Arquivo para maio, 2012
Toque de recolher
A menção a “toque de recolher” sempre me remete ao filme “Missing” no qual o ator Jack Lemmon faz o papel de um pai que vai ao Chile procurar pelo filho, morto pela ditadura. O “toque de recolher” na cidade de Santiago é mostrado no filme com toda a dramaticidade possível, envolvendo pessoas em trânsito que não conseguem chegar a tempo em casa e veem-se obrigadas a procurar refúgios até a manhã seguinte. Após a hora marcada para o início do “toque de recolher” ninguém pode ficar nas ruas sob-risco de defrontar-se com soldados dispostos a tudo, circulando em todas as direções nos jipes do exército.
Talvez essas imagens tenham ficado gravadas na memória porque, tempos depois, conheci um chileno, então radicado em São Paulo, que viveu em Santiago ao tempo do início da ditadura de Augusto Pinochet. Como se sabe o socialista Salvador Allende, então presidente da República, foi sitiado por tropas militares no Palácio de La Moneda e consta que tenha se suicidado para não se entregar. Iniciava-se um triste período na história chilena, com perseguições, mortes e toda sorte de crimes contra cidadãos comuns. O fato é que o chileno, de cujo convívio privei durante algum tempo, contou-me sobre os horrores daqueles dias em que as pessoas eram levadas o Estádio Nacional, sendo que de muitas delas não restaram notícias.
De todo modo o “toque de recolher” consiste em ordem decretada pelas autoridades proibindo que pessoas permaneçam nas ruas após determinada hora. Trata-se de prática utilizada em períodos de guerra ou até em algumas cidades que através de decreto determinam o recolhimento de menores às suas casas em horas avançadas da noite.
Entretanto, existe, ainda, outro “toque de recolher”, esse determinado por criminosos que assumem temporariamente o controle da situação. Há que se lembrar o grande ataque do PCC (Primeiro Comando da Capital) à cidade de São Paulo que obrigou milhares de pessoas a recolherem-se às suas casas, deixando as ruas da capital completamente vazias em dia normal de trabalho. Era como se uma grande bomba estivesse pra explodir e as pessoas faziam o possível para deixar seus locais de trabalho. Notícias desencontradas corriam para todo lado e a população tratou de salvar-se de uma hecatombe que, afinal, não existiria.
Bem, ontem houve outro “toque de recolher” determinado por criminosos, dessa vez restrito à Cidade Tiradentes, zona leste da capital. Reagindo a mortes de criminosos pela polícia, criminosos determinaram o fechamento de lojas, postos de saúde, escolas, terminais de ônibus, igrejas, creches etc. A ordem era fechar as portas e não permanecer ninguém nas ruas coisa de fato aconteceu.
Embora os desmentidos o fato é que mais uma vez criminosos mostraram sua força contra cidadãos estarrecidos e obrigados a cumprir ordens de um poder paralelo que oferece perigo a quem se propor a resisti-lo.
Enfim, trata-se de novos tempos, época em que mesmo o “toque de recolher” passa a ser utilizado por criminosos, sobrepujando a noção de ordem que rege a sociedade em que vivemos.
A frequência do inesperado
O Brasil não conhece o Brasil, diz a letra de “Querelas do Brasil”. Pelo jeito talvez nunca venha a se conhecer. Por quê? Convenhamos que este seja um país no qual mesmo fatos inesperados primam por ser frequentes, desafiando a lógica dos acontecimentos.
A quem discorda disso peço a gentileza de me explicar essa história toda envolvendo o ex-presidente do STF e o ex-presidente da República, de quebra com a participação de um ex-ministro de governo. Pois esses dois homens de importância reconhecida estão envolvidos em denúncia de constrangimento para adiar a data do julgamento do mensalão. O ex-presidente do STF, Gilmar Mendes, veio a público dizer que foi constrangido pelo ex-presidente da República, Lula, para adiar o julgamento do mensalão em troca de uma ajuda para se livrar de sua ligação com Carlinhos Cachoeira. Lula apenas declarou-se estarrecido com a acusação. Já o ex-ministro, Nelson Jobim, presente ao encontro dos dois declara não ter ciência sobre o acontecido.
Disse uma repórter que se trata de situação na qual os três envolvidos ficam mal. Prefiro achar que quem fica mesmo mal é o país. Acontecimentos dessa natureza, envolvendo pessoas do primeiro escalão político e jurídico do país, escancaram, aos mortais comuns, o lado avesso das intrigas que permeiam as trocas de favores entre poderes constituídos. Fornecem, também, assunto a toda sorte de ocupados e desocupados de plantão. Pergunta-se por aí afora, por exemplo, sobre quem, afinal, está mentindo nessa história de constrangimento. No Congresso a oposição já se articula para tentar convocar o ex-presidente Lula para depor na CPI fato que certamente não virá a ocorrer. Em todo caso importa dizer que caso as coisas tenham ocorrido conforme relata o ex-presidente do STF tem-se em tela ação intolerável do ex-presidente da República.
Mas, voltemos ao começo para lembrar que neste vasto território brasileiro fatos estranhos acontecem e mesmo coisas inesperadas são muito, muitíssimo, frequentes. Claro que se está a falar sobre fatos que chegam ao conhecimento público porque dá bem para imaginar quanta coisa nos escapa nesse imbróglio que é a política brasileira, tão consumida pela corrupção.
Difícil de entender
Diariamente leio nos jornais notícias sobre a CPI do Cachoeira e o próximo julgamento do Mensalão no STF. E me pergunto justamente sobre algo que não compreendo bem qual seja a atuação do ex-ministro da Justiça como advogado de defesa de Carlinhos Cachoeira.
Debalde os jornais têm citado que o ex-ministro estava à frente do Ministério da Justiça ao tempo da investigação, pela Polícia Federal, do caso Cachoeira. Esse fato pelo menos aparentemente indisporia, sob o ponto de vista moral, o ex-ministro a atuar como advogado de defesa de Cachoeira. Mas, aí surge o presidente da OAB, afirmando que uma coisa nada tem a ver com outra porque os advogados odeiam o crime, mas amam o criminoso. A isso se acrescente que cabe aos advogados defenderem os criminosos para que a justiça venha a ser feita sem distorções.
Ah, não sei não o que exatamente dizer sobre isso. Entretanto, confesso que a cada vez que leio notícias sobre a defesa do Cachoeira fico incomodado com a presença do ex-ministro do lado de lá. Fico sempre com a sensação de que alguma coisa está fora do lugar e me pergunto se, em profundidade, não existe algo mais por trás dessa situação.
Fosse possível dar um palpite a ser seguido eu preferiria que o ex-ministro deixasse para outro advogado a missão de defender o que se configura como indefensável. Talvez essa atitude funcionasse melhor na composição do imaginário dos brasileiros para quem, a cada dia, mais indefinida parece ser a fronteira entre o bem e o mal. Mas, parece que pensar ou exigir que cada coisa esteja em seu lugar tornou-se coisa do passado, antiga e em franco desuso a ponto de ser ignorada.
Lá no alto do morro
Amigo, não sei dizer por que a memória é assim, porque de repente algo soterrado lá no meio das sinapses – existem tantas - aflora, como um naufrago que tivesse adormecido sob as águas e despertasse com lembranças de coisas que simplesmente já não importam.
Então me lembro, sem mais, sem menos, sem aviso prévio, de mim menino, dando pernas naquele caminho de morro, estrada de terra, primeiro passando medroso ao lado do portão do cemitério, depois seguindo adiante como quem vai para as nuvens, talvez para o céu. Até alcançar a última curva, suando sob o sol, já vendo o casarão que um homem de nome estranho construiu no passado, a casa onde mora um casal e o filho, ela aparentada de minha família.
Pois ela é uma loira atraente, casada com certo Zé cuja face surge agora aqui bem à minha frente, ele tão direito, tão tenaz, zeloso na educação do filho que o chamava de pai, mas que não era filho dele, mas isso já é outra história. Ela, a loira, que me recebe à porta com aquele jeito brejeiro dela e eu entrando na casa e achando tudo muito bonito, a blusa dela amarela -revejo agora quão intenso e belo era o amarelo sobre a pele dela - e o filho que corre para brincar comigo, sempre sob os olhos vigilantes do pai.
Depois as cenas no quintal que na verdade é um cercado de arame, além do qual outro cercado enorme se abre com vacas leiteiras de um branco tão uniforme que todas parecem ser uma só. São as vacas do Zé das quais ele ordenha o leite que vende na cidadezinha bem abaixo do morro.
Estamos brincando, eu e o filho, então aparece aquele outro homem saído não sei de onde e, também, não sei como percebo entre ele e a loira, a mulher do Zé, a troca de um olhar, um só olhar que decide e ordena tudo. Depois é ela indo em direção ao mato enquanto o Zé cuida das vacas e o homem, pouco depois, seguindo na mesma direção enquanto o Zé ou percebe ou finge que não percebe que a mulher dele está com outro, lá no mato, escondida e nua, a certa distância de todos nós.
Não me lembro da loira voltando, só me resta o rosto triste do Zé que só agora, nesta noite, compreendo. Mas isso tudo já não importa e fico aqui me lembrando do Zé perto das vacas, da mulher dele no mato com aquele sujeito saído não sei de onde, de algo que na ocasião não entendi direito, mas que já não importa mesmo porque todas aquelas pessoas estão mortas e eu continuo aqui, sobrevivendo, lembrando-me delas.
Dia de greve
Quem estava em São Paulo na última quarta-feira não precisa ler nada a seguir porque presenciou uma das maiores confusões já ocorridas na cidade. O recorde anunciado de congestionamento de trânsito no meio da manhã - 249 km – é apenas um dado da imensa tragédia vivida por uma população que se pergunta, afinal, o que fez de mal na vida para merecer tamanho castigo.
Metrô e trens parados pela greve decretada pelos sindicatos. Milhares de pessoas lutando, corpo a corpo, para entrar em ônibus. Multidões seguindo a pé em direção aos locais de trabalho ou na volta para as suas casas. Depredações. Pessoas enfurecidas chutando grades, portões. Trabalho intenso e impossível da polícia para conter manifestações. Filas e mais filas de veículos parados sem previsão de desenlace pra a situação. Programas de rádio com os comentários de sempre, flashes televisivos, avisos sobre a inexistência de rotas alternativas. Confusão, descalabro, desrespeito ao contribuinte que paga para que problemas de tal ordem não aconteçam.
Mas, de quem a culpa? Do governador que acusa como responsáveis um “grupelho” movido por intenções eleitoreiras? Do sindicato dos Metroviários? Da população?
Acusações e respostas brotam de toda parte. Aqui os metroviários a lembrar dos lucros do governo com o metrô e a incapacidade do sistema para atender com dignidade a população. Ali o governo a afirmar que as tentativas de acordo não foram aceitas pelos metroviários que exigiam muito mais do que tinham direito.
No fim da tarde, finalmente o acordo, nem lá, nem cá, em função do pedido dos trabalhadores e das concessões do governo. Mas, enquanto se discute, a cidade agoniza, os meios de transporte entram em colapso e a população sofre pagando o preço de tanta imprevidência.
No dia seguinte os jornais estampam declarações de ambos os lados. Cada parte culpa a outra por intransigência. Eu fico com a imagem de uma mulher parada em meio a um tumulto ocorrido perto da estação do metrô na Zona Leste. Gente correndo para todo lado, polícia atirando bombas de efeito moral, homens jogando-se contra portões fechados e ela lá, em pé, rosto sangrando, talvez se perguntando por que, afinal, as coisas têm que ser assim.
Atrás da janela
Você olha pela janela e vê outras janelas, alinhadas, arrumadinhas de outros prédios. Passa pela sua cabeça que atrás de cada janela existem pessoas, famílias com seus gozos, problemas etc. Como será a mulher que mora atrás da janela no 7º andar do prédio defronte? Moça? Velha? Solteira, casada, separada? Você se pergunta sobre isso e então se dá conta de que talvez atrás daquela janela exista alguém pensando em quem está atrás da janela do seu apartamento, enfim cismando sobre quem poderia, afinal, ser você.
E se você tivesse que dizer a ela quem você é o que escolheria para apresentar-se? Será que ela estaria se perguntado se atrás da janela do 7º andar do prédio em frente ao dela – justamente a sua – mora um homem ou uma mulher? Moço(a) ou velho(a)? Solteiro (a) casado (a)? Ou talvez ela - mas, quem disse que se trata de uma mulher? - não esteja interessada em saber de nada porque passa por fase em que tudo está de ponta cabeça e a vida perdeu o sentido?
Mas, hora da verdade. Não finja porque você sabe muito bem que o morador atrás da janela do 7º defronte é uma moça que todo dia chega às 7 horas da noite. Não só e moça como bonita e abre a janela, achando, talvez, que olhos intrusos não estão ligados nela. Mas, você está e espera, todo dia, pela chegada dela, sabendo que ela vai se trocar, vestir-se com algo mais confortável, dessas roupas que usamos para ficar em casa.
Você espera, ansioso, pela chegada dela. Por isso, sempre dá um jeito de trancar-se no seu quarto para que ninguém o surpreenda com de olhos pregados na vizinha do prédio da frente.
De certo modo essa rotina de voyeurismo conforta o seu espírito. Pena que tudo se passe apenas na sua cabeça porque, desde que aconteceu o acidente, você não sinta nada da barriga para baixo. É uma dureza essa vida de deficiente físico, sentado o dia todo no carrinho. Mas, até que você já está se acostumando, ainda mais agora que já se aproxima a hora da chegada da moça e o seu coração está aos pulos dentro do peito.
A confissão da Xuxa
Constrangedor o depoimento de Xuxa no ”Fantástico”. Afinal, a quem interessa a confissão de que ela foi abusada sexualmente da infância até os 13 anos de idade? E por pessoas diferentes? Que talvez por isso não consiga se casar?
Xuxa contou sobre o abuso por vontade própria ou porque a isso foi compelida pela turma do “Fantástico”? Não se sabe até onde vão os limites das celebridades. De um lado a pessoa célebre ignorando sua privacidade, talvez achando que, na sua condição, deva compartilhar tudo a seu respeito com seus admiradores. Trata-se de coisa do tipo “já não pertenço só a mim” daí ser preciso abrir com o público até mesmo meus traumas e neuras. De outro o público esfaimado, correndo atrás da novidade, do fato espúrio, da comprovação de que se algo de acontece até com uma celebridade que dizer com as pessoas comuns.
Não consigo imaginar como terá sido a manhã seguinte de Xuxa após abrir-se em cadeia nacional sobre assunto tão íntimo. Ela sentou-se num divã e confessou ao público suas mazelas. Emocionou-se, chorou. Talvez estivesse se exorcizando de algo que a atormentava durante toda a vida.
Lembrei-me do Paulo Francis que arranjou uma encrenca danada por criticar violentamente Tônia Carrero, grande atriz do teatro brasileiro. O artigo de Francis, intitulado “Tônia sem peruca” saiu no “Diário do Rio de Janeiro” no dia 17 de outubro de 1958. A espinafração foi tanta que o ator e diretor italiano Adolfo Celi, então marido de Tônia, saiu no braço com Francis. Mas a encrenca foi grande e ocupou muito espaço na mídia da época.
Mas, o que tem a ver o artigo de Francis com a confissão de abuso sexual sofrido por Xuxa? Aconteceu, muitos anos depois, de perguntarem a Paulo Francis sobre os acontecimentos de 1958. O jornalista respondeu que, na ocasião, faltou a ele a ação e opinião de um bom editor. Se o editor do jornal tivesse segurado o artigo sobre Tônia e perguntado a ele, no dia seguinte, se queria mesmo publicar aquilo, ele, então de cabeça fria, não teria publicado.
Não vou aqui dizer que Xuxa foi vítima do “Fantástico”. Mas o programa deve ter lá seus editores e responsáveis. Será que eles, depois de gravadas as declarações de Xuxa perguntaram a ela, no dia seguinte e de cabeça mais fria, se queria mesmo dividir com a sociedade de consumo uma história terrível que só a ela pertence?
Em todo caso há que se ressaltar a opinião de analistas que veem coragem no ato de Xuxa e afirmam que sua revelação auxilia a campanha contra os terríveis abusos contra crianças.
Sexo casual
Aconteceu em Munique, Alemanha. Um homem chamou a polícia para livrar-se de uma mulher que exigia dele mais sexo. Ele, 43 anos e ela, 47 anos, conheceram-se num bar. Depois de umas e outras concordaram em ir a casa dela para a prática de sexo. Conta ele ter feito sexo com a mulher por várias vezes, até que se cansou. Entretanto, ela queria mais… Desacoroçoado e intimidado ele refugiou-se na varanda e pediu socorro à polícia. Agora a mulher pode ser processada por cárcere privado etecetera e tal.
Sites que tratam de sexo apontam vantagens e desvantagens do sexo casual para mulheres, mas nada falam sobre vantagens e desvantagens para os homens. No caso das mulheres cita-se como vantagens a livre escolha, o fato de ela experimentar mais e preocupar-se com o próprio prazer e não o do parceiro. As desvantagens ficam por conta do perigo de tratar-se de um homem anormal e o fato de mulheres que praticam sexo casual serem mal vistas. Isso sem falar na possibilidade do sentimento de culpa no depois do ato.
Bem, para o homem, pelo visto não existem desvantagens, pelo menos não se fala sobre isso. Mas, se não existem como classificar a situação desse alemão de Munique que se viu nas mãos de uma ninfomaníaca? E que dizer de surpresas como uma gravidez indesejada?
Meus amigos, o fato é que o alemão de Munique se meteu numa enrascada das grandes. Ele me fez lembrar um conhecido – amigo de um amigo - sujeito direito e de comportamento exemplar que se meteu numa baita encrenca justamente pela prática de sexo casual. Dessas coisas que acontecem, sabem? Ele tinha se separado da mulher há alguns meses e topou com uma jovem por aí afora. Não sei dizer como foram parar num barzinho, nem mesmo como se decidiram a ir ao apartamento dela. O que vale mesmo é contar que lá estavam eles na saudável atividade sexual quando surgiu do nada um sujeito dizendo-se marido traído e pronto para acabar com a festa na base da violência.
E deu no que deu, algumas porradas etc. Mas, o pior viria depois quando a moça o procurou, pedindo ajuda de vez que ele arruinara seu casamento etc. Bom samaritano o meu conhecido até que deu uns dinheiros a ela durante algum tempo. A coisa durou até ele finalmente sacar que estava sendo surripiado por um casal de malandros especializados no golpe do sexo casual.
Muita gente é fissurada na prática de sexo casual. Conheço pessoas para quem a simples ideia de viver a dois ou mesmo a de compromisso sério é impensável. Além disso, as facilidades determinadas pela nova lei têm resultado no aumento do número de separações entre casais. Então, caso você seja mulher veja lá o tipo que escolhe para o sexo casual. Caso você seja homem e esteja sozinho só precisa se cuidar para não cair nas mãos de uma mulher tarada como foi o caso do pobre alemão de Munique. Tudo bem se cansar, mas pagar o mico de ter que chamar a polícia…
Livro: Farsantes e Fantasmas
“Farsantes e Fantasmas”, livro recentemente publicado do escritor Antonio Carlos Olivieri, filia-se às melhores narrativas do gênero policial contemporâneo. Entretanto, se por um lado segue alguns dos padrões característicos do gênero, por outro dele se distancia através da imersão em narrativas paralelas instigantes que prendem a atenção do leitor. De fato, de cada página lida, fica para o leitor a incerteza sobre o fluxo futuro da narrativa, a inquietação ligada à dúvida sobre no que tudo aquilo vai dar.
Em “Farsantes e Fantasmas” as tradicionais figuras do detetive e do criminoso não são proeminentes, surgindo até certo ponto inesperadamente ao final da narrativa. Até chegar-se ao crime somos levados através de um universo de contradições narradas em primeira pessoa pelo ghost writer Moreira que ganha a vida escrevendo livros para outras pessoas. As atividades de Moreira são umbilicalmente ligadas ao editor Pavão Lobo, um oportunista que sabe como ninguém tirar vantagens - e dinheiro - da grã-finagem que deseja publicar livros e não sabe como escrevê-los.
Através de Pavão Lobo Moreira conhece Lucila por quem se apaixona. Eis aqui outra trama paralela que foge aos padrões clássicos das narrativas policiais nas quais é incomum o envolvimento amoroso entre personagens. A isso se alia outra característica só encontrada no romance policial contemporâneo qual seja a inclusão de cenas de sexo explícito entre personagens. A ligação entre Moreira e Lucila revela-se fundamentalmente de natureza sexual e não são raras as descrições picantes sobre as relações de afeto íntimo entre os dois.
Pavão Lobo é um ser amoral. Moreira conhece-o profundamente, despreza-o enquanto ser humano, mas submete-se às suas exigências porque é bem pago para isso. É através do editor que Moreira encontra-se com o psiquiatra Dr. Paul Mahda para quem passa a trabalhar como ghost writer. Mahda é um aproveitador nato, crápula que tem seu forte em aliciar belas pacientes as quais, invariavelmente, leva para a cama. É em relação ao psiquiatra que a trama criminosa do romance se desenvolve, destacando-se a participação de um detetive da polícia criado segundo os melhores padrões das regras para o gênero. De fato, o detetive Lopes Cliff tem fama de jamais deixar de solucionar um caso, sendo publicamente admirado por isso.
Mas, falar sobre as personagens e revelar alguns detalhes sobre a trama mostra-se pouco em relação ao livro de Olivieri. Importa notar a grande experiência do escritor em relação aos temas que aborda. De fato, através do editor Pavão Lobo tem o leitor oportunidade de inteirar-se sobre os meandros da publicação de livros, incluindo-se as dificuldades encontradas por profissionais que elaboram teses universitárias que merecem ser publicadas, mas raramente o são. A desfaçatez de Pavão Lobo e o lado puramente mercenário com que exerce sua atividade são dignos de nota e de modo algum distantes da realidade. Outro aspecto importante é a abordagem da atividade psiquiátrica exercida como pura enganação por profissional ao qual falta competência teórica e prática. O Dr. Paul Mahda aplica-nos uma verdadeira “palmada” com sua arrogância e meios indiscriminados de obter o que deseja. Revelando-se pouco mais que um profissional com conhecimentos básicos de autoajuda mostra-se ele refinado canalha e charlatão que não mostra escrúpulos ao se aproveitar da fragilidade emocional de suas pacientes.
Por fim, há que se lembrar de Moreira, o narrador, que afinal se mostra confiável em sua narrativa. Dado a crises emocionais, intelectual, alcoólatra capaz de beber dias seguidos sem guardar memória de suas ações durante esse período, fumante inveterado, herdeiro de um escritório localizado no centro de São Paulo em prédio decadente e amante ocasional torna-se ele figura com a qual os leitores se comunicam e por quem, afinal, torcem.
É de muito boa leitura este “Farsantes e Fantasmas” do escritor Antonio Carlos Olivieri no qual a trama policial e a sátira de confundem. O livro é publicado pela Editora Record e pode ser encontrado nas livrarias.
O torcedor
O cara, sem camisa, estava em pé junto a uma grade protetora, no lugar mais próximo do campo. Durante todo primeiro tempo ele não parou de gritar palavrões e toda sorte de obscenidades. O frio não parecia incomodá-lo. Sujeito forte e beirando os 30 de idade ele se irritava com qualquer coisa que acontecia durante os lances do jogo. O juiz, o pobre juiz, merecia dele imprecações de grande profundidade. Mas, as pessoas sentadas nas cadeiras azuis, bem no meio do campo, setor superior, não ligavam a mínima para o estranho que esbravejava.
A loucura do torcedor durou até o intervalo, quando piorou. Então, times nos vestiários, o cara ocupou-se em ofender os policiais fardados que, cachorros ao lado, estavam a postos na beira do campo. Esses homens funcionam como olhos da polícia, observando as idas e vindas da torcida. Com as costas voltadas para o campo, nada parece escapar aos seus olhares argutos, vigias experientes que são.
Pois foi a esses dois homens fardados que o torcedor sem camisa dedicou, a partir daí, a sua fúria. De fato, xingava-os com gosto. Usava o dedo indicador para sugerir obscenidades pelas quais os policias deveriam passar. E os policiais lá, retos, impassíveis, recebendo seguidas imprecações, premiados com gestos e mais gestos absurdos.
A coisa deve ter durado bem uns dez minutos. Então surgiram três homens fardados, um deles enorme, armados de cassetetes. Desceram a escada devagar e abeiraram-se da grade de proteção. Então, o maior deles segurou com força o braço do descamisado que, em vão, tentou resistir, trovejando palavras desconexas. Foi, assim, levado, pouco antes do início do segundo tempo.
Então ficamos com o jogo, de vez em quando algum palavrão proferido por alguém mais como queixa contra algum desacerto em campo que como ofensa. Tudo em ordem até o apito final do juiz quando nos levantamos e, devagar, deixamos o estádio na noite fria de ontem.