Arquivo para julho, 2012
Nas asas da traição
Encontrei ontem, por acaso, amigo a quem não via há alguns anos. A vida é assim, de repente nos traz situações esquecidas, mas que retornam à memória num instante. A princípio não o reconheci, a começar pelos ombros um tanto curvados e os cabelos grisalhos que então não tinha. Mas, foi ele quem veio na minha direção, mostrando alegria pela surpresa de nos encontrarmos tantos anos depois.
Em certa época fizemos, ele e eu, parte de um grupo de pessoas ligadas, casais que se reuniam com alguma frequência. Na ocasião eu vivia sozinho e foi através de outro amigo que acabei me juntando ao grupo, coisa que deve ter durado não mais que dois anos. Nas reuniões do grupo sempre trocávamos, o amigo a quem encontrei e eu, algumas palavras. Ele trabalhava - se não me engano - com vendas de motores e máquinas e tinha uma boa visão do mercado de negócios através das necessidades de seus clientes. Era casado com moça bonita sobre quem perguntei agora que o encontrei, tendo ele me respondido que tanto ela como os filhos estavam muito bem. Era ele no passado e continuava a ser agora apaixonado pela mulher e pela família.
O que não sei dizer é se ele jamais percebeu - ou fingiu não perceber - a ligação da mulher dele com um dos homens do grupo. Talvez porque na época eu estivesse com minha sensibilidade mais aguçada desde logo percebi que entre a mulher do meu amigo e o marido de uma de suas amigas, rolava estreita relação. Aliás, isso confirmei tempos depois em conversa com o fulano que traia o meu amigo. Estávamos em mesa de bar, conversando, quando inesperadamente o fulano se abriu. Contou-me sobre sua paixão pela moça casada e os encontros furtivos dos dois regados a sessões de muito sexo. Estava o fulano a pique de acabar com o próprio casamento para unir-se à moça. Era, também, a vontade dela - disse-me. Quando perguntei sobre o que, afinal, os impedia de seguir em frente o fulano me encarou e respondeu:
- Ela tem pena do marido dela. O cara é excelente, bom pai, cumpridor. Não merece que ela o traia, mas você sabe bem como essas coisas acontecem. Demais, há entre eles uma diferença de formação: ela é culta, ele homem de vendas que se esforça muito embora lhe falte conhecimento. Ele não a satisfaz intelectualmente e creio que nem como marido.
Não imagino quando tempo terá durado o caso entre o fulano e a moça casada . Quando ao meu amigo traído folgo dizer que tive, agora, à minha frente o mesmo sujeito de aspecto resoluto do passado. Confesso que tive vontade de perguntara ele se afinal pelo menos chegara a desconfiar da traição da mulher. Obviamente, a pergunta não teria sentido. Daí que conversamos mais um pouco e nos despedimos.
Já no carro, dirigindo, veio-me à cabeça o antigo ditado: o que os olhos não veem o coração não sente. Mas, será mesmo que os olhos do amigo a quem encontrei não viram nada?
Velhos nazistas
Pertenço à geração pós-guerra (os tais baby-boom dos EUA) e cresci nos tempos da Guerra Fria. A polarização do mundo em dois blocos não deixava uma terceira opção ideológica aos governos e pessoas: ou se era comunista ou não era. E os tentáculos do império norte-americano não só se estendiam como se moviam livremente no vasto quintal da América Latina. Dinheiro e poder, força bélica, armas atômicas, perigo iminente de guerra total e fim do mundo marcaram um período que só se encerraria com a queda do muro de Berlim. Os rapazes de hoje terão dificuldade em compreender um mundo no qual as perseguições de natureza ideológica eram rotina. Não havia internet e mesmo os noticiários eram controlados durante os muitos anos da ditadura que começou em 1964 no Brasil.
Para a minha geração, próxima dos terríveis acontecimentos que marcaram o extermínio de seis milhões de judeus, o nazismo se mantém vivo e como perigo a ser vigiado e enfrentado quando movimentos que adotam sua ideologia eclodem mundo afora. Felizmente, não são muitos os núcleos políticos radicais existentes embora despertem receios e a necessidade de permanente atenção. Entretanto, vez ou outro nazismo torna-se notícia pela descoberta de algum carrasco que atou no tempo em que Hitler comandava a Alemanha. Foi o que aconteceu com a prisão do tenente-coronel da SS, Adolf Eichmann, responsável pela morte de milhões de judeus durante o Holocausto. O “caso Eichmann” comoveu o mundo durante o seu julgamento, em 1962, e fez reviver nas mentes os horrores praticados em nome do regime nazista. Eichmann era o executor chefe do Terceiro Reich e foi executado após seu rumoroso julgamento.
Agora surge a notícia sobre o criminoso nazista mais procurado no mundo. Laszlo Csatary foi encontrado em Budapest, segundo informa o Centro Wiesenthal, uma ONG judaica. Csatary tem 97 anos de idade e sobre ele pesa a acusação de cumplicidade na morte de 15,7 mil judeus durante a Segunda Guerra terminada em 1945. Csatary foi condenado à morte em 1948 por um tribunal tcheco, mas fugiu para o Canadá.
O aparecimento tardio de mais um criminoso nazista reacende a memória do Holocausto cuja ocorrência alguns teimam em negar, entre eles o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Nos próximos dias novas notícias sobre Csatary certamente aparecerão na imprensa internacional.
O eterno Maluf
Em entrevista o humorista Danilo Gentili diz que o melhor conselho que recebeu foi dado a ele por Paulo Maluf. Segundo Gentili Maluf recomendou o seguinte a ele: “Nunca se justifique. Seus amigos não precisam, eles já gostam de você. E seus inimigos não vão se contentar com isso”.
Trata-se de conselho de quem tem grande experiência e sabe bem o que está dizendo. Maluf é acusado de muita coisa e não se justifica, não se dá por achado. Agora está para ser decidido o processo que corre em Jersey com a possibilidade de condenação do ex-prefeito e a repatriação do dinheiro supostamente desviado por ele. Isso apesar dos embargos dos advogados que defendem Maluf fazendo com que o processo se arraste interminavelmente.
Não se pode negar reconhecimento à vitalidade do ex-prefeito. Deputado federal eleito com grande número de votos Maluf se mantém no pódio da política brasileira e consegue a façanha de nunca sair de cena. Seus fiéis seguidores e admiradores parecem não se abalar com as acusações feitas contra ele daí ter razão ao afirmar que não é preciso se justificar porque os amigos já gostam dele e os inimigos não vão se contentar com isso.
E quando se pensa que Maluf está derrotado, acabado, eis que ele ressurge esperto como é e sempre dando a volta por cima. A última vítima foi o ex-presidente Lula que veio comer na mão do ex-prefeito por conta de alguns minutos de propaganda eleitoral do candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad.
Especula-se se a possível condenação de Maluf em Jersey poderá respingar sobre a candidatura do aliado Haddad. O fato é que a aliança do PT com Maluf, até então seu inimigo público nº1, promete ainda dar muito pano pra manga.
Fugindo do cigarro
Larguei o cigarro há 20 anos, mas se me perguntarem respondo que sou fumante. Fumante que não fuma: pronto, é isso aí. Explica-se: se eu filar um cigarro e fumá-lo agora, unzinho, tenho a certeza de que o meu próximo passo será comprar um maço na padaria da esquina e começar a fumar, loucamente.
Fui fumante compulsivo, daqueles que acendem um cigarro no outro e chegam a ter dois acesos ao mesmo tempo. Vivia em meio a nuvens de fumaça dado que as pessoas com quem convivia também fumavam. Quantas reuniões de trabalho, durante horas em salas fechadas, com pelo menos três pessoas fumando e aspirando o ar poluído pela fumaça, irrespirável.
O problema - o grande problema - é que eu adorava e ainda adoro o cigarro. Ele é uma muleta e tanto, ajuda a compor a imagem do sujeito, confere charme e segurança. Quando se entra num lugar onde não se conhece ninguém, não é verdade que o cigarro se impõe como bom companheiro? E nas situações estressantes não é ao cigarro que se apela para suportar a pressão?
Conheço pessoas que não querem parar de fumar, mas são obrigadas a isso, em geral por imposições médicas. Os pulmões vão mal, a respiração torna-se difícil, o coração acelera-se. Mas, como parar? É quando entram em cena diferentes métodos a serem adotados, inclusive o uso de pastilhas de nicotina etc. Há quem comece diminuindo: o sujeito passa a fumar meio maço por dia, mas continua fumando. O fato é que não existe regra geral embora possa se afirmar que é preciso fazer valer a própria vontade para deixar de fumar. Sem decisão firme e esforço a escravidão ao vício seguramente persiste.
Cheguei a fumar três maços por dia. Aconteceu-me certa vez ir a uma festa, à noite, que durou até a madrugada. Nessa ocasião acrescentei aos três maços um quarto. Na manhã seguinte, ao acordar, imediatamente procurei pelo maço sobre o criado mudo e trouxe um cigarro à boca. Entretanto senti que meus lábios estavam machucados, em carne viva, afora o horrendo paladar impregnado pela fumaça. Foi quando decidi não fumar naquela manhã. Ao meio-dia pensei em fumar, mas ainda não me sentia bem e deixei para a noite. Foi assim que, deixando para um pouco depois, deixei de fumar. No segundo dia comprei uns maços na padaria e deixei-os nos lugares de sempre porque entendi que tinha que ter o adversário à mão para poder lutar contra ele.
Já se tinham passado uns quatro dias quando alguém me chamou, em casa, e me assustei. A minha reação ao susto foi socar uma estante próxima a mim, até machucar as mãos. Então compreendi que cigarro é vício semelhante ao uso de drogas ou álcool e nunca mais fumei.
No primeiro mês com frequência batia as mãos nos bolsos procurando pelo maço de cigarros. Venci esse automatismo, mas confesso que cerca de um ano depois eu ainda sonhava ocasionalmente que estava fumando e experimentava prazer nisso.
Vi muita gente se arrebentar fumando demais. Nunca me esqueço de um conhecido internado em UTI de hospital, pulmões encharcados e com balão de oxigênio, pedindo a mim um único cigarro. Ele morreu três dias depois e não sei se pode satisfazer o seu último desejo de fumar. Conheço safenados que tornaram ao vício, pessoas que sofreram AVC e continuam fumando. Trata-se de um vício terrível.
Hoje em dia é proibido fumar em lugares fechados. Já se pode ir a um bar ou restaurante sem passar pelo suplício de aspirar a fumaça expelida pelos fumantes. Não se pode fumar em aviões e isso é muito bom. Entretanto, não sou dos que crucificam fumantes e reclamam contra o vício deles. Primeiro porque, como disse antes, ainda me considero um fumante; segundo porque Deus sabe como é difícil abandonar o vício.
Se alguma coisa deve ser dita aos jovens sobre cigarros é que não devem experimentar. Ao primeiro seguirá o segundo e pronto eis aí instalado um vício difícil de abandonar.
George Gershwin
Ainda me lembro da primeira vez em que ouvi “Rhapsody in Blue”, concerto para piano e orquestra. Eram os anos 60 e o máximo era ter em casa um aparelho de som estereofônico. O lançamento de gravações utilizando dois canais monoaurais distintos começara em 1957. No Brasil o “top de linha” e objeto de desejo dos consumidores nos anos 60 era a radio vitrola Telefunken Dominante que, para a época, tinha um som incrível. Ainda hoje muita gente anuncia na internet a venda desses raros equipamentos que atraem colecionadores interessados.
“Rhapsody in Blue” é música de autoria do compositor norte-americano George Gershwin e traduz com perfeição e grande beleza rítmica a fusão do jazz com a música clássica. George Gershwin caracterizou-se por ser compositor genial legando-nos, juntamente com seu irmão Ira Gershwin, composições muito conhecidas e que ainda hoje fazem parte do repertório de grandes artistas da música. Entre os sucessos do compositor e pianista estão “Our love is here to stay”, “The man I love”, “Summertime” e muitas outras. Além disso, compôs a ópera “Porgy and Bess” e “An American em Paris”.
Não custa ressaltar que as obras citadas acima se constituem apenas em pequena parte das composições de Gershwin que se caracterizou por ser extremante prolífico, inclusive musicando filmes. Também vale repetir que George Gershwin foi de fato um gênio que desde cedo se dedicou exclusivamente à música e manteve relacionamento próximo com compositores como Maurice Ravel e Igor Stravinsky.
Entretanto, a carreira musical de George Gershwin encerrou-se prematuramente. Em 1937 o compositor, que então tinha 38 anos de idade, começou a ter dores de cabeça e reclamar que sentia o cheiro de borracha queimada. Tratava-se do desenvolvimento de um tumor cerebral denominado Glioblastoma multiforme. Em julho daquele ano Gershwin teve um colapso e veio a falecer durante cirurgia para retirada do tumor.
George Gershwin morreu no dia 11 de julho de 1937, completando-se, no dia de ontem, 75 anos desde o seu desaparecimento. Ainda possuo um disco de vinil, adquirido na década de 80, com a gravação de “Rhapsody in Blue” executada pela Filarmônica de Nova York regida pelo maestro Leonard Bernstein. Não sou capaz de dizer quantas vezes ouvi esse disco que certamente faz parte da minha história sentimental. Hoje em dia pode-se encontrar no You Tube vídeos mostrando partes dessa fantástica realização de Bernstein. Caso interesse ao leitor basta digitar o nome de George Gershwin no You Tube para assistir a s interpretações de músicas de Gershwin por artistas como Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Fred Astaire e muitos outros.
Eu era um rapazote quando ouvi, certa vez, que um cérebro genial como o George Gershwin era muito diferente daí o desenvolvimento do tumor na cabeça que cedo o vitimou. Embora a afirmação não tenha lastro científico o fato é que intriga-nos a existência de pessoas especiais como George Gershwin.
Dia de cassação
Acontece neste momento a sessão do Senado para cassação do senador Demóstenes Torres. Finalmente, porque o episódio do relacionamento do senador com o bicheiro Carlinhos Cachoeira já deu no que tinha que dar. A verdade é que os incautos leitores de jornais e revistas não aguentam mais ler notícias sobre as idas e vindas de Demóstenes, suas desculpas e, principalmente, o triste aspecto de um homem condenado pela opinião pública, mas que insiste em declarar-se inocente.
Poucos políticos deixarão memória tão confusa quanto Demóstenes a quem nos habituamos a ver de dedo em riste, acusando sempre, homem da lei, campeão da moral política. Àquele primeiro Demóstenes simplesmente não é possível sobrepor-se a imagem do segundo, esse que agora inevitavelmente será cassado. Este segundo, o que discursa diante do plenário vazio do Senado não passa de pálida sombra do primeiro, do rompante primeiro que tanta confiança inspirava por suas atuações em vários episódios da política brasileira.
Pois já vai tarde este segundo e verdadeiro Demóstenes de quem o valoroso primeiro nada mais era que uma criação, personagem inventando para encobrir as façanhas do segundo em seus descaminhos realizados em surdina.
Corre por aí que os senadores cassarão Demóstenes porque ele cometeu infração inaceitável no meio político: mentiu a seus pares. Para o povo Demóstenes fez muito mais do que simplesmente trair a confiança: aliou-se ao que de pior existe nos bastidores da politicagem brasileira, partilhou, beneficiado pessoalmente ou não, das tramoias que rendem milhões a espertalhões que se valem da corrupção para enriquecer e comandar verdadeiro exército de infratores.
Já vai mesmo tarde o Demóstenes.
Atores se despedem
Não sei dizer com exatidão o tipo de sentimento que desenvolvemos em relação a grandes atores. Na verdade existe uma vasta gama de sentimentos que vão da simples admiração até mesmo à paixão de alguns aficionados tanto pelo teatro quanto pelo cinema. Quanto a mim sempre fui curioso por biografias de modo que tenho por hábito acompanhar carreiras de atores nas quais sucessos e fracassos tornam-se fatos marcantes.
É interessante o fato de que um ator pode participar até mesmo de um filme medíocre, mas, ainda assim, deixar nele gravado pelo menos um lampejo de sua grande arte. Não me esqueço, por exemplo, de Boris Karloff em uma história sobre vampiros na qual ele sai de casa para combatê-los e avisa aos filhos que, caso volte depois da meia-noite, não o deixem entrar. O roteiro não é bom, os clichês são exagerados, mas fica o momento em que o pai, passada a meia-noite, aparece defronte a casa onde estão os filhos. Neste único instante Karloof apresenta-se magnífico: o olhar do homem que se transformou em vampiro e vai matar toda a sua família ilumina o seu rosto, tornando a cena inesquecível.
Nesta semana faleceu o ator Ernest Borgnine de quem ficou a participação no filme “Marty” – o papel rendeu a ele o Oscar de melhor ator em 1955. Mas, para mim Borgnine será sempre o fantástico motorista do filme “Fuga em Nova York” no qual circula com seu táxi, aparecendo nas horas certas, numa cidade devastada. E hoje se noticia que o ator Peter O’ Toole anunciou, aos 79 anos de idade, a sua aposentadoria. O’Toole é desses atores inesquecíveis. Viveu no cinema papéis realmente grandiosos a começar como Lawrence da Arábia, no filme do mesmo nome. O último filme em que o vi em ação foi “Vênus” no qual sua interpretação valeu a ele sua oitava indicação para o Oscar. Em “Vênus” O’Toole é Maurice, um velho ator que se apaixona por uma jovem. A perfeição e fineza de O’Toole no papel do velho ator pertencem aos grandes momentos do cinema.
Os atores de cinema são personagens que fazem parte do nosso cotidiano, repartindo conosco a ilusão das vidas gravadas no celuloide e em aparelhos digitais. Tornam-se nossos conhecidos, pessoas familiares que entram em nossas casas através das imagens na televisão. Por isso os admiramos e sentimos a perda deles seja pela aposentadoria ou pela morte.
Cidades pequenas
Existem por este Brasil afora incontáveis pequenas cidades. Há algum tempo fui a Ouro Preto, seguindo por estrada que passa por São João Del Rei. Não sei dizer o nome das cidades pelas quais passei após sair do Estado de São Paulo e passar por Caxambu. Todas elas com casas mais ou menos iguais enfileiradas em ambos os lados das ruas, raramente um prédio que em geral não passa de quatro andares. As pessoas caminham preguiçosamente sem a pressa a que nos habituamos em nossos dias nas metrópoles. A vida parece se passar em câmera lenta, com os fatos corriqueiros de sempre, os compadrios, os casamentos entre filhos de gente que se conhece. Os sinos das igrejas badalam chamando os fiéis, as festas paroquiais se repetem a cada ano com o mesmo brilho do passado. Permanece o modo de ser e encarar as coisas das gerações anteriores, embora a constante influência dos programas de televisão que refletem a vida das cidades grandes e tratam o mundo sob o ângulo do que nelas acontece.
Nas pequenas cidades temos a oportunidade de constatar com mais clareza a brevidade da vida e o movimento de gerações que se sucedem. Se você nasceu numa pequena cidade e costuma periodicamente visitá-la terá constatado que as pessoas mais velhas que conheceu, quando criança, provavelmente já desapareceram. Em lugar de muitas delas agora estão os filhos os quais também envelheceram de modo que torna-se comum você responder a um cumprimento sem identificar a pessoa que o cumprimentou. O mais interessante é que as pessoas do lugar reconhecem muito bem a você que é filho de fulano, neto de sicrano. O mesmo não acontece com você que se mudou há tanto tempo e já não reconhece pessoas com quem conviveu na infância.
Mas, o que mais impressiona é o fato de que, na verdade, pouca gente do seu tempo ainda existe na cidade. Décadas se passaram e uma nova gente apareceu no lugar de modo que agora você pode andar pelas ruas sendo tomado por estranho em sua própria terra natal.
Aconteceu-me ir a um depósito de materiais de construção em minha cidade natal. Eu precisava de uma janela de alumínio e o rapaz que me atendeu apresentou-me alguns tipos. Ora o depósito pertencera a um homem de quem privei convívio durante bom tempo. A certa altura perguntei ao rapaz sobre o Barbosa, o dono do depósito. Ele me olhou com curiosidade e revelou ser neto do Barbosa. Então perguntei a ele sobre o seu avô e fiquei sabendo que o Barbosa morrera há já algum tempo. Deppis me deu notícia da morte de algumas outras pessoas “do tempo do meu avô”.
Sai do depósito com um nó na garganta. Experimentei a sensação de que o mundo que conheci estava se desfazendo depressa e que, em futuro não muito distante, alguém poderia perguntar a meu neto sobre mim. Mas, depressa deixei de lado esse modo de pensar porque há que se agarrar à vida para que ela não se desfaça de nós.
Falta de criatividade?
Você conhece pessoas criativas? Todo mundo tem um pouco de criatividade, mas vez por outra cruzamos com alguém que nos surpreende com seu jeito diferente de ser. Mostra-se capazes de transformar a realidade, construindo ou organizando coisas e situações. Há vários modos de definir criatividade tais como a criação de algo original e único em qualquer terreno das ideias.
Conheço pessoas que reclamam de si mesmas por não se considerarem criativas. O fato é que, talvez por falta de estímulo, acabam levando uma vida mais ou menos óbvia na qual não pontuam nem ao menos por quebrar a rotina com algo de cunho pessoal e interessante. Note-se que a criatividade não requer inteligência excepcional e que algumas pessoas só se mostram criativas trabalhando em grupo.
Obviamente existem pessoas que podem ser consideradas muito acima da média, destacando-se não só pela criatividade, mas, também, pela genialidade. Grandes artistas, músicos escritores, políticos e profissionais de várias áreas destacam-se por suas atuações e obras relevantes. A cultura que conhecemos é resultado da atividade de pessoas que pensaram e se comportaram “além”, criando e deixando obras e conhecimentos que compõem o acervo cultural da humanidade.
Escrevo sobre esse assunto porque nos últimos dias, face a crise econômica mundial, tem-se acusado o governo brasileiro de falta de criatividade na condução da economia do país. De fato, só agora o ministro da Fazenda reconhece publicamente que o país não está imune à crise que devasta as economias europeias. Mais que isso, verifica-se que os resultados obtidos pelo governo na área econômica deixam a desejar, veja-se o andamento do PIB. Além disso, reclama-se a construção de uma agenda com medidas progressivas que incluam a redução de impostos e taxações.
Entretanto, é de se perguntar quem seria o gênio criativo capaz de imprimir verdadeiras mudanças nos rumos da economia do país. De todo modo no cenário atual não se observam talentos criativos capazes para tanto, daí derivando talvez um excesso de cautela e a sensação de que o melhor seja ir conduzindo para ver se os ventos mudam e o grande barco nacional dirija-se para regiões mais tranquilas e produtivas.
Pena de morte
O brasileiro preso na Indonésia e condenado à morte ainda não foi executado. Hoje se noticia que o fuzilamento dele foi adiado. Está preso e condenado por tráfico de drogas: tentou entrar no país, em 2003, com um pacote de cocaína.
A única esperança do brasileiro é uma interferência direta da presidente Dilma Roussef junto ao governo da Indonésia. Ele tem insistido nisso, mas, até agora a presidente não se manifestou.
Imagine você se a lei brasileira previsse fuzilamentos de traficantes de drogas. Teríamos fuzilamentos quase que diários aqui. Resolveria? Os entendidos dizem que não. Pena de morte, segundo estatísticas obtidas em países que a adotam, não resolve a criminalidade. Mas, será mesmo que o medo de vir a ser executado não influiria na consciência dos criminosos? Pergunta difícil. Entretanto, o que se vê por aí é que criminosos agem como máquinas sem passado e sem futuro. Eles agem e pronto. Participam rotineiramente de situações extremamente perigosas nas quais sempre há o perigo de que não sobrevivam. Mas, não parecem preocupados com isso. A vida é mercadoria sem valor para os criminosos daí matarem por matar.
A impressão de vir a ser fuzilado é, contudo, terrível. O brasileiro condenado na Indonésia sabe que, mais dia, menos dia, poderá ser retirado de sua cela e conduzido a um local onde soldados armados o esperam. Inimaginável a agonia desses últimos momentos, dos passos que conduzem ao fim, ao que não se sabe como realmente termina.
Semana passada divulgaram-se fotos de enforcamentos no Irã. Uma multidão reunia-se frente a guindastes improvisados como forcas. Mostravam-se nas fotos os condenados seguindo em direção à morte e, depois, pendurados pelo pescoço e já mortos. Um rapaz filmava os últimos momentos dos condenados. Alguém comentou que no momento em que os corpos eram lançados no ar observavam-se rápidos tremores que logo paravam. Simples assim.
A pena de morte não é o meio mais eficaz de punir pessoas por mais que a sociedade deseje se livrar delas para sempre.