2012 setembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para setembro, 2012

Muito prazer

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Aquele rapaz sentado na banqueta é mesmo danado. Acontece toda vez que uma nova funcionária desperta o interesse dele. Em geral trata-se de uma mocinha, nem sempre bonita, mas bem ajeitada. Então o rapaz espera o fim do turno de trabalho dele e vai se sentar na banqueta, lugar estratégico para observar as mulheres trabalhando nos computadores.

Não é ficção: o rapaz existe, a nova funcionária também. O que não deveria existir é mesmo o sucesso da técnica de conquista usada por ele. A banqueta fica em posição onde se torna impossível correr os olhos, no ambiente de entorno, sem vê-la e a quem a utiliza. E o rapaz fica lá, imóvel, olhos cravados na moça, pernas longas esticadas em desaprumo. Ele não diz nada, não sorri, dir-se-ia uma ave em seu galho observando o movimento. A moça parece resistir embora tudo indique que acabará sucumbindo, como as anteriores.

Então existiram anteriores? Mesmo? Sim, sim, todas abordadas e seduzidas com a mesma técnica da presença opressiva, absoluta dessa ave de rapina que espera o momento de agarrar sua presa. Houve aquela mocinha, a baixinha de corpo bonito, que chegou a reclamar da insistência dos olhares dele, mas acabou se apaixonando. A outra, a japonesa que dizia ser casada, que nem se deu ao trabalho de reagir e foi logo se entregando ao assediador. E algumas outras, sendo que em ocasiões nunca se soube ao certo sobre o desfecho que os casos tiveram.

Flertes assim despertam muitos falatórios e poucas certezas. Mesmo aquele marido que se descobriu traído e apareceu para tirar satisfações acabou se desculpando tal foi o modo como o rapaz se isentou de qualquer tipo de relacionamento com a mulher dele. Mas, de uma coisa todos estão certos: as moças atraídas pelo estranho comportamento do assediador em pouco tempo pedem demissão de seus empregos.

O fato é que esse rapaz deveria ser vigiado por gente do governo justamente por contribuir para as estatísticas de desemprego no país. Por outro lado, não há como não admirar o modo como esse garanhão ataca suas vítimas. Ele é um cara quieto, de pouquíssimas palavras, alto e magro e, para falar a verdade, destituído de beleza. Aposta em sua onipresença e tem faro para detectar moças solitárias à espera de algum príncipe, ainda que falte a ele maior encanto.

Nesse momento uma nova funcionária acaba de ser contratada e inicia o seu período de experiência. De uma semana a hoje o rapaz voltou a sentar-se na banqueta, sinal de que a moça talvez não fique muito tempo no emprego.

Liberdade de expressão

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“Innocence of Muslins” (A inocência dos muçulmanos) é o nome de um filme que está dando o que falar. Seu autor chama-se Sam Bacile nome certamente fictício. O filme tem 14 minutos de duração e satiriza o profeta Maomé, fundador do Islã.

A reação dos povos islâmicos ao filme é violenta a começar pelo ataque ao consulado norte-americano em Benghazi, na Líbia, que resultou na morte do embaixador dos EUA e alguns funcionários. Centenas de pessoas atacaram a embaixada dos EUA no Iêmen e grupos fundamentalistas antiamericanos estão em ação. De nada adiantam explicações dizendo que o filme não retrata a opinião do governo norte-americano. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, veio a público para classificar o filme como repugnante e tentativa cínica de ofender pessoas por sua crença religiosa, embora destacando que o governo não pode interferir na liberdade de expressão do país.

Eis aí assunto complexo. Alguém produz dentro dos EUA filme ofensivo à fé, divulga-o na internet, sabendo que vai atingir o nervo central dos povos de origem muçulmana. Mais que isso, o filme insere-se numa complexa e mal fechada teia de confrontos a todo custo mantida dentro de algum controle desde que foi iniciada a Primavera Árabe. Entretanto, o autor do filme tem a protegê-lo o sagrado direito democrático da liberdade de expressão que os EUA valorizam ao extremo, tanto que a Casa Branca sente-se de mãos atadas em relação ao filme.

Obviamente o discurso de Hillary Clinton cai no vazio porque ouvido e compreendido apenas pelos norte-americanos de vez que a “liberdade de expressão” não pode ser entendida na cultura dos povos muçulmanos ainda mais envolvendo agressão a Maomé. De todo modo fica em aberto a questão das responsabilidades nesse triste episódio ainda em andamento. As consequências de um filme claramente produzido para ofender a crença muçulmana rincluem mortes e protestos que se espalham no Irã, na Tunísia, no Marrocos, e no Iraque. Enormes esforços diplomáticos se fazem necessários para conter a progressão da crise gerada por esse filme ao qual não se pode negar ter atingido o alvo a qual se propusera.

O 11 de Setembro

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São passados onze anos desde os trágicos acontecimentos resultantes de um ataque terrorista a New York. Naquela manhã de 11 de setembro de 2001 o mundo parou para ver imagens terríveis transmitidas pela TV em tempo real. Dois aviões chocaram-se com as Torres Gêmeas provocando o desabamento delas e cortinas de fumaça e poeira encobriam a enorme confusão gerada pelo inesperado ataque. A grande metrópole norte-americana, centro financeiro do mundo, contava vítimas enquanto mais pessoas jogavam-se do alto dos prédios de onde já não poderiam sair. Por trás da ação, responsável por ela, emergia a figura do terrorista Bin Laden, a partir daí jurado de morte e perseguido em todo o mundo.

Como acontece em todos os anos, desde então, a tragédia foi lembrada pelo povo norte-americano. Cerimônia realizada no Marco Zero - local onde ficavam as Torres Gêmeas - visita do presidente Obama a túmulos de soldados mortos durante o ataque e outras manifestações marcaram o dia. Continua viva na memória do povo dos EUA a tomada de consciência sobre a posição de seu país no mundo e a surpresa de saberem-se tão odiados. De fato, naqueles dias a pergunta ”Por que nos odeiam tanto?” era repetida até mesmo em programas televisivos dos EUA.

No tempo decorrido entre a ação terrorista e os dias atuais muita coisa aconteceu. Ano passado, uma bem sucedida ação de soldados norte-americanos resultou na morte de Bin Laden. O anúncio da morte do terrorista foi festejado em todo o país dado que o povo sentiu-se finalmente vingado. A popularidade do presidente Obama cresceu logo após a divulgação da notícia. Há poucos dias foi publicado livro de autoria de um dos membros do ataque a Bin Laden que contesta a versão oficial da sequência dos fatos e o modo como o terrorista foi morto. Por outro lado, destaque vem sendo dado ao fato do então presidente Bush ter negligenciado em relação a comunicados secretos que recebeu dando conta de que Bin Laden preparava ataque aos EUA. Nunca é demais lembrar que Bush ordenou a invasão do Iraque, tendo como motivo a produção de armas nucleares as quais jamais foram encontradas.  Saddam Hussein foi enforcado e o Iraque ainda hoje vive as consequências da guerra.

Eu vi as imagens do ataque terrorista quando cheguei ao trabalho naquele 11 de setembro. Durante toda a manhã e tarde adentro não tirei os olhos da TV, pasmo diante de algo tão inacreditável. Eu estivera em New York pouco tempo antes e justamente visitara as Torres Gêmeas, ponto turístico da cidade. Era-me impossível não imaginar o acaso ou a sorte de não ter estado lá justamente no dia da ação comandada por Bin Laden. Entretanto, ontem revi as imagens retransmitidas do episódio e escrevo para dizer que, decorridos todo esse tempo, tudo aquilo me parece ainda mais inacreditável. A magnitude do ataque e as consequências dele advindas ultrapassam o que se espera de pior para o mundo e beiram situações ficcionais de grandes traumas mostrados em filmes.

O mundo nunca mais foi o mesmo após o dia 11 de setembro de 2001. Ontem o embaixador norte-americano foi morto por fundamentalistas na Líbia e o segundo homem na hierarquia da Al Qaeda foi morto em ataque de avião não tripulado dos EUA.

A guerra prossegue.

Extinção de espécies

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Ecossistemas dramaticamente alterados influem negativamente na sobrevivência das comunidades que neles vivem. Desmatamentos, exploração inadequada do solo, queimadas, corte seletivo de madeira e outros modos de ocupação reduzem a parte natural de ecossistemas e contribuem para a extinção de espécies. Aliás, em relação às espécies, também são muito importantes a caça predatória e os negócios praticados por traficantes que aprisionam animais para comercializá-los no exterior. Não se passa muito tempo sem que fiquemos sabendo da descoberta de animais em mãos de traficantes, muitos deles espécies raras e a caminho da extinção. A tudo isso se pode acrescentar o roubo de espécies vegetais nativas que, levadas ao exterior, servem à pesquisa daí se obtendo produtos que, depois de patenteados, são vendidos em todo o mundo.

Não é estranha a ninguém a devastação corrente nos ecossistemas brasileiros com consequências variadas destacando-se alterações climáticas e perda de espécies. Acaba de ser divulgada uma lista das 100 espécies com maior risco de extinção em todo o mundo. Desse total cinco vivem nos ecossistemas brasileiros. São elas um macaco da Mata Atlântica, um pássaro da Chapada do Araripe, no Ceará, um roedor e duas borboletas. A lista resultou do trabalho conjunto de 8 mil cientistas que se reuniram e contém espécies de 48 países diferentes.

O macaco que vive na Mata Atlântica, região Sudeste do país, é o muriqui-do-norte. Trata-se do maior macaco das Américas do qual restam apenas 1000 indivíduos. Desmatamento, caça  e corte seletivo de madeira estão entre as causas que decretaram a redução da população desses macacos, sendo que parte deles é encontrada em áreas de reserva florestal.

No relatório final produzido pelos autores da lista de animais em extinção ressalta-se a irreparável perda representada pelo desaparecimento das espécies citadas e o fato de que é possível conter o avanço da extinção. Torna-se necessário dar às espécies condições de sobrevivência para isso exigindo-se participação moral e ética da sociedade além de ações concretas visando a preservação.

Para que se tenha ideia da importância do problema dados recentes publicados pelo IBAMA informam que só no Estado do Amazonas existem 21 espécies em risco de extinção. A principal delas é o peixe-boi que é caçado por fornecer muita carne e de boa qualidade. Outros animais estão ameaçados por serem objetos de interesse em ser tomados como bichos de estimação. Entre eles podem ser citados macacos, araras e papagaios.

A Mata Atlântica é o ecossistema mais devastado do Brasil e nela já foram constatadas extinções de espécies como a perereca Phrynomedusa fimbriata , a arara Anodorhynchus glaucus, além de quatro invertebrados terrestres, como a minhoca-branca e uma espécie de minhocuçu.

Falta de fiscalização e impunidade dos infratores estão entre os principais motivos da progressão de ameaças de extinção de espécies.

Os resilientes

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Na física considera-se resiliente a um material que após sofrer impacto retorna à forma original.  Esse tipo de material acumula energia durante o impacto, pode deformar-se, mas consegue retornar ao estado original.  O aço de alta resiliência é utilizado no mundo inteiro em obras de grande porte como pontes etc.

O termo resiliente também se aplica às pessoas que passam por adversidades, superando-as e aprendendo com elas. Trata-se de dar a volta por cima e sair melhorado de algo traumático como perda de pessoa amada, doença grave etc.

Os entendidos destacam que ser resiliente é diferente de ser resistente. Pessoa resistente é a que consegue segurar bem situações adversas. O resiliente passa desse ponto, absorvendo o impacto e aprendendo com a situação negativa. Isso significa que a pessoa supera o estresse sem surtar, aliando à resistência a vontade de vencer.

A resiliência subentende serenidade e controle de impulsos. Pessoa resiliente lida bem com as emoções e supera-se com o desenvolvimento de autocontrole.  Trata-se de condição que se adquire com largo aprendizado e domínio sobre si mesmo que permite enfrentar com serenidade situações complexas e estressantes.

Ouvi falar sobre esse assunto por ocasião da morte de pessoa muito estimada por mim. Dias depois do funeral fui almoçar com amigos e um deles referiu-se ao falecido caracterizando-o como resiliente. Para ser franco naquela altura não tinha eu lá muita noção sobre o significado da condição de resiliência, confundindo-a com resistência. De fato era o amigo falecido pessoa que não se dobrava facilmente às intempéries que nos acossam vida afora. Mas, pensando bem, fora ele dotado de singular capacidade de superação e crescimento nos enfrentamentos propostos pela vida. Lembrei-me que por duas vezes esteve praticamente falido em seus negócios, mas jamais percebi nele qualquer sinal de desânimo ou perda de equilíbrio a ponto de pessoas atribuirem alguma frieza a esse seu modo de ser. Mas, não, na verdade era ele um típico resiliente, dotado de invejável capacidade de manter-se no prumo e aprender com situações adversas que superou na base de muita luta.

Falo desse amigo que perdi não sem emoção. Vida lutada a dele, difícil, mas sempre dobrada pela energia contagiante que o caracterizava. Entretanto, a sorte lhe foi madrasta porque, ao chegar aos 60 anos e finalmente tendo atingido a estabilidade financeira a que sempre almejara eis que adoeceu. Tratava-se de um câncer que rapidamente espalhou-se por alguns órgãos levando-o precocemente à morte.

Na última vez que vi o meu amigo estava já ele em estado adiantado da doença. Ainda assim mantinha o seu bom humor e dizia que em breve estaria bem. Morreu assim, otimista, rindo da crueldade da doença inesperada que se abateu sobre ele. Chamava-se Armando e manteve-se resiliente até o fim.

Crianças desaparecidas

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Foi exibido ontem o último capítulo da novela “Amor Eterno Amor” cuja trama gira em torno do desaparecimento de crianças. O personagem principal foi roubado de seus pais ainda pequeno e a novela gira em torno da busca realizada por ele, já adulto, dos responsáveis pelo crime que o afastou de sua família. Participação de espíritos, alusões a outras vidas, enfim boa dose de intervenções sobrenaturais mescla-se ao presente das personagens que nem sempre encontram nesta vida explicações para as situações que enfrentam. Mas, chama a atenção o fato de que, ao fim de cada capítulo, exibem-se imagens de pessoas desaparecidas, em geral crianças, sendo fornecidos contatos para o caso de alguém saber o paradeiro atual de alguma delas.

Crianças são trazidas ao mundo a cada instante sem que, com grande frequência, os pais tenham condições de cria-las adequadamente. Programas policiais exibidos na televisão rotineiramente apresentam casos de crianças maltratadas, abusadas sexualmente ou mesmo mortas a pancada por pais, mães, padrastos etc. Em muitos casos espanta a frieza dos responsáveis pelos delitos ao narrarem o modo como puseram fim à vida de crianças indefesas. Trata-se de confissões terríveis que nos levam a pensar sobre os limites que podem ser desrespeitados pelos seres humanos.

É comum nas cidades brasileiras a abordagem feita por crianças em sinais de trânsito, seja para pedir esmola, vender coisas, limpar vidros etc. Mal vestidas e com aspecto que traduz as condições miseráveis de suas vidas sabe-se que muito cedo descambam elas para vícios, quando não se dirigem à prostituição e ao crime. Morando em favelas, sob viadutos ou simplesmente na rua, não têm elas condições de seguir escolaridade e nem mesmo dispõem da alimentação requerida nessa idade para o desenvolvimento normal do organismo. Representam, a céu aberto, a miséria para a qual se fecha os olhos, absurdamente admitindo-se que o Estado não pode dar conta de tantas crianças desvalidas.

Mas, o Brasil certamente não é único país onde isso acontece. Vez por outra ficamos sabendo da situação existente em outros países e de casos que chamam a atenção pela magnitude. Hoje, por exemplo, se publica que a população indiana está chocada com o caso de uma mãe que vendeu suas três filhas por R$ 6,00. Explica-se a mulher dizendo que as vendeu para que não tivessem a vida terrível que as espera. Elas tinham sido expulsas de casa pelo próprio pai que com frequência batia nelas. Quando foram vendidas estavam morando numa estação de trens com a mãe.  Entretanto, o destino das meninas era incerto porque vivem em região onde o tráfico humano é intenso, sendo que 15 mil crianças desapareceram nas mãos de traficantes no último ano.

Agora as meninas e a mãe estão num abrigo. Temia-se que elas, caso não fossem resgatas, fossem conduzidas à prostituição ou se tornassem vítimas de casamentos forçados.

A vida do outro lado dos vidros bem fechados dos nossos carros não é nada simples.

Fotos tiradas do espaço

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Essas fotos que astronautas tiram da Terra diretamente do espaço talvez não devessem ser publicadas. Elas nos dão conta de nossa pequenez, do quanto levamos a sério uma civilização que, afinal de contas, tem sua história restrita a um grão de poeira do universo. Diante da vastidão do universo toda essa agitação, os problemas, as guerras e tudo aquilo em que acreditamos parece se reduzir a um quase nada, senão ao próprio nada.

Ora, pode-se não concordar com isso, afinal o mundo é um vasto reinado de jactâncias onde os humanos competem pelo seu espaço e brilho pessoal. Somos tão importantes, lutamos pelas nossas ideias, nossas convicções são tão firmes! Mas, o nosso mundo visto de fora, afastado de seu próprio umbigo…

Está circulando foto da Itália tirada por astronauta que no momento está na Estação Espacial Internacional. Nela destaca-se o sul do país, as luzes de Roma e Nápoles e o mar Mediterrâneo. Ali está Roma vista do espaço, Roma com seus milhares de habitantes, capital do antigo império romano ao qual sempre voltamos para ouvir os ensinamentos dos grandes tribunos. O grande Júlio Cesar viveu e lutou ali numa época em não existia a eletricidade que hoje permite que as luzes da cidade dele possam ser vistas de tão longe, do espaço.

Com frequência cada vez maior os cientistas fazem uso de telescópios mais poderosos e, aos poucos, devassam os mistérios do universo. Nesta mesma semana mostrou-se na televisão uma grande explosão ocorrida no Sol projetando-se a 800 km fora da grande estrela. Fusões de estrelas são flagradas, galáxias que se chocam são surpreendidas pelas poderosas lentes desenvolvidas pela avançada tecnologia hoje disponível.

O interessante nisso tudo é que o universo parece estar se empenhando em lembrar-nos sobre a nossa pequenez. Ao ser revelado e revelar-se aos nossos olhos, ao apresentar-nos o mundo em que vivemos em imagens tiradas de fora, talvez esteja nos avisando sobre a finitude das coisas e da própria vida.

Para além de sua beleza e interesse fotos tiradas do espaço são um convite à reflexão sobre o valor real da existência e a necessidade de viver-se da melhor maneira possível. Mas, para quem o universo não passa dos limites dos problemas que nos afligem no cotidiano as fotos tiradas do espaço talvez não digam nada.

Em quem votar?

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Aproximam-se as eleições municipais. No próximo dia 7 de outubro os brasileiros irão às urnas para escolher prefeitos e vereadores que constituirão as Câmaras Municipais. Sendo o voto obrigatório em nosso país ninguém poderá se furtar ao dever de votar, sendo necessário justificar-se em cartório em caso de não comparecimento.

Até as eleições os brasileiros terão tempo suficiente para analisar as propostas dos candidatos e escolher aqueles que receberão a confiança de seus votos. Trata-se de um período muito útil para a prática do civismo, ponderando os eleitores sobre os problemas das cidades onde vivem e a melhor forma de solucioná-los. O que se busca é a melhoria da qualidade de vida, mais segurança, oportunidades de trabalho, assistência à saúde, boas escolas, cuidados com a água e o esgoto e por ai vai. Entretanto, é justamente ao refletir sobre as necessidades públicas e o modo de saná-las que o eleitor se defronta com dúvidas tremendas ligadas à escolha dos candidatos em que votará. Mas, por que a escolha é difícil?

Muitos fatores podem ser citados para responder à pergunta anterior. O caminho mais fácil talvez seja  justamente o de se prestar atenção à propaganda eleitoral atualmente em curso nos meios de comunicação. A verdade é que, excetuando-se alguns casos realmente bizarros, verifica-se que praticamente 100% dos postulantes a cargos públicos falam a mesma coisa, prometendo muito, até mesmo coisas que jamais serão realizadas por inexequíveis. Melhorias na educação e na saúde fazem parte, por exemplo, da quase totalidade das propostas embora na maioria das vezes quem assim propõe não seja capaz de detalhar os meios para que isso seja realizado. E que dizer das visitas de candidatos a bairros onde vivem populações menos favorecidas aos quais certamente eles não voltarão depois de eleitos? É muito fácil falar diretamente aos pobres no sentido de aliciá-los com promessas em troca de votos. Calçamento de ruas de terra, introdução de rede de esgoto, legalização de terrenos onde já existem casinhas construídas sem posse de escrituras, iluminação pública a jato, construção de pronto-socorro na periferia, tudo isso é prometido a cada quatro anos por ocasião de eleições sem que pouca coisa ou mesmo nada seja levado em frente.

Os candidatos com maiores probabilidades de serem eleitos em geral são os de sempre, os mesmos de antes que pouco fizeram em gestões anteriores e, muito provavelmente, não farão grande coisa caso retornem ao poder. Os mais novos em geral mostram despreparo para a coisa pública e não empolgam. Talvez por isso o dia 7 de outubro mais pareça aos eleitores um momento de cumprir a obrigação imposta que de escolher pessoas nas quais confiam para ocupar cargos públicos tão importantes.

Mas, não que se perca a esperança. O brasileiro é otimista e quem sabe desta vez as coisas se passarão de modo diferente. Bons políticos serão eleitos, a corrupção será banida do país e os municípios receberão impulsos de crescimento e aprimoramento nos anos que virão. Afinal, é assim que se constroem nações fortes nas quais a qualidade de vida é um bem ao alcance de todos.

Resta votar bem e esperar.

Desembarque

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Você fica ali, na área de desembarque, esperando a pessoa a quem veio buscar. O voo está previsto para chegar às 16 horas e o quadro de avisos informa que o pouso está confirmado para esse horário.

Você fica o tempo todo em pé e as pernas doem. A cada instante chegam mais pessoas que vêm para buscar passageiros. Do nada forma-se uma multidão que de repente é espremida  num canto porque aparece uma turma de fiéis de alguma religião. Eles estão vestidos a caráter, carregam instrumentos e logo começam a cantar e dançar. A música que cantam é monótona, os acordes do acordeom, dos sinos e do bumbo são repetitivos, cansativos.

Meia hora se passa e a pessoa a quem você veio buscar não aparece. Agora está difícil ver as pessoas que desembarcaram porque se formou um túnel ladeado por gente que parece ter entrado no ritmo do canto dos fiéis. Logo surge uma senhora e algumas pessoas explodem em gritos de alegria. Você observa várias pessoas que abraçam a mulher que acaba de desembarcar, parece que a família inteira se locomoveu ao aeroporto para esperá-la.

A essa altura o ritmo da música cantada tornou-se frenético, na verdade irritante. Ouve-se um homem perguntar à mulher que o acompanha por que diabos ele é obrigado a ouvir aquilo. Você é tentado a dizer alguma coisa, concordando com ele, mas é quando surge o homem a quem os fiéis esperam. Ao ver o tipo metido dentro de uma túnica vermelha os fiéis não se contêm e todos passam a pular, o recém chegado também. Trata-se de momento de exaltação religiosa, como se os presentes tivessem adentrado o templo de uma seita.

Você está enfarado de tudo isso, quer ir embora, mas a pessoa a quem veio buscar demora-se. Outros passageiros aparecem no túnel, agora a felicidade parece ser geral. Até que, ao fundo surge aquele a quem você espera. Você não o vê há dois anos e não há como conter a emoção de reencontrá-lo.

Depois a vida segue o fluxo de sempre, o trânsito para o centro, as novidades trocadas em conversa animada e regada por muitas saudades. Então você já não se lembra da turma de fiéis cantando, do ritmo atroz de suas músicas, do homem de túnica vermelha que chegou pulando e cantando, da estúpida complexidade conferida a um momento tão simples quanto aguardar a chegada de um parente no aeroporto.

O fim da Kombi

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Leio que a Kombi vai parar de ser fabricada. Há 55 anos o primeiro modelo do utilitário era fabricado no Brasil. A notícia revela que há brasileiros apaixonados pela Kombi daí não a largarem de jeito nenhum. Mas, também se diz que não há brasileiros de mais de 60 anos de idade que não tenham alguma relação passada com o veículo fabricado pela Volkswagen.

Ora, a última afirmação do parágrafo anterior me fez pensar: eu e a Kombi? Quando? Em que circunstâncias?  Pois bastou puxar pela memória só por um instante para que me voltassem situações em que eu estive dentro de uma Kombi. Uma delas foi numa terrível e desastrada viagem à praia dentro de uma Kombi lotada nos meus tempos de rapazote. Calor infernal, desconforto de um utilitário que não era para passeio. Outras situações aconteceram em época de viagens a serviço pelo interior, sempre levado por algum funcionário de empresas que dirigiam as Kombis. Durante um desses trajetos, na região de Jaú, avistei um arvoredo cuja imagem nunca me saiu da cabeça. Íamos pela estrada e, ao longe, árvores muito altas curvavam-se sob o impacto do vento e chuva fortes. A luta das árvores resistindo à intempérie, os raios que caiam em meio à floresta e o ruído dos estrondos geravam cenas de filmes, inesquecíveis. Talvez por isso, toda vez que acontece uma tempestade as imagens que vi naquela estrada retornem à minha memória.

E dizer que dirigi uma Kombi carregada no trajeto entre São José dos Campos e Santos. Era daquelas com carroceria adaptada e lá iam alguns móveis pesados. Quando passei pelo pedágio da Anchieta deparei com intensa neblina. Depois de algum tempo, no começo da descida da serra, percebi que não vira nenhum carro durante o trajeto. Estava sozinho e para dizer a verdade quase não via nada tão intensa era a neblina. A certa altura percebi um carro ao meu lado, sinalizando para que eu encostasse. Quando consegui parar veio um guarda rodoviário para me dizer que eu fora o último veículo a passar antes que o pedágio fosse fechado. A estrada estava intransitável e com visibilidade zero, daí eles terem vindo para me socorrer. Que eu os seguisse até o fim da serra para evitar o risco de acidente. E há quem não acredite em anjos…

Imagino que milhares de pessoas sejam capazes de contar passagens como as anteriores, certamente mais interessantes. Entretanto, o que me levou a tocar nesse assunto é justamente o tempo que corre e a obsolescência inevitável de tantas coisas que nos foram tão úteis. A Kombi faz parte de uma época que se vai com ela. Com o fim da Kombi retira-se das ruas parte das nossas memórias. Mas, não há outro jeito: a indústria automobilística cria a toda hora novos modelos e a mudança nas linhas de produção faz parte de um jogo que visa atender às necessidades do público e fazer crescer as vendas.

Ficam as lembranças.