, se é que se torna lícito fazer esse tipo de afirmação. Mas, a ação é profundamente revoltante na medida em que compromete o tratamento de doentes cujo mal tem grandes consequências, entre elas a da própria morte.

Quem já teve ou tem a infelicidade de ter na família alguma pessoa com câncer sabe que diagnóstico precoce e tratamento adequado são fundamentais para que se obtenham bons resultados. Impedir que isso aconteça por roubo, deixando deontes que não têm condições de comprar os medicamentos à própria sorte é mais que um crime, é brutal, desumano demais.

É de se perguntar que tipo de pena deve ser atribuída a malfeitores envolvidos com esse tipo de crime.  Certamente eles merecem o que de pior se possa aplicar em termos de punição. Ontem ouvi um repórter dizer que a esse tipo de crime deveria ser aplicada a pena de morte que, lamentava ele, não existe no Brasil. Apesar de ser contra a pena de morte eis aí um caso que me põe a pensar porque a desumanidade do crime cometido é grande demais.

Segundo dados publicados os bandidos que roubam remédios, além do mal que fazem aos doentes de câncer, são responsáveis por um prejuízo de R$ 10 milhões em apenas seis meses. O esquema era comandado de dentro de um presídio. Ontem foram presos funcionários de três hospitais e oito pessoas suspeitas. Nas casas de algumas dessas pessoas foram encontradas dezenas de caixas de remédios de alto custo, afora oito carros de luxo de R$ 34 mil.

Prática hedionda a do roubo de medicamentos.

Cartas de Cortázar

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Quando acompanhamos e admiramos a obra de um escritor sempre existe a curiosidade de vê-lo de perto, algo muito próximo à tietagem, senão a própria. Talvez por isso entrevistas ou a publicação de documentos pertencentes a determinado escritor nos atraiam tanto. O que se busca é a chave do enigma estabelecido entre o escritor e o leitor através dos livros.

Entre os escritores latino-americanos mais festejados está o argentino, nascido na Bélgica, Julio Cortázar cujos livros, traduzidos para o português, passaram a fazer parte do imaginário dos leitores brasileiros. Há o Cortázar romancista que publicou “O Jogo da Amarelinha” e há o contista a quem devemos muitas histórias surpreendentes e saborosas.  De minha parte sempre preferi o Cortázar contista, particularmente o livro “Todos os Fogos, o Fogo”, trabalho no qual o escritor nos conduz aos limites de uma técnica narrativa peculiar com histórias nas quais o panorama fantástico muitas vezes aparece.  Trata-se de um livro ao qual o leitor sempre acaba voltando para reler e encontrar novidades. Recentemente, reli o conto “A Saúde dos Doentes” narrativa formidável na qual a trama consiste no ocultamento da morte entre os membros de uma família a ponto de as personagens agirem como se de fato pessoas mortas continuassem vivendo. O diálogo que se estabelece com o absurdo de uma situação difícil de sustentar prende o leitor até a última linha, após a qual permanece a sensação de um vazio a completar porque o que se leu diz respeito ao nosso modo de ser, aos comportamentos que temos em nosso cotidiano familiar.

Certa vez ouvi de um crítico literário - ele conheceu pessoalmente Cortázar e escreveu sobre a obra dele – que “ao vivo” o escritor argentino complicava-se com coisas simples, por exemplo, pedir um cafezinho no bar de um aeroporto. Desde então ficou-me de Cortázar a imagem de um homem além das pequena coisas, imerso em mundo um tanto irreal de onde extraia as suas histórias.

Agora, os leitores de Cortázar terão a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o escritor que tanto admiram. A Editora Alfaguara acaba de lançar, em espanhol, o livro “Cartas de Cortázar” que reúne cartas escritas pelo escritor no período entre 1937 – então era professor recém-formado em Buenos Aires - e 1984 – pouco antes de sua morte. Através das cartas pode o leitor aproximar-se mais da personalidade do escritor e conhecer detalhes sobre a realização de suas obras.

Não há data definida para lançamento em português, esperando-se o interesse das editoras brasileiras pela publicação do livro. De todo modo aguarda-se com grande expectativa a chegada de “Cartas de Cortázar”  que certamente será de agrado de inúmeros leitores.